A prostituição é a entrega sexual a estranhos ou conhecidos contra pagamento e, como tal, tem sido apresentada como «a mais velha profissão do mundo» (Roberts, 1996). Este etnoconceito de prostituição não especifica o sexo dos indivíduos que se prostituem, na medida em que supõe que esses indivíduos sejam necessariamente mulheres. A prostituição é considerada uma profissão exclusivamente feminina e os indivíduos que a praticam são designados por «mulheres da má vida». Actualmente, o conteúdo deste conceito alargou-se até incluir a prostituição masculina, cuja figura mais emblemática na nossa cultura ocidental é Timarcos, severamente criticado por negociar os seus sentimentos de um modo infame, à maneira de um vil prostituto (Dover, 1978; Mazel, 1984). Isto significa que já havia prostituição masculina na Grécia Antiga (Buffière, 1957; Flaceliére, 1971) ou mesmo em Roma (Grimal, 1988). Apesar da forte associação evolutiva entre prostituição e sexo feminino, convém não usar este termo sem especificar o sexo dos indivíduos que se prostituem ou mesmo o tipo de prostituição que praticam. O conceito de prostituição diferencia-se em si mesmo: não podemos falar de prostituição no singular, mas devemos falar de prostituições no plural. Existe a prostituição feminina e a prostituição masculina e cada uma delas pode ser organizada ou não e envolver prostitutos ou prostitutas adultos ou «menores».
As relações dos homens homossexuais portugueses com a prostituição masculina são muitíssimo ambíguas e diversificadas. De um modo geral, os homens homossexuais condenam a prostituição masculina. Contudo, alguns deles prostituem-se regular ou ocasionalmente, enquanto outros recorrem regular ou ocasionalmente aos serviços prestados pelos prostitutos masculinos (adultos ou adolescentes).
O léxico erótico gay português que elaborámos compreende 219 lexemas relativos à prostituição masculina, representando 32,83% do total da dimensão das "sexualidades alternativas". O seu campo lexical é conceptualmente rico e diversificado, abrangendo designações gerais, classificação dos intervenientes, acto de se prostituir, serviço prestado pelo prostituto, preços, pagamentos ao prostituto e ao proxeneta, locais de encontros com os prostitutos, classificação dos prostitutos em função do seu sucesso, recurso ao prostituto, distinção entre «sexo comprado» e «sexo grátis» e perigos da prostituição. Estas diferenciações e classificações internas mostram que o recurso à prostituição ou aos serviços dos prostitutos são práticas frequentes entre os homens homossexuais portugueses. Ou melhor, a riqueza interna deste campo cognitivo mostra que a prostituição masculina não é um estilo de vida exterior à comunidade gay portuguesa. Contudo, neste post, iremos apresentar um resumo de um estudo de caso realizado em Lisboa, usando materiais linguísticos e cognitivos adicionais, nomeadamente o léxico erótico gay português e textos publicados em revistas gay portuguesas. O uso destas metodologias adicionais num estudo triangular justifica-se quando se pretende apresentar uma visão interna dos grupos envolvidos nesse comportamento ou acontecimento.
Os homens homossexuais preferem usar mais o termo «chulo» do que o termo «prostituto» para designar aquele indivíduo que «oferece os seus serviços sexuais em troca de dinheiro e de outros favores», acentuando que o «chulo» não é o das «mulheres de má-vida», mas o dos maridos das mulheres heterossexuais, que lhe pagam para este lhes «ir ao cu».
Os «prostitutos homossexuais» distinguem-se por uma grande variedade de géneros e caracteres e muitos homens recorrem assiduamente, quase que diariamente, aos seus serviços. Os homens homossexuais que recorrem aos prostitutos ou aos belos «muchachos» não são apenas os mais «velhotes» que, devido às vissicitudes da vida, só decidiram assumir uma «existência gay», geralmente clandestina, muito tarde, mas também os mais novos, que, não sendo particularmente «bonitos» e/ou estando «fartos» do «enconanço» das beldades dos bares, andam às voltinhas no Parque Eduardo VII ou em Belém, de resto lugares públicos policiados.
