Igreja de São Francisco, Porto |
«Os primeiros que ousaram empreender viagens longínquas pelos mares foram os portugueses. O valente navegador Bartolomeu Dias, viajando para o Sul, ao longo das costas da África, chegou a um cabo, na África meridional, a que chamou Cabo da Boa Esperança (1486). /Outro navegador, Vasco da Gama, contornando a África, atravessou o oceano Índico e chegou às costas da Índia (1498). A partir de então, os portugueses começaram o saque da Índia, trazendo dali as apreciadas mercadorias orientais: pepitas de ouro, marfim, pedras preciosas e tecidos de seda. Os portugueses desalojaram os mercadores árabes da Índia e fundaram as suas colónias.» (E. A. Kosminsky)
Hoje sabemos que o chamado Mundo Livre é uma tremenda mentira forjada pelos ideólogos do capitalismo para levar a cabo a sua globalização. A crítica do marxismo soviético realizada por Herbert Marcuse deve ser alargada à crítica imanente do chamado mundo livre, o qual foi sempre uma ficção que, com a Queda do Muro de Berlim, se converteu num pesadelo. Ao criticar a ideologia neoliberal, somos forçados a reavaliar a crítica que Marcuse fez do marxismo soviético. Nas suas tendências fundamentais, a crítica de Marcuse é justa: a conversão da dialéctica numa concepção do mundo é um empreendimento que deve ser condenado. Porém, não podemos inviabilizar todo o pensamento soviético, como se ele fosse uma ideologia promulgada pelo Kremlin para racionalizar e justificar a sua política. A URSS não foi aquilo que a propaganda "ocidental" diz ter sido, e, para dizer a verdade em poucas palavras, os políticos "ocidentais" - tanto os de ontem como os de hoje - não merecem a credibilidade que atribuímos a Lenine. Até mesmo Estaline está situado num plano mental e cognitivo superior ao dos actuais políticos europeus, como demonstrou Wrigth Mills. Apesar dos seus excessos e erros, o marxismo soviético nunca promoveu uma política anti-cultural. Marcuse reconheceu-o claramente e, por isso, a sua crítica imanente do marxismo soviético não assumiu a forma de uma condenação. Há duas áreas do pensamento soviético que Marcuse menosprezou: um vasto sector do pensamento jurídico, recuperado por Umberto Cerroni, e a historiografia. O pensamento de Lenine já foi analisado em diversas vertentes, mas ainda não se descobriu o Lenine Historiador, cuja obra aponta para além da "ciência da História", propondo a figura do marxismo como análise teórica e política da situação presente. Tanto quanto sei, nem sequer os historiadores soviéticos pensaram Lenine como historiador: a sua referência básica foi sempre Karl Marx, cuja "autoridade matricial" nunca foi questionada pelo Kremlin. A historiografia soviética produziu uma História Mundial da Civilização que merece ser lida e usada como manual universitário. Os cinco volumes que a compõem são os seguintes, podendo ser lidos em tradução portuguesa:
1. História da Antiguidade de A. V. Michulin. Depois de recapitular a vida dos homens primitivos, Michulin mostra-nos como surgiram os Estados Esclavagistas, relatando a história do Oriente antigo, da Grécia e de Roma.
2. História da Idade Média de E. A. Kosminsky. Analisa o período histórico que começa com a queda do Império Romano do Ocidente, em fins do século V, e termina com os primórdios dos tempos modernos, iniciados com a Revolução Industrial em Inglaterra.
3. História Moderna de N. Efimov. Começa com a análise do período que antecede a Revolução Francesa (1789) e termina nos dias que precedem a Comuna de Paris (1871).
4. História Contemporânea de V. Jvostov & L. I. Zubok. Começa com o episódio revolucionário da Comuna de Paris e termina com a Revolução de 1917.
5. História dos Tempos Actuais de V. G. Revunenkov. Analisa a evolução dos acontecimentos ocorridos na primeira metade do século XX. Convém lembrar que a historiografia soviética considerava apenas, no âmbito da História Contemporânea, o período posterior à Revolução de Outubro de 1917 ou quanto muito à Comuna de Paris (1871): contemporâneo era o sistema socialista, para o qual o sistema capitalista passou a ser uma época remota. Há aqui um critério ideológico que não deve eclipsar as contribuições do marxismo aos estudos históricos, de resto destacadas por Jean Bruhat no ensaio anexado a este último volume da História Mundial da Civilização.
