A Denise editou um post, onde re-lata o nosso encontro pós-virtual na Cidade Invicta: o post intitula-se "Francisco, o meu amigo filósofo". Nele a Denise volta a colocar a questão central do Porto, um tema que esteve presente na nossa conversa e que foi tratado musicalmente pelo grupo Mind da Gap numa composição intitulada Invicta. (Clique aqui no site oficial da banda.) Nomear o Porto desencadeia muitas emoções nas pessoas, umas negativas, outras positivas: ou se ama o Porto ou se odeia o Porto, mas nunca se é indiferente ao Porto. A Denise - especialista exímia em língua portuguesa e na sua literatura - capta de modo formidável a tonalidade afectiva e imaginária da palavra Porto quando escreve estas palavras pensadas e sentidas: «A palavra Porto, como, aliás, cada palavra em si, nunca está isenta de uma impressão digital: movimenta-se no nosso imaginário em consonância com a experiência de vida de cada um de nós. No que a mim diz respeito, os locais redimensionam-se em função de leituras e de afectos. Foi pelas leituras que fui construindo o meu imaginário sobre a Invicta e, assim, o Porto era, para mim, o rosto dos liberais, de Garrett, de Agustina ou de Helena Sá e Costa. No entanto, de há uns dois anos para cá, o meu Porto tem vindo a ser consolidado no campo dos afectos virtuais e, por antonomásia, hipérbole ou alegoria, passou a ser, também, sinónimo de Francisco Saraiva de Sousa.» A Denise tem uma teoria da imagem da cidade - aliás uma teoria muito feminina: a sua noção de impressão digital reconduziu-me a Sartre que, quando visitava uma cidade, estava mais interessado em conhecer os seus habitantes e o seu estilo de vida que a sua arquitectura monumental. Para a Denise, eu - um mero mortal que habita um determinado nicho da Invicta - tornei-me um marco ou, se quiserem, uma referência afectiva e humana que reforça a sua imagem do Porto - dando-lhe talvez um rosto humano - construída a partir dos afectos e das leituras. Devo dizer que, quando cheguei ao Porto, o que me atraiu foram os seus telhados vistos da Ponte D. Luís. Inicialmente, senti uma repulsa pelos seus habitantes que me tratavam como se fosse um estranho ou, o que é ainda pior, um estrangeiro: chamar-me "mouro" não soava bem e eles tinham noção disso. No entanto, dado ter nascido portista - adepto do FCPorto -, consegui cativar os portuenses e realizar o penoso trabalho de desmontar o nosso - o meu e o deles - preconceito interiorizado: a má imagem do Porto e do FCPorto construída e difundida pelos meios de comunicação social lisboetas. O mal-estar que parece existir entre o Norte e o Sul de Portugal é alimentado pela comunicação social, sobretudo pela comunicação desportiva que incita abertamente à violência desportiva, como sucedeu neste último domingo quando adeptos do FCPorto e do Desportivo de Chaves - as equipas que jogaram a final da Taça de Portugal - foram apedrejados por benfiquistas enraivecidos e dementes. A agressividade atribuída aos homens do Norte é uma invenção perversa do "povo" encarnado, porque na verdade só há violência entre adeptos de clubes «rivais» quando esse "povo" está directa ou indirectamente envolvido. O que divide realmente os portugueses é a sua posição em relação ao Benfica e à sua tentativa antidemocrática de sequestrar o futebol nacional, como era seu hábito no tempo negro e cruel do fascismo. Portugal democratizou-se, mas o Benfica teima em ser um anacronismo fascista e totalitário. Se eliminarmos o Benfica das nossas conversas e silenciarmos os seus canais comunicativos, constatamos rapidamente as nossas afinidades e o nosso orgulho na pátria. O reconhecimento recíproco só pode ocorrer entre iguais: a escravatura física e mental é um momento superado na dialéctica da libertação. No mundo democrático, não existem senhores portadores de uma autoridade inquestionável: o Benfica não é nem pode ser reconhecido pelos adversários enquanto não aprender a viver em democracia, respeitando os outros e vencendo os jogos no campo e não nos túneis ou nas secretarias, como é seu defeito de nascimento. O imaginário da Denise sobre a Invicta não sofreu a deformação do preconceito negativo fabricado e difundido pela comunicação desportiva sectária: ele foi construído gradualmente a partir da leitura de obras de ilustres portuenses, tais como Almeida Garrett, Agustina Bessa-Luís e Helena Sá e Costa, que lhe deram um rosto liberal, e, depois, pelos afectos virtuais. Fico feliz pelo facto da Denise ter descoberto em mim o rosto humano da imagem liberal que construiu do Porto. Não sei se mereço o elogio - ser o rosto humano e afectivo do Porto liberal, mas foi com prazer que decidi conhecer pessoalmente a Denise e converter a nossa amizade virtual num laço de amizade real. A Denise apreendeu o rosto humano da Invicta de modo mais rápido do que eu. Esta habilidade cognitiva exibida pela minha querida amiga é uma característica típica do cérebro feminino. Para a Denise, os lugares e os locais redimensionam-se em função dos afectos: onde eu vejo marcos e figuras geométricas, ela vê os vestígios da humanidade que ama e sofre. Eu tive de aprender aquilo que é capacidade inata na