quinta-feira, 21 de julho de 2011

Split Brain: Filosofia das Duas Mentes

«Quando se realiza a bisecção do cérebro, vemos dois "eus" separados - essen-cialmente um organismo dividido com duas unidades mentais, cada uma com as suas próprias memórias e a sua própria vontade - competindo pelo controle sobre o organismo.» (R. W. Sperry)

«Os sistemas de linguagem simples destes hemisférios direitos não são capazes, em si e por si, de desempenhar actividades cognitivas. Os sistemas que engendram inferências com base cognitiva não se acham presentes no hemisfério direito desconectado. /Mesmo que este hemisfério possuísse um intérprete, ele não poderia exprimir as suas representações dado que não tem, normalmente, competência verbal.» (Michael S. Gazzaniga)


O meu professor de anatomia interrompia frequentemente as aulas de neurologia para me interpelar sobre as questões filosóficas colocadas pelas experiências do cérebro dividido. Ele considerava que a existência de "duas mentes num só corpo" (Sperry) minava a filosofia da consciência tal como tinha sido elaborada por Descartes e pelo Idealismo Alemão. E ambos estranhávamos o silêncio dos filósofos perante este repto lançado por Ronald E. Myers, R. W. Sperry, Philip J. Vogel, Joseph E. Bogen, Joseph LeDoux e Michael S. Gazzaniga à filosofia da consciência. Ao longo da história da Filosofia, os filósofos nunca foram indiferentes à ciência, sendo eles próprios muitas vezes protagonistas de grandes descobertas científicas. Porém, desde que a "filosofia oficial" se fechou na sua própria história, como se a missão do filósofo - privado de conhecimentos objectivos - fosse a destruição da própria tradição filosófica encarada como um cânone literário, a Filosofia ausentou-se dos grandes debates científicos, forçando os próprios cientistas a elaborar a "filosofia espontânea" das suas descobertas científicas. O nosso tempo é de tal modo indigente que os jornalistas tomaram o papel dos filósofos para "especularem" - com a imbecilidade irresponsável que lhes é peculiar - sobre temas que desconhecem, ousando teorizar sobre o sistema de ensino, acusando-o de esquecer a "educação do hemisfério direito". Mas, para executar esta tarefa tonta, os jornalistas nunca estão sozinhos: os psicólogos e os pedagogos aproveitam estes "espaços não preenchidos" para os reclamar, de modo a gerar uma demanda de empregos inúteis que agravam mais do que resolvem os problemas existentes no ensino. Tanto eu como o professor de anatomia desprezamos estas figuras que procuram compulsivamente empregos artificiais: as implicações profundas da comissurotomia e da síndrome de desconexão hemisférica devem ser discutidas entre neurocientistas e filósofos, na tentativa cooperativa de esclarecer os problemas da relação entre mente e cérebro, da base experimental do conceito freudiano de inconsciente, da cisão da própria consciência, dos estilos cognitivos, das diferenças culturais e do predomínio do hemisfério esquerdo na cultura ocidental, à luz da investigação da lateralidade e da assimetria hemisférica. O meu professor de anatomia era da opinião de que estas descobertas científicas exigiam uma revisão ou reforma substancial dos principais conceitos filosóficos, até porque a controvérsia científica entre R. W. Sperry e John C. Eccles - nos anos 60 do século XX - vacilava entre uma interpretação materialista e outra idealista - cada uma delas com variações inusitadas - dos mesmos resultados científicos. Ora, esta reforma substancial da problemática da filosofia da consciência devia ter sido realizada logo na altura no âmbito da neurofilosofia em articulação orgânica com as neurociências. Mas, como os "pseudo-filósofos oficiais" abdicaram da dimensão cognitiva da Filosofia, preferiram continuar a produzir as suas masturbações mentais, em vez de estudar as assimetrias hemisféricas. Hoje, para elaborar a filosofia das experiências do cérebro dividido, é preciso analisar as diversas controvérsias científicas travadas ao longo das últimas décadas do século passado no seio da comunidade dos neurocientistas, sem a participação dos filósofos, com excepção de um ou de outro filósofo americano com tendência a fazer das palavras o tópico central das suas participações, aliás meros jogos-de-linguagem. No passado recente, mais precisamente na primeira metade do século XX, os estudos neurofisiológicos e psicológicos das afasias despertaram a atenção dos filósofos que, como, por exemplo, Ernst Cassirer, os usaram para estudar as "patologias da consciência". Porém, a partir dos anos 70 do mesmo século, a filosofia oficial começou a afastar-se aceleradamente das ciências, fechando-se num casulo tecido com masturbações linguísticas, fora do qual não há mundo. Esta doença auto-imune da filosofia oficial - a prática filosófica que devora a sua própria tradição teórica - ajudou o capitalismo a gerar nas últimas décadas o deserto cognitivo - a indigência cognitiva e a atrofia dos órgãos mentais! - em que estamos mergulhados, sem saber donde vimos, onde estamos e o que esperamos do futuro: a "filosofia" que rejeita a sua dimensão cognitiva desiste de pensar o futuro da civilização ocidental que ajudou - no seu passado heróico - a criar. O Ocidente só terá futuro se souber recuperar a Filosofia que o moldou. (E o que é a Filosofia a não ser o cultivo sistemático das capacidades verbais e racionais do hemisfério esquerdo que criou, segundo Ornstein (1970), a nossa civilização tecnológica?)

