«O aspecto moral da segunda cidade do país pouco se tem analisado; sobre ele declara-se, favorável ou hostilmente. /O Porto divergiu de todo o tempo, nos sentimentos, no modo de pensar, nos hábitos de vida, do tipo exibido, como modelo, pela capital do país. Cioso da sua autonomia, existe entre o Porto e Lisboa uma velha rivalidade. /Como se verifica por toda a parte, mercê da benignidade do seu céu, normalmente azul, e do seu clima docemente temperado, o autóctone do sul é um homem de rua, falador, vivo, pouco tenaz; de carácter suave mas frouxo, ele é naturalmente propenso a viver mais do exterior, respirando abundantemente das circunstâncias ambientes, preso ao conjunto das pessoas pelos laços de uma solidariedade que o convívio intensifica. No norte, os longos invernos, as persistentes chuvas, a tristeza das cidades enlameadas não tornam fácil o conceito de Diderot: C'est beau, la rue. O carácter enrijece na disciplina da inospitalidade da natureza e a vida de família ganha na proporção em que os hábitos de rua se obliteram e deperecem. /A comprovação histórica verifica a indução, quando assinala na sinceridade das impressões dos viajantes, ainda os mais recentes, como Ch. de Mazade para Lisboa e Olivier Merson para o Porto, que a primeira destas duas cidades é uma cidade francesa e a segunda uma cidade inglesa». (Sampaio Bruno) Quando afirma que a Renascença Portuguesa não poderia ter nascido senão no Porto, Fernando Pessoa está a reconhecer a superioridade intelectual dos portuenses em relação aos sulistas, dando razão à lei estabelecida por Oliveira Martins: o embate do carácter do norte, representado no Porto, com o carácter do sul, simbolizado em Lisboa, é explicado a partir de variedades de tipo étnico. Portugal é um país etnicamente dividido e a sua história pode ser reduzida a um confronto étnico entre o tipo celta do Norte e a etnia mourisca do Sul. E este confronto tem sido vencido por Lisboa que, através da centralização despótica do poder político, coloniza todo o território nacional, sacando-lhe todas as riquezas que canaliza para a capital e tirando-lhe todas as oportunidades de desenvolvimento económico e cultural. A história de Portugal vista como história da centralização lisboeta atinge o seu ponto culminante depois do 25 de Abril: o regime fascista usou o Benfica para colonizar as mentes dos portugueses, dando-lhes a ilusão de uma coesão nacional inexistente, mas o regime democrático - sobretudo com os governos de Cavaco Silva - deslocalizou todo o poder económico, financeiro, comunicacional e cultural do país para a capital, criando as condições necessárias para a crise profunda que vivemos no momento presente. Sampaio Bruno não acolhe cabalmente a tese de Oliveira Martins, preferindo justificar a cisão nacional a partir de diferenças económicas - o Porto burguês e liberal - e climáticas, tal como já tinha sido feito por Montesquieu: a inospitalidade da natureza atiça o desenvolvimento intelectual da mente portuense e enrijece o corpo para a luta de vida ou de morte (Hegel) contra o centralismo canibal lisboeta. Heródoto, Aristóteles, Montesquieu e Jean Bodin já tinham insistido na influência directa do clima nos comportamentos humanos: «O grande calor debilita a força e a coragem dos homens, enquanto nos climas frios existe uma certa força do corpo e do espírito que torna os homens capazes de acções duradouras, difíceis, grandes e audaciosas». Montesquieu conclui que a cobardia dos povos dos climas quentes os torna escravos, enquanto a coragem dos povos dos climas frios os mantém livres. A servidão civil está, portanto, ligada ao clima: «Os homens (dos climas quentes) só são levados a executar tarefas penosas pelo medo do castigo». O clima frio conduz à liberdade e o clima quente à servidão. Na peugada de Bodin, Sampaio Bruno considera que a inospitabilidade da natureza é compensada pelo aperfeiçoamento das faculdades mentais e cognitivas superiores: os homens dos climas frios vivem mais da interioridade do que da exterioridade. O recolhimento interior aguça o desenvolvimento do espírito. A oposição entre o Norte e o Sul de Portugal converte-se assim numa oposição entre