quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Cérebro Social e Teoria da Mente

A neurociência social estuda o comportamento social e a cognição social, usando os métodos moleculares e celulares e os instrumentos da neuro-imagem. A emergência da neurociência social é relativamente recente e apoia-se em três desenvolvimentos: 1) Os estudos de determinadas interacções sociais, tais como o comportamento reprodutivo e os cuidados parentais, revelaram alguns mecanismos moleculares e celulares que, apesar de simples, parecem estar envolvidos em muitos comportamentos sociais (Young & Wang, 2004; Lim et al., 2004: Curtis & Wang, 2005). 2) Os estudos de animais não-humanos que revelaram e identificaram os substratos neurais do comportamento social normal ajudam a compreender e a tratar comportamentos sociais humanos anormais, em especial as perturbações tais como o autismo e a esquizofrenia (Lim et al., 2005). 3) Os estudos que acumularam evidência de que o isolamento social e a separação social são factores de risco de certas perturbações médicas mostram que a interacção social protege contra a doença: a solidão tem um forte efeito negativo sobre a saúde (Esch & Stefano, 2005). Estes desenvolvimentos decorrem, em parte, do conceito de "Umwelt" de von Uexküll (1921), retomado por Konrad Lorenz (1935) numa perspectiva mais ampla, segundo a qual o mundo perceptual do animal deve incluir informação relevante sobre o comportamento de outros indivíduos e do grupo social como um todo.
Lorenz criou uma bateria de conceitos extremamente revolucionária que ainda não perdeu a sua fertilidade teórica, embora o seu modelo psicohidráulico seja bastante avesso à linguagem neurobiológica. Lorenz defendeu que em cada caso de comportamento instintivo existe um núcleo de automatismo completamente fixo e mais ou menos complexo, o movimento instintivo. Estes automatismos são elementos centrais e essenciais de todo o sistema de comportamentos instintivos de todos os animais e, devido à sua constância, podem ser usados para os estudos filogenéticos e comparativos. Cada comportamento instintivo depende de um certo impulso interno, ou melhor, tende a produzir uma espécie de tensão específica no sistema nervoso central. Se o animal não se encontrar numa situação favorável para a sua descarga, esta energia específica de reacção acumula-se, de modo que o limiar dos estímulos que são efectivos para desencadear esta actividade instintiva particular desce até que, a partir de determinado momento, o instinto se desencadeia sem nenhum estímulo exterior, dando origem à actividade no vazio. Além deste núcleo de automatismo endógeno, existe o comportamento apetitivo que permite ao animal atingir a meta para a qual está adaptada a sequência completa de comportamento. Quando o comportamento apetitivo segue o seu curso apropriado e o animal alcança a sua meta, o comportamento instintivo apropriado é libertado pelo estímulo ou desencadeador, cuja eficácia é devida à existência de um receptor relacionado, isto é, uma organização sensorial que permite ao animal reconhecer o estímulo adequado e actuar de modo apropriado. Este mecanismo desencadeador pode ser inteiramente inato e, portanto, não modificável pela experiência individual. No caso de o animal estar sob a influência de um poderoso impulso e, ao mesmo tempo, impossibilitado para expressar o impulso de forma adequada, pode ocorrer uma actividade de deslocamento. N. Tinbergen (1950) elaborou um modelo alternativo: o modelo hierárquico.
Nas neurociências cognitivas, usa-se a expressão teoria da mente ou capacidade de mentalização para designar a habilidade para representar estados mentais de si próprio e dos outros, tais como intenções, crenças, vontades, desejos e conhecimento. Esta habilidade é adquirida pelas crianças por volta dos 4 anos de idade e continua a desenvolver-se até aos 11 anos de idade (Baron-Cohen et al, 1999). Os processos de mentalização são usados para a introspecção e, sobretudo, para socializar com os outros (Brothers, 1997; Byrne & Whiten, 1992). Esta capacidade pode ser vista como resultado da inteligência social, a qual inclui a habilidade para reconhecer os outros da mesma espécie, para conhecer o seu próprio lugar na sociedade, para aprender com os outros e para ensinar novas tarefas aos outros. Um dos aspectos mais estudados da inteligência social é a capacidade para compreender e manipular os estados mentais das outras pessoas e para alterar o seu comportamento. Os primatas são particularmente hábeis para predizer o comportamento de outros congéneres. O mecanismo pelo qual nós