Denise, reforçada na prática da leitura exigente de Agustina Bessa-Luís: ver os outros como possíveis companheiros de diálogo e de viagem e não como alvos a abater. Em termos simples, posso afirmar que a minha imagem inicial da cidade Invicta era agonística, formada durante o meu período de integração na sua vida social, enquanto a da Denise é uma imagem hedónica construída de fora com base nas leituras que realizou previamente de obras literárias de ilustres portuenses: o facto de ser lançado repentinamente num tecido urbano que me era "estranho" obrigou-me a vê-lo como um espaço de luta e de conflito. Procurei integrar-me sem perder as minhas raízes, a minha identidade: a presença do passado urbano e cultural da Invicta cativou-me desde logo; o meu vínculo com o Porto consolidou-se com a descoberta solitária do seu passado e do seu património cultural, urbanístico e arquitectónico. Porém, a descoberta do passado que me vinculou à Invicta não obedece a um impulso conservacionista e saudosista, mas sim a um impulso modernizador: o facto de ver o passado da Invicta como um impulso para a sua modernização constante acentuou as clivagens existentes entre mim e os «nativos»: eu tornei-me mais portuense do que eles e, neste sentido, considero legítimo o laço afectivo e cultural que a Denise estabeleceu entre mim e a cidade. Eu habito o Porto como se habitasse o centro do mundo: o Porto é a minha casa, o meu lar, construído no centro do mundo pátrio, que quero partilhar com todos os cidadãos do mundo. E neste desejo - que recusa a imagem turística oficial e a imagem pública do Porto veiculada por forças inimigas e invejosas - a diferença sexual que esbocei dissolve-se: o Porto é a Pátria da Identidade, a Casa do Homem. O Porto é mundo. A Denise rendeu-se à paixão que nutro pelo Porto e antecipou-se: ela fez uma viagem de metro que eu ainda não tive a oportunidade de realizar - atravessar a ponte D. Luís I que liga o Porto e Gaia. Os lugares visitados foram carregados de afectos e de significados digitais: a imagibilidade da cidade é efectivamente afectiva. Eu e a Denise criámos um laço entre nós e com a cidade Invicta. Adorei conhecer pessoalmente a Denise: já lhe tinha dedicado um post - Um Encontro na Cidade Invicta, e volto a dedicar-lhe mais um: a si enquanto pessoa humana - rica, bonita e multifacetada - e à sua inteligência. Sonho com o nosso grupo de amigos virtuais - Else, Manuel Rocha, Fernando Dias e Maldonado (links estabelecidos no outro post) - a lutar por um mundo melhor. (Aproveito a ocasião para anunciar este site sobre Guerra Junqueiro, da autoria de uns amigos da Universidade Católica-Porto.) J Francisco Saraiva de Sousa
16 comentários:
Ai, ai... amigos e amigas virtuais. Devo confessar que nem sempre leio todos os emails que me enviam. Deixo-os guardados e, sempre que tenho tempo e alguma paciência, leio o que posso. Eu sei que alguns esperam que faça uma crítica literária, mas eu só faço isso quando crio uma ligação orgânica com os textos. Abordar os textos de quem se inicia poderia ser contraproducente: é preciso ter coragem e avançar e, quando as ideias estiverem mais amadurecidas, então - quem sabe? - o meu cérebro pode fazer clique. Ânimo - malta ou galera, como dizem no Brasil. :)
Agora vou arranjar um tempinho para a Elsa. :)
Meu Deus, a minha barra de vídeo da Luta contra a Homofobia exibe vídeos muito hot. Como sabem, não exerço censura: a vida tb precisa de sexo escaldante. :)
Afinal, o governo espanhol suspendeu a construção do TGV Madrid-Lisboa: não há juízo em Portugal. :(
A política espanhola é unir as regiões autónomas de Espanha: Lisboa perdeu o juízo.
Queridíssimo amigo,
Adorei este texto e a forma como expões o teu enamoramento gradual pela Invicta Cidade do Porto!
Muito interessante o modo como explicas as percepções feminina e masculina da imagética da cidade, concretizadas, respectivamente, em mim e em ti.
Um exagero, as cores com que aqui me pintas.
E, claro, imperdível, sempre, a dicotomia sul/norte ou, se preferir, águia/dragão :-)
O tema que aqui desenvolves inspira-me resposta. Levo mais tempo que tu, que padeço de estagiários, mas será o meu próximo post.
"... a vida também precisa de sexo escaldante"
E, oh!, que de maneira! :-))))
bem, escaldante e a imagem q meteu no post acima.
mamma mia!!! lindões :D
Ya, e tenho vídeos e fotos mais escaldantes, para o caso de alguém se lembrar negar a homo africana. :)
Por acaso não gosto: muito músculo e poucos pêlos....
Ya, os africanos tb rapam os pelos púbicos. :)
Uns vendidos :-(
http://www.publico.pt/Mundo/casal-gay-foi-condenado-a-14-anos-de-prisao-no-malawi_1438141
Foi a propósito desta notícia de hj? Na Uganda têm pena de morte :(
Sim, tinha visto essa notícia e há outra de um casamento africano gay na África do Sul - suponho. Ah, eu estou a escrever o post por causa de um gay moçambicano que me enviou uns documentos. Mas logo vou explicitar isso...
sim, na áfrica do sul, os homossexuais podem-se casar.
Lá consegui um tempinho para a escrita:
http://rabiscosegaratujas.blogspot.com/2010/06/francisco-eu-cidade-e-o-mundo.html
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