terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Prós e Contras: Casamento Homossexual

«A relação entre os cônjuges é uma relação de igualdade da posse, tanto das pessoas que se possuem reciprocamente, como também dos bens patrimoniais, tendo porém os cônjuges relativamente a estes a possibilidade de renunciar ao uso de uma parte deles, se bem que somente mediante um contrato especial». (Immanuel Kant)
O debate Prós e Contras (16 de Fevereiro de 2009) foi sobre o casamento homossexual, mais precisamente sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fátima Campos Ferreira apresentou-o como um debate sobre cidadania, travado "em nome de valores" e enquadrado numa "dimensão social" mais vasta, sendo talvez induzida em erro crasso pelo facto dos bispos portugueses terem contestado o casamento homossexual em nome de valores. A posição do Partido Socialista a favor do casamento homossexual não deve ser vista como uma resposta "com novos fundamentos éticos", pelo menos ao nível da "ideologia política" que pretende protagonizar na cena política da vida portuguesa: a sua posição é política e, enquanto tal, visa garantir a liberdade e a igualdade de todos os portugueses, sobretudo das minorias eróticas.
O debate foi francamente medíocre e, salvo raras excepções, quase todos os participantes revelaram desconhecimento total da "matéria". Quando um dos "advogados do contra" desafiou o público adversário a mencionar um único estudo sobre a adopção de crianças por parte de casais homossexuais, nenhum dos presentes respondeu ao desafio. Ora, existem largas centenas de estudos científicos que demonstraram que as crianças adoptadas ou criadas por pais do mesmo sexo apresentavam funcionamento emocional, cognitivo, social e sexual tão bom quanto as crianças criadas por pais heterossexuais (Perrin, Ellen C., 2002; Lambert, S., 2005: Navarro, F., et al., 2004). A American Academy of Pediatrics reconheceu esse facto científico: os casais homossexuais são tão bons quanto os casais heterossexuais a amar as suas crianças e, por isso, podem adoptar e cuidar de crianças (Pawelski, James G., et al., 2006). José Luís Gala carece de conhecimentos e de competências para representar a União das Famílias Portuguesas: o desenvolvimento óptimo das crianças é mais influenciado pela qualidade e pela natureza das relações e das interacções dentro da família do que pela forma estrutural familiar. Este é um dado adquirido pela pediatria e pela psiquiatria infantil: recorrer a Freud, como fez outro advogado do contra (Eduardo Nogueira Pinto), para tentar desqualificar a qualidade parental dos indivíduos homossexuais, mostra não só desconhecimento da teoria subtil de Freud e das suas derivações teóricas (a teoria da vinculação de John Bowlby), como também e fundamentalmente "preconceito sexual", que alguns apelidaram de homofobia (Carlos Pamplona Côrte-Real). Seria fácil demonstrar a ausência de conhecimentos exibida pela maior parte dos participantes, acrescentando, uma após outra, muitas lacunas e mentiras levianas detectadas ao longo do debate: os portugueses estão completamente viciados na emissão patética e doentia de opinião, revestida de papéis de embrulho caseiro pseudo-científico, sobre matérias que desconhecem. Opinam sem conhecimento de causa e, por isso, são naturalmente inclinados a debater os assuntos no plano dos valores, embora fossem incapazes de definir os valores e delimitar as suas problemáticas no caso de serem interpelados a esse propósito.
Mas, em vez de seguir a via da denúncia da ignorância activa dos portugueses, prefiro reconstruir livremente os argumentos dos dois partidos, usando uma outra terminologia cientificamente mais adequada ao tema: o partido dos advogados do contra e o partido dos defensores do casamento homossexual, porquanto a questão fundamental em debate foi sempre a mesma: "Quem é a favor? Quem está contra?". Os excesso de participantes juristas e de advogados desvirtuou completamente o debate: o Direito e o seu suplemento de ideologia moral ou religiosa são insuficientes para fundamentar qualquer estratégia de argumentação, até porque não são "eternos", podendo ser alterados em função de novas políticas de mudança social qualitativa.
