O debate centrou-se hoje (12 de Janeiro de 2009) em torno do sucesso de Cristiano Ronaldo, mas, como estive a ver "O Dia Seguinte", um programa sobre futebol da SICNotícias, não tive oportunidade de assistir à primeira parte do programa "Prós e Contras". Apreciei mais a intervenção do próprio homenageado do que o conteúdo do próprio debate, e, quanto a este, segui apenas uma linha condutora: o Ronaldo não tanto como "marca de Portugal", mas sobretudo como exemplo a seguir por outros portugueses noutras áreas da vida nacional, tais como a ciência, a arte, a literatura, a poesia ou qualquer outra actividade menos cultural. Porém, esta linha de debate acabou por ser atravessada, isto é, interrompida pela discussão do carácter nacional e do destino de Portugal. O Ronaldo é um exemplo não só de autodeterminação, de coragem e de abertura à aprendizagem contínua e esforçada, como também daquilo a que chamarei "inteligência desportiva", uma capacidade de resolução de problemas muito determinada pelas suas aptidões inatas. Alguém no programa referiu a inveja que os portugueses nutrem uns pelos outros, a qual não incentiva uma cultura do mérito e da competência. No fundo, o próprio Cristiano Ronaldo reconheceu que, para triunfar e receber este "troféu", precisou sair de Portugal, o que significa que só é possível alcançar o "reconhecimento" (Hegel) para além das fronteiras nacionais. Dentro do território português não há uma cultura do mérito, nem sequer portugueses capazes de reconhecer as qualidades daqueles que poderiam impor um novo rumo a Portugal: os portugueses com mérito não triunfam em Portugal; pelo contrário, são silenciados maldosamente pela cultura da mediocridade predominante, uma cultura de suborno, capricho e corrupção que se alimenta à custa da morte em vida dos poucos portugueses verdadeiramente inteligentes. A figura do Velho do Restelo surgiu imediatamente na sua materialidade perversa e viscosa: ela é uma figura da inveja tipicamente lusitana, uma figura da maldade e da corrupção. Quem a referiu incorporou-a, materializou-a, deu-lhe corpo e alma: a desejada substituição dos actuais dirigentes dos Clubes de Futebol como condição da mudança (Qual? A vitória do Benfica na secretaria e nos media!) que deve ser operada no futebol nacional revelou que o mal presente deve-se mais à comunicação social e à mediocridade dos jornalistas desportivos do que aos próprios dirigentes desportivos. Em linguagem directa, a substituição da actual geração de dirigentes desejada por alguns jornalistas e comentadores desportivos incide apenas sobre o dirigente do FCPorto, Jorge Nuno Pinto da Costa. Chegou a ser dito que o Benfica era o único clube nacional capaz de competir com as grandes marcas futebolísticas europeias! Sim, o Benfica detentor de tantas ilusões e de tantas mentiras! Sim, o Benfica que joga na secretaria e não no campo, a menos que tenha pressionado psicologicamente o árbitro da partida, como sucedeu na sua pseudo-vitória recente sobre o Braga! Sim, o Benfica que foi humilhado recentemente na Taça UEFA! Sim, o Benfica que inventou um passado de glória proveniente de tempos obscuros, os da ditadura fascista que condenou Portugal ao atraso estrutural! O jornalismo desportivo português cria uma teia de mentiras e de interesses perversos que mergulhou nos últimos anos o futebol nacional num espectáculo de calúnia, de perseguição da qualidade desportiva e de vingança: estes jornalistas desportivos, salvo as excelentes excepções, carecem de inteligência e, mesmo que tentassem seguir o exemplo de Ronaldo, não seriam alvo de nenhum reconhecimento internacional: eles são a vergonha do futebol nacional. O seu avô elogiou a "humildade" (termo terrível para referir um vencedor!) de Ronaldo, afirmando que ele respeitava a "tradição", a tradição da submissão a pessoas sem qualidades, isto é, que Ronaldo era uma espécie de "escravo que reconhecia os seus senhores portugueses", aqueles que compõem a luso-máfia da corrupção da verdade desportiva e da mentira difundida pelos media e urdida em gabinetes sujos de excrementos, precisamente a personificação dos "abutres", o título de um dos livros que lhe enviou. Na sua participação telefónica, Ronaldo mostrou que, além da sua brilhante inteligência desportiva, é dotado de inteligência social, afirmando que já tinha lido metade do outro livro que expunha a sabedoria de um japonês: Ronaldo sabe o que deve dizer para iludir os abutres nacionais, de modo a evitar conflitos desnecessários e a seduzir os portugueses. E, o que foi mais maravilhoso, sem reconhecer espontaneamente o seu contributo, até mesmo o da Academia do Sporting, para o seu sucesso. Deste modo, mesmo que não tenha plena consciência disso, Ronaldo demarcou-se graciosamente dos seus falsos "amigos nacionais": o seu mérito deve-o à força da sua determinação e ao apoio da família, em particular da mãe e irmãs, e dos seus colegas de equipa, e dedicou o seu "troféu" aos portugueses