Palácio da Bolsa, Porto |
«Finalmente, A Águia fugiu-me das mãos para voar mais alto. E faminta, pousou em Lisboa, na Seara Nova onde encheu o papo. Também o Código me fugiu das mãos indignado contra um poema em que eu trabalhava, nessa época. Refugiei-me na minha aldeia, onde encontrei a mais perfeita irmandade nas árvores e nos penedos. Senti que todos os corpos são irmãos, porque exalam a mesma sombra. E assim o reino das sombras é o reino da verdade». (Teixeira de Pascoaes)
O meu Projecto dos Quadros Portuenses começa a ganhar forma: o período histórico que me interessa corresponde ao período liberal de Portugal. O Porto Liberal será portanto o quadro fundamental desse projecto. Porém, ao meditar sobre o Porto Liberal, fui confrontado com a escassez de estudos históricos, literários e artísticos de qualidade, isto é, com a miséria da chamada inteligência portuguesa. Bem sei que, neste país tumular, houve grandes intelectuais que souberam resistir à mediocridade das elites intelectuais estabelecidas, aquelas que são responsáveis pela miséria de Portugal. De um modo geral, a universidade portuguesa foi e é sempre-já um fracasso total. A Universidade Portuguesa é o lugar da miséria nacional, na medida em que, em vez de promover o cultivo da mente brilhante, incentiva a caça aos poucos portugueses que se destacam da turba medíocre pelo seu mérito e pela sua inteligência. Capturada pela extensa rede da cunha, dos laços familiares e do suborno sexual, a universidade portuguesa é de tal modo paradoxal que nela só permanecem os mais estúpidos dos portugueses: os grandes sacanas de Portugal estão instalados e fixados nas suas universidades, onde zelam pela reprodução contínua da mediocridade nacional, perseguindo e afastando todos os portugueses dignos de mérito. Como é que uma tal universidade colocada ao serviço da reprodução alargada da malvadez pode contribuir para o desenvolvimento cultural de Portugal? Raros são os universitários que produzem obras de excelência: a maioria destes malvados académicos dedica-se de corpo e alma a sepultar as obras dos portugueses de mérito que ousaram pensar o Portugal Novo. Em Portugal, só podemos pensar fora e longe da universidade, esta enorme tumba fatal que gera continuamente o esquecimento público dos grandes portugueses. Resgatá-los é pensar contra a universidade portuguesa e a corrupção que a domina profundamente. A minha conjectura é de que a triste situação da universidade portuguesa se agravou de forma acelerada depois do 25 de Abril de 1974: os avultados investimentos na educação não se traduziram infelizmente na verdadeira qualificação dos portugueses. Os analfabetos diplomados negam o futuro e serão os derradeiros coveiros de Portugal. Já não vale a pena derramar lágrimas de culpa: Portugal está desde a sua origem condenado a desaparecer do mapa mundial. Nunca é demais repetir que o centralismo cavaquista matou Portugal.
O meu Projecto dos Quadros Portuenses é, fundamentalmente, um projecto estético. Mas, para o poder desenvolver, preciso não só de estudos históricos mas também de estudos de história da arte e da literatura. Ora, ao procurar esses estudos de qualidade, não os encontro, o que me faz pensar na fatalidade de ter nascido português. Em Portugal, está tudo por fazer: quero avançar, mas, quando olho para trás, constato que nada foi feito, como se estivéssemos sempre no grau zero da cultura. Sabemos que temos um passado, mas não há uma memória ousada desse passado: o resultado é o bloqueio mental e cognitivo que nos leva a desistir de pensar o Portugal Novo. Porém, desta vez, vou fazer um esforço para não desistir de pensar o futuro do Porto. Teixeira de Pascoaes tinha uma aldeia para se refugiar, mas eu que nasci na grande cidade, não tenho esse refúgio rural e ainda bem, porque, sem refúgio no campo, sou obrigado a construir na cidade o meu próprio lugar, a minha concha protectora. Pensar o Porto é, como já sabiam os ilustres portuenses (Sampaio Bruno), pensar contra Lisboa que sufoca a iniciativa da Cidade Invicta com a sua terrível inteligência saloia. Os portugueses do Norte, sobretudo do Porto, precisam aprender que a sua pátria não engloba Lisboa. O meu desejo seria escrever Os Quadros Portuenses sem recorrer aos estudos dos historiadores lisboetas. Mas, como o meu passado também se cruza com Lisboa, vou anular esse desejo, privilegiando a excelência de todos aqueles que ajudam a pensar o Porto. Um bom adversário é, por vezes, o nosso maior amigo: alguns dos melhores adversários lisboetas serão os meus maiores aliados neste empreendimento de resgate histórico do Porto. A investigação que já levei a cabo surpreendeu-me com uma descoberta fantástica: Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto de Agostinho Rebelo da Costa (1788). Há uma extensa bibliografia portuense sobre a Cidade Invicta, cujo acesso implica a frequência de