«A imagem corporal e a emoção encontram-se intimamente relacionadas e, assim como a nossa imagem corporal é a expressão da nossa vida emocional e da nossa personalidade, os corpos dos outros adquirem o seu significado final ao serem corpos de outras personalidades. A percepção dos corpos alheios e do modo como exprimem as emoções é tão primária quanto a percepção do nosso corpo, das suas emoções e expressões. (...) Do ponto de vista da percepção sensorial, o nosso corpo não difere do corpo alheio. Muitas vezes descobrimos a nossa imagem corporal libidinal através da tendência libidinal dos outros dirigida para nós. Assim como rejeitamos a ideia de Einfühlung, temos de rejeitar a ideia de que chegamos a conhecer os corpos dos outros e as suas emoções projectando o nosso corpo e os nossos sentimentos noutras personalidades. Mas é verdade que há um intercâmbio contínuo entre a nossa própria imagem corporal e a imagem corporal dos outros. O que encontramos em nós pode ser visto nos outros». (Paul Schilder)
Como é que o cérebro produz consciência? Como é que a consciência interage com o cérebro? Estas duas perguntas derivam de problemáticas teóricas diferentes: a primeira pergunta é geralmente colocada pelos fisicalistas, tais como Francis Crick, Jean-Pierre Changeux ou Gerald M. Edelman, enquanto a segunda pergunta preocupa fundamentalmente os interaccionistas, tais como Karl Popper, Roger Penrose ou John Eccles. O fisicalismo nega o óbvio, ou seja, a existência real de estados mentais ou consciência, aquilo a que Searle chama a ontologia da primeira pessoa. Contudo, a teoria de Descartes afirma que os estados mentais e os estados físicos interactuam e, como os estados físicos se situam no espaço e no tempo, o problema a resolver consiste em saber em que local do cérebro ocorre a interacção mente/cérebro. A hipótese interaccionista tem o mérito de evitar o problema no qual esbarram os fisicalistas: saber como é que os processos neurais se transformam em processos mentais (Damásio). Até hoje nenhum fisicalista foi capaz de explicar esta transformação dos padrões neurais em imagens mentais; porém, os fisicalistas estão convictos da possibilidade dessa transformação vir a ser explicada no futuro, quando forem descobertas novas técnicas de investigação: a solução fisicalista é constantemente adiada e os seus adeptos tendem a ser materialistas promissores (Popper). Entretanto, até que isso ocorra, limitam-se a elaborar teorias redutoras da consciência que afirmam não violar nenhum princípio da física, da química ou da biologia, como se as grandes reduções científicas, a da química à física, a da biologia à química e a da matemática à lógica, tivessem sido completamente bem sucedidas. O materialismo é extremamente dogmático e o seu credo tende a ser exclusivista: só há um mundo, o mundo físico, e um conhecimento verdadeiro, a ciência fisicalista. Esta convicção resulta da má-fé, no sentido de Sartre: os fisicalistas esquecem que a consciência é fundamental para a compreensão da nossa existência como seres humanos, além de ser a condição que possibilita qualquer coisa ter alguma importância para nós. Se os fisicalistas gostariam de vir a ser tratados como autómatos, a maior parte da humanidade alinha com a posição de William James que defendeu a eficácia da consciência, rejeitando a noção de que somos meros autómatos conscientes. Esta posição não abdica da ciência; porém, exige uma aliança da ciência com a "metafísica": as teorias das ciências naturais são coisas temporárias e passíveis de revisão com as quais iniciamos a pesquisa do assunto que nos converte em "metafísicos", a consciência e o seu índice de eficácia causal, tal como se revelam nas obras de Santo Agostinho, Hegel, Husserl, Lukács, Bloch, Sartre e Cassirer.