Em Lisboa, os lugares da prostituição masculina revelam muito o carácter dos prostitutos. Em Belém, os prostitutos são geralmente rapazes da vizinhança, dos bairros operários localizados em redor do jardim ou soldados do Quartel da Calçada da Ajuda, e são geralmente do tipo «machão», pouco profissionais, ansiosos por acabar e receber o «papel». No Parque Eduardo VII, encontra-se de tudo, desde os prostitutos preocupados com o prazer dos clientes que, segundo alguns testemunhos homossexuais, podem até tornar-se «bons amigos», até aos prostitutos mais profissionais e menos dignos de crédito e de confiança. No Terminal, existem prostitutos de todos os géneros ou gostos, incluindo toxicodependentes dispostos a tudo para arranjar dinheiro para o «chuto», marginais cadastrados e perigosos, e «criancinhas vagabundas», geralmente expulsas de casa pelos pais, que vagueiam em bandos pelas ruas.
Os chamados «utilizadores dos chulos» não são somente os homens casados heterossexualmente e os homossexuais cansados da vida dos bares, mas também «homens (publicamente) conhecidos», tais como «políticos, empresários e intelectuais da nossa praça», que procuram alguns «momentos de prazer». Além disso, muitos «casais homossexuais», que, por definição (oficial) gay, «orientam as suas vidas para um amor saudável e gratificante, porque entre iguais», podem ir e vão os dois à «aventura», portanto, à «procura de um bom chulo».
Contudo, todos os frequentadores de prostitutos correm imensos riscos, desde «acabar com uma faca no pescoço» até «entrar em casa e descobrir que foram assaltados».
Geralmente, os «utilizadores de chulos» preferem «engatar de carro», embora também haja quem o faça de modo pedonal, correndo riscos acrescidos, nomeadamente ir para o «lugar ali escondido», onde «não vai lá ninguém» e, por isso, «podemos estar à vontade» («cair na treta do lugar escondido»), mas, quando o cliente «já está com ele (o pénis) na boca», pode ser surpreendido e «encurralado» por 2, 3 ou 4 «matulões». Porém, também aquele cliente que faça o «engate» de carro e vá para um «lugar escondido» para praticar a actividade sexual previamente (ou não) «combinada», pode ser surpreendido pela «visita dos matulões» e ser assaltado, despido, amarrado e, nalguns casos, ver o próprio carro roubado. E não são somente os «engates de rua» que originam estes riscos, também os «engates» realizados em bares ou discotecas podem ter essas consequências.
Quando o contacto é estabelecido, os chulos contam imensas «histórias», o chamado «choradinho dos coitados» ou «tretas dos chulos»: uns não têm casa, emprego ou dinheiro; outros falam das suas «passagens pela prisão»; outros ainda recorrem à «velha história das multas para pagar». Os chamados «otários», ou seja, aqueles que «caem no choradinho dos coitados», levam-nos para casa, com o objectivo de aí concretizar o encontro sexual. Mas, como se sabe, levar o chulo para casa e sobretudo deixá-lo a dormir em casa de manhã, sozinho, enquanto o «cliente» vai trabalhar, não é uma «boa decisão», porque acarreta riscos de diversos tipos: «Quando voltares, no mínimo, a aparelhagem e o vídeo já voaram». Alguns, provavelmente os mais solitários e carentes, dizem impensadamente para o prostituto: «se quiseres podes vir para cá até arranjares trabalho», «antecipando as longas noites de amor». Muitos prostitutos, sobretudo os toxicodependentes, «não nos largam mais a porta», além de terem «fortes possibilidades de estarem seropositivos».