Partido do Contra. Os advogados que argumentaram contra o casamento homossexual apropriaram-se, pelo facto de serem "heterossexuais", um "facto" não testado por métodos de observação fidedignos, do poder exclusivo da definição oficial da realidade: o casamento é, "por essência, uma instituição heterossexual", portanto, uma instituição que implica necessariamente a "dualidade dos sexos". Um homem e uma mulher unem-se pelos laços matrimoniais para procriar e, deste modo, assegurar a sobrevivência e a renovação da vida e da sociedade (Pedro Vaz Patto). A função desta "unidade das diferenças sexuais" é a procriação e a educação dos filhos. A valorização da procriação implica, nesta perspectiva funcionalista, a proibição legal da "redefinição do casamento" e da sua extensão aos casais homossexuais. O padre jesuíta António Vaz Pinto reforçou esta ideia, alegando que o casamento é "anterior ao Estado" (e também à Igreja Católica!) e que, como "realidade biológica", tem a função de "garantir a continuação da vida e da sociedade". E, como os casais homossexuais são "estéreis", o Estado deve negar-lhes o acesso ao casamento civil. Os cristãos não vivem somente na "cidade de Deus", mas também na "cidade dos homens", na qual participam com a sua perspectiva da sociedade, neste caso particular, lutando contra o reconhecimento legal do casamento homossexual. Paradoxalmente, o padre jesuíta defendeu, em nome do humanismo, a comunhão sexual (commercium sexuale) homossexual segundo a mera natureza animal (vaga libido, fornicatio), negando-lhes uma vida digna, a do casamento segundo a lei. Isto significa animalizar os indivíduos homossexuais e negar os seus "direitos humanos": em vez de humanismo, temos terrorismo anti-homossexual, o qual justifica e legitima a promiscuidade sexual. Aproveitando esta linha de argumentação inumana, Rui Castro reclamou o liberalismo caduco: o "Estado não tem de se intrometer na vida das pessoas", isto é, o "Estado não tem de se meter na cama de ninguém", mas, pelos vistos, deve garantir a perpetuidade da definição heterosexista. Pinheiro Torres considera que a introdução do casamento homossexual na agenda política é uma manobra de "distracção para um Primeiro-Ministro desesperado". Eduardo Nogueira Pinto e José Luís Gala suspeitam que "a seguir vem a adopção de crianças por parte de casais homossexuais e depois a eutanásia". De acordo com esta perspectiva conservadora, "a família está em perigo", não a família na sua diversidade real, tal como a conhecemos na nossa vida diária, mas sim a família tal como "deve ser" na sua perspectiva totalitária e arrogante.
Estes argumentos da Direita reaccionária carecem de qualquer tipo de fundamentação científica, filosófica e ética. Os estudos científicos e a visão humanista desmentem cabalmente os supostos "dados" em que os advogados do contra fundamentam a sua causa, ao mesmo tempo que desmistificam os preconceitos ideológicos que viciam mortalmente a sua argumentação. Um desses preconceitos é o heterosexismo, o grande responsável pela estigmatização social e perseguição histórica dos indivíduos homossexuais. Nesta perspectiva ideológica, os homossexuais são vistos como criaturas "anormais" (José Luís Gala) e "não-funcionais", e depois reduzidos à orientação sexual, ou seja, são tratados como "coisas" e não como pessoas humanas. O indivíduo homossexual é muito mais do que a sua atracção sexual e erótica: é uma pessoa integral. A concepção reificadora e fragmentadora da homossexualidade é simultaneamente conservadora e totalitária, esquecendo por má-fé que as pessoas que sentem atracção erótica por parceiros do mesmo sexo são funcionais, em termos anatómicos, fisiológicos e psicológicos, e saudáveis, em termos de saúde mental: não são estéreis, como alegou erradamente o padre jesuíta, cujo celibato invalida a sua própria argumentação, como demonstrou W. Reich. De facto, até mesmo em Portugal, sobretudo em Portugal, um número significativo de homens homossexuais e de lésbicas casam-se heterossexualmente e geram filhos. Além disso, os maiores crimes cometidos contra a humanidade e as neuropatias mais inumanas e cruéis, tais como o homicídio, o incesto, a pedofilia, o abuso sexual, físico e psicológico, a violência doméstica, a negligência parental ou a violação, pertencem aos homens heterossexuais, cuja homofobia pode ser sintoma de uma homossexualidade latente ou aprisionada, como mostraram estudos falométricos e estudos que mediram a excitação sexual: os indivíduos homofóbicos reagem com erecção do pénis a estímulos sexuais do mesmo sexo. E, para mal dos seus pecados mortais, os casais heterossexuais geram filhos homossexuais, muitos dos quais são maltratados pelos seus pais (Balsam, K.F., et al., 2005). Pais intolerantes e