Armando Castro (Porto, 1918-99) |
«Ao cabo de vários meses de um lento apagamento irreversível, Armando Castro, quase imobilizado, morreu no dia 18 (16) de Junho, a poucos dias de completar os 79 anos de idade.
«Formado em Direito com excelentes classificações, teve de acumular o seu trabalho de investigação com o exercício de uma profissão de advogado, e ainda em 1973 denunciava a proibição de um seu curso particular superior, de teorização da história económica; mas basta prestar atenção ao seu largo currículo de estudos publicados, para se descobrir a sua estreita dependência dos seminários e encontros, a que se ficou devendo os meios e os arquivos ingleses, franceses, hispânicos, e até colecções regionais de documentos que lhe permitiram completar, continuar ou corrigir as obras clássicas, e que em particular desmentem a sua directa e incrítica sequência directa de sínteses, que tanto seriam (pretensamente, segundo ouvi) os textos de Herculano, Gama Barros, Oliveira Martins, Lúcio de Azevedo ou Jaime Cortesão, etc, que ele aproveita e critica de modo tão livre e independente. O leitor facilmente encontra referências à Torre do Tombo, a arquivos estrangeiros ou regionais, que a incapacidade de alguns críticos dificilmente sentiam ao alcance de um advogado sem privilégios académicos – é que, a cada passo, tinha de adiar o trabalho profissional de advogado e preparar seminários ou conferências, tinha que escrever artigos de pretexto comemorativo, para se manter em dia e poder e travar conhecimento com especialistas, e de utilizar um bom ensejo local de investigação por sua conta. Foram pelo menos dois decénios de um esforço de que é natural poucos se sentirem capazes e que só uma disciplina férrea lhe permitiu manter, dos anos trinta aos anos setenta, quando o 25 de Abril lhe bateu à porta na figura já gasta mas intrépida do Professor Ruy Luís Gomes, que lhe abriu as portas de uma Faculdade.
«Dispôs só de 13 anos para, num ambiente novo e incerto, patentear aos alunos a sua reflexão, os seus dossiers e as suas fichas – que lá ficaram, na Faculdade, como trabalho para continuar e ultrapassar: a vida renova-se cada dia, e a ciência, quando represa, renova-se mais ainda.
«Apenas uma indicação bibliográfica sumária, que aponta no sentido do avanço patente das suas próprias reacções: Revolução Industrial em Portugal no Século XIX, 3.ª edição, 1976 (1.ª, 1945); A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV, 1964-1970, nove volumes, seguido do 10.º Limiar, 1965, e do 11.º, Caminho, 1980, obra várias vezes reeditada com variantes e lançada e mantida por teimosia quase heróica de Augusto Costa Dias; História Económica de Portugal, I e II, Caminho, 1978-1981; Estudos de História Sócio-Económica Portuguesa, 1972 (constituída em grande parte de fichas extratadas do Dicionário da História de Portugal). A partir de 1975 publica uma série sobre a Teoria do Conhecimento Científico. A revista Vértice, entre outras, contém artigos comemorativos sobre Gil Vicente, Camões, Fernão Mendes Pinto, etc, e devem-se-lhe dois estudos que focam as condições ideológicas da História da Literatura Portuguesa, entre 1890-1910 e 1925-1985, numa história então publicada em fascículos. E publicou três breves e luminosos ensaios sobre a génese de Portugal e sobre a Revolução de 1385, baseados num curso que organizou para a Universidade Popular do Porto. Além destes dados, que fazem sentir a necessidade de uma Bibliografia que dê conta das numerosas reedições refundidas, ou simplesmente revistas e actualizadas da sua obra, e de artigos dispersos em numerosas revistas, o que tudo caberia bem num In Memoriam, ou acto público de homenagem – Armando Castro deixa, na lembrança de quantos o conheceram, a imagem de um incomparável amigo, sempre atento, sempre disponível, e tão incapaz da mera verrina de endereço pessoalista, como discretamente irónico, e desprendido do valor das suas próprias intervenções.» (Óscar Lopes, In Memoriam, 1999)