Os «utilizadores de chulos» mais «escaldados», isto é, que já «entraram numa fria», segundo expressão brasileira, dizem fazer uma «avaliação cuidada do chulo antes de o trazer para casa», procurando «conversar demoradamente com ele», tentando «perceber o seu verdadeiro carácter por detrás da máscara», evitando «aqueles que se mostram muito intrusivos, com demasiado "à vontade" e intimidade, que insistem muito para serem levados para casa», não se deixando «cegar pela beleza e sensualidade ou pelo sorriso», preferindo «os que trabalham e manifestam claramente que estão ali não só por dinheiro mas também por prazer», não se deixando «comover pelas suas histórias e levar por bons sentimentos humanistas», ou não os considerando «como iguais» e, por conseguinte, não os colocando «no mesmo plano».
Os «chulos», dizem os homens homossexuais «sabidos», «simplesmente não são iguais a nós. Pertencemos a outro estatuto social, com diferentes backgrounds, diversas origens, valores sociais. Não podes esperar que alguém com educação e valores morais completamente diferentes dos teus, se comporte da mesma maneira. Isto não é elitismo, mas bom senso!» Por isso, em vez de optarem pela «treta do lugar escondido» do «chulo», são eles que escolhem os lugares: levam-nos ou para casa, ou para uma pensão, ou ainda para uma sauna, de resto uma oportunidade para dar um «banho aos chulos», já que higiene não costuma ser propriamente o seu forte. Outros «utilizadores» preferem levar «mais do que um chulo» e, nalguns casos, é o próprio «chulo» que, insistindo que não se pode separar do «amigo», procura convencer o cliente a levar ambos para casa. Como dizem os homens homossexuais: «O chuto do "corte" é, por natureza, cobarde sozinho, mas corajoso em grupo». Outros ainda, para garantir a sua segurança, combinam previamente com o «chulo» que, quando se levantarem bem cedo de manhã, ele deve ir embora ou então que é melhor ir logo para casa depois do «servicinho».
Na altura em que a nossa pesquisa de terreno foi realizada, os preços médios do mercado eram dois mil escudos por «foda». Os chamados «cámones», designação dada pelos portugueses aos «utilizadores» estrangeiros, pagam acima dos preços nacionais, o que leva os prostitutos a preferi-los e/ou a subir os preços. Como os preços variam em função da actividade sexual, o «utilizador» e o «chulo» tendem a combinar claramente «tudo o que se vai fazer depois na cama», o que não acontece geralmente nos «engates normais». Se essa conversa não ocorrer, corre-se o risco de «haver mal entendidos», com o «chulo» a exigir mais do que lhe é devido.
De todos os tipos de «chulos», os mais temidos pelos seus «utilizadores» são os toxicodependentes de drogas endovenosas. Os «meninos da pica» podem ser efectivamente perigosos, porque querem sempre mais dinheiro do que o combinado antes e são uns «chatos» que «não largam mais a porta», além de terem fortes possibilidades de estarem seropositivos, dado terem relações com pessoas diferentes todos os dias. Contudo, nem todos os «utilizadores» fazem questão em usar o preservativo, a chamada «camisinha», praticando actividades de risco, tais como penetração anal, receptiva ou activa, «ejaculação na boca» ou troca de «beijos molhados», em vez das recomendadas «carícias e massagens». Eles consideram essas buscas constantes por chulos como «brincadeiras» e, por vezes, essas brincadeiras podem valer a vida. Como diz o ditado: «Uma brincadeira não vale a tua vida!»