representamos e predizemos o comportamento dos outros tem sido interpretado a partir de duas perspectivas teóricas diferentes: a primeira perspectiva deriva da filosofia da mente, mais precisamente da folk psychology, e é denominada "Theory Theory" (TT), e a segunda perspectiva é chamada "Simulation Theory" (ST). Segundo a TT, o nosso senso comum compreende o comportamento dos outros em termos da intervenção de estados mentais, tais como intenções, desejos e crenças, a partir dos quais as pessoas actuam. Por outras palavras, o nosso conhecimento de outras mentes está incorporado numa teoria simbólica explícita na folk psychology, dotada de axiomas e regras de inferência, da qual podemos inferir o que os outros conhecem e querem. A ST encara a nossa habilidade para reconhecer e raciocinar sobre os estados mentais dos outros como um exemplo da experiência de projecção: nós simulamos mentalmente os processos de pensamento e os sentimentos dos outros, utilizando os nossos próprios estados mentais como modelos dos estados mentais dos outros. Ou seja, nós conhecemos as outras mentes ou por empatia (TT) ou por simulação (ST). A evidência empírica acumulada ainda não permite decidir entre estas duas teorias concorrentes. Diversos modelos neurobiológicos (Baron-Cohen & Ring, 1994; Brothers, 1992; Frith & Frith, 2001) foram propostos para explicitar as bases neurais da Teoria da Mente. O modelo da cognição social elaborado por Brothers destaca o circuito que conecta o córtex orbitofrontal, o sulco temporal superior e a amígdala. Se este circuito for interrompido nalgum ponto, o autismo pode ser produzido. Frith & Frith sugerem um modelo da interacção social que destaca o sulco temporal superior, o córtex pré-frontal medial, incluindo o córtex cingulado anterior, e algumas partes da amígdala. A partir de uma revisão da literatura disponível, Abu-Akel (2003) considera que as regiões envolvidas no processo de mentalização são as seguintes: a representação dos seus próprios estados mentais é suportada pela região do lóbulo temporal inferior (IPL), a representação dos estados mentais dos outros ocorre na região do sulco temporal superior (STC), os estados mentais representados nestas regiões são enviadas para o sistema límbico-paralímbico responsável pela interpretação e regulação sócio-emocional, e a informação processada é depois projectada para as regiões do córtex pré-frontal ventral e dorso-medial (MPFC) e do córtex frontal inferolateral (ILFC) que aplicam o processo. Este modelo neurobiológico tem importantes consequências clínicas e é claramente favorável à TT. Esta teoria incentivou o aparecimento de uma nova disciplina: a neuro-economia que estuda a recompensa e o sistema de mentalização na tomada de decisões económicas (Prospect Theory), bem como a confiança, dando origem ao neuromarketing (Walter et al., 2005; Trepel et al., 2005).
Há um cérebro social humano? Os seres humanos são animais excessivamente sociais, mas os substratos neurais do comportamento e da cognição sociais ainda não são completamente conhecidos. Os estudos realizados com seres humanos e outros primatas têm revelado diversas estruturas neurais que desempenham um papel chave na construção dos comportamentos sociais: a amígdala, os córtices frontais ventromediais, e o córtex somatossensorial direito, entre outras estruturas (Adolphs, 1999), que parecem mediar as representações perceptuais de estímulos socialmente relevantes. Estes estudos possibilitaram elaborar a Hipótese do Cérebro Social ou Hipótese da Inteligência Maquiavélica. A sua formulação evolucionária foi feita por Robin I.M. Dunbar (1998, 2003), que, com base em sólida evidência empírica, a apresentou como alternativa às estratégias ecológicas, capaz de explicar os cérebros grandes dos primatas pelas exigências e pressões selectivas impostas pelos sistemas sociais complexos característicos desta ordem. O cérebro dos primatas é essencialmente um cérebro executivo, principalmente o neocórtex responsável pelos aspectos fundamentais da cognição social, em particular pela teoria da mente. Jean-Pierre Changeux reconheceu que a mais-valia da divergência evolutiva que conduziu ao Homo sapiens foi precisamente "o alargamento das capacidades de adaptação do encéfalo ao meio ambiente, acompanhado de um evidente aumento das aptidões para criar objectos mentais e para os combinar entre si". Se tivesse usado o termo construção, em vez de adaptação, Changeux teria apreendido a noção evolutiva do cérebro social, precisamente aquele que sofreu e sofre na sua evolução filogenética e no seu desenvolvimento ontogenético as marcas originais e indeléveis dos laços sociais, da "comunicação entre os indivíduos" e da cultura, o produto mais complexo da mente humana. Não foi a mera adaptação a um meio ambiente dado que desencadeou o aumento do encéfalo, mas a própria complexidade das sociedades dos primatas que culmina com as sociedades humanas. Neste sentido, a evolução do cérebro revela o aparecimento de propriedades que melhoram a sua capacidade de actuação à custa da redução da sua auto-suficiência funcional: o cérebro humano torna-se dependente dos recursos culturais e sociais para o seu próprio funcionamento. Isto significa que estes recursos são constitutivos da própria actividade mental.