em geral. O certo é que o FCPorto, apesar de ser alvo da inveja encarnada dos media, conquista vitórias umas atrás das outras e tem feito uma excelente figura na Liga Milionária, tendo o seu nome gravado nas portas de vidro da sede da UEFA. Porém, apesar do seu reconhecimento universal e da projecção que faz do futebol nacional na Europa e no mundo, possibilitando a outras equipas nacionais participarem nos campeonatos europeus, os invejosos que condenaram o discurso miserabilista são, eles próprios a figura encarnada da miséria nacional: homens medíocres que nunca tiveram o seu momento de glória e de reconhecimento. Tal como tantos outros portugueses, eles temem a concorrência dos que têm capacidades; eles os silenciam recorrendo à mentira para evitar ser confrontados com a sua própria mediocridade intestinal e medular. Combatem o mérito para garantir a sua triste e medíocre presença e, neste combate que visa a liquidação dos que com o seu brilho radioso lhes roubam o vedetismo mediático, reconhecem a sua própria nulidade e incompetência. Não são homens à altura dos cargos que desempenham: são, em vez disso, coveiros do mérito e da verdade. O programa "O Dia Seguinte" abordou precisamente estes problemas de um modo imparcial e objectivo, atribuindo a responsabilidade pela crise do futebol nacional à estupidez da comunicação social, e o representante do Benfica fez justamente um elogio da liberdade: é preciso dizer "não", isto é, não pactuar sempre com as cabalas dos seus próprios clubes. Com esta afirmação da liberdade, comungada pelos outros comentadores, todos mostraram que fazem mais pela saúde do futebol nacional do que alguns jornalistas que querem falsificar a verdade desportiva. Três homens, cada um deles com a sua própria paixão clubista, mas nem por isso inimigos da transparência do futebol nacional: um futebol que, apesar dos seus problemas internos, tem produzido figuras nacionais que se destacaram no futebol europeu e mundial, tais como Ronaldo, Luís Figo e Vítor Baía, entre tantos outros, incluindo Mourinho que foi campeão europeu sob a direcção de Pinto da Costa, a maior inteligência da gestão desportiva em Portugal que fez do FCPorto uma marca de prestígio reconhecido por todo o mundo, menos com a ajuda dos portugueses, mas mais pelo mérito da organização do FCPorto. O exemplo de Ronaldo deveria contagiar outros portugueses e levá-los a triunfar com mérito nas suas respectivas actividades profissionais. Apreciei alguns pontos de vista expressos pelos dois cientistas nacionais e Fátima Campos prometeu fazer um programa dedicado exclusivamente à actividade científica ou mesmo cultural. Porém, gostaria de reformular a minha perspectiva citando uma frase de Hegel, a autor que me ocupa nestes últimos posts: Um grande povo é aquele que produziu uma metafísica. Infelizmente, como reconheceram Teixeira de Pascoaes e Sampaio Bruno, os portugueses são pouco dados a meditações metafísicas e desconfiam da razão: Portugal nunca produziu uma metafísica. Reside talvez aqui a maior fraqueza de Portugal. O nosso país fechou-se à metafísica: o dia-à-parte tem recebido o "acento de realidade" (Schutz) mais forte e a noite-à-parte tem sido exorcizada e, quase sempre negada, a favor das pobres exigências práticas do português no mundo quotidiano, quase sempre centradas na intriga e no falatório vazio que visa desencorajar a diferença e o mérito. A sociedade portuguesa sempre expulsou a noite da consciência e, deste modo, evitou colocar as derradeiras questões que interrogam o sentido do futuro de Portugal, donde resultou o triunfo da trivialidade e da mediocridade. Negar a metafísica é recusar pensar a possibilidade de um Portugal qualitativamente diferente daquele que conhecemos. Mais do que da ciência, como foi dogmaticamente sugerido, o futuro deste Portugal constantemente adiado pelos instalados no Terreiro do Paço depende da construção de uma metafísica capaz de introduzir uma mudança de paradigmas e, deste modo, abri-lo ao futuro do novo. Sem uma tal metafísica nacional, nenhuma outra actividade cultural alcança a profundidade meditativa capaz de ajudar a ultrapassar as crises que nos ameaçam. J Francisco Saraiva de Sousa
16 comentários:
Ora aqui está uma grande reflexão, Francisco!
Então o último parágrafo com a indiferença dos portugueses pela metafísica não podia estar melhor.
Um abraço
Bom Dia Fernando Dias
Obrigado! De facto, como povo (no sentido hegeliano do termo) precisamos de uma metafísica. Curiosamente, esta começou a ganhar um rosto com os pensadores "burgueses" do Porto, que a capital da miséria nacional procura eliminar elegendo o fado.
Portugal não terá metafísica nenhuma, pq nunca a teve. A isto se chama "path dependency". Mas pode continuar a produzir e a formar vencedores, que tanto deleitam os olhos das meninas.
Oi Else
Ainda hoje constatei que nem todos os portugueses estão contentes com a vitória do Ronaldo. Muita inveja e falta de orgulho nacional...