Como dizem os homens homossexuais, «os nossos "putos" são o equivalente das "putas" dos heterossexuais». Dado que a prostituição masculina, como todos os prazeres, «pode viciar», os «utilizadores dos chulos» vão «atrás dessa vozinha interior» que, sempre que tenham algum tempo livre, lhes segreda: «Vai dar uma volta». O resultado é verem a rubrica «chulos» cada vez mais pesada nos respectivos «orçamento mensais». Alguns homossexuais dizem ter «encontrado, nessas caçadas, o homem da sua vida», mas escusado será dizer que essa ligação durou muito pouco tempo ou, pelo menos, se tornou um «pesadelo». Estes homossexuais tendem a elaborar uma imagem idílica dos «chulos» ou, pelo menos, daqueles que insistem no dinheiro «apenas para se justificarem aos outros e também perante si próprios» de que «andam na vida apenas por causa do dinheiro», quando na verdade são homossexuais.
Com o advento da Internet e a sua comercialização, os sites e chat rooms gay, como GayDar (Elford et al., 2004), têm geralmente uma secção, a dos perfis, onde os prostitutos colocam o seu perfil, juntamente com o acompanhante, oferecendo os seus serviços de «massagens». Contudo, se tende a substituir os bares como nova arena erótica (Brown, Maycock & Burns, 2005; Ross, 2005), a Internet ainda não mostrou todo o seu potencial no domínio da prostituição masculina, pelo menos em Portugal, e até mesmo na Holanda esse negócio online é mais lucrativo no âmbito da prostituição feminina. Os clientes de prostitutos masculinos parecem não ficar satisfeitos com o erotismo e o nudismo online, exigindo encontros offline, realizados geralmente em hotéis.
J Francisco Saraiva de Sousa
As relações dos homens homossexuais portugueses com a prostituição masculina são muitíssimo ambíguas e diversificadas. De um modo geral, os homens homossexuais condenam a prostituição masculina. Contudo, alguns deles prostituem-se regular ou ocasionalmente, enquanto outros recorrem regular ou ocasionalmente aos serviços prestados pelos prostitutos masculinos (adultos ou adolescentes).
O léxico erótico gay português que elaborámos compreende 219 lexemas relativos à prostituição masculina, representando 32,83% do total da dimensão das "sexualidades alternativas". O seu campo lexical é conceptualmente rico e diversificado, abrangendo designações gerais, classificação dos intervenientes, acto de se prostituir, serviço prestado pelo prostituto, preços, pagamentos ao prostituto e ao proxeneta, locais de encontros com os prostitutos, classificação dos prostitutos em função do seu sucesso, recurso ao prostituto, distinção entre «sexo comprado» e «sexo grátis» e perigos da prostituição. Estas diferenciações e classificações internas mostram que o recurso à prostituição ou aos serviços dos prostitutos são práticas frequentes entre os homens homossexuais portugueses. Ou melhor, a riqueza interna deste campo cognitivo mostra que a prostituição masculina não é um estilo de vida exterior à comunidade gay portuguesa. Contudo, neste post, iremos apresentar um resumo de um estudo de caso realizado em Lisboa, usando materiais linguísticos e cognitivos adicionais, nomeadamente o léxico erótico gay português e textos publicados em revistas gay portuguesas. O uso destas metodologias adicionais num estudo triangular justifica-se quando se pretende apresentar uma visão interna dos grupos envolvidos nesse comportamento ou acontecimento.
Os homens homossexuais preferem usar mais o termo «chulo» do que o termo «prostituto» para designar aquele indivíduo que «oferece os seus serviços sexuais em troca de dinheiro e de outros favores», acentuando que o «chulo» não é o das «mulheres de má-vida», mas o dos maridos das mulheres heterossexuais, que lhe pagam para este lhes «ir ao cu».
Os «prostitutos homossexuais» distinguem-se por uma grande variedade de géneros e caracteres e muitos homens recorrem assiduamente, quase que diariamente, aos seus serviços. Os homens homossexuais que recorrem aos prostitutos ou aos belos «muchachos» não são apenas os mais «velhotes» que, devido às vissicitudes da vida, só decidiram assumir uma «existência gay», geralmente clandestina, muito tarde, mas também os mais novos, que, não sendo particularmente «bonitos» e/ou estando «fartos» do «enconanço» das beldades dos bares, andam às voltinhas no Parque Eduardo VII ou em Belém, de resto lugares públicos policiados.
