«Todas as coisas têm uma porção de tudo, mas o Espírito é infinito e autónomo, e não se mistura com coisa alguma, mas existe só, de per si. Pois, se não existisse de per si, mas se misturasse com qualquer outra coisa, teria uma porção de todas as coisas, se se misturasse com alguma; pois em tudo há uma porção de tudo, como eu disse anteriormente; e as coisas com ele misturadas opor-lhe-iam tal obstáculo, que ele não poderia controlar nada, como o faz agora, existindo de per si. Pois ele é a mais subtil de todas as coisas e a mais pura, tem todo o conhecimento acerca de tudo e o maior poder; e o espírito governa todas as coisas que têm vida, tanto as maiores como as mais pequenas. O espírito governou também toda a rotação, de modo que começou a rodar no princípio. E começou a rodar primeiro a partir de uma pequena área, mas agora roda numa mais vasta e rodará numa área ainda mais vasta. E as coisas que estão misturadas e separadas e divididas são todas conhecidas pelo Espírito. E todas as coisas que haviam de ser, todas as coisas que foram, mas já não são, todas as coisas que são agora ou que hão-de ser, a todas o Espírito dispôs, incluindo esta rotação em que agora as estrelas estão a rodar, o Sol e a Lua, o ar e o éter que estão separados.» (Anaxágoras de Clazómenas)
Todas as teorias filosóficas do conhecimento - e cada uma delas - implicam uma determinada teoria do cérebro. Quando defendi esta tese, reservei o termo NeuroFilosofia para designar o estudo sistemático dessas teorias do cérebro que foram produzidas ao longo do tempo pelos filósofos, em diálogo com as teorias biológicas e médicas do seu tempo. Hoje estipulo novas conexões: a teoria do conhecimento supõe/é uma teoria da mente, a teoria da mente supõe/é uma teoria do cérebro, e a teoria do cérebro supõe/é uma teoria da sociedade. A leitura crítica da filosofia materialista de Thomas Hobbes à luz da teoria filosófica de Marx exemplifica magistralmente todo este sistema de equações em acção e as suas regras de transformação. A articulação da teoria do cérebro com a teoria da sociedade perde o seu carácter inusitado quando pensamos na emergência da neurociência social ou mesmo quando começamos a pensar a organização social do cérebro, tal como foi formulada por Michael S. Gazzaniga, Jean-Pierre Changeux, Gerald M. Edelman ou Marvin Minsky. No entanto, apesar do interesse filosófico pela organização funcional do cérebro, magnificamente estudada por Alexander Luria na sua obra O Cérebro em Acção (1974), em função do conceito de sistema funcional de Anokhin (1935) e da teoria da localização dinâmica das funções mentais superiores de Vygotsky (1960), o objectivo deste estudo é analisar - em linhas gerais - o impacto a longo prazo da revolução científica dos séculos XVI e XVII sobre o conceito de mente. (As revoluções científicas do século XX mais não fizeram do que acelerar o programa neuro-redutor em curso há séculos.) O texto de Anaxágoras apresentado em epígrafe é suficiente para mostrar que o pensamento ocidental foi durante milénios dominado pelo dualismo: a mente ou a alma, fosse qual fosse o seu status existencial, princípio imaterial ou matéria subtil, foi vista como o princípio activo do corpo, responsável pelo comportamento. A tese que pretendo explanar é a de que o desenvolvimento das neurociências pode ser apreendido como uma desactivação progressiva da mente: a desactivação da mente constitui, portanto, o fio condutor deste estudo que, para não ser demasiado complexo e longo, irá omitir muitas outras articulações que interessam à neurofilosofia. O facto de ainda não termos uma teoria unificada do cérebro ajuda a compreender esta necessidade de simplificação. Aliás, uma das tarefas fundamentais da neurofilosofia é contribuir para a construção da teoria do cérebro, tão desejada por Michael I. Posner & Marcus E. Raichle (1994).
Psicologia Ventricular. A noção de alma tripartida - a divisão da alma em três partes: a capacidade de pensar, localizada na cabeça (cérebro), a capacidade de sentir, localizada no peito (coração e pulmões), e a capacidade de desejar com os apetites (órgãos sexuais), localizada no ventre - encontra-se pela primeira vez formulada no diálogo Timeu de Platão e foi aceite pela maior parte dos pensadores da Antiguidade. O estudo platónico da alma e das suas divisões é um dos capítulos mais fascinantes da história da filosofia, que tem merecido justamente a atenção de muitos estudiosos, entre os quais destaco I. M. Crombie: Platão permite-nos pensar - em termos claramente políticos, como resulta da leitura atenta da República - a alma como sendo essencialmente pura inteligência oprimida pelo apego à carne devido à sua associação ao corpo. A doutrina da imortalidade da alma de Platão tem eclipsado a sua concepção tripartida da alma, tal como foi exposta no Timeu: a articulação de conceitos fisiológicos e de conceitos psicológicos permitiu a Platão elaborar uma teoria do comportamento em função das suas três fontes distintas, levando em conta o funcionamento dos órgãos na sua relevância para a vida mental. Muitas das brilhantes intuições de Platão - relativas à fisiologia do comportamento - foram esquecidas pelos seus seguidores que preferiram aplicar a concepção tripartida à alma racional: Nemésio de Émeso (aproximadamente 390 d.C.) defendeu a ideia de que as três partes ou as três faculdades da alma racional - a imaginação, o intelecto e a memória - estavam localizadas nos três ventrículos cerebrais, a imaginação no ventrículo lateral, o intelecto no terceiro ventrículo, e a memória no quarto ventrículo. Avicena (980-1037 d.C.) desenvolveu este esquema psíquico-ventricular que predominou até ao final da Idade Média, tendo sido defendida por diversos Padres da Igreja, entre os quais Santo Agostinho: Gegor Reisch deu à teoria ventricular a forma da representação em diagramas. Porém, no decorrer da passagem do século XV para o século XVI, Leonardo da Vinci desenvolveu uma técnica para estudar os ventrículos cerebrais, enchendo-os de cera líquida para depois - após ter deixado passar o tempo necessário para a sua solidificação - extrair a massa cerebral ao seu redor. Com o uso desta técnica, Leonardo da Vinci obteve uma representação muito precisa das supostas sedes da alma: os seus desenhos mostram os moldes dos ventrículos cerebrais - os ventrículos laterais são denominados "impressivos" (percepção), o terceiro ventrículo é chamado "sensus communis" e o quarto ventrículo recebe o nome de "memória". Porém, como não foi publicada, a obra anatómica de Leonardo da Vinci permaneceu esquecida até ao século XIX, não tendo por isso exercido grande impacto sobre a revolução anatómica. Entretanto, Vesálio teceu na sua obra De Humani Corporis Fabrica (1543) comentários irónicos sobre a teoria ventricular, mas sem conseguir descartar-se dela ou até mesmo discutir o pneuma psíquico contido nos ventrículos. É certo que, no século XVII, Descartes ainda conservou uma variante da psicologia ventricular, mas a sua neurofisiologia abriu o caminho para a neurofisiologia contemporânea, como demonstraram T. H. Huxley e J. H. Woodger. Com efeito, na fisiologia mecanicista pós-cartesiana, os pneumas psíquicos transformaram-se primeiro em "sucos nervosos", depois em electricidade e, por fim, em mudanças de potencial através das membranas lipoproteicas. Estes desenvolvimentos da fisiologia mecanicista foram levados a cabo a partir do estudo do sistema nervoso periférico, mas, tal como Descartes, os seus sucessores também estudaram as funções cerebrais superiores, em especial a percepção.
Para Descartes, os objectos do mundo exterior eram captados pela glândula pineal, situada no interior do cérebro. Esta brilhante ideia encontra-se elaborada na secção intitulada L'Homme do seu tratado Le Monde, escrito em 1633 e publicado postumamente em 1662: a fisiologia do sistema nervoso e a fisiologia mioneural, com a sua noção de arco reflexo e a sua explicação mecanicista da acção voluntária, expostas por Descartes nessa célebre secção, não só abriram o caminho ao programa de investigação neurofisiológica, como também deixam adivinhar - aos olhos atentos e informados de hoje - o esboço de uma teoria do duplo aspecto do mental e do físico que contrasta fortemente com o interaccionismo dualista defendido nas obras filosóficas. A fisiologia tradicional, aquela que Vesálio aprendeu nos seus anos de formação, via o cérebro anterior como a "sala de inspecção", onde chegavam os objectos detectados pelos cinco sentidos. Estes objectos exteriores emanavam continuamente ténues "eflúvios" que eram transmitidos - no caso da visão - pelo olho ao tubo oco do nervo óptico. Por sua vez, o nervo óptico conduzia estes espectros subtis até ao interior do cérebro, onde eram reconhecidos pela matéria subtil da alma. Esta teoria paraóptica teve um grande impacto sobre os filósofos pós-cartesianos, que, como Leibniz e Kant, a usaram para mostrar que «tanto a percepção como aquilo que depende dela, são inexplicáveis sobre bases mecânicas» (Leibniz). Descartes retratou a integração da mente e do cérebro em diversos diagramas. Um desses diagramas ilustra o reflexo comum de retirar um membro do contacto com o fogo como um circuito físico: o circuito liga os receptores sensoriais de calor ao músculo. A mensagem dos receptores de calor viaja até à base da medula espinal, sendo daí transmitida aos músculos apropriados e produzindo uma remoção reflexa. A neurofisiologia de Descartes investigou estes circuitos e os comportamentos por eles servidos. No entanto, para Descartes, a experiência consciente da dor que acompanha o contacto com objectos quentes era de natureza completamente diferente do circuito físico ilustrado no diagrama: os reflexos estão sujeitos às leis da ciência, enquanto que a experiência mental subjectiva não está sujeita a essas mesmas leis. Dado estarem submetidos às leis científicas, os processos físicos podem ser medidos, mas os processos subjectivos, sendo imateriais, não podem ser medidos. O mundo físico e o mundo mental estão separados um do outro, interagindo entre si através de uma parte do cérebro, a glândula pineal. O dualismo nada mais é do que esta clara separação do mundo em mental e físico advogada por Descartes, talvez para proteger o estudo da lei natural dos ataques da Inquisição e dos lideres religiosos. Porém, o mecanicismo cartesiano que faz do corpo um autómato abriu uma via de pesquisa frutífera que permitiu expulsar o maquinista, isto é, o fantasma da máquina (G. Ryle, 1949). E foi esta a via seguida pela investigação biológica na sua luta contra o vitalismo, o animismo e o panpsiquismo, e pela pesquisa do cérebro como «órgão da actividade mental» (Luria) na sua luta contra o espiritualismo e o mentalismo. Quando publicou em 1747 L'Homme-Machine, La Mettrie mais não fez do que virar o mecanicismo de Descartes contra o seu dualismo, esboçando o discurso da máquina que se livrou do maquinista, como se o materialismo fosse uma invenção cartesiana.