certos lugares públicos, tais como arquivos e bibliotecas. Foi no decurso desse contacto com as fontes portuenses que redescobri os grandes jornais e revistas portuenses que já tinha consultado quando ainda era estudante universitário. O Porto Liberal não pode esquecer a sua magnífica imprensa. Mas eis que sou raptado pelo paradoxo: o Porto Liberal coincide no tempo com o Porto Socialista, num país sempre-já caracterizado por um atraso histórico-estrutural. Oliveira Martins sabia que não pode haver socialismo sem classe operária forte. Bem sei que o socialismo de Oliveira Martins era cativo da doutrina de Proudhon. Porém, nesse tempo, a doutrina de Marx já era conhecida em Portugal, sendo usada para criticar o sistema económico de Proudhon: a revista portuense A Península (1852-53) é o testemunho vivo desse conhecimento. À revista portuense, onde colaborou Amorim Viana, podemos juntar o jornal lisboeta Eco dos Operários (1850-51), onde se destacou a crítica de Lopes de Mendonça, e o jornal portuense A Esmeralda (1850-51), onde teve papel de relevo o pensamento de Marcelino de Matos. Victor de Sá, o historiador portuense tão maltratado pelos historiadores lisboetas, forjou o conceito de geração de 1852 para mostrar que «a adopção que a geração de 70 fez de Proudhon foi extemporânea e ela própria retrógrada, pois que dezoito anos antes os seus conceitos eram já conhecidos e criticados com uma profundidade de análise que, neste domínio, a geração de Antero não atingiu»: Victor de Sá destacou dois nomes dessa geração, Amorim Viana e Oliveira Pinto, que conheciam já a estrutura do sistema marxista. (Sampaio Bruno também conhecia a concepção materialista da História!) A obra da geração de 1852 merece ser pensada, na medida em que revela o retrocesso da geração de 70 em relação às novas problemáticas teóricas que tinha introduzido dezoito anos antes em Portugal. De certo modo, o quadro do Porto Liberal que se manifesta com toda a sua pujança na Revolução de 1820, será a história dos vencidos da vida, para usar a expressão divulgada pelos homens da geração de 70. Mas há uma lição que os vencidos da vida nos legaram, a nós que também estamos condenados a ser vencidos da vida: a urgência de desenvolver - económica e culturalmente - Portugal. Os meus quadros portuenses também serão quadros portugueses... Mais não posso dizer, a não ser que recordar que o pecado letal de Portugal mora em Lisboa.
J Francisco Saraiva de Sousa
O meu Projecto dos Quadros Portuenses começa a ganhar forma: o período histórico que me interessa corresponde ao período liberal de Portugal. O Porto Liberal será portanto o quadro fundamental desse projecto. Porém, ao meditar sobre o Porto Liberal, fui confrontado com a escassez de estudos históricos, literários e artísticos de qualidade, isto é, com a miséria da chamada inteligência portuguesa. Bem sei que, neste país tumular, houve grandes intelectuais que souberam resistir à mediocridade das elites intelectuais estabelecidas, aquelas que são responsáveis pela miséria de Portugal. De um modo geral, a universidade portuguesa foi e é sempre-já um fracasso total. A Universidade Portuguesa é o lugar da miséria nacional, na medida em que, em vez de promover o cultivo da mente brilhante, incentiva a caça aos poucos portugueses que se destacam da turba medíocre pelo seu mérito e pela sua inteligência. Capturada pela extensa rede da cunha, dos laços familiares e do suborno sexual, a universidade portuguesa é de tal modo paradoxal que nela só permanecem os mais estúpidos dos portugueses: os grandes sacanas de Portugal estão instalados e fixados nas suas universidades, onde zelam pela reprodução contínua da mediocridade nacional, perseguindo e afastando todos os portugueses dignos de mérito. Como é que uma tal universidade colocada ao serviço da reprodução alargada da malvadez pode contribuir para o desenvolvimento cultural de Portugal? Raros são os universitários que produzem obras de excelência: a maioria destes malvados académicos dedica-se de corpo e alma a sepultar as obras dos portugueses de mérito que ousaram pensar o Portugal Novo. Em Portugal, só podemos pensar fora e longe da universidade, esta enorme tumba fatal que gera continuamente o esquecimento público dos grandes portugueses. Resgatá-los é pensar contra a universidade portuguesa e a corrupção que a domina profundamente. A minha conjectura é de que a triste situação da universidade portuguesa se agravou de forma acelerada depois do 25 de Abril de 1974: os avultados investimentos na educação não se traduziram infelizmente na verdadeira qualificação dos portugueses. Os analfabetos diplomados negam o futuro e serão os derradeiros coveiros de Portugal. Já não vale a pena derramar lágrimas de culpa: Portugal está desde a sua origem condenado a desaparecer do mapa mundial. Nunca é demais repetir que o centralismo cavaquista matou Portugal.