Em Lisboa, os lugares da prostituição masculina revelam muito o carácter dos prostitutos. Em Belém, os prostitutos são geralmente rapazes da vizinhança, dos bairros operários localizados em redor do jardim ou soldados do Quartel da Calçada da Ajuda, e são geralmente do tipo «machão», pouco profissionais, ansiosos por acabar e receber o «papel». No Parque Eduardo VII, encontra-se de tudo, desde os prostitutos preocupados com o prazer dos clientes que, segundo alguns testemunhos homossexuais, podem até tornar-se «bons amigos», até aos prostitutos mais profissionais e menos dignos de crédito e de confiança. No Terminal, existem prostitutos de todos os géneros ou gostos, incluindo toxicodependentes dispostos a tudo para arranjar dinheiro para o «chuto», marginais cadastrados e perigosos, e «criancinhas vagabundas», geralmente expulsas de casa pelos pais, que vagueiam em bandos pelas ruas.
Os chamados «utilizadores dos chulos» não são somente os homens casados heterossexualmente e os homossexuais cansados da vida dos bares, mas também «homens (publicamente) conhecidos», tais como «políticos, empresários e intelectuais da nossa praça», que procuram alguns «momentos de prazer». Além disso, muitos «casais homossexuais», que, por definição (oficial) gay, «orientam as suas vidas para um amor saudável e gratificante, porque entre iguais», podem ir e vão os dois à «aventura», portanto, à «procura de um bom chulo».
Contudo, todos os frequentadores de prostitutos correm imensos riscos, desde «acabar com uma faca no pescoço» até «entrar em casa e descobrir que foram assaltados».
Geralmente, os «utilizadores de chulos» preferem «engatar de carro», embora também haja quem o faça de modo pedonal, correndo riscos acrescidos, nomeadamente ir para o «lugar ali escondido», onde «não vai lá ninguém» e, por isso, «podemos estar à vontade» («cair na treta do lugar escondido»), mas, quando o cliente «já está com ele (o pénis) na boca», pode ser surpreendido e «encurralado» por 2, 3 ou 4 «matulões». Porém, também aquele cliente que faça o «engate» de carro e vá para um «lugar escondido» para praticar a actividade sexual previamente (ou não) «combinada», pode ser surpreendido pela «visita dos matulões» e ser assaltado, despido, amarrado e, nalguns casos, ver o próprio carro roubado. E não são somente os «engates de rua» que originam estes riscos, também os «engates» realizados em bares ou discotecas podem ter essas consequências.
Quando o contacto é estabelecido, os chulos contam imensas «histórias», o chamado «choradinho dos coitados» ou «tretas dos chulos»: uns não têm casa, emprego ou dinheiro; outros falam das suas «passagens pela prisão»; outros ainda recorrem à «velha história das multas para pagar». Os chamados «otários», ou seja, aqueles que «caem no choradinho dos coitados», levam-nos para casa, com o objectivo de aí concretizar o encontro sexual. Mas, como se sabe, levar o chulo para casa e sobretudo deixá-lo a dormir em casa de manhã, sozinho, enquanto o «cliente» vai trabalhar, não é uma «boa decisão», porque acarreta riscos de diversos tipos: «Quando voltares, no mínimo, a aparelhagem e o vídeo já voaram». Alguns, provavelmente os mais solitários e carentes, dizem impensadamente para o prostituto: «se quiseres podes vir para cá até arranjares trabalho», «antecipando as longas noites de amor». Muitos prostitutos, sobretudo os toxicodependentes, «não nos largam mais a porta», além de terem «fortes possibilidades de estarem seropositivos».