A percepção social dos primatas é fundamentalmente visual, embora sinais auditivos, somatossensoriais e olfactivos contribuam para identificar as crias, o género e indivíduos familiares. A percepção da face tem sido muito estudada e diversos estudos mostraram que as células do córtex temporal dos macacos respondem às faces (Tsao et al., 2003). Os estudos de fMRI em seres humanos revelaram o processamento cortical de um tipo específico de estímulos visuais e a área fusiforme foi envolvida no reconhecimento de faces (Gauthier et al., 2000; Kanwisher et al., 1997). Lesões nesta região cerebral produzem défices na recognição de faces e reduções significativas no volume da sua matéria cinzenta foram observadas em pacientes com esquizofrenia crónica que manifestavam dificuldade com a recognição de faces (Onitsuka et al., 2003). O circuito da informação social foi identificado por dois estudos de fMRI (Castelli et al., 2002; Martin & Weisberg, 2004) que, em vez focarem a sua atenção sobre objectos sociais, procuraram saber como o cérebro responde enquanto atribui interacção social a imagens abstractas: o circuito identificado compreende o segmento lateral do giro fusiforme, o sulco temporal superior, a amígdala e o córtex pré-frontal ventromedial, um circuito envolvido na percepção social de primatas não-humanos (Brothers, 1990) e na cognição social humana (Adolphs, 2001). A amígdala está implicada na recognição das emoções sociais (culpa, arrogância) e na percepção do medo (Adolphs et al., 2002; Amaral et al., 2003; Kesler et al., 2001). O córtex pré-frontal ventromedial está fortemente conectado com a amígdala (Steffanaci & Amaral, 2002) e foi associado ao prazer subjectivo (Kringelbach et al., 2003), ao julgamento social (Bechara et al., 1997) e ao processamento de vocalizações sociais nos primatas não-humanos (Romanski & Goldman-Rakic, 2002). Quanto à motivação social, foram realizados diversos estudos de fMRI: o estudo de Bartels & Zeki (2000) sobre amor e perda mostrou que o striatum, a ínsula medial e o córtex anterior do cíngulo estão implicadas na vinculação romântica, e o estudo de Eisenberger et al. (2003) revelou que o córtex anterior do cíngulo e o córtex pré-frontal ventral direito estão envolvidos na resposta à exclusão social, bem como à sensibilidade da dor física (Eisenberger et al., 2006).
A identificação do circuito social no cérebro humano é de grande importância para identificar a neuropatologia do autismo (Lord et al., 2000). Esta perturbação do neurodesenvolvimento é definida por défices no comportamento social recíproco e na linguagem, bem como pela presença de comportamentos estereotipados. As crianças com autismo apresentam ausência de motivação social, tal como é medida pelo contacto visual e pelo interesse em olhar para faces (Klin et al., 2002). Embora não ocorram graves anormalidades no cérebro autista, os estudos de fMRI mostraram que as pessoas com autismo não activam o giro fusiforme quando confrontadas com faces (Schultz et al., 2000). Isto pode indicar a ausência de atenção para faces ou o colapso crítico da habilidade para processar faces. Porém, os indivíduos com autismo são inteligentes na realização de diversas tarefas, excepto nas do domínio social. Estudos clínicos mostraram que as crianças que cresceram com privação social exibem comportamentos do tipo autista e défices permanentes na vinculação (O'Connor et al., 2003). A identificação dos genes que contribuem para as síndromes clínicas, tais como Fragil X Syndrome (Brown et al., 2001) e Rett Syndrome (Shahbazian & Zoghbi, 2002), mostraram que esses genes agem nas vias que medeiam a informação social. E, como revelam estudos recentes, o mesmo sucede com o autismo (Lim et al., 2004; Bielsky et al., 2005; Hammock & Young, 2005; Carter, 2007), a Asperger Syndrome (Ashwin et al., 2006), a Williams Syndrome (Tager-Flusberg et al., 1998) e a esquizofrenia.
J Francisco Saraiva de Sousa