Os dois hemisférios cerebrais estão unidos por um espesso feixe transversal de fibras, o corpo caloso, que proporciona correlações e unidade funcional a todo o cérebro. As funções do corpo caloso eram desconhecidas até aos princípios dos anos 50 do século XX, quando equipas de investigadores começaram a seccionar cirurgicamente o corpo caloso em gatos e em macacos, desconectando os dois hemisférios cerebrais. As primeiras observações foram decepcionantes: a comissurotomia parecia produzir escassa alteração no comportamento destes animais experimentais. No entanto, estudos mais cuidadosos mostraram que, nesses animais, cada hemisfério tinha as suas próprias sensações, experiências, aprendizagem e memórias, como se cada um dos hemisférios cerebrais tivesse a sua própria identidade sem sofrer a interferência do outro. Nos anos 60 do século XX, R. W. Sperry começou a utilizar a comissurotomia em doentes epilépticos que não respondiam à medicação habitual: o objectivo desta neurocirurgia era bloquear as descargas neuronais que se propagam a todo o cérebro através das conexões entre os dois hemisférios cerebrais, entre as quais o corpo caloso e a comissura anterior. (O seccionamento do quiasma óptico só é efectuado em experiências com animais.) Como esta primeira cirurgia foi um êxito terapêutico, várias dezenas de outros epilépticos sofreram a mesma cirurgia para desconectar os seus dois hemisférios cerebrais, de modo a impedir convulsões ou ataques generalizados frequentes. Estas comissurotomias, bem como os estudos experimentais em animais, demonstraram que a cisão do corpo caloso e da comissura anterior não altera as principais funções cerebrais. As únicas alterações resultantes deste procedimento cirúrgico, que constituem a síndrome de desconexão hemisférica, com coexistência de "duas mentes num só corpo" (Sperry), exigem técnicas especiais e sofisticadas para serem detectadas. Assim, por exemplo, para detectar a localização das recepções visuais, é preciso utilizar dispositivos técnicos especiais. Num deles, o paciente, com um olho tapado, senta-se em frente de uma tela translúcida, sobre a qual é projectada uma imagem na metade direita ou na metade esquerda do seu campo visual. O centro da tela tem um ponto fixo e o paciente deve fixar o seu olhar nesse ponto durante a apresentação rápida da imagem, de modo a evitar o movimento dos olhos durante o desempenho da tarefa. Pela abertura inferior, o paciente pode introduzir uma mão para explorar vários objectos que não pode ver. Assim, utilizando este dispositivo, quando se projecta a imagem de uma colher no campo visual direito, o paciente reconhece-a facilmente todas as vezes que é apresentada, mas, se essa imagem for projectada no campo visual esquerdo, além de não a reconhecer, nega tê-la visto antes. Ora, estes resultados indicam que o paciente tem percepções visuais independentes em cada um dos seus hemisférios cerebrais. Para clarificar estes resultados, convém recorrer a outros estudos experimentais: as regiões do cérebro que controlam a fala e a escrita estão localizadas no hemisfério dominante, que, como se sabe, nas pessoas dextras, é o hemisfério esquerdo, por causa do cruzamento ou da decussação das vias neurais. Nestes pacientes, a comissurotomia não altera a percepção visual apresentada na metade direita (hemisfério esquerdo) da tela: se lhe for apresentada a imagem de uma colher, o paciente reconhece-a, expressando-se por palavras ou escrevendo. Porém, se a mesma imagem lhe for apresentada na metade esquerda da tela (hemisfério direito), o paciente afirma não ter visto nada, mas, se em vez de lhe perguntarmos, lhe pedirmos que utilize a mão esquerda para tocar o objecto cuja imagem lhe foi apresentada na tela, o paciente toca o objecto que coincide com a projecção na tela. Destes estudos conclui-se que o hemisfério esquerdo, que possui os centros da fala e da escrita, carece da percepção visual recebida pelo hemisfério direito, e que o hemisfério direito não pode expressar-se nem através de palavras, nem através da escrita: o hemisfério direito é completamente mudo; a única coisa que consegue fazer, nestas circunstâncias, é tocar com a mão o objecto cuja imagem lhe foi apresentada na metade esquerda da tela. A projecção simultânea de dois signos diferentes - o signo do dólar no lado esquerdo e o sinal de interrogação no lado direito - indica que, quando pedimos ao paciente que desenhe o signo que lhe mostrámos, ele - sem ver o seu próprio desenho - desenhava o signo do dólar. Perguntando-lhe porque razão tinha desenhado o signo do dólar, o paciente protestava, dizendo que tinha desenhado o sinal de interrogação. Um dispositivo muito mais simples pode ser usado para estudar a percepção táctil nos pacientes cujos hemisférios cerebrais foram desconectados cirurgicamente, bastando colocar-lhes objectos na mão direita: o paciente com os olhos vendados ou fechados reconhece-os facilmente e identifica-os através da palavra oral ou da escrita, mas, se esses objectos forem colocados na sua mão esquerda, ele não sabe identificá-los, alegando que a mão esquerda é demasiado torpe para os reconhecer. Cada um dos hemisférios cerebrais possui a sua própria percepção e a sua própria actividade, sem saber o que se passa com o outro hemisfério, quer em termos de percepção, quer em termos de realização. Na vida quotidiana, estes pacientes usam a comunicação externa sensorial para compensar a falta de comunicação neuronal interhemisférica, com o hemisfério dominante a falar e a ensinar ao hemisfério menor, de modo a corrigir o défice funcional. Os estudos realizados com estes pacientes demonstraram claramente que cada hemisfério cerebral tem as suas especializações próprias. De um modo geral, podemos dizer que o hemisfério esquerdo - geralmente o hemisfério dominante - desempenha funções mais lógicas, analíticas e verbais, com maior controle sobre a destreza manual, o cálculo, a leitura, a linguagem e a compreensão da palavra, enquanto que o hemisfério direito é mudo, embora seja dotado de grande sensibilidade espacial e de fortes relações com as emoções, a imaginação, a arte e a informação-comunicação não-verbal. A diferenciação direita-esquerda da estrutura cerebral está sob controle genético (Cf. Josse & Tzourio-Mazoyer, 2004): dois genes e dois alelos são responsáveis pela dominância hemisférica, ditando se uma pessoa irá ser dextra ou canhota no futuro. Durante o desenvolvimento embrionário, um gene dirige o domínio, direito ou esquerdo, da linguagem, e outro gene determina a lateralidade preferida da mão, que pode ser do mesmo lado ou do lado oposto à da linguagem. Ora, tendo em conta a existência de genes dominantes e recessivos, há apenas nove combinações possíveis que determinam o domínio hemisférico da linguagem e da mão, o qual não é susceptível de ser modificado pela aprendizagem pós-natal. Nos indivíduos humanos do sexo masculino, o testículo direito é, em média, maior do que o testículo esquerdo, e esta assimetria das gónadas - o mesmo efeito observa-se nas mulheres, com o ovário direito maior do que o ovário esquerdo - parece estar ligada à assimetria hemisférica.