Para Descartes, os objectos do mundo exterior eram captados pela glândula pineal, situada no interior do cérebro. Esta brilhante ideia encontra-se elaborada na secção intitulada L'Homme do seu tratado Le Monde, escrito em 1633 e publicado postumamente em 1662: a fisiologia do sistema nervoso e a fisiologia mioneural, com a sua noção de arco reflexo e a sua explicação mecanicista da acção voluntária, expostas por Descartes nessa célebre secção, não só abriram o caminho ao programa de investigação neurofisiológica, como também deixam adivinhar - aos olhos atentos e informados de hoje - o esboço de uma teoria do duplo aspecto do mental e do físico que contrasta fortemente com o interaccionismo dualista defendido nas obras filosóficas. A fisiologia tradicional, aquela que Vesálio aprendeu nos seus anos de formação, via o cérebro anterior como a "sala de inspecção", onde chegavam os objectos detectados pelos cinco sentidos. Estes objectos exteriores emanavam continuamente ténues "eflúvios" que eram transmitidos - no caso da visão - pelo olho ao tubo oco do nervo óptico. Por sua vez, o nervo óptico conduzia estes espectros subtis até ao interior do cérebro, onde eram reconhecidos pela matéria subtil da alma. Esta teoria paraóptica teve um grande impacto sobre os filósofos pós-cartesianos, que, como Leibniz e Kant, a usaram para mostrar que «tanto a percepção como aquilo que depende dela, são inexplicáveis sobre bases mecânicas» (Leibniz). Descartes retratou a integração da mente e do cérebro em diversos diagramas. Um desses diagramas ilustra o reflexo comum de retirar um membro do contacto com o fogo como um circuito físico: o circuito liga os receptores sensoriais de calor ao músculo. A mensagem dos receptores de calor viaja até à base da medula espinal, sendo daí transmitida aos músculos apropriados e produzindo uma remoção reflexa. A neurofisiologia de Descartes investigou estes circuitos e os comportamentos por eles servidos. No entanto, para Descartes, a experiência consciente da dor que acompanha o contacto com objectos quentes era de natureza completamente diferente do circuito físico ilustrado no diagrama: os reflexos estão sujeitos às leis da ciência, enquanto que a experiência mental subjectiva não está sujeita a essas mesmas leis. Dado estarem submetidos às leis científicas, os processos físicos podem ser medidos, mas os processos subjectivos, sendo imateriais, não podem ser medidos. O mundo físico e o mundo mental estão separados um do outro, interagindo entre si através de uma parte do cérebro, a glândula pineal. O dualismo nada mais é do que esta clara separação do mundo em mental e físico advogada por Descartes, talvez para proteger o estudo da lei natural dos ataques da Inquisição e dos lideres religiosos. Porém, o mecanicismo cartesiano que faz do corpo um autómato abriu uma via de pesquisa frutífera que permitiu expulsar o maquinista, isto é, o fantasma da máquina (G. Ryle, 1949). E foi esta a via seguida pela investigação biológica na sua luta contra o vitalismo, o animismo e o panpsiquismo, e pela pesquisa do cérebro como «órgão da actividade mental» (Luria) na sua luta contra o espiritualismo e o mentalismo. Quando publicou em 1747 L'Homme-Machine, La Mettrie mais não fez do que virar o mecanicismo de Descartes contra o seu dualismo, esboçando o discurso da máquina que se livrou do maquinista, como se o materialismo fosse uma invenção cartesiana.
Uma Física Experimental da Mente. Descartes foi um dos cérebros mais brilhantes da história da filosofia e da ciência: as suas ideias seminais germinaram ao longo do tempo, marcando de forma inegável o pensamento tanto dos seus seguidores como dos seus adversários. O empirismo inglês procurou livrar-se da doutrina cartesiana de que a mente vinha ao mundo dotada de certas ideias inatas, opondo-lhe a doutrina de que a mente vinha inocente ao mundo, como uma tabula rasa. O primeiro filósofo a defender esta teoria empirista da mente foi Thomas Hobbes: «A origem de todas (as representações) é aquilo que denominamos sensação (pois não há concepção na mente do homem que primeiro não tenha sido originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos). O resto deriva daquela origem». Fortemente marcada pela hipótese corpuscular vigente no século XVII, a filosofia materialista de Hobbes - tanto no plano da sociologia como no da psicologia - filia-se na tradição fisicalista, tal como foi estabelecida por Galileu e por Newton. Hobbes analisa as propriedades sensíveis como aspectos do movimento: «Todas estas qualidades denominadas sensíveis estão no objecto que as causa, mas são muitos os movimentos da matéria que pressionam os nossos órgãos de maneira diversa. Também em nós, que somos pressionados, elas nada mais são do que movimentos diversos (pois o movimento nada produz senão o movimento)». Utilizando esta teoria materialista, Hobbes explica como nos tornamos conscientes das cores, dos odores ou dos sons: «A imagem ou a cor é apenas uma aparição em nós daquele movimento, agitação ou alteração, que o objecto (exterior) provoca no cérebro ou nos espíritos, ou em alguma substância interna na cabeça». Todas as aparições em nós resultam de algumas alterações provocadas pelos objectos exteriores na substância do cérebro. Depois de ter analisado as sensações enquanto movimentos dentro do cérebro, Hobbes passa para a análise da imaginação e da memória, «uma e a mesma coisa», encarada como vestígio deixado no cérebro pelas sensações: «Quando um corpo está em movimento, move-se eternamente (a menos que algo o impeça), e seja o que for que o faça, não o pode extinguir totalmente num só instante, mas apenas com o tempo e gradualmente, como vemos que acontece com a água, pois, muito embora o vento deixe de soprar, as ondas continuam a rolar durante muito tempo ainda. O mesmo acontece naquele movimento que se observa nas partes internas do homem, quando ele vê, sonha, etc., pois após a desaparição do objecto, ou quando os olhos estão fechados, conservamos ainda a imagem da coisa vista, embora mais obscura do que quando a vemos. (...) A imaginação nada mais é, portanto, que uma sensação diminuída, e encontra-se nos homens, tal como em muitos outros seres vivos, quer estejam adormecidos, quer estejam despertos». Com esta concepção da imaginação, Hobbes expõe a sua teoria do discurso mental ou do pensamento de um modo que antecipa a teoria da associação de ideias: «Quando o homem pensa seja o que for, o pensamento que se segue não é tão fortuito como poderia parecer. Não é qualquer pensamento que se segue indiferentemente a um pensamento. Mas, assim como não temos uma imaginação da qual não tenhamos tido antes uma sensação, na sua totalidade ou em parte, do mesmo modo não temos passagem de uma imaginação para outra se não tivermos tido previamente o mesmo nas nossas sensações. A razão disto é a seguinte: todas as ilusões são movimentos dentro de nós, vestígios daqueles que foram feitos na sensação; e aqueles movimentos que imediatamente se sucedem uns aos outros na sensação continuam também juntos depois da sensação. Assim, aparecendo novamente o primeiro e sendo predominante, o outro segue-o, por coerência da matéria movida, à maneira da água sobre uma mesa lisa, que, quando se empurra uma parte com o dedo, o resto segue também». Encontra-se claramente definida aqui a teoria do duplo aspecto da mente: os acontecimentos corpusculares que ocorrem no interior do cérebro aparecem em cada indivíduo sob a forma de sensações, percepções, imaginações e recordações. A filosofia de Hobbes despede a ideia de uma alma integradora: diversas sensações chocam entre si para, após terem comunicado energia umas às outras, desaparecer a seguir, deixando vestígios da sua actividade provocada por objectos externos na substância cerebral. Para Hobbes, a mente comporta-se como um gás e, como tal, deve ser analisada sob o signo da hipótese corpuscular.
O sucessor de Hobbes, John Locke, a quem D'Alembert atribuiu o mérito de ter reduzido a metafísica a uma "física experimental da mente", estava de tal modo encantado com a física de Newton que procurou analisar os fenómenos mentais do mesmo modo como os físicos tinham analisado os objectos físicos do mundo. Esta analogia é perigosa, porque, como já tinha sido reconhecido por Descartes, os nossos sentimentos, esperanças, temores, aspirações, desejos, apetites, etc., são coisas muito diferentes dos átomos e do éter dos físicos. Locke chegou mesmo a negar o seu interesse pelos correlatos físicos da mente, mas o conceito central da sua filosofia está expresso na linguagem desta falsa analogia: «Suponhamos então que a mente seja, como se diz, um papel branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer ideias. Como chega (a mente) a recebê-las? De onde obtém esta prodigiosa abundância de ideias, que a activa e ilimitada fantasia do homem nele pintou, com uma variedade quase infinita? De onde tira todos os materiais da razão e do conhecimento? A isto respondo com uma só palavra: da experiência (sensorial)». A psicofisiologia de Locke retoma a velha teoria dos espíritos animais para descrever o modo como a mente funciona: as ideias simples combinam-se dentro da mente para formar ideias compostas ou complexas da mesma forma como os elementos químicos se unem para formar "miscelâneas" ou misturas químicas. A actividade da mente é, pois, reduzida a esta tarefa de combinação. Coube a David Hume, o sucessor de Locke, sacar a conclusão lógica desta teoria atomista da mente: «Quanto a mim, quando penetro mais intimamente naquilo a que chamo eu próprio, tropeço sempre numa ou outra percepção particular, de frio ou calor, de luz ou sombra, de amor ou ódio, de dor ou prazer. Nunca consigo apanhar-me a mim próprio, em qualquer momento, sem uma percepção, e nada posso observar a não ser a percepção. Quando as minhas percepções são afastadas por algum tempo, como por um sono tranquilo, durante esse tempo não tenho consciência de mim próprio e pode dizer-se verdadeiramente que não existo. E se todas as minhas percepções fossem suprimidas pela morte, e eu não pudesse nem pensar, nem sentir, nem ver, nem amar, nem odiar depois da dissolução do meu corpo, eu ficaria inteiramente aniquilado e não concebo que mais seria necessário para fazer de mim um perfeito nada. Se alguém, após reflexão séria e sem preconceitos, pensa que tem um conhecimento diferente de si próprio, confesso que não posso mais argumentar com ele. Tudo quanto posso conceder-lhe é que ele pode estar na razão assim como eu, e que diferimos essencialmente neste ponto. Talvez ele possa perceber algo simples e contínuo, a que chama si próprio; contudo, estou certo de que em mim não existe semelhante princípio. /Mas, pondo de parte alguns metafísicos deste género, atrevo-me a afirmar do resto dos homens que cada um deles não passa de um feixe ou colecção de diferentes percepções que se sucedem umas às outras com inconcebível rapidez e que estão em perpétuo fluxo e movimento».
A filosofia céptica de David Hume despertou Kant do seu "sono dogmático", como se sabe, mas, no campo das neurociências, levou David Hartley a combinar algumas ideias de Isaac Newton com algumas ideias de Locke, de modo a criar a "psicologia fisiológica das funções nervosas superiores" (R. M. Young). Na sua obra mais importante, Observations on Man (1749), Hartley sugere que, quando os objectos externos incidem sobre os nervos sensoriais, o éter presente neles emite vibrações que penetram os poros da substância neural. A seguir estas vibrações são transmitidas ao longo dos nervos até ao cérebro e, uma vez dentro do cérebro, podem conservar-se durante um breve período de tempo através da sua substância. Porém, quando se repetem muitas vezes, as vibrações podem gerar vibrações em miniatura, os vibraciúnculos, com a mesma direcção e localização iniciais. Deste modo, Hartley não só tenta explicar a origem espontânea das ideias, como também utiliza os vibraciúnculos etéreos para dotar a teoria da associação de Locke de uma base física: a associação constante das sensações A, B e C dá lugar à associação constante dos vibraciúnculos a, b e c. Assim, depois de decorrido algum tempo, sempre que ocorre a sensação A (vibração A) são provocados b e c. Hartley utiliza esta sua teoria para explicar a origem das ideias compostas de Locke: as ideias gerais são meros compostos formados mediante a congregação de numerosas ideias simples ou, em termos físicos, de vibraciúnculos. A noção da mente como potência activa unificadora e coordenadora desaparece do seio da teoria física da mente de Hartley: o que resta dela é um mero receptáculo, dentro do qual se produzem tanto a união como a separação das ideias simples ou vibraciúnculos. Como esta concepção da mente como mecanismo físico está distante da teoria aristotélica da alma! Com o empirismo inglês, a filosofia converteu-se em fisiologia do cérebro, no seio da qual a teoria da associação de Hartley teve o mérito de expulsar a hipótese de uma alma activa mas imaterial. Além disso, após descartar-se de Aristóteles, Hartley liberta a neurofisiologia de Descartes do seu dilema de saber como pode a mente actuar sobre a matéria (cérebro/corpo/mundo) e viceversa. (Há vários problemas aqui!) Os empiristas ingleses resolveram este dilema, eliminando um dos elementos da dicotomia: as sensações e as outras funções cerebrais são concomitantes com as vibrações e os vibraciúnculos do interior da substância do cérebro.