57 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É frequente dizer que os latinos têm uma sociabilidade mais intensa do que os nórdicos (Hall). Contudo, tenho verificado que os portugueses têm muita dificuldade em captar certas expressões emocionais e sobretudo em compreender correctamente a linguagem dos olhos. Estes dois indicadores revelam uma deficiência na inteligência social e emocional dos portugueses. Penso que esta hipótese pode ser testada e com sucesso.

André LF disse...

Mais uma vez a sua escolha do tema é excelente, Francisco!
Sim, costuma-se afirmar que os latinos têm uma sociabilidade mais intensa do que os nórdicos e do que outros povos. Entretanto raramente se questiona a qualidade desta "sociabilidade". Assim como você tem a sua teoria sobre uma possível deficiência na inteligência social e emocional dos portugueses, tenho a minha sobre a indigência cognitiva dos brasileiros e a "carnavalização" de suas faculdades cognitivas. Sempre que mantenho contato com colegas e estudiosos de temas afins, constato que aqui é o sepulcro da inteligência. Sem falar do povo... Não há seriedade. Tenho pensado em emigrar...Acho que se você viesse para cá acabaria enlouquecendo :)

Fräulein Else disse...

Boa noite!

É uma excelente hipótese, suspeitar da falta de capacidade empática (visual e não só) nos indivíduos das sociedades contemporâneas desenvolvidas (não somente em Portugal). Se admitirmos que a inteligência emocional e social, como lhe chama, proporciou-nos a "humanidade", por termos de percepcionar e interpretar rapidamente os sentimentos do outro, de modo a prevermos e evitarmos comportamentos eventualmente perigosos, então, começamos a ficar animais fracos e vulneráveis.
No entanto, concordo com Stuar Hall: os latinos são mais sociáveis, então os italianos são "invasivos", só conseguem comunicar muito próximos do interlocutor e, se possível, tocando-lhe! :)


Cumprimentos amigos!

E beijinhos para Denise que eu vi que me deixou. :*

Fräulein Else disse...

Oi André!

Tenho que lhe dizer que tenho 2 colegas brasileiros (homem e mulher) e são altamente inteligentes socialmente... ah ah ah :))

André LF disse...

Não há meritocracia no Brasil. Aqui vigora a mesquinharia dos interesses nepotistas, ranço que existe há centenas de anos no Brasil...

André LF disse...

Minha estimada Fräulein Papillon,acredito que os seus colegas brasileiros sejam "altamente inteligentes socialmente".. Só que não sei desvendar, com clareza, o signicado desta expressão...
A "inteligência social" é um termo muito controverso :)

Fräulein Else disse...

No alcance que eu a entendo e apliquei é saber movermo-nos estrategicamente no espaço público ou com o outro. Sabermos transmitir a mensagem correcta - adequada ao que se quer, não apenas no plano discursivo, mas na acção e no gesto, e, por outro lado, saber interpretar o outro nesses vários níveis de expressão. Se ela é estanque e independente da outra inteligência, não sei, mas provavelmente não.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá amigos

Já estava com saudades vossas!

Else, sim, os latinos são mais intensos na socialidade e os árabes superam os latinos. Referia-me a traços específicos da inteligência social que penso estarem ausentes nos portugueses e, segundo o André, nos brasileiros. Porém, há a "esperteza social", mas deve ser pensada noutros termos.