Além disso, não é por ter ou não ter metafísica que se justifica a cultura. O nacionalismo e o estado-nação passaram à história. A metafísica é agora global. O que é preciso é políticas de educação e culturais consistentes. Aliás, quer melhor exemplo do que o Brasil? Qual é a metafísica do Brasil? É dos países que mais exporta cultura.
Os portugueses são invejosos. Eu vi ontem o programa (aos bocadinhos) e sempre gostei do Ronaldo, tal como vibrei com os Jogos Olímpicos, com os nossos atletas e com os outros, porque adoro campeões e gosto de participar no seu louvor. Além disso, o Cristiano é a prova viva de que a sociedade livre é possível! Um menino pobre num país miserável, chegou ao topo do mundo! São histórias assim que motivam as pessoas a viver e a lutar!
Sim, também precisamos de uma metafísica global, para a qual Porttugal deu um contributo ainda não pensado: as Descobertas. Temos bons documentos que precisam ser re-interpretados à luz dessa metafísica global. Não temos uma metafísica nacional elaborada como tal, mas temos a descoberta do mundo que pode ser lida filosoficamente como uma metafísica. O Brasil seria um dos resultados desse contributo português!
Precisamente. Os descobrimentos concretizaram e possibilitaram o projecto do Ocidente. Isso não é tematizado, porque, como sabe melhor que eu, a história é feita pelos vencedores, e o domínio cultural é anglo-saxónico. A História mundial é vista (ou desfocada) pela lente "anglicista"
A lente anglicista pode ser questionada, embora tenha sabido usar as colónias para o processo de acumulação de capital que fez arrancar a revolução industrial. Com esta chegou o seu reino. Os portugueses nunca souberam colocar o país em movimento e, curiosamente, tudo aquilo que o jovem Hegel criticava no Estado despótico do seu tempo é praticamente a nossa realidade social e política ao longo da nossa história. Porém, Hegel e os idealistas pensaram o "ideal", mas nós nem isso fazemos. Ninguém fará essa história para nós: somos nós que a devemos fazer. Dado sermos pequenos em tamanho, podemos ser grandes em pensamento. Mas o pensamento que pensa o futuro novo exige a violência: a destruição da forma estabelecida. Seremos capazes de violentar essa forma?
Como dizia um professor meu, os Lusíadas são um elogio fúnebre. O apogeu de Portugal tinha terminado. Contudo, a aventura dos Descobrimentos permitiu, pela primeira vez, ter a percepção do globo. E hoje, em plena globalização, podemos dar sentido a esse acontecimento. N importa que seja uma tarefa levada a cabo por portugueses ou outros.
Provavelmente será conduzida por outros, dado o sonambulismo que aqui se vive.
Ui. Não é assim tão difícil fazer essa "filosofia": basta determinação e apoio. Mas, sim é verdade, o sonambulismo nacional tem poderes terríveis sobre a fertilidade mental e conceptual. Portugal comporta-se como uma múmia e as múmias não ouvem, não vêem e não falam! :(
Nada difícil e bastante viável. O projecto de uma metafísica nacional, esse sim é remoto, ou então, objecto para o investigador-tipo em Portugal, que entre ideias abstrusas, vai coçando a sua micose. :)
Olá, Francisco! Apreciei a lucidez da sua crítica à indiferença dos portugueses pela metafísica. O que vc disse sobre as mazelas portuguesas aplica-se perfeitamente às brasileiras. Aqui não temos uma meritocracia justa. Todas as esferas das artes, da ciência, do esporte, são, com raras exceções, galgadas por criaturas oportunistas e metidas em relações escusas com o poder corrupto.
O velho do Restelo tem parentes brasileiros :(
Um abraço!
Bom Dia amigos/as
Vou iniciar uma nova série de posts sobre "Crise Financeira e Teoria do Conhecimento". De resto, vou concluir os anteriores.
Estou a pensar que Hegel superou a teoria do conhecimento de Kant. A herança Hegel/Marx permite encarar de outro modo a relação entre modelo e realidade. A economia carece de uma filosofia completa e esta não pode ser procurada no lugar errado, como fez Popper. Este enganou-se completamente no que se refere à dialéctica. De certo modo, a sua filosofia ruiu com esta crise financeira.
De um modo mais radical, esta crise pode ser vista como "resultado" legitimado pela filosofia anglo-saxónica. Ela coloca na ordem do dia o confronto entre filosofia continental e filosofia anglo-saxónica: esta última foi refutada pela própria crise e a noção de sociedade aberta de Popper cai por terra. Esta luta intrafilosófica abrange Darwin que foi mal entendido por Marx. O liberalismo económico é péssima filosofia e Popper prestou um mau serviço à humanidade, distorcendo a dialéctica, embora retendo-a na sua teoria do conhecimento a-histórica. Ora, a lógica dialéctica é lógica histórica e a dialéctica não é teoria do conhecimento. Nesta redução, o liberalismo e o comunismo criticado por Popper coincidem. Curiosamente, o estado liberal produz o mesmo lixo que produziu o estado comunista: pobreza, corrupção, miséria, burocracia perversa, etc.
Esta é a Hora da Filosofia Continental, mais prudente que a filosofia anglo-saxónica. Por isso, Else, o império do "inglês" está em crise! :)
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