sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Projecto Porto Cidade-Estado (4)

Porto Cidade-Estado
Hoje as ideias partilhadas no Facebook seguiram um novo rumo: a temática do sebastianismo e as metamorfoses da espera. Têm relevância para o Porto Cidade-Estado:

1. A Alma Portuguesa só pode ser pensada à luz da fragmentação. A Imagem do Porto-Trabalho deve ceder à imagem do Porto-Pensador. Uma das clivagens da alma portuguesa pode ser enunciada assim: o Porto pensa enquanto Lisboa desconstrói e destrói o pensamento pensado pelo e no Porto. Todas as Histórias da Literatura Portuguesa são falsificações que secam os vestígios geniais da alma portuense. O Romantismo em Portugal é uma criação portuense: os sulistas sabem isso quando dizem ser anti-românticos, isto é, anti-portuenses. As obras de Teixeira de Pascoaes tematizaram o romantismo, dando-lhe uma filosofia sistemática. Há portanto uma Filosofia do Romantismo Portuense. Porém, convém exorcizar uma concepção prévia do romantismo: o culto do passado que encontramos em Alexandre Herculano converte-se em ânsia de futuro em Teixeira de Pascoaes, o que quer dizer que o romantismo não é necessariamente retrógrado e reaccionário. A filosofia de Teixeira de Pascoaes é sombria no sentido de ser uma filosofia nocturna que aguarda por um novo amanhecer.

2. O sebastianismo foi mal pensado filosoficamente: o sebastianismo do Padre António de Vieira que, de certo modo, revive na "Mensagem" de Fernando Pessoa foi completamente transfigurado pelos filósofos e poetas portuenses. A transfiguração portuense do sebastianismo é, desde logo, uma transfiguração filosófica e política. A figura do Encoberto é, na filosofia portuense, uma figura tão importante como o Zaratustra na filosofia de Nietzsche. Com efeito, ela é uma figura da filosofia nocturna. (Ocorreu aqui uma polémica que ditou a sequência seguinte:)

3. A Universidade de Coimbra foi sempre inimiga do pensamento portuense, como o demonstra a "questão académica". A Faculdade de Letras do Porto foi fundada em Agosto de 1919 por Leonardo Coimbra e, depois da polémica com Coimbra, foi suprimida por decreto em 1928. Esta supressão fascista deslocou algumas figuras do pensamento portuense para a Universidade de Coimbra: o exílio coimbrão não conseguiu ofuscar o génio portuense. A Universidade de Coimbra foi sempre o túmulo do pensamento filosófico e científico. A Aliança Porto-Lisboa quebrou esse feitiço de Coimbra.

4. Eis como Teixeira de Pascoaes lamenta a imbecilidade dos portugueses: «O grande poder emotivo da Raça contrário ao pensamento intelectualizado, opunha-se à criação de uma verdadeira Filosofia. O sentimento inundante afoga em lágrimas e nuvens o pensamento lúcido e sereno. Também o viço excessivo de uma planta não a deixa frutificar». Considera que o Criacionismo de Leonardo Coimbra é «a primeira Filosofia com todo o ritual e espiritual, escrita em língua portuguesa».

5. O messianismo pode ser definido - em termos gerais - como "esperança histórica". E o sebastianismo como sua versão portuguesa nasce da dor e nutre-se da esperança (Lúcio de Azevedo). Apesar de terem sido publicadas muitas obras sobre o sebastianismo, ainda não temos uma História do Sebastianismo (Lusófono) e muito menos uma Filosofia do Sebastianismo. A tese que proponho é uma inversão de marcha: Pensar o Encoberto como o Desejado. A Filosofia Portuense realizou de certo modo essa inversão que rompe com a Profecia: a transfiguração portuense do sebastianismo é assim secularização da crença bíblica na vinda de um Deus ou de um Enviado de Deus, que salvará o seu povo oprimido. (Aqui o meu amigo Wanderson Lima deu a seguinte bibliografia brasileira: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete e oito.)

6. É preciso ser filósofo profissional para compreender a "História do Futuro" do Padre António Vieira. Eis aqui uma afirmação a reter: «A ciência dos futuros - disse Platão - é a que distingue os deuses dos homens e daqui lhes veio, sem dúvida, aos homens, aquele antiquíssimo apetite de serem como deuses». O Capítulo Primeiro da História do Futuro tem muita filosofia que urge compreender.