O sucessor de Hobbes, John Locke, a quem D'Alembert atribuiu o mérito de ter reduzido a metafísica a uma "física experimental da mente", estava de tal modo encantado com a física de Newton que procurou analisar os fenómenos mentais do mesmo modo como os físicos tinham analisado os objectos físicos do mundo. Esta analogia é perigosa, porque, como já tinha sido reconhecido por Descartes, os nossos sentimentos, esperanças, temores, aspirações, desejos, apetites, etc., são coisas muito diferentes dos átomos e do éter dos físicos. Locke chegou mesmo a negar o seu interesse pelos correlatos físicos da mente, mas o conceito central da sua filosofia está expresso na linguagem desta falsa analogia: «Suponhamos então que a mente seja, como se diz, um papel branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer ideias. Como chega (a mente) a recebê-las? De onde obtém esta prodigiosa abundância de ideias, que a activa e ilimitada fantasia do homem nele pintou, com uma variedade quase infinita? De onde tira todos os materiais da razão e do conhecimento? A isto respondo com uma só palavra: da experiência (sensorial)». A psicofisiologia de Locke retoma a velha teoria dos espíritos animais para descrever o modo como a mente funciona: as ideias simples combinam-se dentro da mente para formar ideias compostas ou complexas da mesma forma como os elementos químicos se unem para formar "miscelâneas" ou misturas químicas. A actividade da mente é, pois, reduzida a esta tarefa de combinação. Coube a David Hume, o sucessor de Locke, sacar a conclusão lógica desta teoria atomista da mente: «Quanto a mim, quando penetro mais intimamente naquilo a que chamo eu próprio, tropeço sempre numa ou outra percepção particular, de frio ou calor, de luz ou sombra, de amor ou ódio, de dor ou prazer. Nunca consigo apanhar-me a mim próprio, em qualquer momento, sem uma percepção, e nada posso observar a não ser a percepção. Quando as minhas percepções são afastadas por algum tempo, como por um sono tranquilo, durante esse tempo não tenho consciência de mim próprio e pode dizer-se verdadeiramente que não existo. E se todas as minhas percepções fossem suprimidas pela morte, e eu não pudesse nem pensar, nem sentir, nem ver, nem amar, nem odiar depois da dissolução do meu corpo, eu ficaria inteiramente aniquilado e não concebo que mais seria necessário para fazer de mim um perfeito nada. Se alguém, após reflexão séria e sem preconceitos, pensa que tem um conhecimento diferente de si próprio, confesso que não posso mais argumentar com ele. Tudo quanto posso conceder-lhe é que ele pode estar na razão assim como eu, e que diferimos essencialmente neste ponto. Talvez ele possa perceber algo simples e contínuo, a que chama si próprio; contudo, estou certo de que em mim não existe semelhante princípio. /Mas, pondo de parte alguns metafísicos deste género, atrevo-me a afirmar do resto dos homens que cada um deles não passa de um feixe ou colecção de diferentes percepções que se sucedem umas às outras com inconcebível rapidez e que estão em perpétuo fluxo e movimento».
A filosofia céptica de David Hume despertou Kant do seu "sono dogmático", como se sabe, mas, no campo das neurociências, levou David Hartley a combinar algumas ideias de Isaac Newton com algumas ideias de Locke, de modo a criar a "psicologia fisiológica das funções nervosas superiores" (R. M. Young). Na sua obra mais importante, Observations on Man (1749), Hartley sugere que, quando os objectos externos incidem sobre os nervos sensoriais, o éter presente neles emite vibrações que penetram os poros da substância neural. A seguir estas vibrações são transmitidas ao longo dos nervos até ao cérebro e, uma vez dentro do cérebro, podem conservar-se durante um breve período de tempo através da sua substância. Porém, quando se repetem muitas vezes, as vibrações podem gerar vibrações em miniatura, os vibraciúnculos, com a mesma direcção e localização iniciais. Deste modo, Hartley não só tenta explicar a origem espontânea das ideias, como também utiliza os vibraciúnculos etéreos para dotar a teoria da associação de Locke de uma base física: a associação constante das sensações A, B e C dá lugar à associação constante dos vibraciúnculos a, b e c. Assim, depois de decorrido algum tempo, sempre que ocorre a sensação A (vibração A) são provocados b e c. Hartley utiliza esta sua teoria para explicar a origem das ideias compostas de Locke: as ideias gerais são meros compostos formados mediante a congregação de numerosas ideias simples ou, em termos físicos, de vibraciúnculos. A noção da mente como potência activa unificadora e coordenadora desaparece do seio da teoria física da mente de Hartley: o que resta dela é um mero receptáculo, dentro do qual se produzem tanto a união como a separação das ideias simples ou vibraciúnculos. Como esta concepção da mente como mecanismo físico está distante da teoria aristotélica da alma! Com o empirismo inglês, a filosofia converteu-se em fisiologia do cérebro, no seio da qual a teoria da associação de Hartley teve o mérito de expulsar a hipótese de uma alma activa mas imaterial. Além disso, após descartar-se de Aristóteles, Hartley liberta a neurofisiologia de Descartes do seu dilema de saber como pode a mente actuar sobre a matéria (cérebro/corpo/mundo) e viceversa. (Há vários problemas aqui!) Os empiristas ingleses resolveram este dilema, eliminando um dos elementos da dicotomia: as sensações e as outras funções cerebrais são concomitantes com as vibrações e os vibraciúnculos do interior da substância do cérebro.
Frenologia. Munidos com este esquema filosófico, os neurocientistas prosseguiram a sua aventura de conquista do cérebro humano. Enquanto Descartes se contentava com a velha noção de que os ventrículos cerebrais e os seus conteúdos desempenhavam um papel predominante na fisiologia cerebral, as investigações de Thomas Willis tiveram o mérito de afastar - nos finais do século XVII - a atenção dos ventrículos cerebrais e de a dirigir para a própria substância do cérebro. No entanto, tal como Descartes, Galileu e Newton, Willis nutria o mesmo interesse pela óptica, o que o levou a propor a seguinte base fisiológica da percepção: «As imagens ou representações de todas as coisas sensíveis, transmitidas através dos nervos, como tubos ou estreitos orifícios, passam primeiro pelos corpora striata, como que por uma lente; depois são mostradas ao corpus callosum, recebendo-as este como uma parede em branco, e, deste modo, chega-se à percepção». O conceito de "tela medular" sobre a qual se projectam as imagens do mundo exterior era muito utilizado pelos neurofisiólogos dos finais do século XVII e começos do século XVIII. Porém, a fisiologia do cérebro só realizou um progresso significativo no início do século XIX, quando Gall e Spurzheim introduziram a teoria da frenologia. Gall estipulou a existência de 26 ou 27 tendências comportamentais, distintas umas das outras, cada uma das quais dependia de uma região concreta do cérebro. A hipertrofia destas áreas cerebrais provocava tanto uma exibição exagerada desses traços no comportamento do indivíduo como uma expansão da zona do crânio adjacente. Por causa disso, os frenólogos acreditavam que era possível ler o carácter de uma pessoa a partir dos detalhes da forma do seu crânio, tendo desenhado para o efeito diversos mapas frenológicos, como o que é aqui apresentado como imagem de fundo. A frenologia foi alvo da crítica feroz de Hegel, porque, como escreveu na Fenomenologia do Espírito, o espírito (Geist) - a nossa mente! - não é, evidentemente, um osso. Apesar de não se prestar à investigação experimental, a frenologia teve o mérito de centrar a atenção neurocientífica sobre o problema da localização das funções cerebrais. Mas, como este problema não podia ser elucidado antes do conhecimento da neuroanatomia, as investigações levadas a cabo durante o século XIX seguiram dois caminhos para o resolver: os anatomistas - como, por exemplo, Richard Owen, François Leuret e Arïens Kappers - dedicaram-se ao estudo da ontogenia e da filogenia das circunvoluções do córtex cerebral que tinham sido consideradas até ao aparecimento da frenologia como meras marcas fortuitas, sem importância funcional, enquanto os microscopistas estudaram a disposição das células do cérebro e das vias seguidas pelas suas fibras. Porém, o estudo da estrutura fina do cérebro que era praticamente desconhecida antes de 1830 só começou a fazer progressos importantes com a chegada do microscópio acromático, culminando na obra de Betz, Golgi e Cajal. Os três ramos da investigação do cérebro - localização das funções na anatomia cerebral, morfologia e esquema das circunvoluções e estrutura microscópica - uniram-se no início do século XX, formando a disciplina da célula e da arquitectura fibrilar, fundada por Karl e Cécile Vogt e pelo seu célebre aluno Karl Brodmann, o qual proporcionou o substrato anatómico necessário para os estudos realizados no século XX sobre a localização das funções cerebrais.
Em 1811, Charles Bell publicou a sua obra Idea of a New Anatomy of the Brain, onde, além de recolher as observações dos neurofisiólogos mais ortodoxos, procura estabelecer as funções das diferentes regiões cerebrais, seguindo - no campo da fisiologia do cérebro - o esforço fisiológico de Bichat para localizar as funções do corpo em diferentes tecidos. Como é que Bell levou a cabo o seu empreendimento de atribuir funções concretas a partes diferentes do cérebro, encarado desde logo como centro de sensação e de movimento e centro de controle dos movimentos involuntários? Bell estabeleceu a anatomia funcional do cérebro mediante a experimentação nos nervos espinhais, conservando assim a ideia clássica de que o cordão espinal era um feixe de fibras nervosas que tinha a sua origem no cérebro. Então, através da estimulação destes nervos e da observação dos efeitos comportamentais correspondentes, ele podia - ou melhor, acreditava poder - elucidar as funções cerebrais. Apesar deste equívoco, Bell conseguiu estabelecer a distinção entre as raízes anterior e posterior dos nervos espinhais, mostrando que somente as primeiras continham fibras motoras. No entanto, por razões religiosas e morais, abandonou este estudo para se dedicar ao estudo dos nervos da cara, e, na década de 1820, confirmou as suas primeiras observações, com a descoberta de alguns nervos sensoriais e outros motores. François Magendie, que não partilhava os escrúpulos de Bell, seccionou as raízes anteriores e posteriores para demonstrar, em 1822, que as raízes anteriores tinham uma função motora, ao passo que as raízes posteriores eram sensoriais. Ora, a descoberta da lei Bell-Magendie abriu o caminho à investigação do comportamento reflexo. O estudo dos reflexos despertou prolongado interesse na comunidade neurocientífica ao longo dos séculos: Leonardo da Vinci tinha observado - logo no início do século XVI - que uma rã decapitada conservava muitos automatismos comportamentais enquanto o cordão espinal permanecesse intacto, e, no século XVII, Descartes descreveu pormenorizadamente a actividade reflexa, usando belos desenhos para a exemplificar. Os contributos de Bell e de Magendie prepararam o caminho para a elaboração moderna do conceito de reflexo, levada a cabo por Marshall Hall. Em meados do século XIX, a noção clássica de alma como primeiro motor ainda estava presente no pensamento fisiológico: os movimentos que eram observados num "animal espinal" obedeciam a uma "alma espinal". Assim, por exemplo, Edouard Pflüger defendia que, ao ser capaz de se comportar de um modo tão complexo e tão integrado, uma rã espinal devia possuir uma alma que estava necessariamente situada na coluna vertebral. A teoria proposta por Pflüger dividia o cordão espinal em duas partes, cada uma delas dotada da sua alma própria. Atraído por estas ideias, T. H. Huxley publicou, em 1874, o seu célebre ensaio On Animal Automatism, onde defende a ideia revolucionária de que a rã intacta - e não apenas a rã espinal - deve ser vista como um autómato, isto é, como um mecanismo. Em 1833, Marshall Hall publicou a sua obra sobre os reflexos espinais. O conceito de arco reflexo é apresentado neste parágrafo: «Neste tipo de movimento muscular, a força motriz não se origina em nenhuma parte central do sistema nervoso, mas a certa distância do centro: a sua acção não é espontânea, o seu curso não é directo; pelo contrário, é provocado pela aplicação de estímulos adequados que, sem dúvida, não são aplicados de um modo imediato à fibra muscular ou neuromuscular, mas a certas partes membranosas, donde a impressão é transportada até à medula, (depois) reflectida e retransmitida à parte impressionada ou conduzida a uma parte remota, onde se efectua a contracção muscular em questão». Hall comparava a sua análise da actividade reflexa à descoberta da circulação do sangue realizada por William Harvey. De facto, evidenciam-se três analogias: O "impulso nervoso" "circula" desde o receptor até ao efector, passando pelo sistema nervoso central: Hall forjou o termo arco reflexo para designar esta "circulação" (1). A conexão entre o input sensorial e o output motor ocorria dentro do sistema nervoso central (2). Ora, tal como Harvey desconhecia como o sangue passava do sistema arterial para o sistema venoso - os capilares só foram descobertos por Malpighi em 1661, quatro anos depois da sua morte! -, Hall nada sabia sobre a estrutura fina do sistema nervoso central. Por fim, o conceito de arco reflexo expulsou de vez a noção de alma espinal ou de "força vital", do mesmo modo que a teoria de Harvey tinha eliminado a noção de Galeno de que o ventrículo esquerdo era a sede de um obscuro "fogo vital", a fonte do calor corporal (3).