o homem interior e o homem exterior. Sampaio Bruno recorre à arquitectura para explicar esta diferença de carácter: a remodelação de Lisboa pelo Marquês de Pombal - uma iniciativa do Estado - uniformizou as edificações em andares, promovendo a prosmicuidade de uma escada comum e tornando de tal modo o domicilio odioso que os seus habitantes são levados a preferir a rua. O homem exterior é o homem da rua que, tendo «o dia garantido pela sinecura do emprego público», tende a ser imprevidente e frouxo. A vida fácil do lisboeta, garantida pelo emprego público e pela iniciativa do Estado, conduz à regressão cognitiva e à atrofia dos órgãos mentais. Sampaio Bruno apreende um conceito bio-antropológico fundamental: o homem exterior desenvolve uma intolerância para com o desprazer que induz a perda da capacidade de empreender trabalhos difíceis e o desenvolvimento da exigência impaciente da imediata satisfação de todos os desejos que despontam. A necessidade incoercível de satisfação converte o homem exterior em presa fácil dos produtores e das empresas comerciais: o homem exterior é um consumidor que não tem consciência do facto de ser escravo das compras a crédito e o seu estilo de vida é capturado pelo tédio mortal. No Porto nada disto sucedia no tempo de Sampaio Bruno, porque na Cidade Invicta o pão tinha de «ser laboriosamente conquistado dos lucros do comércio»: o estímulo da iniciativa do portuense era aguçado pelas actividades comerciais e as eventualidades da hora seguinte redobravam «o espírito sobre si mesmo, imprimindo ao carácter seriedade e dando-lhe ao mesmo tempo maleabilidade e resistência». A análise do carácter do Norte e do carácter do Sul realizada por Sampaio Bruno enquadra-se no âmbito da interpretação económica da história fundada por Karl Marx: Sampaio Bruno sintetiza-a neste preceito irremediável - Primum vivere, deinde philosophari. O homem precisa de comer antes de filosofar: a compreensão de toda a superstrutura das instituições políticas e jurídicas exige o estudo da estrutura económica. O marxismo explica a maneira de pensar dos homens duma época determinada pela sua maneira de viver, isto é, pelo seu modo de produção, em vez de explicar, como faz a concepção idealista da história, a sua maneira de viver pela sua maneira de pensar. O Porto liberal e burguês, o Porto comercial e cosmopolita, o Porto da iniciativa privada e do trabalho, exigia - e continua a exigir - uma nova maneira de pensar: a Escola do Porto elaborou a filosofia adequada à modernização de Portugal e à criação de uma sociedade aberta. Porto e Lisboa representam duas visões de Portugal completamente distintas e antagónicas: o Porto - a cidade inglesa - tem um projecto para Portugal, um projecto de desenvolvimento económico e cultural integrado e não-desigual, enquanto Lisboa - a cidade francesa ou talvez tropical - é o seu próprio projecto nacional. Nesta hora de crise nacional, a pergunta pessoana vira-se contra a própria capital: Onde está o erro estrutural de Portugal? O erro estrutural de Portugal está em Lisboa, como é evidente. Que benefícios tira o país em ser governado por uma capital que, depois de servir-se dos seus impostos e das suas escassas riquezas, o abandona à miséria, à pobreza e ao desemprego? Lisboa governa no seu próprio interesse regional: a sua política é sangrar o país para investir em si própria. Lisboa não tem um projecto para Portugal: Lisboa come e engorda, Lisboa faz do país o seu refeitório privado, Lisboa rouba e empobrece todos os portugueses, enfim Lisboa é uma puta estéril, velha, feia e gorda, incapaz de gerar um messias. Os movimentos das cruzadas não conseguiram expulsar todos os mouros de Portugal: a capital foi tomada paulatinamente pelos mouros sobreviventes que, no decorrer do tempo, se vingaram, expulsando os judeus de Portugal - o povo arqui-inimigo da mouraria - e mandando liquidar Francisco Sá Carneiro - o seu arqui-inimigo portuense. Lisboa é uma vagabunda de pernas abertas ao mundo, verdadeiramente insaciável na sua ganância estúpida e na sua vaidade saloia, que, no momento presente, quer atrair novos clientes, deslocalizando a organização de Red Bull Air Race