Estou a levar a sério a tarefa de mudança de paradigma mas ainda não tive coragem de dizer o que penso realmente sobre estes assuntos. Têm alegado que invoco razões de ordem moral e política para moderar o impulso materialista. Porém, a partir dos próprios dados científicos vejo outra alternativa que não reduz tudo ao mundo físico. De momento, sou pluralista: vários mundos sobrepostos.

Ah, não sei se vou ser capaz de conciliar os modelos. Logo se vê... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, André, talvez não enlouquecesse, mas fechava-me em mim mesmo; à minha maneira, sou meio autista e, quando quero, não revelo qualquer interesse social. A Internet satisfaz esse meu aspecto. :)

Penso que os brasileiros têm uma certa esperteza social que pode ser vista como "sacanagem", porque conseguem alterar o comportamento dos outros ou a induzi-los a fazer o que não deveriam fazer no seu próprio interesse. Não sei bem como dizer isto...

E. A. disse...

Sim, Francisco, com todo o respeito, mas para esta amiga virtual (e penso que para outros tão assíduos "fãs") esse "meio-autismo" soa bastante claro. :))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Sim, o meu autismo é mais cognitivo e, neste aspecto, foi regulado pela testosterona, embora evite o contacto olhos nos olhos. Mas essa evitação resulta da minha liberdade; não é uma compulsão. Só olho para quem merece! :)))

André LF disse...

Gostei da sua definição,Fräulein Else. Faço apenas uma observação: Ao definir a inteligência social, parece-me que você enfatiza a espontaneidade da ação e a sua utilidade (" transmitir a mensagem correcta - adequada ao que se quer"). Penso que tais características são utilizadas de forma oportunista por muitos brasileiros nas suas relações. Sei que corro o risco de parecer rabugento e talvez "autista". Mas é necessário ter senso crítico para analisar as deficiências do povo a que pertenço. Hoje mesmo estava a ler os Ensaios de Montaigne e fiquei deslumbrado com a sua lucidez :)

André LF disse...

Nosso povo é conhecido pela inquestionável malandragem, pelo "jeitinho brasileiro" e por outras mazelas que devem ser atenuadas (ou exorcizadas :) )

E. A. disse...

Ah e perdoem-me mas isso que dizem é pura má-fé. A "esperteza social" que descreve é inteligência, Sartre diz que somos actores, nos vários papéis que desempenhamos agimos como se fizéssemos de conta, não há diferença entre ser e fingir.

Faz bem, Francisco, em olhar para quem merece, eu gosto de olhar e fitar as pessoas bonitas. Não sei se são elas que merecem mais serem olhadas, mas é para onde me foge o olhar.

André LF disse...

Não compreendi a minha "má-fé".

E. A. disse...

Porque não reconhece inteligência onde ela existe. Eu admiro os "performers" desta vida! Os Don Juan(s), os "sacanas" e afins! Não são ideal a seguir e não devem ser louvados, por uma questão didáctica, mas são impressionantes seres humanos!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É interessante esse jogo diferencial entre ser e fingir: Goffman usou e abusou da metáfora do teatro. Aliás, Dahrendorf usa-a na sua teoria do homo sociologicus. Biologicamente, esse jogo é muito pertinente. Um assunto a pensar! :)

André LF disse...

Else, mas é claro que reconheço inteligência onde ela existe. Também admiro os "performers" desta vida. Entretanto, lastimo a supremacia do fingimento sobre os demais modos de ser mais autênticos :)

André LF disse...

Se eu fosse autêntico 24 horas por dia já teria sido devorado...

André LF disse...

A natureza é repleta de exemplos de mimetismos, disfarces e outros estratagemas fndamentais à sobrevivência das espécies. Não fugimos a esta regra :)

Fräulein Else disse...

Mas como ser-se "autêntico" ou sincero? Isso é uma impossibilidade, segundo Sartre, a quem apelei a autoridade, porque estamos sempre em fuga de nós. Só somos sinceros quando não o sabemos.

André LF disse...