incapazes de se colocar na posição dos outros diferentes, mesmo que estes sejam os seus filhos, convertem-se em carrascos ao serviço de uma sociedade ficcionista: o discurso irracional dos advogados do contra foi um discurso do medo e do terror e o seu público adepto limitou-se a "chiar com muita raiva", conforme observou Isabel Moreira. Segundo Weinberg, o cientista que elaborou a teoria da homofobia, à qual sucedeu a teoria do preconceito sexual de Herek (1991), a homofobia deve ser objecto de tratamento psiquiátrico (Weinberg): doentes deste calibre não devem ter acesso à esfera pública enquanto não estiverem curados das suas perturbações homofóbicas. A homofobia foi definida como o temor de estar na proximidade física de homens gay e de lésbicas (Weinberg, 1972) ou como o medo e o desconforto que os heterossexuais experienciam na presença de pessoas homossexuais. As variáveis sociais associadas a elevado grau de homofobia são, entre outras, "ser politicamente conservador", não conhecer pessoalmente indivíduos homossexuais assumidos e ter um intenso envolvimento com a religião (Lingiardi, V., et al., 2005).
Partido a Favor. José Ribeiro (Homossexuais Católicos) neutralizou a argumentação do padre jesuíta, sem no entanto referir que muitos "pastores" da Igreja Católica são homossexuais activos que, no exercício das suas funções pastorais, violam constantemente os sacramentos: a Igreja Católica condena os seus homossexuais a uma vida clandestina, vedando-lhes o futuro e forçando-os a terem uma vida dupla, uma vida visível falsa e uma vida invisível obscura e, frequentemente, propensa a certos "desvios", tais como o da pedofilia. Isabel Moreira ajudou a demolir os argumentos da esterilidade e da "natureza das coisas", recordando que o direito de contrair casamento e o direito de constituir família são direitos distintos e que o acesso dos casais homossexuais ao casamento civil, não ao matrimónio como sacramento, evidentemente, "cumpre" a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o seu artigo 13, nº 2, que não permite a discriminação em função da orientação sexual, salvaguardando assim a dignidade da minoria homossexual: "o seu espaço de não intervenção alheia". Porém, este discurso jurídico assustou Miguel Vale de Almeida, que preferiu acentuar a história de sofrimento e de exclusão social dos homossexuais: uma minoria profundamente ferida nos seus afectos e nas suas sexualidades. O mundo é composto por homens e mulheres e, das suas combinações eróticas possíveis, resulta uma pluralidade de orientações sexuais e de atracções eróticas. Fernanda Câncio lembrou que as uniões de facto já são reconhecidas legalmente desde 2001 e Paulo Côrte-Real frisou que "os preconceitos não devem ser lei". O que está aqui em causa é simplesmente o acesso à dignidade do casamento civil por parte dos casais homossexuais: a lei não pode negar aos homossexuais a liberdade para casar com "pessoas do mesmo sexo", até porque, como afirmou Carlos Pamplona Côrte-Real, o casamento não é um contrato, como supunha Kant adulterado pelos advogados do contra, mas sim um "encontro de vontades". Pelo casamento, os indivíduos livres e adultos concedem ao seu cônjuge o estatuto de "parente em 1º grau" (Rui Tavares) e confiam-lhe a "gestão" dos cuidados, dos afectos e do património. Os advogados do contra não têm o direito de "querer meter-se na cama dos outros" (Daniel Oliveira), negando-lhes o acesso ao casamento civil, não por razões de "natureza vinculativa", mas por razões de natureza "imbecil e homofóbica", como mostrou Pamplona Côrte-Real contra o discurso de Pinheiro Torres. Em nome da sua suposta heterossexualidade, os advogados do contra negam a liberdade e a igualdade de acesso ao casamento civil por parte dos casais homossexuais, fazendo dos seus preconceitos sexuais leis castradoras que negam a um milhão de homossexuais portugueses o acesso à dignidade do casamento civil e dos múltiplos benefícios que dele derivam, incluindo a saúde. Tal como os heterossexuais, os homossexuais têm direito de construir de modo digno as suas vidas e o Estado deve garantir-lhes o exercício pleno desse direito, contra a intolerância dos heterosexistas. Mesmo sem terem elaborado um discurso original e fundamentado, os defensores do casamento homossexual venceram o debate: os irracionalistas da oposição homofóbica fizerem uma triste figura. Enfim, conforme disse Pamplona Côrte-Real, produziram um discurso "imbecil e homofóbico".
J Francisco Saraiva de Sousa