Em 1811, Charles Bell publicou a sua obra Idea of a New Anatomy of the Brain, onde, além de recolher as observações dos neurofisiólogos mais ortodoxos, procura estabelecer as funções das diferentes regiões cerebrais, seguindo - no campo da fisiologia do cérebro - o esforço fisiológico de Bichat para localizar as funções do corpo em diferentes tecidos. Como é que Bell levou a cabo o seu empreendimento de atribuir funções concretas a partes diferentes do cérebro, encarado desde logo como centro de sensação e de movimento e centro de controle dos movimentos involuntários? Bell estabeleceu a anatomia funcional do cérebro mediante a experimentação nos nervos espinhais, conservando assim a ideia clássica de que o cordão espinal era um feixe de fibras nervosas que tinha a sua origem no cérebro. Então, através da estimulação destes nervos e da observação dos efeitos comportamentais correspondentes, ele podia - ou melhor, acreditava poder - elucidar as funções cerebrais. Apesar deste equívoco, Bell conseguiu estabelecer a distinção entre as raízes anterior e posterior dos nervos espinhais, mostrando que somente as primeiras continham fibras motoras. No entanto, por razões religiosas e morais, abandonou este estudo para se dedicar ao estudo dos nervos da cara, e, na década de 1820, confirmou as suas primeiras observações, com a descoberta de alguns nervos sensoriais e outros motores. François Magendie, que não partilhava os escrúpulos de Bell, seccionou as raízes anteriores e posteriores para demonstrar, em 1822, que as raízes anteriores tinham uma função motora, ao passo que as raízes posteriores eram sensoriais. Ora, a descoberta da lei Bell-Magendie abriu o caminho à investigação do comportamento reflexo. O estudo dos reflexos despertou prolongado interesse na comunidade neurocientífica ao longo dos séculos: Leonardo da Vinci tinha observado - logo no início do século XVI - que uma rã decapitada conservava muitos automatismos comportamentais enquanto o cordão espinal permanecesse intacto, e, no século XVII, Descartes descreveu pormenorizadamente a actividade reflexa, usando belos desenhos para a exemplificar. Os contributos de Bell e de Magendie prepararam o caminho para a elaboração moderna do conceito de reflexo, levada a cabo por Marshall Hall. Em meados do século XIX, a noção clássica de alma como primeiro motor ainda estava presente no pensamento fisiológico: os movimentos que eram observados num "animal espinal" obedeciam a uma "alma espinal". Assim, por exemplo, Edouard Pflüger defendia que, ao ser capaz de se comportar de um modo tão complexo e tão integrado, uma rã espinal devia possuir uma alma que estava necessariamente situada na coluna vertebral. A teoria proposta por Pflüger dividia o cordão espinal em duas partes, cada uma delas dotada da sua alma própria. Atraído por estas ideias, T. H. Huxley publicou, em 1874, o seu célebre ensaio On Animal Automatism, onde defende a ideia revolucionária de que a rã intacta - e não apenas a rã espinal - deve ser vista como um autómato, isto é, como um mecanismo. Em 1833, Marshall Hall publicou a sua obra sobre os reflexos espinais. O conceito de arco reflexo é apresentado neste parágrafo: «Neste tipo de movimento muscular, a força motriz não se origina em nenhuma parte central do sistema nervoso, mas a certa distância do centro: a sua acção não é espontânea, o seu curso não é directo; pelo contrário, é provocado pela aplicação de estímulos adequados que, sem dúvida, não são aplicados de um modo imediato à fibra muscular ou neuromuscular, mas a certas partes membranosas, donde a impressão é transportada até à medula, (depois) reflectida e retransmitida à parte impressionada ou conduzida a uma parte remota, onde se efectua a contracção muscular em questão». Hall comparava a sua análise da actividade reflexa à descoberta da circulação do sangue realizada por William Harvey. De facto, evidenciam-se três analogias: O "impulso nervoso" "circula" desde o receptor até ao efector, passando pelo sistema nervoso central: Hall forjou o termo arco reflexo para designar esta "circulação" (1). A conexão entre o input sensorial e o output motor ocorria dentro do sistema nervoso central (2). Ora, tal como Harvey desconhecia como o sangue passava do sistema arterial para o sistema venoso - os capilares só foram descobertos por Malpighi em 1661, quatro anos depois da sua morte! -, Hall nada sabia sobre a estrutura fina do sistema nervoso central. Por fim, o conceito de arco reflexo expulsou de vez a noção de alma espinal ou de "força vital", do mesmo modo que a teoria de Harvey tinha eliminado a noção de Galeno de que o ventrículo esquerdo era a sede de um obscuro "fogo vital", a fonte do calor corporal (3).
A Doutrina do Neurónio. Santiago Ramón y Cajal desempenhou em relação a Hall o papel equivalente desempenhado por Malpighi em relação a Harvey: o segundo descobriu os capilares e o primeiro proporcionou uma extensa e exacta evidência da independência dos neurónios e das células da glia dentro do sistema nervoso central, colmatando assim as lacunas da teoria de Harvey e da teoria de Hall, respectivamente. Em 1887, Wilhelm His e August-Henri Forel apresentaram os resultados de investigações histológicas que demonstravam que o sistema nervoso era formado por múltiplas unidades separadas, as células nervosas ou neurónios. Mas coube a Ramón y Cajal (1888) a tarefa de recolher todas as "provas objectivas da unidade anatómica das células nervosas" - subtítulo do seu célebre trabalho Neuronismo o Reticularismo? (1933-34-35) - para desalojar de vez a teoria reticular proposta por Golgi, dando a vitória definitiva à teoria neuronal. Ramón y Cajal escreveu uma auto-biografia - Recuerdos de mi vida: Historia de mi labor científica (1901-1917) -, onde relata com pormenor as suas descobertas científicas que imprimiram um novo rumo às neurociências: a sua obra-prima mais famosa é, sem dúvida, Histologie du Système Nerveux de l'Homme et des Vertébrés (1909-1911), cuja tradução francesa amplia a edição espanhola (1897, 1899-1904). Graças às descobertas de Ramón y Cajal, a transmissão de impulsos através do cordão espinal desde o nervo sensorial até ao nervo motor deixou de ser vista como uma transmissão contínua: o neuronismo implicava a ideia de que os impulsos nervosos deviam "saltar" de um neurónio para outro quando circulavam através do arco reflexo. Deste modo, as regiões ou zonas de transmissão entre os neurónios adquiriram uma importante significação funcional. Em 1897, C. S. Sherrington cunhou o termo sinapse para designar esta zona de união entre os neurónios. Porém, o contributo de Sherrington para o desenvolvimento da neurofisiologia não se limitou à criação do termo sinapse. Em 1906, Sherrington publicou a sua obra The Integrative Action of the Nervous System, onde destaca a subtileza dos reflexos espinais. Tal como sucede com o neurónio, a unidade da anatomia neural, os reflexos não são discretos e unitários, isolados uns dos outros, porque - na vida quotidiana - eles aparecem ligados entre si em permutações ou combinações, cujo efeito global é adaptar o organismo à situação em que se encontra: os reflexos isolados são meras unidades funcionais "artificiais" que, quando integradas, formam o comportamento global do animal no seu meio natural, cabendo ao cordão espinal essa tarefa de integração. No entanto, Sherrington desconfiava da aplicação do conceito de reflexo à análise da fisiologia do encéfalo: a teoria da actividade integradora do sistema nervoso de Sherrington foi elaborada levando em conta a teoria do neurónio e a transmissão sináptica. A investigação da sinapse abriu novos rumos à fisiologia do cérebro.
A Fisiologia do Cérebro. Além da análise fisiológica da medula espinal que predominou na última metade do século XIX, havia outra linha de investigação proveniente dos trabalhos dos reflexólogos que, como Thomas Laycock e I. M. Sechenov, procuravam utilizar o conceito de reflexo para explicar a fisiologia do cérebro. A atmosfera intelectual era favorável à ideia da existência de reflexos cerebrais análogos aos reflexos da medula espinal, como testemunha o ensaio de T. H. Huxley (1874): as ideias seminais de Laycock e de Sechenov foram aproveitadas por John Hughlings-Jackson e por I. P. Pavlov, respectivamente. A leitura integral das Obras Escolhidas de Pavlov - há uma tradução portuguesa parcial com o título Fisiologia e Psicologia (1976) - proporciona uma visão histórica e científica do desenvolvimento da fisiologia do cérebro levado a cabo pela Escola de Reflexologia. Pavlov partiu dos seus trabalhos sobre o trato digestivo e a fisiologia digestiva para abordar a seguir a fisiologia cerebral: a secreção salivar foi o reflexo que escolheu para examinar o funcionamento do cérebro, porque a salivação - além de ser um reflexo facilmente quantificável - pode ser provocada por diversos estímulos tácteis, visuais e auditivos anteriormente neutrais. Ao estudar o reflexo condicionado que abriu as portas da ciência à psicologia, Pavlov estava a estudar não só o reflexo salivar mas também e sobretudo a fisiologia do próprio cérebro, mais precisamente a fisiologia dos hemisférios cerebrais: «Há trezentos anos, Descartes, considerando a actividade dos animais - em oposição à do homem - como automática, estabeleceu a noção de reflexo, acto fundamental do sistema nervoso. Toda a actividade do organismo é a sua necessária resposta ante algum agente do mundo exterior, na qual o órgão activo se encontra com o agente dado numa relação de causa e efeito, relação estabelecida por meio de uma determinada via nervosa. Desta maneira, o estudo da actividade nervosa dos animais colocava-se em sólida base naturalista e científica. Durante os séculos XVII, XVIII e XIX utilizou-se a noção de reflexo para o estudo dos segmentos inferiores do sistema nervoso central. Foi-se ascendendo progressivamente de nível até que Magnus, o continuador de Sherrington, demonstrou, depois dos trabalhos básicos do seu mestre sobre os reflexos medulares, o carácter reflexo de todos os actos locomotores fundamentais. A ideia de reflexo, apoiada pelas experiências, encontrou a sua aplicação em todo o sistema nervoso central, excepto nos hemisférios cerebrais». Após esta breve descrição do desenvolvimento da teoria do reflexo, Pavlov recorre à monografia de I. Sechenov - Os Reflexos do Cérebro (1863) - para formular a sua teoria fisiológica dos hemisférios cerebrais: Pavlov usa um conceito brilhante para caracterizar o seu imenso esforço teórico, dizendo que utiliza a lente do reflexo condicionado para examinar o funcionamento do cérebro, de modo similar aos geneticistas - Nettie Stevens e Thomas H. Morgan, por exemplo - que se serviam da Drosophila melanogaster para elucidar a natureza da hereditariedade. Não vou analisar a tensão existente entre Sherrington e Pavlov ou a tentativa de fundar a teoria dos reflexos condicionados de Pavlov sobre a neurofisiologia de Sherrington levada a cabo por J. Konorski (1948), até porque ambos foram - cada um à sua maneira - "idealistas": Pavlov quando tentou reduzir toda a actividade nervosa superior ao esquema dos reflexos condicionados, sem ter em consideração o seu substrato neuroanatómico e neurofisiológico, e Sherrington quando - já no fim da sua vida - desistiu de elucidar a relação entre mente e cérebro. Mas, antes de avançar, quero referir que os estudos etológicos de Konrad Lorenz permitiram demolir o império da teoria da aprendizagem que se desenvolveu a partir da teoria dos reflexos condicionados. De certo modo, Lorenz recuperou uma ideia cartesiana esquecida - o conceito de ideias inatas - pelos seguidores da sua teoria do reflexo, dando um suporte biológico à teoria kantiana das categorias a priori. Porém, a análise da biologia do conhecimento (Rupert Riedl, 1981) está fora do alcance deste estudo. (Veja aqui e ali.)