do Porto para a capital e ligando-se a Madrid pelo TGV e ao mundo do turismo sexual pela construção de um novo aeroporto. Além de ser invejosa, mentirosa, desleal e falsa, Lisboa da mouraria é avessa ao espírito ocidental e à inteligência e, como tal, é uma cidade asiática que, após ter perdido o império colonial, se comporta como uma espécie de Estado asteca, controlado por uma teia corrupta e intriguista de burocratas e de colarinhos-brancos que gera a colecta de impostos e os fundos comunitários, de modo a garantir a manutenção dos seus próprios privilégios em detrimento do interesse nacional. Karl Wittfogel analisou a sociedade asiática, articulando a noção liberal de despotismo oriental e a noção marxista de modo de produção asiático. A tese fundamental de Wittfogel afirma a existência de formas pré-industriais de sistemas de Estado totalitário. As formas de Estado despótico - o despotismo oriental de Locke e de Montesquieu - surgiram, no passado remoto, por causa da necessidade de controlar os recursos hidráulicos e o sistema da agricultura de irrigação. O despotismo oriental é uma forma de dominação total, cuja essência reside no controle burocrático e administrativo de todas as instituições e actividades sociais, económicas, jurídico-políticas e culturais. A forma de governo predominante é altamente centralizada, burocrática e arbitrária: a burocracia não só calcula e coordena, como também comanda todas as actividades sociais, bloqueando o surgimento na sociedade civil de associações e de grupos sociais independentes que possam limitar e contrair o poder político. Nas sociedades asiáticas, entre as quais podemos integrar o centralismo lisboeta, as classes dirigentes - e os seus partidos políticos - são completamente fechadas e a burocracia instalada monopoliza o acesso aos meios de administração e aos centros de decisão. Este controle monopolista dos aparelhos de Estado, tanto dos repressivos como dos ideológicos, públicos ou privados, significa um monopólio do poder social real - político, jurídico, económico e ideológico, que não decorre da propriedade privada, mas do acesso aos meios burocráticos de controle centralizado e de apropriação corrupta dos bens públicos. A sociedade asiática constitui um sistema sob controle total de um staff administrativo - as classes dirigentes -, que existe por causa do sistema de Estado. Alguns historiadores lisboetas lamentam a inexistência de liberalismo em Portugal, mas este lamento só é verdadeiro quando se falsifica a História de Portugal, identificando-a com a História de Lisboa: a capital de Portugal foi sempre uma feroz adversária do liberalismo, da democracia e da iniciativa privada. Graças ao Tratado de Methwen, o Porto encheu-se de ingleses, operando-se uma infiltração do carácter britânico sobre o portuense, através das relações comerciais, do contacto social e da transfusão de sangue (casamentos entre portuenses e ingleses). O Porto tornou-se uma cidade inglesa, isto é, uma cidade liberal e burguesa: «os burgueses do Porto acostumaram-se a fazer educar seus filhos na Inglaterra, o cultivo da língua inglesa foi exigido aos empregados do comércio e a imitação portuguesa do tipo britânico prolongou-se até às exterioridades do vestuário, aos gostos, às minuciosas meticulosidades mais despercebíveis» (Sampaio Bruno). O romance Uma Família Inglesa de Júlio Dinis retrata com fidelidade esse Porto burguês e liberal, fortemente seduzido pela cultura democrática e pela literatura clássica inglesas: Júlio Dinis bebeu em Charles Dickens o elixir de filantropia que dilui nos seus romances «uma vaga tinta socialista, pela condenação dos abusos tradicionais, pela consciência do progresso». Consciência do progresso, isto é, do desenvolvimento económico, tecnológico e cultural, é precisamente aquilo que marca a História do Porto no contexto da História de Portugal. Quando elabora a sua teoria da formação democrática de Portugal, Jaime Cortesão - ilustre membro da Escola do Porto e o maior historiador da nacionalidade portuguesa - destaca o papel de motor do desenvolvimento económico, político e cultural desempenhado pela cidade do Porto na luta contra