37 comentários:

Fernando Dias disse...

Sim, é um assunto político que envolve a liberdade e igualdade entre entre cidadãos.

Apesar de já ter ultrapassado os preconceitos que já tive no passado, e os argumentos a favor ontem no debate terem sido mais convincentes do que os outros, pefiro dizer: não sou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo se elas assim o desejarem. E o Estado só tem que ter o ordenamento jurídico e administrativo preparado por forma a proporcionar a essas pessoas esse direito sem se sentirem discriminadas.

Concordo com o Francisco, não faz sentido contaminar este assunto com o tema dos valores ou com moralismos. É por isso que considero a Igreja deslocada anacronicamente no debate, e é por isso que inevitavelmente vai sendo ultrapassada pelos acontecimentos em todas as frentes sociais em que se vai metendo. Ao dizer que quer ajudar a sociedade, e nesse aspecto dou o benefício da dúvida às intenções do Padre Vaz Pinto, na prática não ajuda nada.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Fernando Dias

Tinha concluído o post de madrugada, mas acabei por perder quase todo o texto. Tive de o reescrever novamente e, claro, não ficou igual à primeira versão. Paciência! Estava com sono e devo ter cometido algum erro! :(

Lacão disse...

Fiquei especialmente impressionado com a prestação de quem estava a favor, muito em especial pela intolerancia demonstrada. Praticamente sem excepção. Para não falar da gaiteira que estava lá dizendo-se constitucionalista.
Estive hoje a rever o programa (no site da RTP) e pude constatar também a parcialidade com que o programa foi conduzido.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, caro Lacão, concordo consigo na observação que faz em relação à Isabel Moreira: um pouco "gaiteira" e, por vezes, comete muitos erros e falácias, mas ela julga-se um "must". Enfim, é a vida... :)

Fräulein Else disse...

Sim, têm razão, a "Constitucionalista" da bancada era uma mulherzinha e, ainda acabou a sua defesa berrante com o previsível "argumentum ad misericordiam": vocês jovens ainda terão filhos homossexuais... ahahah que patética. :)

A Fátima Campos até costuma ter convidados mais ou menos, mas desta vez eram todos muito galináceos. :(

uf! disse...

