Júlio Dinis (Porto: 1839-1871) |
«O conselheiro partiu no dia seguinte para Lisboa, para tomar parte na pilotagem da nau do Estado. Estive tentado a dizer, para satisfação de ânimo dos meus leitores, que, sob a direcção dos talentos e aptidões do novo estadista, se locupletou a fazenda pública, prosperou a agricultura e a indústria, refulgiram as artes e as letras; e que Portugal, como a Grécia de Péricles, causou o assombro das nações do mundo.
«Mas receei que, fantasiando no nosso país um governo fecundo e próspero, a inverosimilhança do facto prejudicasse no espírito dos leitores a dos outros episódios narrados, e lhes entrasse com isto a desconfiança no cronista. Resolvi pois ser franco, declarando que, sob a direcção do conselheiro e dos seus colegas, Portugal regeu-se como se tem regido sob as dúzias de ministérios, que nós todos havemos já conhecido.» (Júlio Dinis)
«Mas receei que, fantasiando no nosso país um governo fecundo e próspero, a inverosimilhança do facto prejudicasse no espírito dos leitores a dos outros episódios narrados, e lhes entrasse com isto a desconfiança no cronista. Resolvi pois ser franco, declarando que, sob a direcção do conselheiro e dos seus colegas, Portugal regeu-se como se tem regido sob as dúzias de ministérios, que nós todos havemos já conhecido.» (Júlio Dinis)
Este comentário desiludido de Júlio Dinis sobre o conselheiro que vai para o ministério encontra-se na conclusão da sua obra A Morgadinha dos Canaviais (1868). Vitorino Magalhães Godinho foi o único historiador português que utilizou a obra literária de Júlio Dinis para compreender as três impossibilidades do século XIX português, a saber: a industrialização falhada, a irrealizada sociedade burguesa e a cultura sem eficácia social. Mas neste comentário desiludido Júlio Dinis aponta para uma causa permanente do atraso estrutural de Portugal: as classes dirigentes que bloqueiam a transformação para não perder o seu próprio domínio. Portugal tem sido governado ao longo dos tempos por bandidos sociais que, desde há muito tempo, vivem apoiados no contexto externo do capitalismo industrial e financeiro, sem estarem interessados em modernizar de lés a lés a economia, a sociedade e a cultura nacionais. Mas o que mais choca os intelectuais portugueses, sobretudo os do Porto, é a imbecilidade da plebe portuguesa que nunca tomou a iniciativa espontânea de se constituir como povo. Nascer num país imbecilizado é, para qualquer intelectual digno deste nome, uma fatalidade que, no caso português, é agravada pela concentração de bandidos sociais em Lisboa: os "conselheiros" reúnem-se todos em Lisboa para partilhar - entre si - o orçamento do Estado. E os seus ideólogos oficiais tratam de falsificar a História de Portugal, silenciando todas as vozes que denunciaram a corrupção nacional. Júlio Dinis foi mais um vencido da vida, cujo nome desaparece da História da Literatura Portuguesa por causa de ser portuense: a única cidade portuguesa que sonhou com a realização de uma civilização burguesa. Os malditos sulistas moçárabes e oportunistas do Norte que vivem das migalhas do orçamento do Estado especializaram-se na "arte de perseguir o mérito". A obra literária de Júlio Dinis é, toda ela, revolucionária, no sentido de se posicionar ao lado das forças sociais que desejavam modernizar Portugal. A sua preferência pela paisagem rural não deve eclipsar o ímpeto revolucionário dos seus romances: o Porto Burguês e as suas figuras típicas são magnificamente descritos na sua obra Uma Família Inglesa (1868). Tudo aquilo que os sulistas saloios escreveram sobre Júlio Dinis deve ser queimado. A ideologia sulista é o maior inimigo de Portugal - o seu inimigo interno nº. 1.
J Francisco Saraiva de Sousa
J Francisco Saraiva de Sousa
3 comentários:
É verdade: "a nau do Estado caminha sobre um vulcão". Adoro a frase, mas esqueci onde li... Não importa, é uma frase de uma lucidez tremenda! O amigo vive em uma cidade linda e limpa. Por aqui as cidades são muito sujas... E vocês tem por aí excelentes vinhos. Não há de ser tão ruim assim. São nuvens passageiras, como dizia minha avó, até nos enterros! Bom fim de semana.
Olá
Ando em luta contra o sistema e as palermices deste governo de Direita!
Thanks! Bom-fim-de-semana!
Sim, também conheço essa frase: não será grega? Júlio Dinis tem esta versão platónica da pilotagem da nau do Estado, daí pensar ser grega a imagem.
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