Entretanto, ao lado da tradição sherringtoniana originada na linha de investigação de Bell, Magendie e Hall, encontramos outra linha de investigação que parte das especulações frenológicas de Gall e de Spurzheim. A união destas duas tradições funda a ciência do cérebro tal como a conhecemos. O que importa reter da frenologia é a tentativa de elucidação da relação entre a anatomia do cérebro e a sua função, o substrato anatómico de que carecia a fisiologia cerebral de Pavlov. Além da crítica feroz de Hegel, a frenologia foi - durante a primeira parte do século XIX - alvo dos ataques de Pierre Flourens que, para o efeito, levou a cabo uma série de experiências sobre os hemisférios cerebrais dos mamíferos e das aves, utilizando procedimentos que incluíam a extirpação cirúrgica de partes dos hemisférios cerebrais ou mesmo a estimulação de diversas regiões do cérebro, para a seguir observar os efeitos comportamentais dos animais sujeitos a essas técnicas. Em 1824, Flourens expôs as conclusões dos seus estudos: «Os lóbulos cerebrais são as sedes exclusivas da sensação, das percepções e das volições. Todas estas (funções) ocupam concorrentemente a mesma área nestes órgãos. Portanto, as capacidades de sentir, perceber e desejar constituem tão-somente uma faculdade fundamentalmente única». Esta conclusão entrava em conflito aberto com a teoria de mosaico da frenologia. Dado ser um seguidor convicto de Descartes, para quem a mente era uma unidade interna, susceptível de ser revelada pela introspecção, Flourens acreditava que o seu substrato material, o cérebro, também era um "sistema único". Gall replicou, alegando - nalguns casos com razão! - que os procedimentos cirúrgicos de Flourens eram contrários à organização do cérebro, mas o certo é que as suas observações desacreditaram as ideias frenológicas no seio da comunidade científica, prejudicando o estudo da localização cerebral. Apesar disso, em meados do século XIX, Bouillaurd e Auburtin tentaram localizar o centro ou os centros da fala. Em 1825, Bouillaurd observou que as autopsias mostravam frequentemente que a perda da fala - chamada inicialmente afemia e, mais tarde, afasia - se encontrava associada a lesões dos lóbulos anteriores do cérebro. Embora Auburtin - genro de Bouillaurd - tenha defendido a mesma teoria, a sua evidência só foi proporcionada por Paul Broca na década de 1860: a sede da "linguagem articulada" ou o "centro das imagens motoras da linguagem" encontra-se "no terço posterior do giro frontal inferior esquerdo". Broca chegou a esta conclusão mediante a combinação da observação de comportamentos patológicos - um paciente afásico - e de investigação anatómica - o cérebro do paciente depois de morto. Em 1873, Carl Wernicke descreveu casos em que uma lesão no terço posterior do giro temporal superior esquerdo provocava a perda da habilidade para compreender a linguagem audível: Wernicke chamou-lhe o centro da compreensão da linguagem (Wortbegriff) ou das "imagens sensoriais das palavras". John Hughlings-Jackson e David Ferrier utilizaram esta abordagem clínica de Broca e de Wernicke para elucidar a localização cerebral.
Entretanto, ao lado da tradição sherringtoniana originada na linha de investigação de Bell, Magendie e Hall, encontramos outra linha de investigação que parte das especulações frenológicas de Gall e de Spurzheim. A união destas duas tradições funda a ciência do cérebro tal como a conhecemos. O que importa reter da frenologia é a tentativa de elucidação da relação entre a anatomia do cérebro e a sua função, o substrato anatómico de que carecia a fisiologia cerebral de Pavlov. Além da crítica feroz de Hegel, a frenologia foi - durante a primeira parte do século XIX - alvo dos ataques de Pierre Flourens que, para o efeito, levou a cabo uma série de experiências sobre os hemisférios cerebrais dos mamíferos e das aves, utilizando procedimentos que incluíam a extirpação cirúrgica de partes dos hemisférios cerebrais ou mesmo a estimulação de diversas regiões do cérebro, para a seguir observar os efeitos comportamentais dos animais sujeitos a essas técnicas. Em 1824, Flourens expôs as conclusões dos seus estudos: «Os lóbulos cerebrais são as sedes exclusivas da sensação, das percepções e das volições. Todas estas (funções) ocupam concorrentemente a mesma área nestes órgãos. Portanto, as capacidades de sentir, perceber e desejar constituem tão-somente uma faculdade fundamentalmente única». Esta conclusão entrava em conflito aberto com a teoria de mosaico da frenologia. Dado ser um seguidor convicto de Descartes, para quem a mente era uma unidade interna, susceptível de ser revelada pela introspecção, Flourens acreditava que o seu substrato material, o cérebro, também era um "sistema único". Gall replicou, alegando - nalguns casos com razão! - que os procedimentos cirúrgicos de Flourens eram contrários à organização do cérebro, mas o certo é que as suas observações desacreditaram as ideias frenológicas no seio da comunidade científica, prejudicando o estudo da localização cerebral. Apesar disso, em meados do século XIX, Bouillaurd e Auburtin tentaram localizar o centro ou os centros da fala. Em 1825, Bouillaurd observou que as autopsias mostravam frequentemente que a perda da fala - chamada inicialmente afemia e, mais tarde, afasia - se encontrava associada a lesões dos lóbulos anteriores do cérebro. Embora Auburtin - genro de Bouillaurd - tenha defendido a mesma teoria, a sua evidência só foi proporcionada por Paul Broca na década de 1860: a sede da "linguagem articulada" ou o "centro das imagens motoras da linguagem" encontra-se "no terço posterior do giro frontal inferior esquerdo". Broca chegou a esta conclusão mediante a combinação da observação de comportamentos patológicos - um paciente afásico - e de investigação anatómica - o cérebro do paciente depois de morto. Em 1873, Carl Wernicke descreveu casos em que uma lesão no terço posterior do giro temporal superior esquerdo provocava a perda da habilidade para compreender a linguagem audível: Wernicke chamou-lhe o centro da compreensão da linguagem (Wortbegriff) ou das "imagens sensoriais das palavras". John Hughlings-Jackson e David Ferrier utilizaram esta abordagem clínica de Broca e de Wernicke para elucidar a localização cerebral.
Localização Cerebral. Em 1859, quando chegou a Londres, Jackson tinha decidido trocar a medicina pela filosofia, devido à influência da filosofia reaccionária de Herbert Spencer, mas a sua amizade recente com Thomas Laycock impediu-o de cometer esse erro. Em 1875, quando escreveu o seu artigo "On the anatomical and physiological localisation of movements in the brain", Jackson presta logo de início uma homenagem a Laycock, aceitando a sua visão de que «o cérebro, ainda que seja o órgão da consciência, está sujeito às leis da acção reflexa; e que, neste aspecto, não difere dos demais gânglios do sistema nervoso». Ao aceitar a ideia-chave de Laycock, Jackson é levado a considerar a fisiologia do cérebro como um caso mais complexo da fisiologia da medula espinal. Na medula espinal, as energias ambientais que incidem sobre o organismo levam através da estrutura interna do arco reflexo a uma reacção estereotipada, enquanto que, no cérebro, a resposta resulta de todo o organismo e não de um pequeno grupo de músculos como sucede nos reflexos espinais. Além disso, no cérebro, a resposta é desencadeada por estímulos muito precisos e não por estímulos inespecíficos como sucede frequentemente nos reflexos espinais. Em todos os centros, sejam eles periféricos ou centrais, é necessário haver conexão entre a sensação e o movimento: o que os diferencia é o grau de complexidade envolvido no ajustamento operado - em cada centro - entre as impressões sensoriais e os movimentos que, nos centros superiores, tende a obscurecer o próprio fenómeno. (Os centros organizam-se de forma hierárquica: uma ideia fecunda de Jackson que vou deixar na penumbra. A perspectiva hierárquica da função cerebral de Jackson foi amplamente desenvolvida e apoiada na prática neurológica por Alexander Luria, que a utilizou para mostrar como as redes cerebrais podiam suportar as actividades cognitivas, particularmente a memória, a linguagem e o planeamento. O modelo hierárquico de N. Tinbergen também procura explicar os comportamentos através da hierarquia do instinto.) Para Jackson, a lei de Bell-Magendie e o arco reflexo de Hall constituem o substrato anatómico capaz de elucidar as leis psicológicas da mente: «Os processos sensório-motores constituem o aspecto físico, ou como prefiro dizer, o substrato anatómico dos estados mentais». À luz deste princípio de que o carácter pode ser investigado na arquitectura do cérebro, Jackson estudou a epilepsia, procurando - tal como Broca - conectar os seus sintomas comportamentais com a patologia exibida em certas regiões específicas do cérebro. Graças à descoberta de Frisch e Hitzig - o cérebro é susceptível de estimulação galvânica (eléctrica), David Ferrier (1873) submeteu à prova experimental as ideias de Jackson sobre a patologia da epilepsia, tendo-as confirmado. Em 1876, Ferrier publicou o seu livro The Functions of the Brain. Para localizar as funções cerebrais, Ferrier utilizou a técnica de estimulação eléctrica: os cérebros dos animais experimentais - macacos - eram sujeitos à estimulação eléctrica para observar os comportamentos por ela provocados. Usando este procedimento, Ferrier observou que, quando estimulava a área anterior à fissura de Rolando, os animais começavam a exibir "determinados movimentos definidos e constantes das mãos, dos pés, dos braços, dos músculos faciais, da boca, da língua, etc.": o córtex motor estava assim descoberto. Além do córtex motor, Ferrier explorou através da estimulação eléctrica outras regiões do cérebro, na tentativa de descobrir centros da aprendizagem, da visão, das sensações olfactivas e tácteis, etc. A sua competência experimental - reforçada pela sua extraordinária preparação clínica - levou-o a transferir o mapa das localizações cerebrais traçado para o macaco intacto para o cérebro humano. O mapa traçado por Ferrier lembra os velhos diagramas da frenologia, com a diferença significativa de localizar características fisiológicas, em vez de saliências psicológicas reveladas pelo exame do crânio. Além disso, a teoria da localização cerebral de Ferrier não sugere que estas regiões cerebrais variam de tamanho de uma pessoa para outra ou que a sua natureza pode ser investigada através da palpação da superfície externa do crânio. A combinação da localização cerebral com a análise das unidades neuronais isoladas foi extremamente frutífera para a pesquisa do cérebro: a técnica electrofisiológica permitiu estudar a resposta de neurónios isolados a padrões de estímulos apresentados aos órgãos de determinados sentidos específicos, e a técnica de registo, utilizada por John C. Eccles - discípulo de Sherrington, revelou toda a sua mais-valia na análise das respostas motoras, permitindo-lhe explicar as funções organizadoras do cerebelo, que, funcionando como uma espécie de "computador neuronal", dirige a orquestra de inumeráveis acções da musculatura esquelética para produzir comportamentos uniformes, "finos" e "elegantes". Apesar da "beleza" do mapa das localizações cerebrais de Ferrier, o mapa ou carta de Brodmann triunfou, sendo ainda hoje utilizado para localizar funções cerebrais. Em 1909, Brodmann dividiu o córtex em cinquenta e duas áreas, cada uma delas possui um número e, principalmente, uma função: a área 4, circunvolução frontal ascendente, intervém na motricidade; a área 17, occipital, na visão; as áreas 41 e 42, temporais, na audição; e as áreas 44 e 45 correspondem à circunvolução de Broca. Grandes zonas - as áreas de associação - ligam estas áreas primárias ou áreas de projecção motora e sensorial e dizem respeito a funções mais integradas. Não poderia terminar esta secção sem referir uma "estranha experiência" sobre controle físico da mente através de estimulação cerebral à distância, levada a cabo por José Delgado numa arena do Novo México. Em 1970, José Delgado publicou a sua obra Physical Control of the Mind: Towards a Phychocivilized Society, onde relata a descoberta de uma nova forma de tourear: Delgado fixou à cabeça de um touro um rádio-receptor de reduzidas dimensões, ao qual ligou os eléctrodos implantados nos núcleos cerebrais inibitórios da agressividade deste animal. Depois de liberto numa arena do Novo México, o touro investiu contra Delgado que estava na arena munido de um rádio-receptor-transmissor. Quando o touro chegou a cerca de seis metros do toureiro, este - o próprio Delgado - estimulou o centro cerebral inibitório da agressividade do animal - nas primeiras experiências foi o núcleo caudado - pressionando um botão no seu rádio receptor-transmissor: o touro parou, balançou a cabeça, começou a andar em círculo, voltou-se e afastou-se calmamente de Delgado. Ora, esta técnica foi posteriormente utilizada por neurocirurgiões - Mark & Erwin, por exemplo - para tratar doentes humanos que sofriam de epilepsia temporal.