Francisco, a minha alma (que não tenho) está parva! Mais uma vez, vim parar aqui por distracção - e pela porta do Rabiscos e Garatujas. Comecei a ler e... não é que até onde li estou de acordo consigo?! Não é que não me irritei ainda?! Confesso que não li até ao fim, ainda. Mas vou voltar. O texto merece-me mais atenção e agora estou só de passagem, à pressa. Queria só sublinhar um aspecto que refere no início do seu texto mas que depois me parece deixar cair (repito que ainda não li tudo). Concordo que se deve falar em casamento entre pessoas do mesmo sexo e não de (nem entre) homossexuais. É que casamentos de/entre homossexuais, já há muitos. São é cada um do seu sexo. Casam para manter a fachada e continuam as suas relações homo extra-conjugais. Outras vezes só um dos membros é que é homossexual e, nestes casos, acontece, por vezes, o outro elemento do casal só vir a saber disso mais tarde - ou nunca.
Para além de que ficou por esclarecer o que entendiam aquelas pessoas por homossexual - e ainda menos por bissexual :-)
Cumprimentos, Francisco.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá amiga Prof

Sim, o caso desses casais de fachada e de conveniência não foi debatido e, segundo creio, as estimativas nunca levam em conta esses supostos heterossexuais ou bissexuais. Penso que já escrevi aqui sobre esses casos. De facto, os homossexuais, pelo menos alguns, ao contrário do que é dito, têm filhos e cuidam deles. Mas a nossa cultura do silêncio silencia tudo o que possa perturbar os esquemas cognitivos habituais, aqueles que proibem o pensamento e dizer a verdade sobre as coisas: chamá-las pelos nomes.

Outro abraço

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Nos próximos dias, vou fazer um breve estudo de revisão das pesquisas sobre os casais homossexuais, gay e lésbicos, tratando das suas relações com as famílias de origem, as suas crianças e a adopção. :)

J. Maldonado disse...

Gostei bastante da tua apreciação, tanto em termos de forma como de conteúdo.
Fiquei bastante esclarecido em relação a determinados conceitos e estudos sobre as questões abordadas nesse programa, os quais, espero poder servir-me deles, com a tua devida vénia, para fundamentar alguns dos meus argumentos em futuros posts.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Maldonado

Obrigado e usa à vontade os estudos e os conceitos! A verdade resulta de uma busca cooperativa!

E. A. disse...

O antropólogo Miguel Vale D'Almeida fez uma adenda a respeito da sua participação no programa no seu pink blog: http://blog.miguelvaledealmeida.net/

Mas não disse mais nada de francamente especial, além de uma dúvida: o casamento é ou não anterior ao Estado? Ele não se pode considerar uma forma de potlatch, uma troca simbólica, à maneira de Marcel Mauss e Bataille, que o Estado apenas regulou, como técnica de poder?

Apesar dos argumentos contra não serem propriamente argumentos sérios, houve algo que foi dito, um paradoxo interessante, mas não sei se falso: o casamento como instituição está a definhar, mas pode vir a revitalizar-se pelo alargamento do espectro jurídico. Será que faz sentido?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else Papillon

O casamento anterior ao Estado? A questão não faz muito sentido, porque onde há sexualidade há formação de pares e acasalamento. O paradoxo do padre jesuíta reside aí: como realidade biológica a união é quase universal. E, na natureza, a união não é apenas hetero mas também homossexual. Isto leva-nos ao carácter biológico da própria homossexualidade. Claro, entre os humanos culturais o casamento passou a ser uma instituição regulada.

Bem, quanto à revitalização do casamento, penso que ele nunca esteve em causa: as uniões livres entre pessoas são casamentos, mesmo que não sejam reconhecidas pela lei.

O ntropólogo pink não acrescenta nada e mais parece outro murcho pronto a disparatar: temperamento pink. :(

Fräulein Else disse...

Não sei se concordo muito com o que acabou de dizer..., pois desvirtua a ideia pressuposta no casamento ou na "aliança", como o Miguel V. A. lhe chama. Não é por eu ser sexual, que sou apta a fundar uma aliança. Casamento não combina com acasalamento, até porque para acasalar não é preciso casar! Os compromissos ou alianças são mais profundos. São actos de partilha simbólicos, cuja aliança (o anel) é o vestígio. E não acho que a união de facto seja a mesma coisa que casamento. Essa partilha é um acto cultural, social, deve ser reconhecido pelos outros.