7. Na "História do Futuro", António Vieira fala "com todo o mundo" no primeiro capítulo, e "só com Portugal" no segundo capítulo. Ora, um filósofo hermeneuta sabe que há aqui algo a decifrar, porque logo a seguir Vieira diz: «nem todos os futuros são para desejar, porque há futuros para temer». A não é suficiente para deslindar a lucidez histórica e política de Vieira.

8. Sugiro o tema de um novo livro sobre o Padre António Vieira que namora o título de uma obra de Isaac Deutscher: António Vieira, Profeta Armado, Profeta Desarmado e Profeta Vencido: Uma trilogia.

9. Em 1634, nos arrabaldes do Salvador, António Vieira pregou o seu Sermão de S. Sebastião. O seu sebastianismo evoluiu do sebastianismo estático, preso à esperança do regresso do rei morto em Alcácer Quibir, para o sebastianismo do Quinto Império. O sebastianismo conheceu diversas peripécias sem mudar de matriz. Ora, quem sonha o Quinto Império? Fernando Pessoa que se filia ao último Vieira.

10. Lamento a miopia política do governo português no caso da parceria estratégica com Angola: A Inglaterra livrou-se disso ao criar colónias ocidentais; nós portugueses sabemos que ainda há preconceitos nas relações com as ex-colónias, em especial Angola e Moçambique. Com excepção do Brasil, o património lusófono não é assumido por esses países africanos. É preciso ter paciência na construção da comunidade lusófona.

11. António Vieira realizou uma síntese messiânica que combina o joaquimismo, o messianismo nacional português - bandarrismo - e o messianismo judaico. Desta combinação resulta uma figura que não vou aqui delinear, limitando-me a dizer que o reino messiânico sobre a terra foi formalmente anunciado pelos profetas (1); que haverá três estados da Igreja, da Sinagoga à Igreja actual e desta à Igreja do futuro (2); e que o início da era messiânica será marcado pelo esmagamento dos turcos pelos exércitos cristãos comandados pelo rei de Portugal (3). Como é evidente, a profecia de Vieira falhou: os judeus foram conduzidos a Israel no decurso da Segunda Guerra Mundial sem a orientação de um Messias. Mas o sebastianismo é mais do que isto, e o que tenho defendido é a necessidade de pensar a sua filosofia: a sua concepção da História e da Política.

12. No trabalho intelectual, há divisão de trabalho: uns recolhem o material sem lhe acrescentar mais-valia; outros processam esse material adicionando-lhe erudição; e, finalmente, há os criadores que jogam entre os trabalhadores e os eruditos, criando tempestades inovadoras no seio das ciências e da filosofia. Sem cérebros criativos não haveria mudança de problemáticas e o mundo seria chato e monótono. Só de falar disso dá-me sono! Desperta e acorda para a ciência revolucionária!

13. Fiquei desiludido com esta discussão em torno do Padre António Vieira: Aspectos biográficos foram ventilados sem entrar na sua matriz de pensamento, precisamente o que me interessa enquanto filósofo. Para contornar uma má biografia de Vieira, sugeri um título: António Vieira, Profeta Armado, Desarmado e Vencido. E, para abordar o seu pensamento messiânico, outro título: António Vieira, História e Política. Mas parece que andei a pregar para os peixes.

14. Eu só reconheço a autoridade de uma pessoa em matéria de estudos vieiristas quando ela souber elucidar a concepção de tempo nas obras de Vieira. Eu não procuro uma biografia; procuro - isso sim - uma filosofia sistematicamente pensada.

15. Por que amo o Barroco Alemão? Porque o drama alemão mergulha inteiramente na desolação da condição terrena, afastando-se da escatologia e fugindo para uma natureza desprovida de graça. Ora, meus amigos, o Barroco Português não está longe do Barroco Alemão: Falta-lhe apenas estudiosos disciplinados pelo rigor da filosofia.

16. Amigo CM: Deixo-lhe aqui quatro notas críticas:

16.1. António Vieira é um escritor português muito estudado não só por portugueses mas também por estrangeiros. O facto de ter dedicado 12 anos ao estudo de Vieira não lhe dá o direito de desprezar os trabalhos pioneiros e brilhantes de Lúcio de Azevedo, Hernâni Cidade e António José Saraiva. A melhor biografia de Vieira continua a ser a "História de António Vieira" de Lúcio de Azevedo. Como é evidente, o maior conhecimento da obra e da vida de Vieira permite elaborar novas biografias, escritas à luz de novas problemáticas teóricas. A investigação nunca está concluída e ninguém pode afirmar deter a última palavra sobre um assunto.