Referia-me ao conceito de autenticidade tal como o entendia Heidegger. Não sei se este termo não passa de uma ficção. Talvez sejamos atores todo o tempo...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá amigos

Estou a pensar na organização de um debate em torno da ciência e quero saber da vossa disponibilidade. Estiva a reler algumas coisas de Erwin Schrödinger, nomeadamente Mind and Matter, e acho que estamos diante de um grande cientista/filósofo. Este grande homem defende uma concepção plural do universo, muito distante das tretas daqueles que se auto-intitulam cientistas cuja actividade exclusiva é a apologia de si mesmo, com recursi ilegítimo à ciência. Schrödinger defende que a mente é una e indestrutível! E propõe um novo diálogo com a religião!

Digam qualquer coisa! Devemos desmistificar os falsos cientistas e filósofos!

E. A. disse...

Acho muito pertinente e mais que isso, urgente, começar a haver comunicação entre "sistemas", nomeadamente entre ciência e religião. Habermas di-lo de forma interessante no diálogo que teve com Ratzinger , anunciando uma sociedade "pós-secular", termo emprestado.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Então, posso contar consigo? Podemos organizar debates online. Falta fazer um plano e saber quem quer participar e que tema pretende abordar.

Estou deveras interessado em Schrödinger; muito profundo e humanista: conhecia bem os gregos.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A memória é o ponto fraco da neurociência e Schrödinger mostra que a imagem científica do mundo é produto criado pela mente, sem a envolver. Daí os paradoxos. Excluimos Deus e a mente, mas ambas voltam a entrar: a mente é una.

E. A. disse...

Não sei em que suporte se está a referir (para os debates). Esperemos pelo que dizem os outros e acordaremos disponibilidades, se houver interesse geral.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ok. Podemos levar as nossas iniciativas para diante e tentar um colóquio offline: arranja-se facilmente financiamento. Mas aguardemos pelos outros! :)

Denise disse...

Boa noite!
Que ideia tão interessante, a do um debate. Não me sinto com condições intelectuais para participar, mas se houver um espaço para comentar procurarei manifestar-me assiduamente!

Quanto ao pos, é um tema que me atari particularmente. Possuo inteligêcia social, mas não deveser muita, porque não atinjo a fase da manipulação. Há quem me acuse de excesso de transparência, advogando que me torna, habitualmente, num alvo fácil de muito tipos de investidas.
Ao contrário da Else, eu não admiro os performers, juanescos ou doutra espécime, na medida em que a sua performance colide com sentimentos terceiros. A não ser que essa sa performance corresponda a uma forma, sui generis, de autenticidade...

Denise disse...

Então, Francisco, vai espreitar o encontro internacional sobre o grande Marx? Deveríamos ir todos! Há sessões para os interesses de cada um de nós!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Denise

Não me inscrevi nesse encontro. :(

Quanto à ideia da debater a ciência, podemos preparar os temas online e, depois de uma discussão aprofundada, pensamos na organização do colóquio. Estava a pensar em cada um preparar o seu tema, editamos e discutimos. Depois vemos se têm pernas para andar.

Denise disse...

Aiiiiiiiiiiiiiiii
Leiloar no CCB o espólio do Pessoa?! Do nosso Pessoa?!
Ouviram o Cabral Martins? É um homem com dois dedos de testa e um raciocínio muito lúcido (para além de sexy, beautiful, etc., etc.)
... Há com cada atentado ao brio cultural no nosso país!
Puf!

Denise disse...

Ok, talvez eu entre nessa... Mas preciso de pensar com muito cuidado num tema onde me mova com confiança.
André, Manuel, Fernando Dias,Dioniso, Anabela, Helena...'bora lá, gente boa?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vou ver um filme. Amanhã concluo o post: atingi já o limite máximo fixado de parágrafos. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vamos pensar nisso todos e planeamos um projecto e dividimos tarefas. Se tudo correr bem, também podemos publicar livro. Vamos fazer com que a blogosfera portuguesa produza bons resultados, como sucede noutros países (USA).

Fräulein Else disse...