Utilizei intencionalmente a assimetria das gónadas para mostrar a abrangência desta temática das assimetrias cerebrais nas suas relações com as assimetrias somáticas, tendo em mente a hipótese neuro-endócrina da especialização hemisférica para a linguagem proposta por Geschwind & Galaburda (1985). Mas, como não pretendo elaborar uma teoria geral da especialização hemisférica, sou forçado a destacar as implicações das experiências do cérebro dividido para o esclarecimento das relações entre cérebro e mente. Como já vimos noutros estudos, Descartes chegou à conclusão de que a glândula pineal, situada na base do cérebro, era a sede da consciência. Graças à glândula pineal, a alma consegue exercer os seus efeitos e perceber o mundo externo. Para chegar a esta conclusão, Descartes observou que, de todas as partes do cérebro, a glândula pineal é a única estrutura cerebral que não é dupla: a glândula pineal é única. Ora, sabendo por introspecção que a mente é unitária, sendo impossível fraccionar a nossa mesmidade psíquica, Descartes foi levado a identificar a unidade da glândula com a unidade da mente. Deste modo, ao distinguir entre res cogitans e res extensa, Descartes não só esqueceu que tratava o corpo humano de um modo similar ao dos animais, como meros autómatos, como também e sobretudo colocou o problema insuportável da interacção entre mente e cérebro. A investigação com doentes que foram submetidos a cirurgia de cisão ou de desconexão dos seus hemisférios cerebrais teve implicações neste campo da interacção entre mente e cérebro: se o bisturi do neurocirurgião efectua uma separação de consciência, um desdobramento da consciência nos seus pacientes, então cortar o cérebro é cortar a mente, o que nos obriga a aceitar a hipótese de que a mente é o cérebro em acção ou, pelo menos, de que a mente resulta da actividade cerebral: o cérebro como órgão da mente (Luria). Como dizia o meu professor de anatomia, a unidade da mente tinha sido refutada pelo bisturi que, ao desconectar os hemisférios cerebrais, desdobrou a própria consciência. Deste modo, tomava o partido de Gustav Fechner contra a tese de William McDougall que dizia que a consciência não era afectada por tal procedimento cirúrgico. Roger Sperry, o cirurgião que realizou a primeira operação de cisão dos hemisférios num doente epiléptico, defendia a tese do desdobramento da consciência nestes pacientes: «Tudo o que temos visto até agora indica que a cirurgia deixou estes pacientes com duas mentes separadas, duas esferas separadas de consciência. O que é experimentado no hemisfério direito parece estar completamente fora da esfera de experiência do hemisfério esquerdo. Esta dimensão mental foi demonstrada em relação à percepção, cognição, volição, aprendizagem e memória». Os pacientes comissurotomizados têm uma vida diária aparentemente "normal", podendo ver televisão e ler sem darem conta das suas limitações sensoriais. O seu défice cerebral só pode ser detectado por provas especiais levadas a cabo no laboratório, como aquelas que referimos anteriormente. Por isso, segundo Sperry, esta impressão de unidade mental é ilusória, porque, depois da dissociação cirúrgica dos dois hemisférios cerebrais, a percepção, a aprendizagem e a memória actuam separadamente no cérebro esquerdo e no cérebro direito: cada hemisfério cerebral é capaz de sentir, perceber e talvez de conceptualizar de forma independente do outro, cuja actividade desconhece, podendo assim entrar em conflito com ele. Gazzaniga tirou a conclusão fundamental destes estudos: «a consciência não é um processo unitário indivisível. Aquilo que parece ser uma unidade consciente individual é, antes, o produto de uma vasta quantidade de sistemas mentais separados e relativamente independentes que processam incessantemente informação proveniente tanto do meio humano interno como do externo. Posto em termos gerais, mais do que uma entidade psicológica propriamente dita, a mente humana é uma entidade sociológica». Porém, John C. Eccles, um adepto da teoria dualista-interaccionista de Descartes, defendeu que «a descoberta fundamental nas investigações realizadas nestes pacientes é o carácter único e exclusivo do hemisfério dominante para a existência da experiência consciente. Os amigos