16.2. Ontem negou a filiação de António Vieira à problemática luso-brasileira do sebastianismo. Tentei uma definição concisa do sebastianismo apresentando-o como uma versão portuguesa do messianismo. António Vieira realizou a passagem do sebastianismo estático ao sebastianismo do Quinto Império. As peripécias do sebastianismo não podem eclipsar a sua matriz teórica e política que permanece constante ao longo do tempo: as metamorfoses da espera não alteram significativamente a problemática do sebastianismo, sendo adaptações à conjuntura política.

16.3. Ontem estabeleceu um paralelo entre António Vieira e Sabetai Zevi, como se se tratasse de uma descoberta original. Ora, estudos anteriores - em especial os de António José Saraiva - já tinham identificado esse paralelo, mostrando que o ano de 1666 era messiânico para os dois autores. Aquilo que diz ser uma descoberta original sua não é, de facto, original. Os encontros de Vieira com rabinos portugueses na Holanda estão bem estudados. Há uma figura que esqueceu: Menasseh ben Israel, cujas obras têm afinidades com as obras messiânicas inacabadas de Vieira. A Política de Vieira não pode ser dissociada da questão da escravatura e dos índios brasileiros: as Dez Tribos perdidas de Israel são importantes para compreender a Igreja do Futuro mas não eclipsam a questão da escravatura e dos engenhos.


16.4. (O CM) escreveu algures o seguinte: «São três os Sermões do Rosário que falam dos escravos. O único estudo que existe destes trintário é meu, se conhece outro prove-o. Chama-se "Um sermonário mariano de Vieira, Maria Rosa Mística", foi publicado pela Universidade Católica, deveria ser uma treta como o senhor faz querer. Apresente teses, tenha universidades que lhas publiquem, e depois venha discutir sobre aquilo que ainda tem muito que aprender. Seja mais humilde e não pretenda ser enciclopédia, pois as asneiras saem-lhe em catadupa».

Deixando de lado a tontice da sua retórica muito lusitana e agressiva, devo dizer que a questão dos escravos foi abundantemente analisada por diversos estudiosos portugueses, brasileiros e estrangeiros. O segundo volume da "História de António Vieira" de Lúcio de Azevedo aborda esses Sermões no Sexto Período - O Vencido, em especial na secção VI: A tarefa dos sermões. Hernâni Cidade e António José Saraiva também não foram indiferentes à questão dos escravos, para já não falar dos estudiosos brasileiros - ainda ontem foram referidos alguns mediante links - e estrangeiros. É certo que os sermões podem ser analisados em função de chaves de leitura diferentes, mas o seu conteúdo político - esse sim foi estudado.

Tinha outras coisas para dizer sobre a adjectivação que me foi atribuída, mas prefiro omiti-las porque não são relevantes para a elucidação do pensamento de Vieira.


17. O Problema António Vieira consiste em articular a História e a Política, e esta articulação é a sua Filosofia. Ora, a articulação História-Política já deriva de uma problemática de fundo que não foi descoberta por Vieira: Os seus compromissos políticos assumem a forma de teses filosóficas sobre a história e a política do seu tempo. É nesse sentido que o sebastianismo do Quinto Império ainda não foi pensado.

18. Descobri um paradoxo na concepção da "História do Futuro" de António Vieira, nas duas edições que disponho dessa obra. Vieira é enfático quando distingue a sua História do Futuro da História do Passado escrita por autores clássicos. Porém, para a fundamentar, apresenta as suas quatro "utilidades". Ora, a terceira utilidade da História do Futuro - «as promessas e as disposições divinas, antecedentemente conhecidas na previsão do futuro, tudo facilitam e a tudo animam» - reduz a História à Política de realização das promessas. A concepção de tempo de António Vieira aproxima-se e, ao mesmo tempo, distancia-se da concepção de tempo de Santo Agostinho. Para Vieira, o tempo tem dois hemisférios - o passado e o futuro - e um horizonte de tempo presente em que termina o passado e começa o futuro. É esta concepção de tempo que está na raiz dos cinco impérios: o Quinto Império mundial será realizado à escala mundial por Portugal e pelos portugueses sob a liderança de um rei português. Ora, a quarta utilidade da História do Futuro é advertir os inimigos -holandeses e espanhóis e outros - de que não vale a pena lutar contra Portugal, cujo destino foi traçado por Deus. Dado ser um império mundial temporal no mundo, o Quinto Império - a ideia - rompe com a escatologia, outra dificuldade a pensar em Vieira.