Os «utilizadores de chulos» mais «escaldados», isto é, que já «entraram numa fria», segundo expressão brasileira, dizem fazer uma «avaliação cuidada do chulo antes de o trazer para casa», procurando «conversar demoradamente com ele», tentando «perceber o seu verdadeiro carácter por detrás da máscara», evitando «aqueles que se mostram muito intrusivos, com demasiado "à vontade" e intimidade, que insistem muito para serem levados para casa», não se deixando «cegar pela beleza e sensualidade ou pelo sorriso», preferindo «os que trabalham e manifestam claramente que estão ali não só por dinheiro mas também por prazer», não se deixando «comover pelas suas histórias e levar por bons sentimentos humanistas», ou não os considerando «como iguais» e, por conseguinte, não os colocando «no mesmo plano».
Os «chulos», dizem os homens homossexuais «sabidos», «simplesmente não são iguais a nós. Pertencemos a outro estatuto social, com diferentes backgrounds, diversas origens, valores sociais. Não podes esperar que alguém com educação e valores morais completamente diferentes dos teus, se comporte da mesma maneira. Isto não é elitismo, mas bom senso!» Por isso, em vez de optarem pela «treta do lugar escondido» do «chulo», são eles que escolhem os lugares: levam-nos ou para casa, ou para uma pensão, ou ainda para uma sauna, de resto uma oportunidade para dar um «banho aos chulos», já que higiene não costuma ser propriamente o seu forte. Outros «utilizadores» preferem levar «mais do que um chulo» e, nalguns casos, é o próprio «chulo» que, insistindo que não se pode separar do «amigo», procura convencer o cliente a levar ambos para casa. Como dizem os homens homossexuais: «O chuto do "corte" é, por natureza, cobarde sozinho, mas corajoso em grupo». Outros ainda, para garantir a sua segurança, combinam previamente com o «chulo» que, quando se levantarem bem cedo de manhã, ele deve ir embora ou então que é melhor ir logo para casa depois do «servicinho».
Na altura em que a nossa pesquisa de terreno foi realizada, os preços médios do mercado eram dois mil escudos por «foda». Os chamados «cámones», designação dada pelos portugueses aos «utilizadores» estrangeiros, pagam acima dos preços nacionais, o que leva os prostitutos a preferi-los e/ou a subir os preços. Como os preços variam em função da actividade sexual, o «utilizador» e o «chulo» tendem a combinar claramente «tudo o que se vai fazer depois na cama», o que não acontece geralmente nos «engates normais». Se essa conversa não ocorrer, corre-se o risco de «haver mal entendidos», com o «chulo» a exigir mais do que lhe é devido.
De todos os tipos de «chulos», os mais temidos pelos seus «utilizadores» são os toxicodependentes de drogas endovenosas. Os «meninos da pica» podem ser efectivamente perigosos, porque querem sempre mais dinheiro do que o combinado antes e são uns «chatos» que «não largam mais a porta», além de terem fortes possibilidades de estarem seropositivos, dado terem relações com pessoas diferentes todos os dias. Contudo, nem todos os «utilizadores» fazem questão em usar o preservativo, a chamada «camisinha», praticando actividades de risco, tais como penetração anal, receptiva ou activa, «ejaculação na boca» ou troca de «beijos molhados», em vez das recomendadas «carícias e massagens». Eles consideram essas buscas constantes por chulos como «brincadeiras» e, por vezes, essas brincadeiras podem valer a vida. Como diz o ditado: «Uma brincadeira não vale a tua vida!»