Para Claude Bernard, a fisiologia nasceu da patologia ou, nas palavras de Leriche, em matéria de biologia, é o pathos que condiciona o logos, porque é o anormal que desperta o interesse teórico pelo normal: a vida eleva-se à consciência e à ciência de si mesma através da inadaptação, do fracasso e da dor. Israel Rosenfield, um colaborador de Edelman, adopta esta abordagem para apresentar a sua própria teoria da consciência: descreve uma série de casos de danos cerebrais sofridos por certas pessoas e as suas consequências sobre a vida mental e a consciência dessas pessoas. Tal como Edelman e, de certo modo, Santo Agostinho, Rosenfield destaca a ligação entre a consciência e a memória, de modo a mostrar que a consciência surge das interacções dinâmicas do passado, do presente e da imagem corporal, portanto, do fluxo contínuo e dinâmico de percepções, tal como é governado pela perspectiva pessoal singular e sustentado por toda a vida consciente. A memória surge da relação entre o meu corpo e a minha imagem cerebral do meu corpo e é esta relação que cria o sentimento de si (sense of self). O sentimento de si é uma percepção de experiências que afectam a imagem corporal, e, como todas as experiências envolvem o sentimento de si, elas envolvem a imagem corporal. Toda a consciência é dotada de auto-referência, no sentido das nossas experiências conscientes estarem relacionadas com a experiência do self, isto é, com a experiência da imagem corporal criada e formada pelo cérebro/mente através da reconfiguração constante das relações, de momento a momento, das mudanças nas sensações corporais. A memória não pode ser vista como um armazém de informações, mas, em vez disso, deve ser perspectivada como uma actividade contínua do cérebro: a imagem que "temos" de um acontecimento da nossa infância não é retirada de um arquivo, mas formada consciente e activamente. A memória implica o sentimento de si, porque as minhas memórias são precisamente "minhas", e, como tal, fazem parte da estrutura que se integra no âmbito estrutural do sentimento de si: como a memória e o eu estão ligados, ambos estão relacionados intimamente com a imagem corporal.
Várias são as lesões corporais e cerebrais que evidenciam esta conexão entre a consciência e a imagem corporal, mas ela é particularmente evidente nos casos de pacientes com membros amputados (phantom limbs): um tal paciente pode continuar a sentir dor num dedo após a sua perna ter sido amputada (phantom limb pains). Portanto, quando a perna é amputada, aparece um fantasma, isto é, o paciente ainda continua a sentir a perna e tem uma impressão vivida de que ela continua presente, podendo até mesmo esquecer a sua perda e cair (Ronald Melzack). Isto significa que o membro fantasma, a imagem animada da perna, é a expressão do esquema corporal. A dor ciática ajuda a compreender esta conexão: o paciente sente uma dor paralisante na perna, embora nada esteja a acontecer à sua perna que corresponda à dor sentida. Um estímulo do nervo ciático dispara descargas neuronais no cérebro que fornecem a sensação de uma dor na perna. De certo modo, todas as nossas sensações corporais são experiências corporais ilusórias (phantom body experiences), visto que a combinação entre a localização do lugar onde a dor parece estar e o corpo físico real é criada no cérebro: as sensações fantasmas demonstram que a maquinaria central responsável pelo processamento das informações sensoriais somáticas não está inactivada na ausência de estímulos periféricos. Aparentemente, o aparelho central de processamento sensorial continua a operar independentemente da periferia, dando origem a estas sensações ilusórias. De certo modo, o corpo humano contém em si um fantasma adicional ou talvez seja ele próprio um fantasma. Esta e outras síndromes, tais como a insensibilidade à dor, a síndrome de Korsakov, a síndrome da mão alheia ou a personalidade múltipla, fazem com que os pacientes percam a sua capacidade de auto-referência que está sempre presente no sujeito normal. Contudo, Rosenfield deixa escapar a dimensão social da mente e da imagem corporal, que já tinha sido abordada por Paul Schilder a partir das sugestões de Head. A teoria da imagem corporal de Schilder é complexa, sendo elaborada como uma crítica pertinente à psicologia de Gestalt e ao reducionismo fisiológico de Head que encara a imagem corporal como um modelo postural do corpo. O aspecto mais importante desta teoria reside na sua abertura a uma "sociologia do corpo" e no facto de encarar a psicologia como filosofia. A imagem corporal é definida como a figuração do nosso corpo formada na nossa mente, portanto, como a imagem tridimensional que todos os humanos têm de si mesmos. Esta configuração expressa a nossa personalidade e está intimamente ligada à nossa vida emocional, sendo a personalidade um sistema de acções e de tendências para a acção: "Um corpo é