O Mental e o Físico. Abel Salazar (1889-1946) escreveu uma tese - Ensaio sobre Psicologia Filosófica, 1915 - sobre o problema mente-cérebro, mas ninguém a leu para fazer uma análise profunda do seu contributo para a clarificação da relação entre mente e cérebro. Em Portugal, é muito difícil fazer carreira na ciência ou na filosofia, porque a maldade visceral da sua população bloqueia o génio de alguns dos seus membros, de modo a mergulhá-los no magma nacional da mediocridade. Algumas figuras pardacentas apresentam-no como um filósofo da arte, esquecendo ou ignorando que, na malha cognitiva de Abel Salazar, é muito difícil tentar separar artificialmente a sua obra médico-científica da sua obra filosófica: Abel Salazar preocupava-se com a constituição de uma psicologia científica e, para ajudar nessa tarefa, recorreu aos seus conhecimentos neurofisiológicos: a sua análise da mulher portuguesa mostra até que ponto Abel Salazar era capaz de analisar a psicologia de um povo inteiro a partir dos seus elementos-tipos femininos. Até a sua filosofia da pintura portuguesa revela a sua penetração analítica na captação da «alma colectiva» de um povo indeciso e amorfo. O facto de não separar a estética da psicologia - ou mesmo da psiquiatria - revela o impulso reducionista que move a sua tentativa de resolver o problema mente-cérebro: o pensamento de Abel Salazar inscreve-se, pois, na tradição dominante das neurociências que, no decurso do seu desenvolvimento, desactivou gradualmente a mente. O fio condutor que orientou este estudo - a desactivação da mente - encontra eco na obra de Abel Salazar. Apesar da hostilidade que as elites portuguesas - da treta, claro! - nutrem pelos seus homens de génio, Abel Salazar não estava sozinho na cena científica nacional: Egas Moniz (1874-1955) foi outro nome português - para já não referir os ilustres membros da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, infelizmente esquecida! - que estava atento à ciência que se produzia no seu tempo. Com base nos estudos de localização cerebral que mostravam que lesões no encéfalo alteravam o comportamento emocional, Egas Moniz, com a ajuda de Almeida Lima, desenvolveu a técnica de lobotomia frontal que destruía grande parte das conexões entre o lobo frontal e o resto do cérebro, para tratar certas perturbações psiquiátricas crónicas, em especial a esquizofrenia. Hoje a psicocirurgia como estratégia psicoterapêutica cedeu o seu lugar ao uso de fármacos psicotrópicos, evitando assim os efeitos adversos da destruição de porções consideráveis do encéfalo de pessoas com perturbações psiquiátricas. Escolhi estes dois médicos portugueses para definir um traço fundamental da cultura médica portuguesa que a liga à grande tradição científica alemã: a aliança entre medicina e filosofia, cuja história pode ser remontada até à obra de Petrus Hispanus - o Papa João XXI (1276-1277), o único papa português -, cuja obra De Anima oferece uma exposição sistemática e substancial da psicologia. Além dos seus famosos comentários de Aristóteles, Pedro Julião comentou, no campo da medicina, textos árabes e textos de Hipócrates. Como demonstra a obra de Abel Salazar e, em menor grau, a de Egas Moniz, a aproximação médica à filosofia realizou-se a partir da psicologia: a obra psicofisiológica de Custódio Rodrigues, fortemente marcada pelo modelo evolutivo do cérebro triuno de Paul MacLean, situa-se nesse terreno comum, até mesmo quando retoma a teoria do duplo aspecto. É certo que esta história da evolução das ideias médicas em Portugal se inscreve - como um pêndulo oscilando de uma posição para outra, devido à forte influência da Igreja Católica - nesse caminho progressivo de passagem da percepção-visão do mundo como um organismo vivo para a percepção-visão do mundo, incluindo os nossos corpos e cérebros, como uma máquina. A obra de Francisco Sanches (século XVII) que antecipou Descartes e Bacon, Pascal e Kant, inscreve-se neste registo médico-filosófico, mas a obra que lhe imprimiu o seu impulso moderno é, sem dúvida, a de Uriel da Costa (falecido em 1640), cujo livro Exame de tradições farisaicas conferidas com a lei escrita contra a imortalidade da alma negou, dentro do averroísmo latino, a imortalidade da alma - tese defendida por Samuel da Silva no seu Tratado da Imortalidade da Alma (1623). António Damásio procurou, mais recentemente, resolver o problema mente/cérebro, primeiro em confronto com o dualismo interaccionista de Descartes, actualizado pela teoria dualista-interaccionista de John C. Eccles, e, depois, em diálogo produtivo com a tendência materialista da Filosofia de Espinosa. Porém, a sua solução tal como aparece exposta na sua última obra - O Livro da Consciência: A Construção do Cérebro Consciente (2010) - filia-se à grande tradição mecanicista inaugurada pela neurofisiologia de Descartes, o que significa que António Damásio é mais cartesiano do que pensa. O facto de Edward O. Wilson ter elogiado a solução proposta por António Damásio confirma o seu carácter mecanicista: a sociobiologia de Wilson é absolutamente mecanicista.
Ao comparar o cérebro com uma máquina mecânica e hidrodinâmica, Descartes desenhou antecipadamente toda a estratégia de investigação do cérebro como órgão da actividade mental: o que aconteceu no decorrer da segunda metade do século XX foi a substituição desse tipo de máquina arcaica pelo modelo da central telefónica ou do quadro de controle e, mais tarde, pelo modelo do computador, levada a cabo pela cibernética e pela teoria da inteligência artificial. (Luria criticou o mecanicismo subjacente aos modelos do cérebro, recorrendo para o efeito às obras de Grey Walter - O Cérebro Vivo, 1953 - e de H. Magoun - O Cérebro Desperto, 1958 -, mas o mecanicismo é susceptível de sofrer novos enriquecimentos teóricos sem abdicar da sua ideia-chave: a ideia de cérebro como máquina auto-regulada sem a ajuda de um suposto maquinista.) Este desenvolvimento tecnológico operou, portanto, uma alteração de percepção da estrutura e do funcionamento do cérebro que acompanha de perto o movimento intelectual de deslocamento da imagem orgânica do mundo para a imagem mecanicista do mundo: a desactivação do conceito de alma resulta deste deslocamento paradigmático que faz desaparecer esta fonte de actividade oriunda das tecnologias musculares da Antiguidade, primeiro do mundo astronómico, depois do mundo da química, logo a seguir do mundo biológico e, por fim, do mundo psicológico. No âmbito do mundo psicológico, finalmente capturado pelas neurociências, podemos dizer que a psicologia perdeu primeiro a sua alma, depois a sua mente e mais tarde a sua consciência, restando-lhe o comportamento. Grandes figuras da filosofia ocidental, tais como Leibniz, Kant e os românticos, procuraram salvaguardar o mundo mental das investidas da filosofia associacionista preconizada pelos empiristas ingleses, mas em vão, porque, no final, o que prevaleceu foi a imagem mecanicista do cérebro como uma máquina. A tradição neurocientífica de Descartes, Hobbes, Locke, Hume, Hartley, Laycock, Sechenov e Pavlov operou com sucesso a redução do cérebro a um mecanismo reflexo que responde de maneira muito complexa às energias ambientais que incidem sobre ele: a própria mente humana nada mais é do que a sombra deste mecanismo reflexo complexo. Aquele que é considerado como o pai da neurologia moderna, John Hughlings-Jackson, partindo da relação da nossa experiência consciente com a malha-rede de neurónios alojada dentro do crânio, defendeu, em 1875, a teoria da identidade mente-cérebro que é distinta da teoria do paralelismo psiconeural de Sherrington. Sherrington estipulava a existência de duas "substâncias" - o corpo e a alma, que, conforme tentou esclarecer John Eccles, interagiam entre si, de modo a que a actividade neural fosse acompanhada pela actividade mental. Jackson tomou o partido de Lewes contra Tyndall, aceitando a sua perspectiva segundo a qual «os processos neurais e a sensação são um só e mesmo processo visto sob diferentes aspectos». Baseando-se no conceito de que toda a doença do cérebro constitui uma experiência natural, Jackson esboçou a teoria do duplo aspecto que continua a ser ainda hoje a hipótese de trabalho da maioria dos neurocientistas. Os receios filosóficos em relação à insuficiência da teoria empirista da mente - como "malha de sensações" completamente independentes e separadas umas das outras - para explicar o funcionamento da mente, deixaram de ter justificação quando, graças aos trabalhos de Hubel & Wiesel sobre o sistema da visão, se aprendeu que o cérebro não é uma tabula rasa: a informação que chega ao cérebro é filtrada e seleccionada em virtude da sua relevância para a situação do indivíduo-organismo. Em 1949, Donald O. Hebb publicou a sua obra The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory, onde recusa o conceito de que o comportamento era apenas uma série de respostas à estimulação ambiental: o conceito de "conjuntos de células" está no cerne da sua teoria da organização do neurocomportamento. A estimulação frequentemente repetida conduz - segundo Hebb - ao desenvolvimento de uma estrutura constituída por neurónios capazes de agir conjuntamente como um sistema fechado. Esta estrutura é difusa, porque os neurónios num conjunto de células não estão instalados num único lugar, mas antes espalhados pelo cérebro. Este conceito que inspira as neurociências cognitivas permite pensar os estados mentais como complexos estados globais do cérebro. O cérebro pode ser visto como um sistema tridimensional complexo, cujo estado varia de muitas maneiras de um momento para outro: o estado cerebral correspondente a um pensamento surge, nesta perspectiva, da interacção cooperativa de inumeráveis neurónios espalhados por todas as grandes regiões do cérebro. Como é evidente, nem todos os filósofos ou mesmo alguns neurocientistas concordam com o programa de neuro-redução, temendo os seus efeitos perigosos sobre a liberdade e a criatividade do homem. Mas convém esclarecer que as neurociências não possuem a solução definitiva do velho problema mente-cérebro: o programa de investigação das ciências do cérebro é claramente materialista e o seu sucesso deve-se precisamente ao seu carácter reducionista. Cabe, portanto, à neurofilosofia ajudá-las a contornar os efeitos-usos politicamente perigosos de uma tal estratégia de investigação, integrando-as no seio de uma teoria crítica da sociedade. A tarefa que atribuo à neurofilosofia não é fácil, mas é este o desafio que lhe lanço, na esperança de que a cooperação entre filósofos e neurocientistas possa ajudar a melhorar o mundo em que vivemos. (Este desafio é suficiente para demarcar a minha concepção da neurofilosofia da concepção de P. S. Churchland, exposta na sua obra Neurophilosophy: Toward a Unified Science of the Mind/Brain, 1986.)