o atraso estrutural nacional: «Os progressos sociais correm parelhas com os da actividade económica. Onde o comércio e a indústria houverem atingido maior desenvolvimento, aí, em princípio, devemos procurar as classes urbanas, mais diferenciadas. O Porto é, durante a Idade Média, o símbolo perfeito da concordância desses dois fenómenos, em Portugal. Ali, pelas vantagens do porto, juntamente fluvial e marítimo, pela posição geográfica que tornara o burgo o entreposto da região mais populosa e rica do País, o comércio marítimo tomou tão rápido incremento, que em 1361 os representantes do concelho se ufanavam de haver ali mais navios que em todo o restante Reino. E dali, em 1415, saía ainda uma armada que os homens bons da cidade mais tarde proclamavam que doutro qualquer lugar da Espanha não poderia sair tão forte e numerosa. Já então, entre os produtos exportados pela barra do rio e difundidos pelos portos do Norte da Europa e do Levante, sobrelevavam os vinhos de Riba-Douro. Na rude labuta da pesca, da construção naval, do tráfico a distância por mar e terra, se formaram e enriqueceram os burgueses e os mesteirais do Porto, cujo passado constitui a mais bela página de toda a história social e urbana, em Portugal. Burgo episcopal, os seus habitantes, quase todos adventícios, acorridos do interior às novas fainas do mar, desde o meado do século XII, houveram que travar batalha, que durou séculos, para arrancar as suas liberdades e franquias à prepotência senhorial dos bispos. À violência dos senhores mitrados, que os oprimiam sem piedade, e a cada passo do alto do sólio episcopal jogavam os raios da excomunhão sobre os vassalos rebelados, os homens do burgo responderam com violência igual». O Porto formou-se na luta contra os abusos feudais e conseguiu prosperar em grande parte «graças à acérrima firmeza com que soube defender-se da parasitagem das duas classes oligárquicas: o alto clero e a nobreza militar», elevando-se durante a Idade Média, como outros grandes burgos comerciais da Europa, à «categoria duma democracia urbana, dum pequeno Estado dentro do Estado». Durante todo esse período dos três últimos quartéis do século XIV, o Porto já exibia «uma forte independência, não só em relação às outras classes, mas ao próprio Estado, sem que aliás tivesse constituído um elemento dissolvente em relação à unidade nacional». Jaime Cortesão lembra-nos que um dos actos de maior alcance político na história da Nação foi um tratado de comércio com a Inglaterra (1353), negociado e firmado por um burguês do Porto - Afonso Martins, em nome dos burgueses e dos mesteirais das povoações marítimas de Portugal. Este acto político mostra que o Porto já era nesse tempo a «metrópole social do Reino»: as suas classes urbanas, mau grado os abusos e opressivos privilégios do clero e da nobreza militar, tiveram um poder de iniciativa na formação política de Portugal, até porque se gerou nessas relações comerciais com a Inglaterra a aliança política que garantiu mais tarde a vitória do Mestre de Avis, que se casou com uma inglesa na Sé-Catedral do Porto e nos deu esse magnífico portuense - o Infante D. Henrique. O Porto é o pequeno Estado precursor dentro do Estado Português e, como escola política da Nação, imprimiu o rumo da evolução política que o Reino só mais tarde havia de realizar. O Porto foi sempre a vanguarda consciente de Portugal que liga a nossa nação ao mundo, ao Brasil e ao Norte da Europa. Onde começa o pensamento filosófico em Portugal? Jaime Cortesão compara aquilo a que chama milagre luso ao milagre grego (Renan, John Burnet) ou mesmo ao milagre holandês: os três povos são de minúsculo volume demográfico, mas «notáveis justamente por uma cultura própria de forma urbana e laica e pela expansão geográfica». Ora, sabemos que o aparecimento da polis e o nascimento da filosofia são fenómenos intimamente ligados (Jean-Pierre Vernant): o pensamento racional é solidário das estruturas sociais e mentais das sociedades urbanas abertas. O milagre luso teve o seu berço na cidade do Porto, «onde durante as lutas contra os bispos, nos séculos XIII e XIV, se formou uma democracia urbana muito afim, pelo espírito de