Fräulein Else disse...

E, nessa medida, o casamento está em crise, porque o compromisso está em crise. Ninguém quer ter a responsabilidade de assumir publicamente um compromisso que supostamente é vitalício - é isso que o casamento significa! Tudo o resto é "puro acasalamento"...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não acasalamento, mas fornicação pura! Mas tudo o que referiu é construído com materiais biológicos. Existem outros sistemas afectivos, mas aquele que está envolvido no casamento é sexual. Se não houvesse sexualidade, o casamento não faria sentido. Além disso, sexo e afecto podem andar juntos e andam nas relações conjugais.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A aliança era usada pelos escravos. Ora, o casamento como escravidão passou à história, pelo menos aparentemente. Existem muitas formas de casamento e, de certo modo, são reconhecidas por outros, mesmo que não pela lei.

Fräulein Else disse...

Hmmm... está a ser muito determinista e biologicista! :(

Se neutraliza assim o casamento, como explica o facto de os homossexuais quererem casar? Por que é que não lhes basta a união de facto?
Porque o casamento é mais que isso. (e não se trata dos benefícios fiscais, jurídicos ou outros)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Essa é outra questão e penso que nem todos os homo querem casar.

Na minha perspectiva, eles deviam alegar razões relativas a direitos garantidos pela lei aos casais hetero, tais como compra de casa, gestão de bens patrimoniais, segurança social, reforma, herança e sobretudo confiar no parceiro/a a sua vida. Muitos são maltratados pelas famílias de origem que, na hora da morte, se apoderam dos seus bens. Ora, isso é injusto: o cônjuge devia ser o herdeiro. Ou quando são hospitalizados: é o parceiro/a que deve tomar decisões e não uma família estranha!

Fräulein Else disse...

Precisamente nem todos os homo querem casar, nem todos os hetero casam.

Casar é um acto simbólico e um compromisso sério, e por isso, tem mais valor que qualquer acasalamento seguido de fornicação. É um paradigma cultural, mais profundo e antigo e que devemos honrar, como se honram os antepassados e os mortos.
Não se trata nem de direito nem de Estado, nem (apenas) de sexo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E, numa perspectiva mais objectiva, o reconhecimento legal dos casamentos homo pode ajudar a criar uma cultura de responsabilidade e de maturidade entre essas pessoas, bem como combater a fornicação promíscua que predomina. O acasso à adopção reforça isso: as crianças tornam os pais adultos e responsáveis.

Sim, os genes gay foram seleccionados pelas suas vantagens evolutivas, uma das quais o cuidado das crianças dos irmãos (Wilson), mas vou editar um post sobre isso no outro blogue.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, devemos manter esse simbolismo mas num espaço de afectos e de amor. O vínculo afectivo que une o casal é que conta: o compromisso ou o encontro de dois desejos que querem conquistar o tempo...

Fräulein Else disse...

O casamento é mais que o encontro afectivo a "conquistar o tempo". Deve ser anunciado publicamente para ser casamento. É uma cerimónia social.

Fräulein Else disse...

Ahah! Agora a reler a sua definição de vínculo afectivo, fez-me lembrar a letra da "Canção do Engate" do António variações... um dos geniais gays da cultura portuguesa:

Vem que o amor
Nao é o tempo
Nem é o tempo
Que o faz
Vem que o amor
É o momento
Em que eu me dou
Em que te dás

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, o amor é isso e algo mais: o casamento não é sinónimo de amor. E as uniões de facto são reconhecidas pelos outros. Aliás, os gays e lésbicas realizam casamentos e festas, onde estão presentes os amigos/as, e usam alianças. Não tem valor legal, mas tem valor simbólico.

Fräulein Else disse...

Sendo assim, é casamento, se houver anúncio e promessa é casamento. :)

Não conheci ninguém que celebrasse a união de facto, por isso o disse.