sempre a expressão de um ego e de uma personalidade, e está no mundo". Além disso, o modelo postural do nosso corpo está relacionado com o modelo dos outros corpos. A vida social alicerça-se nas inter-relações dos modelos posturais, de modo que a nossa imagem corporal e a dos outros são equivalentes, no sentido de uma não poder ser explicada pela outra. Daqui decorre que o eu ou o tu não são possíveis um sem o outro: "O outro self não é uma projecção do próprio self e o próprio self não é uma identificação com o self do outro". A relação com a imagem corporal dos outros é determinada pelo factor de proximidade e distância físicas e emocionais: "As imagens corporais são mais próximas umas das outras nas zonas erógenas e estão intimamente ligadas através destas zonas". A nossa atitude em relação às diferentes partes do nosso corpo, tais como orifícios, cavidades e protuberâncias, é determinada, em grande medida, pelo interesse que os outros manifestam pelo nosso corpo. Assim, em conformidade com o interaccionismo simbólico de G. Mead, a nossa imagem corporal é constantemente elaborada em função das nossas experiências adquiridas nas interacções com os outros e através das acções e atitudes dos outros. Condenando o carácter estático da psicologia de Gestalt, Schilder defende um modelo dinâmico da imagem corporal: o nosso modelo do corpo está em perpétua autoconstrução e autodestruição interna, isto é, vive em contínua diferenciação e integração. Esta imagem dinâmica da imagem corporal foi recentemente confirmada experimentalmente: o dogma de que as representações sensoriais no córtex eram resistentes às mudanças no encéfalo adulto foi substituído pela concepção de que as representações corticais são reflexos maleáveis da experiência sensorial (Karl Lashley, Michael Merzenich). O mapa somatotópico cortical é dominado pela plasticidade.
Com base no estudo dos défices mentais derivados de lesões cerebrais, Rosenfield abre algumas vias para o estudo aprofundado da natureza da consciência, afirmando que a experiência do nosso próprio corpo constitui o ponto de referência central para todas as formas de consciência. Toda a consciência nasce com a consciência do próprio corpo. A experiência do próprio corpo não é uma "unidade dada", mas, como afirma Schilder, uma unidade em constante construção, envolvendo diversos níveis que interferem uns com os outros. O modelo corporal não oferece apenas um contorno. Há uma superfície que se define em conexão com as impressões visuais. Porém, há também uma percepção daquilo que acontece no interior do corpo. Este é sentido como a "massa pesada": "Nada sentimos dentro do corpo além do peso da massa" e todas as outras sensações são sentidas muito próximas da superfície. Esta centralidade do corpo através da imagem corporal para a nossa consciência foi abordada por Jean-Paul Sartre e, sobretudo, por Maurice Merleau-Ponty, mas passou despercebida a Karl Popper, cuja concepção da consciência plena do eu afirma que ela está ancorada ou alicerçada no Mundo 3 (1), que o eu é impossível sem o entendimento intuitivo de certas teorias do Mundo 3 (2), que a interacção do eu com o cérebro se situa no centro da fala (hemisfério esquerdo) (3), que a consciência plena regula com maleabilidade alguns movimentos que, assim fiscalizados, constituem as acções humanas (4), e que, na hierarquia reguladora, o eu não constitui o centro de regulação por excelência (5), visto que, por seu turno, está sujeito à fiscalização maleável das teorias do Mundo 3, em especial da linguagem. Embora reconheça a existência de muitos graus de consciência, alguns dos quais partilhamos com outros animais, Popper concentra-se naquilo a que Damásio chama "as capacidades narrativas de segunda ordem, proporcionadas pela linguagem, que podem produzir narrativas verbais a partir das não verbais", reconhecendo que a linguagem está na origem da forma apurada da subjectividade humana. Francis Crick, Gerald Edelman e António Damásio são fisicalistas que elaboraram teorias da consciência que, ao contrário da máquina joyceana virtual de Daniel Dennett, não negam a consciência, embora rejeitem a sua eficácia causal, com o aval filosófico de Jaegwon Kim, em nome do materialismo promissor. As teorias neuroredutoras cometem o erro denunciado por Kierkegaard: mantêm as "formas" enquanto as despojam do seu significado genuíno, ou seja, conservam o vocabulário da consciência enquanto negam a sua existência ou a sua eficácia causal, como testemunha a teoria da consciência nuclear de Damásio que se move no território não reclamado do panpsiquismo. Na verdade, como diz Donald Davidson, "não há nenhum obstáculo para a tese de que a liberdade para actuar é um poder causal do agente". Deste modo, ao rejeitar a liberdade humana, estas teorias alienam a sua função cognitiva no mero jogo de metáforas, tais como a da narrativa e a do si autobiográfico.