independência, das comunas da Flandres. O Porto tornou-se, durante aqueles séculos, a grande escola de educação política do povo português, como defensora, a ferro e fogo, das liberdades individuais e da supremacia do poder civil. Ali se formou o modelo mais perfeito da cidadania em Portugal, o cidadão do Porto, cujos direitos foram mais tarde reclamados pelas maiores cidades do Brasil e estão na base sucessiva das suas autonomias provinciais e independência de nação». O Porto foi a primeira cidade portuguesa a libertar-se do modelo de uma sociedade fechada - a cidade episcopal e feudal - e a desenvolver-se ao calor da economia burguesa e do modelo de sociedade aberta: o avanço temporal do Porto em relação à sociedade portuguesa em geral fez dele uma cidade universal e imortal que, ao longo do tempo, orienta o destino nacional como a estrela da redenção (Franz Rosenzweig) de Portugal. As origens históricas da Escola do Porto mergulham neste passado inovador da História do Porto, mas o seu aparecimento formal ocorre somente no final do século XIX como protesto contra o positivismo ladrão e corrupto predominante na capital: a Renascença Portuguesa nasceu no Porto e, como diz com tristeza Fernando Pessoa, «não poderia ter nascido senão no Porto». Acontecimentos aparentemente díspares revelam uma conexão essencial quando lidos à luz da luta portuense pela construção de uma sociedade aberta e de uma economia de mercado liberta da tutela corrupta do Estado e dos seus altos funcionários: O Porto é a primeira - ou uma das primeiras - cidade europeia a dotar-se da instituição da Bolsa (o acordo de 1293), Lisboa expulsa os judeus de Portugal (1496) e a Escola do Porto traz de volta os nossos judeus - o seu pensamento - a Portugal, a começar pelo mais ilustre - Baruch Espinosa. A aliança comercial entre o Porto e as cidades do Norte da Europa, onde se refugiaram os judeus portugueses expulsos da pátria por uma capital "amiga" invejosa, desleal e saloia da riqueza alheia, é, simultaneamente, uma aliança política e cultural: Porto e Amesterdão são cidades gémeas de tal modo idênticas que o futuro desenvolvimento da Cidade Invicta passa pela recuperação e revitalização dessa afinidade sanguínea. Pelas Notas do Exílio, sabemos que Sampaio Bruno terá visitado a Biblioteca dos judeus portugueses de Amesterdão, cujo nome de Árvore da Vida faz claramente uma alusão ao pensamento cabalista de Isaac Lúria. A Kabbalah exerceu uma grande influência sobre a elaboração da filosofia da história de Sampaio Bruno, fornecendo-lhe a ideia basilar do exílio de Deus em Deus e do exílio histórico de Portugal. António Telmo cita uma texto de Gershom Scholem, substituíndo o nome de Isaac Lúria pelo de Sampaio Bruno e alterando em consequência certas referências: «Em suma, podemos considerar a Kabbalah de Sampaio Bruno uma interpretação mística do exílio e da redenção ou até um grande mito do exílio. A substância dessa Kabbalah reflecte os sentimentos dos portugueses desterrados na sua própria Pátria. Para eles, o exílio e a redenção são, do modo mais exacto, grandes símbolos místicos. Esta nova doutrina de Deus e do Universo corresponde à nova ideia moral da humanidade que propagou nos seus livros: o ideal do filósofo, cujo fim é a reforma messiânica, a transcensão do mal do mundo, a reintegração de todos os seres em Deus. Assim, o homem de acção espiritual, graças ao movimento que recebe dos Anjos, pode quebrar o exílio, o exílio histórico de Portugal, o da humanidade, e este exílio interior no qual gemem todas as criaturas». O jogo proposto por António Telmo capta a ideia basilar da filosofia da história de Sampaio Bruno - a ideia de exílio histórico de Portugal, mas desvirtua a filosofia portuense quando a trata como uma interpretação mística da história, como se a Renascença Portuguesa sediada no Porto estivesse desligada do renascimento político. A Kabbalah é, na sua mais pura essência, uma arma política revolucionária, e Sampaio Bruno "usa-a" para afirmar a heterodoxia do pensamento portuense e a sua dissidência política. Martin Buber, Franz Rosenzweig, Gershom Scholem, Leo Löwenthal, Franz Kafka, Walter Benjamin, Gustav