Bom dia amigos meus,

e à atenção da estimada Denise:

Tenho a certeza que sente fascínio pelos "performers" a que me referi, por exemplo, se eu nomear o Sébastien de Valmont de Liaisons Dangereuses... como é possível resistir-lhe? O Pedro Paixão que foi meu prof, (mau escritor, mas óptimo contador de histórias), conheceu o Malkovich em NY e a primeira coisa que lhe disse foi: "I love you"... (admitimos já que Malkovich é aquela personagem).
O diabo tem magnetismo divino. Não
reconhecer isso talvez seja imprudente, não sei. E também não significa a perdição, garanto-lhe eu que já provei de veneno mesfistofélico... :)

Quanto ao espólio de Pessoa, o Estado não tem dinheiro para o comprar, daí que tivesse decretado há bem pouco tempo uma lei a restringir a saída do espólio do país: pode estar em mão de privados, mas pelo menos fica por cá.

Quanto ao congresso internacional, vi de fugida o programa, mas pareceu-me tudo discurso "retardado".
Eu avisei o Francisco para se inscrever! Se fosse, iria ouvi-lo! Talvez vá ouvir o Nabais no Domingo.

Fräulein Else disse...

*mefistofélico. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bom Dia Fraulein Else

Estou a concluir o post.

O Nabais simpatiza com Marx? Espero que saibam mostrar Marx na sua actualidade, rompendo com a sua leitura ortodoxa.

Este modelo do cérebro social é deveras importante para a filosofia, porque possibilita a sua cooperação.

Fräulein Else disse...

A sua comunicação será: «O debate em torno da democracia: Rancière, Negri, Nancy», por isso deve procurar confrontar novas alternativas, algumas na senda marxista.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Rancière foi discípulo de Althusser. Deve ser como diz: novas alternativas. :)

Ah, o post está concluído: acrescentei algumas referências bibliográficas e, infelizmente, não desenvolvi o modelo da amígdala e a hipótese da testosterona, embora já tenha falado disso noutros posts. Penso que este post fornece uma iniciação à neurociência.

Denise disse...

Olá amigos!

Elsa, caríssima,

Poderei, eventualmente, considerar o interesse em abstracto dessas personagens, conquanto que em vida real não me atraiam verdadeiramente...
O Pedro Paixão foi seu professor? Tenho uma óptima impressão dele enquanto docente e lembro-me bem de o ver tantas vezes lá na faculdade!
Não o considero um mau escritor. Considero-o, sim, um provocador que se diverte com as suas experiências subversivas. E eu divirto-me quando leio as suas narrativas breves :-)

"O diabo tem magnetismo divino."
Adorei esta sua frase, Fräulein Else!

Quanto ao Congresso, eu gostaria de assistir às sessão dedicadas a:
- Estética e Partidos Comunistas (com particular interesse pela comunicação de J Marques Lopes)
- Comunismo, Realismo e Formalismo
- Arte e Vanguardas
- Existencialismo, Pós-estruturalismo e Pós-Modernismo

Mas estou como a Else: Se o Francisco se tivesse inscrito, eu tiraria o fim-de-semana para o ir ouvir :-)

Denise disse...

Sim, vamos supor que Estado não tem como comprar o espólio pessoano. Tudo uma questão de prioridades. Mas a família, a família!, poderia ter dois dedos de testa e compreender que os verdadeiros herdeiros desse espólio são os portugueses... não?!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ya Denise

Se me dedicasse mesmo a reler Marx, e talvez me dedique já, retomaria todos estes neuroconhecimentos não só para criticar o abuso da leitura canónica mas sobretudo para o relançar em termos de política actual: aletar para a necessidade de alterar substancialmente o paradigma social vigente. O marxismo foi interpretado de uma forma demasiado fisicalista que paralisa a praxis: sem a nossa vontade as coisas não mudam. :)

Fräulein Else disse...

Denise,

Sim, o Paixão foi meu prof, provocador e subversivo, sim, bem condizente com a imagem de professor de Filosofia que bebemos do "Clube dos Poetas Mortos". Mas retive sobretudo a sua extrema educação, sensibilidade e generosidade.
Quanto ao seu talento (ou não) artístico, também concordo que é melhor em peças curtas do que em romances (que nunca consegui chegar ao fim)... mas prefiro o seu amigo Miguel Esteves Cardoso, esse sim um excelente escritor e cronista. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Já repararam que os nossos cães e gatos nos observam intensamente e são capazes de antecipar os nossos estados mentais? São seres conscientes e inteligentes e as suas reacções não são meros reflexos: este preconceito cartesiano deve ser eliminado.

Fräulein Else disse...