J Francisco Saraiva de Sousa
16 comentários:
Paradoxalmente, para iluminar a maior parte dos problemas, sou forçado a recorrer a autores e a teorias anteriores à Segunda Guerra Mundial ou, pelo menos, a grande parte do século XX (anterior aos anos 80 ou 70). Isto é sintoma da degradação da educação e da cultura: os centros de pesquisa e os centros académicos são basura. Podemos apagar literalmente a maior parte dos autores contemporâneos, porque não dizem nada de jeito: pura treta! Criaturas que falam muito sem dizer nada: sem investimento cognitivo não pode haver produção de qualidade!
Viva o FCPorto: eliminou as lagartas verdes, mais o árbitro, mais a comunicação social e sobretudo as agressões físicas cometidas pelos jogadores verdes contra as pernas dos azuis. Uma vergonha gravada e susceptível de ser analisada objectivamente: em Alvalade ou na Luz, o FCPorto evita as agressões lisboetas. Estas equipas não jogam futebol, mas agridem com a cumplicidade do árbitro. É extremamente feio ver estes jogos cheios de agressões e manha como a do Moutinho! Lisboa está corrompida!
Olá Francisco,
Esta é mais uma, entre muitas, das suas excelentes reflexões.
- Claro que a consciência é fundamental e surge de interacções diâmicas cuja natureza podemos ter dificuldade em explicar. Mas isto já é outra história.
- Claro que a memória não é um armazém de informações mas uma actividade contínua do cérebro através de configurações de interligações neuronais. É a configuração que está em causa e não a própria estrutura. É o tipo de configurações inter-neuronais que conta e não o local nem o aglomerado de neurónios num determinado local do cérebro.
O reducionismo foi uma boa estratégia em termos científicos, mas em contrapartida obrigou-nos a pagar o preço da confusão conceptual. A estratégia reducionista foi de tal modo bem sucedida que levou a maior parte dos cientistas a iludirem-se e a dizer que estas considerações acerca das limitações do reducionismo soam a não-científico e até irracional.
Ora, isso é uma falsa ideia, porque é evidente que o reducionismo leva-nos sempre a compreender algo em função de outra coisa de tipo diferente. A estratégia da compreensão por redução é uma estratégia de mudança permanente de nível, normalmente descendo do macro para o micro.
A estratégia reducionista explica a consciência em termos de corpos vivos, estes em termos de moléculas, depois em átomos, e por aí fora. Ao fazer a redução de um assunto, é claro que se perde sempre qualquer coisa, na medida em que se deixa de compreender o assunto, por exemplo no caso da consciência, nos termos do seu próprio nível. No caso da consciência, uma das coisas mais óbvias que se vê que se perde é o conhecimento “na primeira pessoa”, ou dito de outra maneira, a “experiência” da própria consciência.