Como dizem os homens homossexuais, «os nossos "putos" são o equivalente das "putas" dos heterossexuais». Dado que a prostituição masculina, como todos os prazeres, «pode viciar», os «utilizadores dos chulos» vão «atrás dessa vozinha interior» que, sempre que tenham algum tempo livre, lhes segreda: «Vai dar uma volta». O resultado é verem a rubrica «chulos» cada vez mais pesada nos respectivos «orçamento mensais». Alguns homossexuais dizem ter «encontrado, nessas caçadas, o homem da sua vida», mas escusado será dizer que essa ligação durou muito pouco tempo ou, pelo menos, se tornou um «pesadelo». Estes homossexuais tendem a elaborar uma imagem idílica dos «chulos» ou, pelo menos, daqueles que insistem no dinheiro «apenas para se justificarem aos outros e também perante si próprios» de que «andam na vida apenas por causa do dinheiro», quando na verdade são homossexuais.
Com o advento da Internet e a sua comercialização, os sites e chat rooms gay, como GayDar (Elford et al., 2004), têm geralmente uma secção, a dos perfis, onde os prostitutos colocam o seu perfil, juntamente com o acompanhante, oferecendo os seus serviços de «massagens». Contudo, se tende a substituir os bares como nova arena erótica (Brown, Maycock & Burns, 2005; Ross, 2005), a Internet ainda não mostrou todo o seu potencial no domínio da prostituição masculina, pelo menos em Portugal, e até mesmo na Holanda esse negócio online é mais lucrativo no âmbito da prostituição feminina. Os clientes de prostitutos masculinos parecem não ficar satisfeitos com o erotismo e o nudismo online, exigindo encontros offline, realizados geralmente em hotéis.
J Francisco Saraiva de Sousa
11 comentários:
Muito interessante e obrigada por partilhar... mas isto é muito pesado para mim. Puro hardcore. Escreveu como um etólogo, admiro-o. :)
Ainda não está concluído, mas também já estou cansado.
Sim, usei os métodos da etologia, nomeadamente a observação gestáltica, tal como a praticou Lorenz. Mas este resumo é mais de etnografia cognitiva... Estou cansado! :)
Ah o "etólogo" n era literal... queria dizer que eu seria incapaz de fazer um trabalho sobre este tema com sucesso, ficaria inundado em compaixão. :(((
Esta parte da minha pesquisa dos grupos de risco foi difícil e criou-me muitos problemas: um dos meus colaboradores de terreno foi ameaçado com uma seringa no pescoço em Cacilhas; eu fui feito prisioneiro no Porto e confundido com um "camone", quando era um galego o responsável, mas fui solto por ser tuga, após longa conversação, de mãos atadas; outra vez no Porto tentaram atirar-me para um carro, onde estavam um belga e...; no Parque Eduardo VII eram os carros que abriam a porta e uma vez tive de recorrer à polícia, enfim um mundo onde droga, dinheiro, pedifilia, travestismo... se cruzam. Desisti dos toxicodependentes in situ: muitos riscos e o fumo deixava-me atordoado. :)))
Hmmmm...
Mas o Francisco apresentava-se como um investigador ou como um consumidor?
Já tem matéria para iniciar um romance ou uma sinopse para um filme... :))))
Mas tive uns excelentes informantes de campo, em Lisboa e Porto, eles próprios drogados, prostitutos ou sei lá... Foram leais e um deles chegou a levar muita pancada pelas fotos que me facultou, sem ficar com a máquina. :)))
Em terreno, omiti sempre os meus reais objectivos. Contavam com a ajuda dos informantes, os únicos que sabiam... Não tenho jeito para romances... :)
Ui que interessante! Deve ter 1001 histórias para contar... :)))
Boa noite :)
Um texto muito, muito bom! Parabéns pela excelente investigação!
A prostituição masculina ainda é muito oculta em comparação com a prostituição feminina.
Diga-me Francisco, há muita prostituição masculina de rua em Portugal? Eu tinha ideia que a prostituição masculina no nosso país estava mais ligada a prostituição de luxo..Daí não termos tanta noção de que ela existe em grande escala.
Existe muita prostituição masculina de rua e cada vez são mais os jovens que se prostituem por razões económicas, mesmo aqui no Porto. Muitos simulam os movimentos, mas entram nos carros e lá vão... :)
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