Anexo: O animal humano dedica grande parte do seu tempo a trocar bisbilhotices sobre a vida alheia com os seus companheiros de proximidade. Nas Faculdades de Medicina, os "filósofos" do curso são os psiquiatras: chamar-lhes "filósofos" é diminuir a importância da sua área no seio da medicina, pelo menos foi o que me ensinou o meu professor de neuroanatomia para me afastar da pesquisa psiquiátrica e me reter no caminho da chamada "ciência dura". O mais engraçado era que o alvo dessa crítica, o meu outro professor de psiquiatria, me aconselhava a seguir o mesmo rumo, sem saber que a sua "sabedoria" era posta em causa pelo professor de neuroanatomia, de resto seu amigo. A única diferença que detectava entre eles era a atracção do professor de neuroanatomia pela Filosofia, e a tentativa desesperada do professor de psiquiatria em demarcar-se da Filosofia para exibir o seu status científico pessoal. Como era amigo dos dois - e ainda sou, claro!, sentia-me embaraçado quando nós os três dialogávamos no Departamento: o professor de neuroanatomia dava-me obras - nomeadamente as de Egas Moniz e outras de medicina tropical - que dizia ao outro não possuir, forçando-me a mentir ao meu professor de psiquiatria que desejava fotocopiar alguns desses belos exemplares únicos. Aprendi - neste jogo embaraçoso - o ABC da política de sigilo que orienta a pesquisa científica: não partilhar conhecimentos com os adversários e, sempre que possível, desviá-los do "bom caminho", mentindo-lhes. Porém, as tensões entre grupos internos, pertencentes à mesma Faculdade, são rapidamente superadas quando se trata de lutar contra o abelhudo externo: os grupos internos unem-se para defender uma causa comum. Ora, donde vinham os abelhudos externos? Da Faculdade de Letras da mesma Universidade: alguns palermas dos meus "amigos" filósofos - da treta, claro! - tentavam pela surdina gerar mal-estar entre mim e outros colegas da medicina. O que estes palermas não sabiam é que, no tecido do nosso grupo-fusão, a informação circulava de modo rápido: os idiotas da filosofia que sonhavam vir a ser neurocientistas, como se o treino resultasse do acto mecânico de soletrar títulos de obras e palavras técnicas, caíram na nossa emboscada, ficando mais burros do que já eram. Bem, não quero entrar em pormenores para não ser forçado a identificar pessoas, mas a verdade é que, quando alguém da medicina desejava fazer sexo, recorria a mim para lhe arranjar uma "vaca da filosofia". (Esta linguagem altamente técnica é usada pelas próprias visadas para se caracterizarem umas às outras! Hoje em dia, o vocabulário foi alargado para integrar as "lésbicas-camionistas" que entraram no ensino superior. Como dizia o meu orientador: os "presuntos" - mais os seus amigos gay "abicharados" - caíram de pára-quedas no Departamento. Nos nossos dias correntes, o assédio já não é somente heterossexual; é sobretudo homossexual.) O mais engraçado é que algumas dessas "vacas" se prestavam a esse serviço sexual, talvez pensando que durante a cópula pudesse haver uma transmissão mágica de conhecimentos-cunhas, mas nem isso conseguiram obter, excepto a fama de serem "mulheres fáceis". Relato este episódio triste para mostrar como as coisas funcionam em Portugal: as pessoas que entram no quadro docente das universidades são geralmente escolhidas, não pelos seus méritos e pelas suas competências científicas ou pedagógicas, mas por outros critérios, entre os quais a velha arte de "abrir as pernas". Mas, como mostra o caso relatado, há algumas excepções à regra da cunha, embora não sejam suficientes para imprimir um novo rumo a Portugal que há muito tempo se afundou na sua própria corrupção.
Afinal, o que estes/as idiotas da filosofia queriam saber? Queriam saber por onde eu estudava e o que estava a investigar: queriam títulos de obras de neurociências, muitos dos quais encontravam expostos nas prateleiras da livraria da Faculdade de Medicina. (As abelhudas - sobretudo a abelhuda-mor que tentou seduzir sexualmente um assistente de genética, aliás meu "bom amigo", nem sequer ficaram a saber o que eu investigava na altura: eu ainda não investigava o sistema nervoso, porque estava ligado ao Departamento de Biologia Celular e Molecular, onde investigava a célula e os espermatozóides, além da famosa bactéria E. coli que os jornalistas portugueses julgam ser uma terrível descoberta alemã recente. Uma vez - para salvaguardar a saúde do microscópio electrónico - quebrei o recipiente de uma cultura dessas bactérias e fiquei com elas ligadas à bata! Além disso, usava programas de genética das populações para me familiarizar com a linguagem(ens) da programação de computadores.) Em Portugal, o conhecimento é uma espécie de mercadoria-mentirosa, que os seus supostos portadores exibem circulando com livros nos braços ou recitando títulos, nomes ou frases pretensiosas. Nunca acreditaram que eu aprendi medicina estudando pelos manuais consagrados em cada disciplina. Muito antes de ler livros de divulgação ou artigos, estudei neuroanatomia a partir da Anatomia de Gray ou de Cunningham, com a ajuda do Atlas de Anatomia de Sobotta, e neurofisiologia a partir dos manuais de Fisiologia Médica de Guyton e de Gannong, com recurso aos manuais de Química Fisiológica de Harper, Rodwell & Mayers, para já não referir a Bioquímica de Lehninger. Porém, beneficiei da existência de um conflito entre o professor de neuroanatomia - mais francófono - e o professor de anatomia - mais anglo-saxónico. Por isso, consultei muitos outros manuais para estudar a morfologia e a fisiologia do sistema nervoso. A minha amizade com os dois enriqueceu-me: o primeiro abriu-me o mundo da pesquisa médica francesa, cuja terminologia me era absolutamente estranha, enquanto o segundo me desafiava com as experiências do cérebro dividido. Além disso, o professor de psiquiatria iniciava-me na teoria do cérebro triuno de Paul MacLean, do qual recebemos um livro autografado. Bem, falsas-amigas abelhudas e burras, para não dizerem que escondo informação crucial, deixo-vos hoje duas indicações bibliográficas que utilizei na altura para obter rapidamente uma visão de conjunto do sistema nervoso: Voies et Centres Nerveux (Introduction a la Neurologie) de A. Delmas e Grundriss der Neurophysiologie de R. F. Schmidt (org.). Sim, claro que li muitos outros livros - entre os quais duas obras magníficas de A. R. Luria - que não vou partilhar, mas hoje vocês lêem - ou fingem que leram! - os livros de António Damásio sem no entanto os compreender. Porquê? Porque tiraram uma licenciatura da treta e entraram na Faculdade pela porta traseira do sexo, reforçada pela cunha. Não adianta comprar livros e exibi-los quando não se tem preparação científica para os compreender. A vossa existência académica é uma mentira! Bem sei que a vossa situação é agravada por determinadas perturbações: uma - a "língua-esfregona"! - sofre de POC, a outra sempre sofreu de um desarranjo hormonal que explica o seu hirsutismo: a "mulher com pêlo na venta" - sim, é assim que te tratam os amigos! - internacionalizou a pesquisa, "abrindo as pernas aos estrangeiros" mais medíocres que encontra nas suas deslocações ao estrangeiro. Mais outra mentira para esconder a grande mentira: a mediocridade do ensino universitário português. É por isso que Portugal não arranca: as mentiras não geram progresso do conhecimento científico. E o pior é que nem sequer as vossas capacidades sexuais são apreciadas, quer a nível nacional, quer a nível da Europa-América. Nesta pequena aldeia global, já não há segredos!