19. A burocratização do ensino queimou os neurónios dos auto-intitulados professores que assumem o cargo burocrático dispensando a tarefa de ensinar e educar. Munidos das palermices das pedagogias administrativas, pretendem ser avaliadores por decreto celestial. Porém, como podem avaliar o que não sabem ou o que não ensinaram? O ensino em Portugal e no mundo é uma mentira. Uma maneira tipicamente portuguesa de evitar o confronto da avaliação é dizer que não aceitam ser avaliados e testados. Sim, são múmias mas múmias que querem avaliar sem ser avaliadas.

20. O que me irrita nos chamados escritores portugueses? A bisbilhotice, a atracção exclusiva por pormenores da vida privada dos autores que dizem analisar, o golpe-baixo no diálogo, enfim a incapacidade de pensar o pensamento pensado e de criar novos pensamentos. Nunca se avança; patina-se na mesma merda. Daqui a pouco estávamos a discutir a virgindade de Vieira! Odeio gente burra!

21. Como exemplificar a estupidez dos livros produzidos por portugueses medíocres? Em primeiro lugar, denunciando a falta de qualidade científica e linguística da maior parte das teses de mestrado e de doutoramento. Um avaliador externo que as lesse ficaria chocado: as universidades andam a produzir burros diplomados em série. Em segundo lugar, poderia referir muitas obras editadas pelo centro de Braga da Universidade Católica: as obras filosóficas tratam de tudo menos de Filosofia. Mas posso dar outro exemplo, desta vez portuense: a Fundação Spes tentou aprofundar os estudos da vida e da obra do Bispo D. António Ferreira Gomes e uma dessas iniciativas foi a publicação de uma série de livros volumosos e vazios de pensamento. Enfim, o Bispo do Porto morreu uma segunda vez.

22. Olho em redor e vejo coisas. É certo que a linguagem me permite classificá-las, dando-me o esqueleto de uma concepção do mundo. Porém, preciso de muito trabalho de pensamento para elaborar o conhecimento do fragmento de mundo que vejo. Mas nunca estou na estaca zero porque possuo conhecimentos prévios do mundo. A teoria - o conhecimento concreto do mundo concreto - é sempre o resultado de um trabalho teórico: uma matriz teórica e instrumental permite-me converter a matéria-prima do conhecimento - um conhecimento prévio - em conhecimento científico ou filosófico.

J Francisco Saraiva de Sousa

4 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eu não abandonei a hipótese da Origem Atlante do Porto. Se a datação das Pirâmides de Gizé estiver correcta e se houver uma pirâmide nos Açores, então a hipótese tem pernas para andar. Porém, há uma dificuldade: o asteróide que dizem ser responsável pelo tsunami que afogou a Atlântida é muito, muito anterior a 10 500 e 10 000 A.C.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Infelizmente, ainda não temos uma Filosofia do Barroco Português. Porém, no caso de António Vieira, António José Saraiva dedicou-lhe uma obra onde revela alguns traços fundamentais do discurso barroco: "O Discurso Engenhoso: Ensaios sobre Vieira". Aliás, os estudos de literatura portuguesa nunca esquecem António Vieira. Há material disponível para elaborar a filosofia do barroco português.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Anexo ao 16:

Há mais duas ou três notas críticas que não são relevantes: 1. Porto Cidade-Estado é um projecto de autonomia radical; 2. O Benfica afasta-o desse projecto, o que demonstra a colonização centralista da sua mente; e 3. O Porto é a alma do Norte. Ora, Vieira não é uma figura portuense: ontem falei da transfiguração portuense do sebastianismo. Sampaio Bruno era republicano. Acho que respondi ao essencial... Ah, falta acrescentar que o FCPorto é o maior. Mas para dizer a verdade o meu pensamento estava longe do meu clube.

Agora falta debater a história e a política em Vieira: já avancei com algumas teses. Ah, teses significa: tomadas de posição teórica no campo de batalha que é a filosofia. Não as dirijo a um júri mas ao auditório universal. Afinal, sou filósofo e não preciso da tutela de tontos.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O Problema António Vieira consiste em articular a História e a Política, e esta articulação é a sua Filosofia. Ora, a articulação História-Política já deriva de uma problemática de fundo que não foi descoberta por Vieira: Os seus compromissos políticos assumem a forma de teses filosóficas sobre a história e a política do seu tempo. É nesse sentido que o sebastianismo do Quinto Império ainda não foi pensado.