Sim, a teoria de Tomasello é que os primatas distinguem-se das crianças, por não compreenderem a intenção do outro, nem terem intenção que não seja mero reflexo, mas eu também não concordo: há mamíferos inteligentes que nos demonstram intencionalidade no acto.

Denise disse...

Acompanho-vos nessa linha de pensamento: há animais inteligentes.
O grau de afectividade que demonstram possuir estará muito provavelmente em relação directa com o seu grau de inteligência...

Sim, também eu prefiro o MEC, Fräulein Else.
Também, tive um professor, na faculdade, que era escritor. Andava tonta, doidinha e caidinha por ele. Ainda hoje, quando o vejo ou lhe falo, sinto aquele nervoso miudinho :-P

Denise disse...

Sim, Francisco, sem a nossa vontade, as coisas não mudam. Tenho para mim, também, que há muitas vontades, e tantas, e tão individuais, e tão esquecidas do interesse comum, que impossibilitam qualquer mudança duradoura e, assim, profunda...


Estou engripar-me e o meu amanhã começa às 7h00... Boa noite!

Fräulein Else disse...

Denise,

Foi aluna do Rui Zink? Na adolescência divertia-me imenso com os seus livros e quando o ouvia na Noite da Má Língua. Depois na faculdade ainda assisti a tertúlias e conferências com ele, mas ainda n fiz o curso de escrita criativa tão afamado!
E do poeta Nuno Júdice?

Fräulein Else disse...

Também tinha um professor muito bonito e atraente, mas n andava caidinha por ele... mas acho q isso é comum, projectarmos desejo nos professores. :)

Fräulein Else disse...

Sobre a novela do espólio pessoano, tenho seguido por aqui: http://blogtailors.blogspot.com/

Denise disse...

Olá Fräulein Borboleta!
Não fui nem aluna do Paixão nem do Zink nem do Júdice. Os dois primeiros pertenciam a outros departamentos, o último só dava aulas no âmbito das pós-graduações.
Gosto de ler o Zink, mas incomoda-me ouvi-lo (por causa das sibilantes...). O mesmo para o Júdice (mas, neste caso, por causa da monocordia dolorosament vagarosa).
Uma vez assisti a uma aula do Nuno Júdice. Para não adormecer, decidi transcrever o seu discurso (deu para fazê-lo com uma caligrafia legível e com a pontuação adequada, imagine!). Em casa, ao ler a coisa, ao ler, percebi a genialidade discursiva desse homem que discursa sem "ruídos", como se estivesse a ler um teleponto eximiamente elaborado!
Uma outra, grande, da nossa faculdade, é a Teresa Rita Lopes, a dos olhos de gaivota :-)

Denise disse...

Conhecem os cyber-sítios do NJ e do Zink?
http://www.aaz-nj.blogspot.com/
http://ruizink.com/

Denise disse...

Ah, sobre esta questão relativa aos animais... já leram o post do Fernando Dias? Passem por lá, boa gente!

Fräulein Else disse...

Conheço ambos os sites! Obrigada.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Denise

Não concordo com a perspectiva do nosso amigo Fernando Dias. Diversos estudos já mostraram que os animais têm consciência e os primatas são capazes de se auto-reconhecerem: um self. Além disso, a nossa experiência com animais domésticos mostra isso. Não vale a pena questionar estes dados; fundamental é procurar estudar a consciência animal (etologia cognitiva).

Denise disse...

Se bem percebi, o Fernando Dias não nega a existência da consciência nos animais, mas sim a da autoconsciência, indissociável da existência da linguagem.
Não estou verdadeiramente a par dos estudos científicos nesta área e, na minha ignorância assumida, atrevo-me a afirmar que, realmente, se a existência da linguagem não pressupõe por si só a existência da autoconsciência, a existência da consciência enquanto sujeito singular que se relaciona com o Outro que lhe é exterior depende inteiramente da existência da linguagem. É fundamental que se diga e pense «Eu» (estou agora a recordar-me de Benveniste).

A nossa experiência com os animais domésticos mostra-nos que são seres inteligentes, não necessariamente seres com autoconsciência. Falta-me, porém, o estudo das investigações científicas...

... mas a ignorância é atrevida.
(como eu)