e os parentes reconhecem que a expressão linguística dos pacientes não é muito afectada pela cirurgia e o eu consciente demonstra uma boa memória da sua vida pré-operatória. A unidade da autoconsciência ou a singularidade mental que o paciente experimentava antes da cirurgia conserva-se, mas à custa da inconsciência de todos os acontecimentos que ocorrem no hemisfério menor, o da direita. Este hemisfério menor continua a desempenhar as suas funções de cérebro superior, com uma refinada habilidade para a estereognose e para o reconhecimento e cópia; entretanto, nenhum dos acontecimentos que ocorrem neste hemisfério traz experiências conscientes ao paciente, excepto por meio de vias muito difusas e causadoras de grandes atrasos, localizadas no cérebro, e ainda por meio do reconhecimento sensorial dos movimentos realizados pelo hemisfério menor». Eccles descarta-se da hipótese da existência de duas mentes separadas ou dissociadas nos pacientes comissurotomizados ou de uma consciência seccionada pela cirurgia cerebral, alegando que o hemisfério direito não pode verdadeiramente pensar: «o hemisfério menor é deficiente, não só por ter um desempenho linguístico extremamente limitado, o que seria de esperar, dado que não possui o centro da linguagem do cérebro, mas também pela sua capacidade extremamente diminuta para cálculos e ideação» (Eccles). A sua distinção entre uma "consciência simples", que o homem partilha com os animais, e o mundo da linguagem, do pensamento e da cultura - a consciência nuclear e a consciência autobiográfica de António Damásio, respectivamente, permite-lhe afirmar que tudo aquilo que é especificamente humano deriva do hemisfério esquerdo, onde se localiza o centro da fala e onde se produzem as interacções entre o cérebro e a mente. LeDoux & Gazzaniga (1978) estudaram o paciente P.S., que tinha uma capacidade linguística consideravelmente mais competente do que a usual nestas circunstâncias, dada a extensão das suas aptidões verbais em ambos os hemisférios cerebrais, fazendo perguntas subjectivas a cada um deles separadamente: o hemisfério direito de P.S. era capaz de se expressar por si próprio, acomodando as letras Scrabble com a mão esquerda de modo a responder às perguntas. Os resultados demonstraram que, no paciente P.S., «cada hemisfério tinha um sentido de si próprio e possuía o seu próprio sistema para avaliar subjectivamente acontecimentos correntes, planear outros, estabelecer prioridades nas respostas e gerar respostas pessoais». LeDoux & Gazzaniga interpretaram estes resultados como a confirmação da existência de mecanismos de dupla consciência: a dissociação cerebral produz dissociação mental (split mind). Mas, tal como John Eccles, eles atribuem uma grande importância à linguagem na vida consciente do homem, como se sem linguagem não pudesse haver mente humana capaz de avaliar, aspirar e reflectir plenamente a experiência da vida. A consciência humana depende da linguagem e dos processos linguísticos, tal como demonstraram as teorias do acesso verbal da consciência, das quais destaco a teoria de Julian Jaynes, segundo a qual a consciência surgiu quando as vozes dos deuses - a mente bicameral, localizada no hemisfério direito, cujas vozes eram escutadas pelos centros auditivos - foram silenciadas pelos centros da fala, localizados no hemisfério esquerdo: os acontecimentos cerebrais que experimentamos como conscientes são os acontecimentos processados pelo sistema cerebral da fala: os restantes, talvez a maior parte dos acontecimentos, são inconscientes (David Galin). Ora, uma tal teoria não é estranha à Filosofia, cuja tradição dominante tratou este tópico da consciência em termos de mecanismos linguísticos. Os leitores mais atentos devem estar a dirigir-me a seguinte pergunta: Então, as experiências do cérebro dissociado e, portanto, da mente dissociadaresolveram o problema mente-cérebro? Meus amigos leitores, é certo que as neurociências ainda não resolveram - de forma cabal ou definitiva - esse problema, mas o ónus da prova está do lado daquelas teorias que autonomizam a alma da massa cerebral, como se fosse uma substância à parte, levando os homens simples a pensar que esse estranho hóspede que é a mente na terra pode sobreviver à morte cerebral.