Por exemplo, conhecermos a experiência de uma dor pela via reducionista ou científica, também dito “na terceira pessoa”, como ‘algo acerca’ da experiência de uma dor, não é conhecer ‘a própria experiência da dor’. Portanto, “na terceira pessoa” não a conhecemos como a conhecemos quando a experimentamos. Podemos ter um rico conhecimento ‘acerca da’ experiência de uma dor, mesmo que nunca tenhamos tido uma experiência desse género, mas só podemos ter o conhecimento dito “na primeira pessoa” se tivermos tido essa experiência.
Estes dois tipos de conhecimento não competem entre si. Ter uma experiência e compreender ‘algo acerca’ dessa experiência são coisas diferentes. E uma não leva necessariamente à outra. Claro que podemos ter uma rica experiência de certas coisas, mas ‘sabermos muito pouco acerca’ dessas experiências.
Um amputado por exemplo de uma mão, se não perder totalmente as configurações neuronais que se formaram, pode passar pelo fenómeno do membro fantasma. E é curioso que muito recentemente se tenham obtido resultados interessantes com o transplante de uma mão (articial ou natural) mesmo passados muitos anos, o cérebro acaba por recuperar não certamente todas mas parte das configurações neuronais que já havia perdido e que lhe vão permitir efectuar muitos moviemtos finos necessários a gestos específicos.
Francisco,
Dizer: “a consciência interagir com o cérebro” pode ser mais um problema de formulação do que verdadeiramente da compreensão do que se quer dizer.
A consciência não interage com o cérebro porque a consciência não é uma entidade ontológica do mesmo nível que é o cérebro. A consciência é a própria interacção, a propriedade das operações que ocorrem quando os entes interactuam de modo tal e tal (cujo modo é o de ser consciente), com o exterior ou consigo próprios.
Dizer também que o cérebro produz consciência, pode-nos fazer cair num excesso de reificação. A consciência não é nenhum produto que o cérebro possa produzir da mesma maneira como o fígado produz bilis ou o pâncreas produz insulina.
Pela mesma ordem de raciocínio, a formulação e a referência a imagens mentais também nos pode levar a muitos embaraços.
A referência a ‘estados mentais’ também nos pode levar a formulações precárias que depois nos podem conduzir a coisas que não existem. A mente não existe na forma de ‘estados’, portanto a mente não ‘está’, nem no cérebro nem em lado nenhum, porque a mente é uma propriedade ‘operativa’. O pensamento é, por exemplo, como um salto que alguém dá.
Um ente ao saltar do chão para cima de uma cadeira, realiza um ‘processo operativo’, mas o salto não está em lado nenhum. É uma realização mais evidente do corpo, portanto de tipo físico, mas nele também participou o cérebro. O pensamento que um ente opera também não está no cérebro, mas é mais uma realização de tipo mental operado pelo cérebro, mas o corpo também fez parte do pensamento como é óbvio. Portanto o pensamento não é um estado mental, nem um estado cerebral. Mas pode dizer-se que é uma propriedade de tipo mental cuja operação passa particularmente pelo cérebro, e não pelo fígado. O pensamento é uma propriedade mais do tipo mental e o salto é uma propriedade mais do tipo físico.
Bom Dia Fernando Dias
Estamos de acordo. De facto, é muito difícil explicitar tudo em posts. Porém, estou convencido de que temos os conhecimentos necessários para elaborar uma teoria do cérebro e da consciências. Imensos estudos neurocientíficos lidos em função do conhecimento já adquirido apontam nesse sentido: os materialismos são obstáculos epistemológicos.
Sim, o membro amputado é fascinante mas não dá para desenvolver neste post. Sim, a dor é outro assunto que merece atenção e talvez mudança de perspectiva.
Sim, experiências na primeira e na terceira pessoa são diferentes, mas não quis fechar a porta à possibilidade de uma teoria científica da consciência. James também acreditava nessa possibilidade que, no fundo, abre a ciência à metafísica, como dizia.
