Pavilhão Rosa Mota, Porto |
O debate Prós e Contras (24 de Outubro) reuniu um grupo de seis pessoas ao qual Fátima Campos Ferreira chamou a inteligência, entenda-se a inteligência lisboeta. A imagem de fundo que escolhi é, portanto, inadequada, mas carrega consigo alguma dose substancial de ironia: a provocação torna-se assim menos agressiva. Do painel de convidados o único que merece o meu respeito intelectual é Eduardo Paz Ferreira. Os restantes convidados - André Freire, Pedro Lomba, Luciano Amaral, Eduarda Gonçalves e Ferreira Machado - são figuras habituais das conversas televisivas: eles têm falado tanto ao longo destes últimos anos que já não são capazes de surpreender ninguém que ainda os ouça. Partilho, em termos gerais, a resposta dada por Eduardo Paz Ferreira à questão colocada por Fátima Campos Ferreira, aquela que dá o título ao próprio debate. O que achei deveras bizarro ou mesmo extravagante foram as respostas dadas por Luciano Amaral, Eduarda Gonçalves e Ferreira Machado. Assim, por exemplo, Luciano Amaral baralhou de tal modo o esquema em desenvolvimento que chegámos ao fim prestando vassalagem a Angela Merkel. Eduarda Gonçalves, depois de ter destacado as responsabilidades partilhadas, pintou um quadro de tal modo idílico que tornou ininteligível a actual situação de emergência nacional que vivemos com a corda ao pescoço. E Ferreira Machado justificou-a alegando a bondade da expansão do crédito, a qual permitiu aos portugueses melhorarem os seus rendimentos. O sistema financeiro é de tal modo complexo que não vale a pena tentar compreendê-lo: ninguém o compreende, excepto os seus próprios agentes, e, por isso, não vale a pena tentar regulá-lo. Ferreira Machado foi mais longe quando disse que não houve maldade no funcionamento do sistema financeiro ou mesmo na captura do Estado pelas corporações e pelo poder económico e financeiro: cada um procurou melhorar os seus rendimentos. Como surgiram a crise de 2008 e, mais recentemente, a crise das dívidas soberanas? Afinal, ninguém sabe responder: a bondade do sistema não pode ser responsabilizada por estas crises extraterrestres. Estaremos a ser colonizados por seres maldosos vindos de outras galáxias que controlam as bolsas do mundo? É provável que todos aqueles que formam as suas opiniões lendo jornais da praça lusa ou vendo filmes de ficção científica produzidos em Hollywood acreditem que estamos a ser invadidos por seres extraterrestres, os quais já agem sobre o destino da humanidade através da mediação de Angela Merkel. Um economista neoliberal como Ferreira Machado não deseja - como é evidente - assumir a responsabilidade pela crise financeira que está a mergulhar a humanidade na miséria e na pobreza, até porque a solução que propõe para superar a crise é a mesma receita neoliberal que a gerou. Apercebendo-se desta aporia do discurso neoliberal, Eduardo Paz Ferreira lamentou os anos de "economia dura" que deixaram o Direito de fora e, à responsabilidade penal proposta por Pedro Lomba, acrescentou a responsabilização dos economistas académicos: a sua noção dos gestores como uma classe com interesses próprios tornou-se em conceito crítico, que visa abolir o regime criado pelos economistas neoliberais em benefício próprio. A falência do modelo de regime que Pedro Lomba acusou de perpetuar as elites políticas, foi convertida em falência do neoliberalismo: o Estado de grupos em que o primeiro a chegar se serve (Pedro Lomba) tornou-se em Estado capturado pelos economistas neoliberais e pelo poder económico. Deste modo, Eduardo Paz Ferreira converteu os discursos de Pedro Lomba, Luciano Amaral e Ferreira Machado em alvo predilecto da sua crítica, proclamando o fim do mito da auto-regulação como caminho para a "felicidade". Ora, este tema da desregulação dos mercados financeiros foi objecto de uma troca de palavras agressivas entre Pedro Lomba e André Freire. Contra Pedro Lomba, que prefere responsabilizar criminalmente os políticos, em vez de constatar a responsabilidade das políticas neoliberais, André Freire definiu a desregulação como liberalização, de modo a condenar o capitalismo neocorporativista e a tal fluidez de crédito tão elogiada por Ferreira Machado. Porém, a ala esquerda deste debate não apresentou alternativas, embora Eduardo Paz Ferreira tenha constatado a falência da social-democracia. Aliás, o tema do fim da social-democracia - que, depois da Queda do Muro de Berlim, se rendeu ao capitalismo, deixando de pensar novas alternativas sociais - merecia um outro debate de maior qualidade, porque é muito difícil criticar o capitalismo sem ter uma alternativa social. A última vez que a social-democracia fracassou a Europa foi tomada pelo nazismo: as chamadas classes médias - o centrão de Paz Ferreira - são classes politicamente perigosas, sobretudo nesta conjuntura europeia em que a extrema-direita retoma os temas da pobreza abandonados pela social-democracia. A ala conservadora do debate demarcou-se da abolição dos dois subsídios - a medida radical do governo de Passos Coelho, o que só por si mostra como ela e o "centrão" que representa temem a perda de regalias sociais. As elites lisboetas não querem largar a sua imensa voracidade que mergulhou o país no endividamento fatal. Que mais posso acrescentar a este pobre debate que reflectiu o vazio de ideias e a ausência de orientação filosófica? Enfim, Portugal é um país de aldrabões! Ou, de uma forma mais engenhosa: Em Portugal, a ideologia é a aldrabice gerada ao calor da histeria! A aldrabice portuguesa gosta de refugiar-se na linguagem dos números, mesmo que não domine os temas básicos da filosofia da matemática e da crítica da racionalidade instrumental, de modo a apresentar o status quo que perpetua a situação escandalosa e pornográfica das elites lisboetas como uma fatalidade. Ora, esta inteligência saloia pode enganar os portugueses, mas não engana o mundo, e, por causa dela, todos estamos a expiar os seus pecados, o que quer dizer que neste país predominam a injustiça e a sua eterna aliada, a ignorância.
J Francisco Saraiva de Sousa
2 comentários:
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Bem, tenho o Norte da Europa atenta ao meu blog. Desde que brinquei com a Merkel os alemães vieram e fixaram-se aqui... e, com eles, o resto da Europa do Norte.
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