A Denise visitou a cidade do Porto neste último fim-de-semana. Não foi uma visita de lazer mas de trabalho: a participação num congresso sobre o ensino superior que se realizou na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Ela enviou-me na véspera um e-mail onde me convidava para tomar um café. Eu e a Denise, bem como a Else e o Manuel Rocha, o Fernando Dias e o Maldonado, somos amigos virtuais há mais de dois anos: conhecemo-nos neste blogue, mas nunca tivemos oportunidade de marcar um encontro off-line. Com este deslocamento da Denise à cidade do Porto, anunciado no seu último post Invicta, surgiu a oportunidade para tomar o tal café e, sobretudo, para ver e conhecer realmente a Denise. Eu realizei um estudo intensivo dos usos da Internet e, por isso, sei que os encontros reais entre pessoas que se conheceram por via da Internet são geralmente frustrantes: a pessoa real de carne e osso nunca corresponde à imagem projectada no ciberespaço, isto é, ao cibereu - cyberself - projectado pelo próprio e idealizado pelo outro. A identidade real e as identidades virtuais tendem a divergir, e, no caso de divergência acentuada, os encontros reais permitem às pessoas confrontarem-se a si próprias e aos outros com as mentiras em torno das quais giraram as suas conversas on-line. Em vez de ser um encontro entre duas ou mais pessoas que partilham um interesse comum, o encontro desejado corre o risco de confrontar duas ou mais mentiras privadas encarnadas. A amizade virtual não resiste à desilusão gerada pelo encontro na vida real e desfaz-se subitamente sem deixar vestígios. Este padrão de comportamento revela-se frequentemente naqueles nichos eróticos da Internet usados para marcar encontros sexuais. Por isso, e dado sermos os dois bloguistas e não dois cibernautas sexuais, coloquei o meu receio entre parêntesis e telefonei à Denise para marcar o encontro num Café-Esplanada próximo da Faculdade de Ciências. O nosso encontro ocorreu no sábado (8 de Maio) numa tarde de chuva copiosa. O reconhecimento recíproco foi praticamente instantâneo, deixamos de lado as formalidades exibidas publicamente na blogosfera, sentamo-nos numa mesa e conversamos animadamente durante mais de uma hora sem qualquer tipo de atrito ou de reserva. Não pretendo revelar o teor da nossa conversa, sobretudo a parte de bisbilhotice relativa a outros bloguistas conhecidos, ou mesmo partilhar a imagem que tenho da Denise: o que posso dizer publicamente é que a Denise é uma mulher bonita, inteligente, meiga, simpática e muito querida. Fiquei a saber que os meus ciberamigos conversam sobre mim e estão preocupados com a minha vida social. Sampaio Bruno abordou as diferenças sociais entre o Norte e o Sul - em termos de vida social - de uma forma que traz à memória o célebre estudo sobre as variações sazonais da morfologia social dos esquimós de Marcel Mauss: o rigor dos Invernos nortenhos e as chuvas retinham as pessoas em casa, obrigando-as a viver mais para a interioridade do que para a exterioridade. Embora não tenha nascido e vivido parte da minha vida no Porto, privilegio mais a minha vida interior do que a minha vida exterior ou de relação com os outros, sobretudo numa sociedade em que as relações interpessoais se esgotam no envio de mensagens pelos telemóveis. Eu tinha confessado à Denise este meu desencanto com o telemóvel - aliás partilhado pelo Manuel Rocha - e, por isso, fiquei um pouco embaraçado quando ela rejeitou uma chamada. Tal como todas as mulheres, a Denise sabe escutar e agir de modo adequado à situação. Afinal, eu tinha contado que, por vezes, abandono os amigos que não largam os telemóveis. Com a rejeição da chamada, a Denise conseguiu introduzir de modo subtil o tema da