Não sei se a consciência é uma "substância" ou entidade ou não, mas não vejo razão para anular a sua autonomia e eficácia. Davidson vai no mesmo sentido: há liberdade para a acção. O mundo não é só física! Devemos explorar outras alternativas: excesso de física pode ser tb obstáculo ao conhecimento.
Não concordo com o seu último comentário sobre as propriedades, porque revejo nele certas versões do fisicalismo ou mesmo da mente computacional.
No entanto, tem razão: não desenvolvi certos aspectos e não esclareci certos conceitos. Espero fazê-lo noutros posts. Neste momento, apetecia-me entrar na morfologia do SNC, mas é muita informação para um mero post. :)
António Damásio desenvolve aspectos relevantes do problema: a sua teoria das emoções aponta para a sociologia do corpo, bem explicitada por Schilder. O erro de Damásio é quer ser reducionista, quando na verdade ele tem dados que apontam noutra direcção.
Frenando Dias
Coloca duas questões deveras pertinentes:
1) a questão da dor que quase julgamos resolvida pela neurociência, mas que a antropologia médica ou mesmo a filosofia médica têm problematizado. Um médico não nega a vivência da dor na primeira pessoa; pelo menos, os privados não!
2) Este problema relaciona-se com outro: a ciência na terceira pessoa que levou Dennett a negar a consciência. Há uma ciência na primeira pessoa? Ou mesmo uma ciência do particular? Estas são questões complicadas, embora pessoalmente não veja dificuldade na ciência de ocupar dessas experiências: implica mudança de estratégias ou de paradigmas.
3) Outra questão diz respeito ao estatuto ontológico da consciência. Segundo Eccles, a consciência age sobre sítios específicos do cérebro: os dendrões corticais, possibilitando a libertação do neurotransmissor. Porém, quando Damásio analisa a consciência nuclear (emoção e corpo) atribui a essa maquinaria "propriedades de nível superior", logo ele que gosta de Espinosa, um panpsiquista. De certo modo, é atribuída alguma forma de consciência e de memória à matéria que Popper diz ser "criativa". Esta é uma possibilidade que não pode ser descartada dogmaticamente, sem evidência empírica. A memória pode ser algo muito maravilhoso e, nesse caso, leva-nos a Deus. Vejo a ciência como uma busca cooperativa da verdade, portanto, como conhecimento antidogmático: uma aventura intelectual que nunca perde a capacidade de ficar admirada com o excesso de objecto.
Porém, uma outra teoria do cérebro pode ganhar terreno e adiar este conflito cognitivo, sem abdicar da consciência e da sua eficácia causal.
Sim, tem razão: nenhuma redução científica foi bem sucedida 100%: resta sempre um resíduo que não se deixa explicar pelos princípios do nível inferior. Donde as teorias das propriedades emergentes! Também neste aspecto o cérebro é um órgão impar: a sua construção exige cultura e interacção social, portanto, um órgão aberto, morfológica e funcionalmente, ao mundo 3 de Popper. Medeia o comportamento observável, regulado genética e neuro-hormonalmente, e possibilita a interacção da mente com o corpo.
Olá Francisco,
Muito interessante este seu texto que quererei reler mais demoradamente, até porque ando a repensar a minha imagem corporal. A ler, também, e com fôlego, o seu post sobre o Livre Arbítrio, conceito muito enfatizado na Filosofia Espírita.
Entretanto já me marafei nos feudos de D. Murcho com um discurso subscrito por Lady Palmira intitulado «As máfias psíquicas».
Pairam aves raras da natureza naquele de rerum natura... puf!
Oi Denise
Há muito tempo que não a via por aqui, bem como Fraulein Else que deve estar doente.
Também me cansei do tal blogue! Muito vazio em termos de conteúdos de conhecimento!
Diga depois qualquer coisa! :)
O membro amputado também pode ser o pénis, mas infelizmente não tenho dados sobre esta situação, a menos que os transexuais possam dar alguma ajuda! Não sei, mas deve ser surrealista sentir e ver um pénis amputado ou ter uma sensação de hiperpénis formigueiro. :(
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