Ao comparar o cérebro com uma máquina mecânica e hidrodinâmica, Descartes desenhou antecipadamente toda a estratégia de investigação do cérebro como órgão da actividade mental: o que aconteceu no decorrer da segunda metade do século XX foi a substituição desse tipo de máquina arcaica pelo modelo da central telefónica ou do quadro de controle e, mais tarde, pelo modelo do computador, levada a cabo pela cibernética e pela teoria da inteligência artificial. (Luria criticou o mecanicismo subjacente aos modelos do cérebro, recorrendo para o efeito às obras de Grey Walter - O Cérebro Vivo, 1953 - e de H. Magoun - O Cérebro Desperto, 1958 -, mas o mecanicismo é susceptível de sofrer novos enriquecimentos teóricos sem abdicar da sua ideia-chave: a ideia de cérebro como máquina auto-regulada sem a ajuda de um suposto maquinista.) Este desenvolvimento tecnológico operou, portanto, uma alteração de percepção da estrutura e do funcionamento do cérebro que acompanha de perto o movimento intelectual de deslocamento da imagem orgânica do mundo para a imagem mecanicista do mundo: a desactivação do conceito de alma resulta deste deslocamento paradigmático que faz desaparecer esta fonte de actividade oriunda das tecnologias musculares da Antiguidade, primeiro do mundo astronómico, depois do mundo da química, logo a seguir do mundo biológico e, por fim, do mundo psicológico. No âmbito do mundo psicológico, finalmente capturado pelas neurociências, podemos dizer que a psicologia perdeu primeiro a sua alma, depois a sua mente e mais tarde a sua consciência, restando-lhe o comportamento. Grandes figuras da filosofia ocidental, tais como Leibniz, Kant e os românticos, procuraram salvaguardar o mundo mental das investidas da filosofia associacionista preconizada pelos empiristas ingleses, mas em vão, porque, no final, o que prevaleceu foi a imagem mecanicista do cérebro como uma máquina. A tradição neurocientífica de Descartes, Hobbes, Locke, Hume, Hartley, Laycock, Sechenov e Pavlov operou com sucesso a redução do cérebro a um mecanismo reflexo que responde de maneira muito complexa às energias ambientais que incidem sobre ele: a própria mente humana nada mais é do que a sombra deste mecanismo reflexo complexo. Aquele que é considerado como o pai da neurologia moderna, John Hughlings-Jackson, partindo da relação da nossa experiência consciente com a malha-rede de neurónios alojada dentro do crânio, defendeu, em 1875, a teoria da identidade mente-cérebro que é distinta da teoria do paralelismo psiconeural de Sherrington. Sherrington estipulava a existência de duas "substâncias" - o corpo e a alma, que, conforme tentou esclarecer John Eccles, interagiam entre si, de modo a que a actividade neural fosse acompanhada pela actividade mental. Jackson tomou o partido de Lewes contra Tyndall, aceitando a sua perspectiva segundo a qual «os processos neurais e a sensação são um só e mesmo processo visto sob diferentes aspectos». Baseando-se no conceito de que toda a doença do cérebro constitui uma experiência natural, Jackson esboçou a teoria do duplo aspecto que continua a ser ainda hoje a hipótese de trabalho da maioria dos neurocientistas. Os receios filosóficos em relação à insuficiência da teoria empirista da mente - como "malha de sensações" completamente independentes e separadas umas das outras - para explicar o funcionamento da mente, deixaram de ter justificação quando, graças aos trabalhos de Hubel & Wiesel sobre o sistema da visão, se aprendeu que o cérebro não é uma tabula rasa: a informação que chega ao cérebro é filtrada e seleccionada em virtude da sua relevância para a situação do indivíduo-organismo. Em 1949, Donald O. Hebb publicou a sua obra The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory, onde recusa o conceito de que o comportamento era apenas uma série de respostas à estimulação ambiental: o conceito de "conjuntos de células" está no cerne da sua teoria da organização do neurocomportamento. A estimulação frequentemente repetida conduz - segundo Hebb - ao desenvolvimento de uma estrutura constituída por neurónios capazes de agir conjuntamente como um sistema fechado. Esta estrutura é difusa, porque os neurónios num conjunto de células não estão instalados num único lugar, mas antes espalhados pelo cérebro. Este conceito que inspira as neurociências cognitivas permite pensar os estados mentais como complexos estados globais do cérebro. O cérebro pode ser visto como um sistema tridimensional complexo, cujo estado varia de muitas maneiras de um momento para outro: o estado cerebral correspondente a um pensamento surge, nesta perspectiva, da interacção cooperativa de inumeráveis neurónios espalhados por todas as grandes regiões do cérebro. Como é evidente, nem todos os filósofos ou mesmo alguns neurocientistas concordam com o programa de neuro-redução, temendo os seus efeitos perigosos sobre a liberdade e a criatividade do homem. Mas convém esclarecer que as neurociências não possuem a solução definitiva do velho problema mente-cérebro: o programa de investigação das ciências do cérebro é claramente materialista e o seu sucesso deve-se precisamente ao seu carácter reducionista. Cabe, portanto, à neurofilosofia ajudá-las a contornar os efeitos-usos politicamente perigosos de uma tal estratégia de investigação, integrando-as no seio de uma teoria crítica da sociedade. A tarefa que atribuo à neurofilosofia não é fácil, mas é este o desafio que lhe lanço, na esperança de que a cooperação entre filósofos e neurocientistas possa ajudar a melhorar o mundo em que vivemos. (Este desafio é suficiente para demarcar a minha concepção da neurofilosofia da concepção de P. S. Churchland, exposta na sua obra Neurophilosophy: Toward a Unified Science of the Mind/Brain, 1986.)
Anexo: O animal humano dedica grande parte do seu tempo a trocar bisbilhotices sobre a vida alheia com os seus companheiros de proximidade. Nas Faculdades de Medicina, os "filósofos" do curso são os psiquiatras: chamar-lhes "filósofos" é diminuir a importância da sua área no seio da medicina, pelo menos foi o que me ensinou o meu professor de neuroanatomia para me afastar da pesquisa psiquiátrica e me reter no caminho da chamada "ciência dura". O mais engraçado era que o alvo dessa crítica, o meu outro professor de psiquiatria, me aconselhava a seguir o mesmo rumo, sem saber que a sua "sabedoria" era posta em causa pelo professor de neuroanatomia, de resto seu amigo. A única diferença que detectava entre eles era a atracção do professor de neuroanatomia pela Filosofia, e a tentativa desesperada do professor de psiquiatria em demarcar-se da Filosofia para exibir o seu status científico pessoal. Como era amigo dos dois - e ainda sou, claro!, sentia-me embaraçado quando nós os três dialogávamos no Departamento: o professor de neuroanatomia dava-me obras - nomeadamente as de Egas Moniz e outras de medicina tropical - que dizia ao outro não possuir, forçando-me a mentir ao meu professor de psiquiatria que desejava fotocopiar alguns desses belos exemplares únicos. Aprendi - neste jogo embaraçoso - o ABC da política de sigilo que orienta a pesquisa científica: não partilhar conhecimentos com os adversários e, sempre que possível, desviá-los do "bom caminho", mentindo-lhes. Porém, as tensões entre grupos internos, pertencentes à mesma Faculdade, são rapidamente superadas quando se trata de lutar contra o abelhudo externo: os grupos internos unem-se para defender uma causa comum. Ora, donde vinham os abelhudos externos? Da Faculdade de Letras da mesma Universidade: alguns palermas dos meus "amigos" filósofos - da treta, claro! - tentavam pela surdina gerar mal-estar entre mim e outros colegas da medicina. O que estes palermas não sabiam é que, no tecido do nosso grupo-fusão, a informação circulava de modo rápido: os idiotas da filosofia que sonhavam vir a ser neurocientistas, como se o treino resultasse do acto mecânico de soletrar títulos de obras e palavras técnicas, caíram na nossa emboscada, ficando mais burros do que já eram. Bem, não quero entrar em pormenores para não ser forçado a identificar pessoas, mas a verdade é que, quando alguém da medicina desejava fazer sexo, recorria a mim para lhe arranjar uma "vaca da filosofia". (Esta linguagem altamente técnica é usada pelas próprias visadas para se caracterizarem umas às outras! Hoje em dia, o vocabulário foi alargado para integrar as "lésbicas-camionistas" que entraram no ensino superior. Como dizia o meu orientador: os "presuntos" - mais os seus amigos gay "abicharados" - caíram de pára-quedas no Departamento. Nos nossos dias correntes, o assédio já não é somente heterossexual; é sobretudo homossexual.) O mais engraçado é que algumas dessas "vacas" se prestavam a esse serviço sexual, talvez pensando que durante a cópula pudesse haver uma transmissão mágica de conhecimentos-cunhas, mas nem isso conseguiram obter, excepto a fama de serem "mulheres fáceis". Relato este episódio triste para mostrar como as coisas funcionam em Portugal: as pessoas que entram no quadro docente das universidades são geralmente escolhidas, não pelos seus méritos e pelas suas competências científicas ou pedagógicas, mas por outros critérios, entre os quais a velha arte de "abrir as pernas". Mas, como mostra o caso relatado, há algumas excepções à regra da cunha, embora não sejam suficientes para imprimir um novo rumo a Portugal que há muito tempo se afundou na sua própria corrupção.
Afinal, o que estes/as idiotas da filosofia queriam saber? Queriam saber por onde eu estudava e o que estava a investigar: queriam títulos de obras de neurociências, muitos dos quais encontravam expostos nas prateleiras da livraria da Faculdade de Medicina. (As abelhudas - sobretudo a abelhuda-mor que tentou seduzir sexualmente um assistente de genética, aliás meu "bom amigo", nem sequer ficaram a saber o que eu investigava na altura: eu ainda não investigava o sistema nervoso, porque estava ligado ao Departamento de Biologia Celular e Molecular, onde investigava a célula e os espermatozóides, além da famosa bactéria E. coli que os jornalistas portugueses julgam ser uma terrível descoberta alemã recente. Uma vez - para salvaguardar a saúde do microscópio electrónico - quebrei o recipiente de uma cultura dessas bactérias e fiquei com elas ligadas à bata! Além disso, usava programas de genética das populações para me familiarizar com a linguagem(ens) da programação de computadores.) Em Portugal, o conhecimento é uma espécie de mercadoria-mentirosa, que os seus supostos portadores exibem circulando com livros nos braços ou recitando títulos, nomes ou frases pretensiosas. Nunca acreditaram que eu aprendi medicina estudando pelos manuais consagrados em cada disciplina. Muito antes de ler livros de divulgação ou artigos, estudei neuroanatomia a partir da Anatomia de Gray ou de Cunningham, com a ajuda do Atlas de Anatomia de Sobotta, e neurofisiologia a partir dos manuais de Fisiologia Médica de Guyton e de Gannong, com recurso aos manuais de Química Fisiológica de Harper, Rodwell & Mayers, para já não referir a Bioquímica de Lehninger. Porém, beneficiei da existência de um conflito entre o professor de neuroanatomia - mais francófono - e o professor de anatomia - mais anglo-saxónico. Por isso, consultei muitos outros manuais para estudar a morfologia e a fisiologia do sistema nervoso. A minha amizade com os dois enriqueceu-me: o primeiro abriu-me o mundo da pesquisa médica francesa, cuja terminologia me era absolutamente estranha, enquanto o segundo me desafiava com as experiências do cérebro dividido. Além disso, o professor de psiquiatria iniciava-me na teoria do cérebro triuno de Paul MacLean, do qual recebemos um livro autografado. Bem, falsas-amigas abelhudas e burras, para não dizerem que escondo informação crucial, deixo-vos hoje duas indicações bibliográficas que utilizei na altura para obter rapidamente uma visão de conjunto do sistema nervoso: Voies et Centres Nerveux (Introduction a la Neurologie) de A. Delmas e Grundriss der Neurophysiologie de R. F. Schmidt (org.). Sim, claro que li muitos outros livros - entre os quais duas obras magníficas de A. R. Luria - que não vou partilhar, mas hoje vocês lêem - ou fingem que leram! - os livros de António Damásio sem no entanto os compreender. Porquê? Porque tiraram uma licenciatura da treta e entraram na Faculdade pela porta traseira do sexo, reforçada pela cunha. Não adianta comprar livros e exibi-los quando não se tem preparação científica para os compreender. A vossa existência académica é uma mentira! Bem sei que a vossa situação é agravada por determinadas perturbações: uma - a "língua-esfregona"! - sofre de POC, a outra sempre sofreu de um desarranjo hormonal que explica o seu hirsutismo: a "mulher com pêlo na venta" - sim, é assim que te tratam os amigos! - internacionalizou a pesquisa, "abrindo as pernas aos estrangeiros" mais medíocres que encontra nas suas deslocações ao estrangeiro. Mais outra mentira para esconder a grande mentira: a mediocridade do ensino universitário português. É por isso que Portugal não arranca: as mentiras não geram progresso do conhecimento científico. E o pior é que nem sequer as vossas capacidades sexuais são apreciadas, quer a nível nacional, quer a nível da Europa-América. Nesta pequena aldeia global, já não há segredos!
J Francisco Saraiva de Sousa
9 comentários:
Vou tentar escrever este texto de modo claro e conciso - o uso de imagens facilitaria muito este trabalho mas aqui é impossível usar imagens.
Puxa, estou lixado com este post - um apelo ao meu poder de síntese. :)
O meu cérebro está a ficar reduzido a H2O, tal é a dificuldade de síntese selectiva deste estudo. :(
Sou forçado a distanciar-me para conseguir ser selectivo na escolha dos conceitos nucleares. Por vezes, sou forçado a fazer um ou outro desvio para recuperar um conceito co-lateral mas necessário para a minha argumentação. Vou relaxar... Tenho tempo para concluir com calma! :-)
Vou tentar concluir amanhã antes da chegada da noite! Hoje, perdi-me com o anexo! :)
Fonex: vou fazer uma pausa antes de retomar a escrita! :(((
Infelizmente, não posso desenvolver o pensamento de Abel Salazar porque não sei onde guardei a sua obra - só encontrei as obras de filosofia da arte. Recorri à memória! :(((
Bem, como já está demasiado grande, dou por concluído este post-artigo! :))
Fiz acrescentos no 1º e no último parágrafos do estudo. :)
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