O meu Projecto dos Quadros Portuenses é, fundamentalmente, um projecto estético. Mas, para o poder desenvolver, preciso não só de estudos históricos mas também de estudos de história da arte e da literatura. Ora, ao procurar esses estudos de qualidade, não os encontro, o que me faz pensar na fatalidade de ter nascido português. Em Portugal, está tudo por fazer: quero avançar, mas, quando olho para trás, constato que nada foi feito, como se estivéssemos sempre no grau zero da cultura. Sabemos que temos um passado, mas não há uma memória ousada desse passado: o resultado é o bloqueio mental e cognitivo que nos leva a desistir de pensar o Portugal Novo. Porém, desta vez, vou fazer um esforço para não desistir de pensar o futuro do Porto. Teixeira de Pascoaes tinha uma aldeia para se refugiar, mas eu que nasci na grande cidade, não tenho esse refúgio rural e ainda bem, porque, sem refúgio no campo, sou obrigado a construir na cidade o meu próprio lugar, a minha concha protectora. Pensar o Porto é, como já sabiam os ilustres portuenses (Sampaio Bruno), pensar contra Lisboa que sufoca a iniciativa da Cidade Invicta com a sua terrível inteligência saloia. Os portugueses do Norte, sobretudo do Porto, precisam aprender que a sua pátria não engloba Lisboa. O meu desejo seria escrever Os Quadros Portuenses sem recorrer aos estudos dos historiadores lisboetas. Mas, como o meu passado também se cruza com Lisboa, vou anular esse desejo, privilegiando a excelência de todos aqueles que ajudam a pensar o Porto. Um bom adversário é, por vezes, o nosso maior amigo: alguns dos melhores adversários lisboetas serão os meus maiores aliados neste empreendimento de resgate histórico do Porto. A investigação que já levei a cabo surpreendeu-me com uma descoberta fantástica: Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto de Agostinho Rebelo da Costa (1788). Há uma extensa bibliografia portuense sobre a Cidade Invicta, cujo acesso implica a frequência de certos lugares públicos, tais como arquivos e bibliotecas. Foi no decurso desse contacto com as fontes portuenses que redescobri os grandes jornais e revistas portuenses que já tinha consultado quando ainda era estudante universitário. O Porto Liberal não pode esquecer a sua magnífica imprensa. Mas eis que sou raptado pelo paradoxo: o Porto Liberal coincide no tempo com o Porto Socialista, num país sempre-já caracterizado por um atraso histórico-estrutural. Oliveira Martins sabia que não pode haver socialismo sem classe operária forte. Bem sei que o socialismo de Oliveira Martins era cativo da doutrina de Proudhon. Porém, nesse tempo, a doutrina de Marx já era conhecida em Portugal, sendo usada para criticar o sistema económico de Proudhon: a revista portuense A Península (1852-53) é o testemunho vivo desse conhecimento. À revista portuense, onde colaborou Amorim Viana, podemos juntar o jornal lisboeta Eco dos Operários (1850-51), onde se destacou a crítica de Lopes de Mendonça, e o jornal portuense A Esmeralda (1850-51), onde teve papel de relevo o pensamento de Marcelino de Matos. Victor de Sá, o historiador portuense tão maltratado pelos historiadores lisboetas, forjou o conceito de geração de 1852 para mostrar que «a adopção que a geração de 70 fez de Proudhon foi extemporânea e ela própria retrógrada, pois que dezoito anos antes os seus conceitos eram já conhecidos e criticados com uma profundidade de análise que, neste domínio, a geração de Antero não atingiu»: Victor de Sá destacou dois nomes dessa geração, Amorim Viana e Oliveira Pinto, que conheciam já a estrutura do sistema marxista. (Sampaio Bruno também conhecia a concepção materialista da História!) A obra da geração de 1852 merece ser pensada, na medida em que revela o retrocesso da geração de 70 em relação às novas problemáticas teóricas que tinha introduzido dezoito anos antes em Portugal. De certo modo, o quadro do Porto Liberal que se manifesta com toda a sua pujança na Revolução de 1820, será a história dos vencidos da vida, para usar a expressão divulgada pelos homens da geração de 70. Mas há uma lição que os vencidos da vida nos legaram, a nós que também estamos condenados a ser vencidos da vida: a urgência de desenvolver - económica e culturalmente - Portugal. Os meus quadros portuenses também serão quadros portugueses... Mais não posso dizer, a não ser que recordar que o pecado letal de Portugal mora em Lisboa.
J Francisco Saraiva de Sousa
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