Carlos Bastien dedicou um artigo ao estudo da Obra Económica de Armando Castro, que, apesar do seu carácter lacunar e escolar, tem o mérito de chamar a atenção para a crítica da economia neoclássica levada a cabo por este economista marxista português, em nome da renovação da teoria do valor-trabalho. A crítica da economia neoclássica elaborada por Armando Castro não é original: encontramo-la - plenamente realizada - na obra de Maurice Dobb e Leo Huberman, para só referir estes dois economistas marxistas. Sendo marxista, Armando Castro não concebe a Economia separada da História ou mesmo da Filosofia: «O método de Marx, diz Lukács, "é, na sua essência mais íntima, histórico". Isto é, sem dúvida, certo, e qualquer exame do problema (económico) que deixe de acentuar tal aspecto (histórico) não pode ser considerado satisfatório» (Paul Sweezy). A originalidade de Armando Castro reside no facto de ter lido a história económica de Portugal à luz do marxismo: toda a sua obra gira em torno da construção marxista da história económica de Portugal. Armando Castro permanece fiel ao pensamento ortodoxo quando distingue entre a "ciência da História" fundada por Marx (materialismo histórico) e a Filosofia que dela deriva (materialismo dialéctico), de resto definida como teoria científica do conhecimento: as preocupações epistemológicas de Armando Castro derivam da necessidade de construir um novo objecto - a história económica de Portugal, clarificando, ao mesmo tempo, os princípios epistemológicos subjacentes a tal construção teórica. A teoria do conhecimento de Armando Castro não é algo exterior à sua própria actividade científica: Armando Castro faz a filosofia da sua própria obra científica, não uma filosofia espontânea de cientista económico-social, mas uma filosofia elaborada na sua série Teoria do Conhecimento Científico. Esta articulação entre história e teoria económicas e epistemologia encontra-se desde logo na sua grande obra que é A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV (1964-80), cujo "módulo conceitual, historicizante e teórico", clarifica o sistema sócio-económico medieval português, ao mesmo tempo que contribui para a elaboração de uma teoria geral do feudalismo, em articulação com a teoria do conhecimento que, nesta obra, reveste a forma da Economia Política da Sociedade Medieval Portuguesa. Infelizmente, o contributo de Armando Castro para a teoria geral do modo de produção feudal foi "ignorado" pelo pensamento marxista europeu, mas este facto não lhe pode ser atribuído: o seu contributo é digno de mérito e cabe aos estudiosos portugueses - Será que existe esta espécie de mamíferos pensantes em Portugal? - da sua obra divulgá-lo e torná-lo mundialmente conhecido, de modo a dar-lhe a prioridade que merece nas descobertas realizadas neste campo da pesquisa sócio-económica dos modos de produção pré-capitalistas (Barry Hindess & Paul Q. Hirst, 1975). Como é evidente, não concordo com muitos aspectos da teoria do conhecimento de Armando Castro - ou mesmo da sua teoria da transição do feudalismo para o capitalismo -, onde vejo em acção um desvio positivista, mas ela tem ainda uma palavra a dizer neste contexto de crise financeira, económica, social e política da Europa. (Quem não tenha coragem para ler os onze volumes que constituem A Evolução Económica, pode ler Portugal na Europa do seu Tempo: História sócio-económica medieval comparada.)
Anexo. Além da obra de Armando Castro, sobretudo d'A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV, recomendo as seguintes obras sobre a Idade Média Portuguesa:
1. A. de S. Silva Costa Lobo (1904), História da Sociedade Portuguesa no Século XV.
2. Henrique da Gama Barros (1835-1922), História da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV, 4 tomos. (Há reedição em 11 vols., 1948-54.)
3. A. H. Oliveira Marques (1987), Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV.
4. José Mattoso (1981, 1997), A Nobreza Medieval Portuguesa: a família e o poder.
5. José Mattoso (1982, 1997), Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa.
6. José Mattoso (1985, 1992), Portugal Medieval: novas interpretações.
7. Álvaro Cunhal (1975), As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média.