netadição, como se eu sofresse dessa adição tecnológica ou sexual, mostrando que não era uma pessoa tecnologicamente alienada. Disse-lhe que tinha uma vida normal de relação com os outros, embora fosse «viciado» no computador, no sentido de não saber pensar, escrever e viver sem o computador. Ela riu-se, porque sabe que quase todos os bloguistas são tecnologicamente viciados, até mesmo por razões de ordem profissional. Uma amiga de longa data diz-me muitas vezes que eu prefiro socializar pela via do computador para evitar compromissos. É verdade que prefiro socializar mais pela via da Internet do que nos bares, mas esta preferência pelo meio tecnológico não procura evitar compromissos reais; pelo contrário, implica um compromisso tribal: um compromisso com a tribo humana mundial. Neste sentido, a Internet é um meio masculino, que as mulheres tendem a ver como uma ameaça à qualidade das suas relações românticas. Eu escrevo para a tribo anónima dos utentes da Internet e faço-o numa linguagem fortemente política: o meu compromisso é um compromisso político com a humanidade, que assumo como tarefa de orientação filosófica da luta dos homens reais por um mundo melhor. J Francisco Saraiva de Sousa
12 comentários:
Olá Francisco,
Gostei muito de ter lido este apontamento. Não só por falar de pessoas que também conheci aqui e que nos tornámos, já lá vai um tempinho, cyberamigas, diga-se, mais por generosidade e simpatia delas e deles. Mas também gostei por ter abordado este tema e pela forma como o abordou. As suas interrogações e interpelações sobre esta forma de nos relacionarmos também têm sido objecto das minhas reflexões, mas nunca as tinha colocado de uma forma tão aberta e inteligente como o Francisco as colocou aqui, sem se alongar muito no texto.
Deixo aqui um abraço para si e também para os outros blogamigos, Denise, Manuel Rocha e Else
Fernando Dias
Olá Fernando Dias
A nossa conversa não o deixou no esquecimento e a Denise lembrou-o diversas vezes a propósito dos temas abordados. Sim, sempre fez parte do nosso círculo de ciberamigos. :)
Conheceu a Denise? Q fixe! :)
Mas concordo consigo, qd conhecemos algum amigo virtual há quase sempre desilusão, nunca é tão giro, tão interessante ou inteligente como pensávamos..., mas é possível fazer amizades pós-chat/blog. É raro, mas é possível. :)
Ya, conheci a Denise e é possível manter amizades off-line provenientes do meio virtual. E a visita papal?
Muito assertiva a tua análise acerca dos ciber-contactos.
Espero que um dia nos possamos conhecer pessoalmente, tal como tive oportunidade de fazê-lo com a Denise. ;)
Maldonado
Ya, aproveitei a ocasião para postar sobre os cibercontactos. E espero vir a conhecer mais alguns amigos virtuais. :)
Olá Francisco!
Só agora consegui parar a "vida real" e navegar na blogosfera.
Este texto está um luxo :-)
Estou agora a braços com o meu.
Foi um prazer enorme conhecer o Francisco e com ele ter um tête-à-tête com café e chazinho pelo meio.
E a rejeição da chamada aconteceu, precisamente, porque não sou telemóvel-dependente e não ia deixar que isso interrompesse a nossa conversa :-)
E um beijinho, claro, aos meus ciberamigos: Else, Fernando Dias, Maldonado e Vizinho Manuel.
Creio, sim, na possibilidade da amizade pós-virtualidade. Mas isso aocntece quando há uma consolidação prévia.
Olá Denise
Também gostei muito de te conhecer e - sim - acredito em amizades pós-virtuais. E aguardo o post. :)
Bjs
Agora acabaram as formalidades: já nos conhecemos. :)
Já tá:
http://rabiscosegaratujas.blogspot.com/2010/05/francisco-o-meu-amigo-filosofo.html
:)
E sim, acabaram-se as formalidades
:-)
Um beijinho e uma noite azulinha para o menino Francisco!
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