Landauer, Ernst Bloch, Georg Lukács e Erich Fromm fizeram um uso semelhante da Kabbalah e, como «não há história sem uma filosofia subjacente» (Jaime Cortesão), a filosofia destes pensadores, bem como a de Sampaio Bruno, visa transformar qualitativamente o mundo - quebrar o exílio histórico de Portugal, o exílio da humanidade e o exílio interior no qual gemem todas as criaturas. O Brasil Mental de Sampaio Bruno não é somente uma crítica do positivismo brasileiro - esse catolicismo sem Deus, mas também e fundamentalmente uma crítica do positivismo português: a amizade pessoal entre Sampaio Bruno e Teófilo Braga e a confraternidade republicana não podem encobrir a ruptura da Escola do Porto com a ortodoxia positivista lisboeta. O positivismo lisboeta é pensamento gordo, no sentido de se acomodar à realidade social vigente, liquidando o desejo de a transcender e o desespero que ela suscita nos portugueses. Contra o pensamento satisfeito com a realidade estabelecida que se perpetua nas figuras lisboetas pardacentas da economia neoliberal - os amigos dos grandes investimentos públicos em Lisboa, a Escola do Porto, em especial Guerra Junqueiro, Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, retoma o evolucionismo, imprimindo-lhe uma valência política que visa libertar a natureza (dimensão ecológica), o homem (dimensão antropológica universal) e a sociedade (dimensão social e política) da dominação do mal do mundo. Quando apresenta o marxismo no final da sua obra O Brasil Mental, Sampaio Bruno reconhece a sua dívida para com a dialéctica hegeliana: Hegel fez da filosofia um factor histórico concreto e trouxe a história à filosofia. No seu elemento estritamente português, a filosofia da história elaborada pelos ilustres portuenses é uma filosofia da esperança histórica de Portugal: o Encoberto, o Desejado, não é nem um príncipe predestinado nem mesmo um povo, mas o próprio Homem chamado a salvar Deus, os seus semelhantes, a natureza e as suas criaturas (Sampaio Bruno). Pela sua longa história democrática e pelo seu pensamento profundo e sério, o Porto que deu o nome a Portugal - conforme diz o Hino do FCPorto - guarda a memória de Portugal, zela pelo bom nome de Portugal e sonha com o futuro novo de Portugal. Em reconhecimento agradecido pela lealdade portuense à causa da liberdade, D. Pedro IV de Portugal - e Pedro I do Brasil - doou o seu coração à cidade do Porto, e D. Maria II, sendo ministro Almeida Garrett, atribuiu-lhe oficialmente a divisa «Antiga, muito nobre e sempre leal e invicta Cidade do Porto». J Francisco Saraiva de Sousa
27 comentários:
Feliz Natal do Porto para o mundo livre e adulto! :)
Obrigada pela gargalhada que me deu ao ler este texto.
Feliz Natal tb para si.
Feliz Natal para si também!
Estou a ficar um filósofo deleuziano: o caso Red Bull Air Race mostra que Lisboa é uma prostituta que paga para ser fod-sexada! É um caso de deslealdade para com o Norte! Muito feio! :(
Desejo-te um feliz e caloroso Natal na companhia dos teus.
Boas Festas!
Obrigado Maldonado
Também te desejo um Bom Natal e um Feliz Ano Novo!
Abraço
E muitas felicidades para todos os que frequentam este blogue! :)
Se é pra rir sou capaz de ler mais logo... :))
Bom Natal tb pra todos os leitores e participantes do blog
christmas card
http://www.cddc.vt.edu/sionline/images/refusal.jpg
e este mais alternativo pro Francisco
http://www.jacquielawson.com/preview.asp?cont=1&hdn=0&pv=3150426
\0/
Ah! ainda n tive tempo de ler tudo, mas axei este txt engraçadito ^^
http://carbonaria.spaces.live.com/blog/cns!841B8CC94F4434ED!713.entry
Olá Francisco,
Os meus agradecimentos e deixo aqui também para si os meus votos de um Feliz Natal.
axo q vou deixar link pra este post num forum dos diabos vermelhos ou da juve leo :)
Take a look => http://www.youtube.com/watch?v=YWy5_LB0kqs
o.O
Oi Sr
Estava agora a ler alguma coisa sobre o Porto Cultural e - de facto - era uma cidade grandiosa e verdadeiramente cosmopolita: é lamentável que esse orgulho portuense esteja esquecido ou adulterado pelo pensamento gordo de Lisboa. Mas é um mundo demasiado vasto e não estou motivado para o estudar: as grandes mentes de Portugal são portuenses.
