V.I. Lénine |
«A Física contemporânea está em trabalho de parto. Dá à luz o materialismo dialéctico. Parto doloroso. O ser vivo e viável é inevitavelmente acompanhado por alguns produtos mortos, restos destinados a ser evacuados com as impurezas. Todo o idealismo físico, toda a filosofia empiriocriticista, com o empírio-simbolismo, o empiriomonismo, etc., estão entre estes restos». (Lénine, 1909)
Lénine, o líder da grande Revolução de Outubro de 1917, é, para mim, o maior estadista do século XX. Sem o conhecimento da sua obra política e científica, nos domínios da economia política e da sociologia, não podemos compreender as suas intervenções filosóficas. Lénine dedicou duas grandes obras à Filosofia: Materialismo e Empiriocriticismo (1909) e Cadernos sobre a Dialéctica. A primeira destas duas obras não foi bem acolhida pela comunidade filosófica, bastando nomear Jean-Paul Sartre, Paul Ricoeur e Maurice Merleau-Ponty para evidenciar a recusa do materialismo. Sob o impacto desta crítica, nunca cheguei a ler Materialismo e Empiriocriticismo durante o meu período de formação científica e filosófica, embora conhecesse o conteúdo da obra através dos estudos que Althusser, Lukács e Lefebvre lhe dedicaram. Só muito recentemente comecei a ler a obra filosófica de Lénine. A obra compreende, para além dos dois prefácios e da Introdução, seis capítulos, seguidos de uma conclusão. Os três primeiros capítulos - A Teoria do Conhecimento do Empiriocriticismo e do Materialismo Dialéctico I, II e III - esboçam a célebre teoria leninista do conhecimento por oposição à epistemologia elaborada por Mach e Avenaritus. Convém lembrar que a filosofia empiriocriticista de Mach influenciou fortemente o pensamento de Einstein e de Heisenberg, pelo menos no início das suas carreiras científicas. A teoria leninista do conhecimento foi rejeitada pelos filósofos do chamado mundo livre e permaneceu incompreendida pelos filósofos do marxismo soviético. Os dois capítulos seguintes - Os Filósofos Idealistas, Irmãos de Armas e Sucessores do Empiriocriticismo (IV) e A Revolução Moderna nas Ciências da Natureza e o Idealismo Filosófico (V) - ocupam um lugar de destaque na economia da obra, sobretudo o capítulo V que trata da revolução científica que levou à emergência da mecânica quântica. Lénine rejeita a tese de Poincaré segundo a qual a crise da física clássica era a Crise da Ciência. Para Lénine, a física não estava em crise, mas em pleno processo de crescimento. Quando intervém no domínio da ciência, Lenine toma desde logo partido por uma das tendências fundamentais da filosofia: o materialismo que ele liga organicamente à prática científica. Deste modo, muito antes de estalar a polémica em torno da interpretação da mecânica quântica, Lénine já tinha tomado partido: optou pela interpretação materialista, afirmando a existência do seu objecto de estudo (tese de existência) e a objectividade do seu conhecimento (tese de objectividade). (A Filosofia Materialista intervém no domínio das ciências, traçando linhas de demarcação entre o científico que instaura e o ideológico que as ameaça. Embora critique o materialismo metafísico, Lénine desloca o foco da intervenção filosófica: em vez da clássica distinção entre metafísica e ciência, temos agora a distinção entre ideologia e ciência, a única que é adequada à teoria do materialismo histórico.) O último capítulo - O Empiriocriticismo e o Materialismo Histórico (VI) - é fundamental para compreender o que faltava a Engels e que Lénine acrescentou para esboçar uma filosofia marxista: a ligação da Filosofia à Política que Lénine define neste conceito brutal: a tomada de partido em filosofia. Porém, para compreender este conceito, convém lembrar que nos três primeiros capítulos Lénine distinguiu a Filosofia da Ciência, sobretudo quando analisa a categoria de matéria: a categoria filosófica de matéria é distinta do conceito científico de matéria, cujo conteúdo muda consoante o desenvolvimento do conhecimento científico. O carácter inalterável da categoria filosófica de matéria permite a Lénine «reduzir» a