Fräulein Else disse...

Os outros são as testemunhas, só estas validam o compromisso.

Bom, sendo assim, tem razão. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é exclusivamente um direito à liberdade de constituir família, para além da natural. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, a letra do Variações fala de sexo passageiro, momentâneo: isso é sexo breve ou talvez casual. Quando falei no tempo queria referir a duração a longo prazo, a estabilidade.

Sim, é uma espécie de casamento sem reconhecimento legal. Um casamento informal, à margem da lei. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, vejo assim o casamento homossexual: uma garantia para os envolvidos. Esses casais já existem mas sem reconhecimento da lei, tal como alguns casais hetero que abdicaram da instituição!

E. A. disse...

Sim, a do Variações é de sexo passageiro... mas é uma canção linda e é verdadeira: o amor não é o tempo que o faz. Podemos ter uma relação de meses com alguém e bater-nos mais forte que outra de anos.


A sua definição de amor/amantes, é mais próxima da de Holderlin: "... em nós reina um Deus"
a eternidade!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, as faculdades estão repletas de gente pink e, por vezes, estas pessoas são muito rancorosas e perigosas: as aulas são pink-má-língua.

E introduziram o sexo livre com os alunos(as): uma democracia sexual pink que contribui para supernotas inflacionárias.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E outra diferença que verifiquei é que aí em Lisboa, se formos à casa de um desses professores pink, ele recebe-nos de "pantufas rosa" e outros adornos femininos, com movimentos consecutivos e muitas bichices: assumem a mulher que está dentro deles, e curiosamente tendem a ser passivos. Etc... (Uma bisbilhotice inofensiva!) Enfim, Lisboa é Lisboa...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aliás, a maneira de falar e a voz são muito femininas. Por isso, prefiro comunicar com gente pouco amulherada e muito dada à "loiça"... :)

Fräulein Else disse...

Sim, não só as universidades, na área da cultura. O lobby existe e é forte.
E sim, Lx é uma cidade pink às bolinhas amarelas. Se for ao Chiado, zona nobre da cidade, é zona meeting por excelência.

O que é ser dada à "loiça"?

Fräulein Else disse...

E por que é que diz "curiosamente" tendem a ser passivos? Se são tão femininos, a surpresa seria se fossem activos, não? :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Não estava diante do computer.

Sim, quanto ao passivo, estava a ser irónico, mas confesso que, na primeira vez, fiquei um pouco atordoado: robe transparente, uma peça de lingerie, pantufas e muito pêlo davam um ar caricato à coisa. Mas pesquisa é pesquisa. Enfim, cada um faz o que achar melhor para si...

Sim, o chiado é muito concorrido, cafés e os Wc's da zona, bem como o centro comercial.

De resto, referi esses factos sem segunda intenção, talvez com o objectivo de mostrar que existem diferenças entre os homo. Daí que os filhos ou afilhados nunca tenham dois pais equivalentes: um deles será um pouco como a mãe. Um argumento contra a oposição homofóbica.

Vi a Quadratura do Círculo e o Pacheco aproveitou a deixa do antropólogo para considerar o tema simbólico e, nesse caso, submetê-lo a referendo, ou seja, chumbá-lo. A questão é política e essa é a forma de acabar com a descriminação. Além disso, cada um deve viver a sua vida de modo a ser feliz. Enfim, o assunto diz respeito aos próprios e não aos outros. Devem viver em função da sua identidade real, sem temer represálias e estigmas, desde que colaborem nas restantes tarefas comuns.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

* era discriminação... :(

E. A. disse...

Ele estava a tentar seduzi-lo, F. ahah... robe transparente...

Quanto ao referir sem "segunda intenção", claro que sim! Não é por gozarmos que somos homofóbicos. O politicamente correcto, e a "toleranciazinha" são estratégias de poder censórias. De qualquer maneira, como demonstrou o estudo de Balibar relativamente ao racismo, outras formas de discriminação surgem e, se calhar mais perigosas, por serem menos explícitas...