Hummmm... Sou bom a projectar a cidade do Porto e o FCPorto no mundo: agora um dos maiores sites de futebol fez um link especial com este blogue! Ainda corro o risco de especializar-me no futebol! :)
E um jornal de Washington também adiciou o blogue, além de ter pedido a minha colaboração! Vou ver se estudo a política americana! :)
Boas festas para todos! :)
Tiago
Obrigado! Também lhe desejo um bom Ano Novo!
Estava a ver as obras de Bruno e são muito impressionantes: o binómio Bruno-Junqueiro pariu a filosofia portuense. :)
Bah, os meus amigos americanos estão totalmente radicais: estou cansado... ;)
Não jogas com o baralho todo..., num baralho de 52 cartas, já sem contar com os BURROS, vossa intejumência nem com as do jogo da Sueca joga, pois pelo linguajar escrevinhar fica pela carta 6.
Fazendo contas não joga com a Dama o Valete o Rei a Manilha e o Ás, o seu baralhito contempla 20 CARTAS...???!!!
Mas que cromo, ai JASUS!!!
Joguei com o Ás - a cidade do Porto! :P
Mas não compreendeu a minha jogada: joguei de modo a destacar o Porto do país atrasado e corrupto - a jogada da vitória e da independência; a outra jogada é a do fracasso. Mas há outra jogada - a do destino de Portugal que no momento presente caminha numa rua sem saída! O meu jogo da sueca é complexo e reclama autonomia!
Quem é esse Jasdcl?
Agora até os reformados do grupo da sueca de jardim sao atraídos pelo seu blog!? ahaha
Francisco, veja o Zeitgeist addendum. Está ainda melhor q o 1º ;)
Sr
Não sei quem é o reformado da sueca, porque não tem perfil.
Ya, está giro o Zeitgeist!
Ah, tenho de terminar o post sem escrever mais parágrafos! :(
A banda hip hop do Porto - Mind de gap - tem uma música chamada Invicta e é gira.
Mind Da Gap ainda rula e o facto de ainda n ter aparecido melhor cá na cidade é tb sintomático do imobilismo em q se caiu :S
Bom Ano 2010! \0/
«A revolução socialista foi essencialmente uma socialização do consumo. A industrialização capitalista traz à humanidade uma socialização tão profunda como a proposta pelos socialistas - a dos meios de produção. A revolução socialista constitui a inteira execução da revolução capitalista. O único elemento a retirar do sistema capitalista é a poupança, porque a riqueza do consumo já foi eliminada pelos próprios capitalistas.»
Critique de l' économie politique, J.Jorn - I.S. Nº4 1960
^^
Feliz Ano Novo! Sr e todos os frequentadores deste blogue! :)
O pensamento de esquerda precisa mudar de rumo, até porque tem seguido uma via que não é muito compatível com o pensamento dos mestres. Com a queda do muro de Berlim, conquistámos essa liberdade que nos permite pensar de novo e de modo mais radical! :)
Olá Francisco,
Continuo a mil à hora, mas não queria deixar o ano findar sem aqui lhe deixar os meus votos de um feliz e excelente 2010!
Beijinhos!
Olá, Francisco! Desejo-lhe um excelente 2010. Espero que as luzes da sua inteligência continuem a combater o obscurantismo da nossa época.
Abraços!
Olá Denise e André!
Também desejo um Feliz Ano Novo, um abraço para o André e beijinhos para a Denise.
Vamos todos ter um bom ano: pensamento positivo! Aqui no Porto andam todos furiosos com Lisboa: vem aí a luta pela independência! :)
Feliz 2010 do Porto - a cidade Invicta - para todo o mundo! 2010: centenário da república! :)
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