Filosofia a um campo de batalha, onde se confrontam «eternamente» duas tendências: o idealismo e o materialismo. Destas tendências o materialismo é a única que está profundamente ligada à prática científica. Ora, se a filosofia se vincula à ciência pela tese materialista da objectividade, a sua vinculação à política exige a intervenção de um conceito fundamental elaborado por Marx: o conceito de ideologia que Engels negligenciou. É certo que Lénine não clarifica este conceito, mas sempre que critica a negação filosófica do domínio da filosofia pela política usa-o para definir a nova prática filosófica do marxismo, em defesa do crescimento científico constantemente ameaçado pela ideologia. Curiosamente, a teoria crítica da Escola de Frankfurt nunca destacou o contributo de Lénine para a elaboração de uma filosofia marxista, embora a crítica ideológica que protagoniza já esteja em acção na obra teórica de Lénine. (Há aqui uma diferença fundamental: o optimismo científico e tecnológico de Lénine contrasta fortemente com o pessimismo dos críticos da racionalidade instrumental, Horkheimer e Adorno, um dos quais - Marcuse - procurou pensar uma nova ciência liberta da dominação. O carácter instrumental da ciência merece ser pensado, até porque a filosofia não pode ser pensada fora da sua vinculação com as ciências. Ao colocar o Ocidente no centro da reflexão filosófica, procuro evitar a aporia, com a ajuda de um conceito de história dialecticamente aberto sem garantia transcendental.) O conceito de dominação ocupa um lugar central no materialismo histórico, a ciência da História fundada por Marx. Estou convencido de que é possível resgatar Lénine de modo a fazer uma leitura leninista do marxismo soviético. Colocar Lénine contra os desvios grosseiros do marxismo soviético permite reformular um novo projecto político para o marxismo, um projecto ligado à noção grega de Cidade-Estado, cuja orientação democrática não era alheia ao socialismo. (A globalização helenística foi no passado fatal para a Cidade-Estado, tal como hoje a globalização é fatal para o Ocidente: os políticos ocidentais esqueceram a Guerra do Ópio.) Porém, um tal projecto político é profundamente ocidental: o marxismo é a única filosofia capaz de iluminar um Novo Ocidente, aquele que esteve sempre presente desde a sua origem grega. Os jovens que protestam nas ruas de diversas cidades mundiais devem ler Lénine, cuja crítica do espontaneísmo encontrou eco nas suas teses teóricas anti-empirista, anti-positivista e anti-pragmatista: «sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário» (Lénine).
J Francisco Saraiva de Sousa
6 comentários:
Ando de tal modo ocupado que não tenho tempo para filosofar. Mas para dar continuidade ao projecto arranjei algum tempo para escrever este texto introdutório. :)
Bem, já n podem falar da minha falta de produtividade 2013, mas com este governo n dá vontade de fazer nada. Porém, ao chamar a atenção para Lenine, estou a denunciar a estupidez dos lideres europeus.
A China sempre foi um mercado fechado: os ingleses compravam produtos chineses, em especial o chá, e os chineses não importavam os produtos ingleses. Depois os ingleses descobriram um produto fatal: o ópio. Como o imperador conseguiu proibir o ópio, os ingleses enviaram os seus navios de guerra e bombardearam as cidades chinesas. Os chineses fizeram a paz: fim da guerra do ópio. Porém, hoje a China teima em desenvolver-se à custa do ocidente!
O Ocidente tem uma arma letal: armas biológicas! A luta continua!
O czar da Rússia quis libertar os servos da gleba para poder industrializar o país. Porém, a nobreza opôs-se e a Rússia atrasou-se, tendo perdido uma guerra com o Japão - a primeira vez que um país ocidental perdia uma guerra. Só Lénine preparou a Rússia para a industrialização!
Lenine é um grande cara, um grande artista brasileiro, uma enorme referência em meu projeto musical tb. Convido todos aqueles que tb acham o trabalho do cara muito interessante, a darem uma olhada no meu trabalho.Obrigada e salve Lenine!
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