J Francisco Saraiva de Sousa

7 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, ultimamente só abordo questões complicadas: o problema não é a complexidade, mas a dificuldade de ser sucinto nestas matérias.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acabei de fazer duas alterações no último parágrafo. Uma delas foi a correcção de um pequeno erro de exposição! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sei que tenho muitos leitores que não apreciam artigos científicos, mas paciência - estou a cavalgar a onda científica. Eu sou de dupla-formação. E é assim que gosto de mim. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Pensando bem, é possível encarar a luta política entre esquerda e direita como luta entre o cérebro esquerdo e o cérebro direito: implicações do cérebro dividido para a filosofia política. :)

antónio m p disse...

Se eu soubesse o que vê um boi quando olha para um palácio talvez pudesse dizer que assim me sinto eu, Pinto e não boi, quando leio alguns artigos que publica aqui.

E, no entanto, acredite que o leio com grande curiosidade ou interesse. Por isso e sobretudo porque há sempre quem esteja ao nível da compreensão inteira das suas exposições, oxalá continue. Que, para leituras superficiais ou vazias, já temos "murdochs" que cheguem.

Só não partilho da sua opinião tão "universal e equitativa" (citando eu a despropósito o Min. das Finanças) de que os jornalistas sejam imbecis irresponsáveis. Embora os haja, e mais ainda se considerarmos esses atributos de forma disjunta - exercício porventura tão impróprio como a disjunção das regiões cerebrais.

Aceite este comentário-pulsão, bastante marginal ao seu assunto, como um cumprimento apenas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

António M P

Sim, nem todos os jornalistas são imbecis, mas é preciso associar a degradação da actividade política com a falta de qualidade da comunicação social: o chamado quarto poder está a degradar a democracia. Era isso que tinha em mente qdo usei essa expressão!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Os cirurgiões foram Bogen e Vogel e os pacientes foram estudados no laboratório de Sperry...