8. António José Saraiva (1990), O Crepúsculo da Idade Média em Portugal.
9. António Borges Coelho (1977), A Revolução de 1383.
10. Joel Serrão (1946), O Carácter Social da Revolução de 1383.
J Francisco Saraiva de Sousa
Carlos Bastien dedicou um artigo ao estudo da Obra Económica de Armando Castro, que, apesar do seu carácter lacunar e escolar, tem o mérito de chamar a atenção para a crítica da economia neoclássica levada a cabo por este economista marxista português, em nome da renovação da teoria do valor-trabalho. A crítica da economia neoclássica elaborada por Armando Castro não é original: encontramo-la - plenamente realizada - na obra de Maurice Dobb e Leo Huberman, para só referir estes dois economistas marxistas. Sendo marxista, Armando Castro não concebe a Economia separada da História ou mesmo da Filosofia: «O método de Marx, diz Lukács, "é, na sua essência mais íntima, histórico". Isto é, sem dúvida, certo, e qualquer exame do problema (económico) que deixe de acentuar tal aspecto (histórico) não pode ser considerado satisfatório» (Paul Sweezy). A originalidade de Armando Castro reside no facto de ter lido a história económica de Portugal à luz do marxismo: toda a sua obra gira em torno da construção marxista da história económica de Portugal. Armando Castro permanece fiel ao pensamento ortodoxo quando distingue entre a "ciência da História" fundada por Marx (materialismo histórico) e a Filosofia que dela deriva (materialismo dialéctico), de resto definida como teoria científica do conhecimento: as preocupações epistemológicas de Armando Castro derivam da necessidade de construir um novo objecto - a história económica de Portugal, clarificando, ao mesmo tempo, os princípios epistemológicos subjacentes a tal construção teórica. A teoria do conhecimento de Armando Castro não é algo exterior à sua própria actividade científica: Armando Castro faz a filosofia da sua própria obra científica, não uma filosofia espontânea de cientista económico-social, mas uma filosofia elaborada na sua série Teoria do Conhecimento Científico. Esta articulação entre história e teoria económicas e epistemologia encontra-se desde logo na sua grande obra que é A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV (1964-80), cujo "módulo conceitual, historicizante e teórico", clarifica o sistema sócio-económico medieval português, ao mesmo tempo que contribui para a elaboração de uma teoria geral do feudalismo, em articulação com a teoria do conhecimento que, nesta obra, reveste a forma da Economia Política da Sociedade Medieval Portuguesa. Infelizmente, o contributo de Armando Castro para a teoria geral do modo de produção feudal foi "ignorado" pelo pensamento marxista europeu, mas este facto não lhe pode ser atribuído: o seu contributo é digno de mérito e cabe aos estudiosos portugueses - Será que existe esta espécie de mamíferos pensantes em Portugal? - da sua obra divulgá-lo e torná-lo mundialmente conhecido, de modo a dar-lhe a prioridade que merece nas descobertas realizadas neste campo da pesquisa sócio-económica dos modos de produção pré-capitalistas (Barry Hindess & Paul Q. Hirst, 1975). Como é evidente, não concordo com muitos aspectos da teoria do conhecimento de Armando Castro - ou mesmo da sua teoria da transição do feudalismo para o capitalismo -, onde vejo em acção um desvio positivista, mas ela tem ainda uma palavra a dizer neste contexto de crise financeira, económica, social e política da Europa. (Quem não tenha coragem para ler os onze volumes que constituem A Evolução Económica, pode ler Portugal na Europa do seu Tempo: História sócio-económica medieval comparada.)
Anexo. Além da obra de Armando Castro, sobretudo d'A Evolução Económica em Portugal nos Séculos XII a XV, recomendo as seguintes obras sobre a Idade Média Portuguesa:
1. A. de S. Silva Costa Lobo (1904), História da Sociedade Portuguesa no Século XV.
2. Henrique da Gama Barros (1835-1922), História da Administração Pública em Portugal nos Séculos XII a XV, 4 tomos. (Há reedição em 11 vols., 1948-54.)
3. A. H. Oliveira Marques (1987), Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV.
4. José Mattoso (1981, 1997), A Nobreza Medieval Portuguesa: a família e o poder.
5. José Mattoso (1982, 1997), Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa.
6. José Mattoso (1985, 1992), Portugal Medieval: novas interpretações.
7. Álvaro Cunhal (1975), As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média.
8. António José Saraiva (1990), O Crepúsculo da Idade Média em Portugal.
9. António Borges Coelho (1977), A Revolução de 1383.
10. Joel Serrão (1946), O Carácter Social da Revolução de 1383.
J Francisco Saraiva de Sousa
5 comentários:
Ontem a greve geral foi alvo da violência policial: Portugal caminha para a DITADURA. :(((
Igor Sousa
«O marxismo-leninismo estabelece e demonstra que um governo só cede posições em benefício das classes oprimidas quando o Estado se revela impotente para esmagar as reivindicações destas». (Álvaro Cunhal
Ontem, o Estado usou a força policial para reprimir as manifestações dos grevistas e dos indignados, mas ele está a ficar sem poder: tem força mas não tem poder. Este anda nas ruas...
European Revolution Now!
A nova palavra de ordem na Europa!
Uma hipótese para salvaguardar a saúde mental: o uso da Internet favorece a depressão e, quando as pessoas utilizam o Facebook para arranjar namorado, além da depressão, ficam desesperadas. Quem queira namorar deve sair de casa e tentar encontrar a pessoa certa na vida real.
Aliás, não aconselho o cibernamoro, porque gera expectativas que depois quebram vertiginosamente num encontro real. As pessoas daqui são as mesmas pessoas da vida real. As relações são relações de plástico.
Ya, isso é coisa de floristas!
Enviar um comentário