Além desta obra colectiva, destaco mais três grandes obras, duas das quais da autoria de M. Rostovtzeff que emigrou para os Estados Unidos após a Revolução de 1917, sem no entanto ter abandonado os ensinamentos de Marx:
6. E. A. Kosminsky (1956), Studies in the Agrarian History of England in the Thirteenth Century. Obra fundamental para compreender a concepção marxista do feudalismo e, em especial, a noção de renda feudal.
7. M. Rostovtzeff (1973), História da Grécia. Rostovtzeff dispensa apresentações: foi o primeiro historiador a analisar as economias antigas em termos de capitalismo e de revoluções. As suas duas grandes obras - Social and Economic History of the Roman Empire (2 vols., 1926) e Social and Economic History of the Hellenistic World (3 vols., 1941) - dirigem a atenção dos historiadores dos acontecimentos políticos ou militares para os grandes problemas económicos e sociais do mundo antigo.
8. M. Rostovtzeff (1973), História de Roma. Os historiadores franceses gostam de monopolizar a História, como se esta fosse uma invenção exclusivamente francesa. A esta ideologia historiográfica francesa devemos opor o papel pioneiro da historiografia alemã e russa. Quem queira conhecer o mundo antigo deve começar por ler as obras pioneiras de M. I. Rostovtzeff, E. Meyer e T. Mommsen.
J Francisco Saraiva de Sousa
Hoje sabemos que o chamado Mundo Livre é uma tremenda mentira forjada pelos ideólogos do capitalismo para levar a cabo a sua globalização. A crítica do marxismo soviético realizada por Herbert Marcuse deve ser alargada à crítica imanente do chamado mundo livre, o qual foi sempre uma ficção que, com a Queda do Muro de Berlim, se converteu num pesadelo. Ao criticar a ideologia neoliberal, somos forçados a reavaliar a crítica que Marcuse fez do marxismo soviético. Nas suas tendências fundamentais, a crítica de Marcuse é justa: a conversão da dialéctica numa concepção do mundo é um empreendimento que deve ser condenado. Porém, não podemos inviabilizar todo o pensamento soviético, como se ele fosse uma ideologia promulgada pelo Kremlin para racionalizar e justificar a sua política. A URSS não foi aquilo que a propaganda "ocidental" diz ter sido, e, para dizer a verdade em poucas palavras, os políticos "ocidentais" - tanto os de ontem como os de hoje - não merecem a credibilidade que atribuímos a Lenine. Até mesmo Estaline está situado num plano mental e cognitivo superior ao dos actuais políticos europeus, como demonstrou Wrigth Mills. Apesar dos seus excessos e erros, o marxismo soviético nunca promoveu uma política anti-cultural. Marcuse reconheceu-o claramente e, por isso, a sua crítica imanente do marxismo soviético não assumiu a forma de uma condenação. Há duas áreas do pensamento soviético que Marcuse menosprezou: um vasto sector do pensamento jurídico, recuperado por Umberto Cerroni, e a historiografia. O pensamento de Lenine já foi analisado em diversas vertentes, mas ainda não se descobriu o Lenine Historiador, cuja obra aponta para além da "ciência da História", propondo a figura do marxismo como análise teórica e política da situação presente. Tanto quanto sei, nem sequer os historiadores soviéticos pensaram Lenine como historiador: a sua referência básica foi sempre Karl Marx, cuja "autoridade matricial" nunca foi questionada pelo Kremlin. A historiografia soviética produziu uma História Mundial da Civilização que merece ser lida e usada como manual universitário. Os cinco volumes que a compõem são os seguintes, podendo ser lidos em tradução portuguesa:
1. História da Antiguidade de A. V. Michulin. Depois de recapitular a vida dos homens primitivos, Michulin mostra-nos como surgiram os Estados Esclavagistas, relatando a história do Oriente antigo, da Grécia e de Roma.
2. História da Idade Média de E. A. Kosminsky. Analisa o período histórico que começa com a queda do Império Romano do Ocidente, em fins do século V, e termina com os primórdios dos tempos modernos, iniciados com a Revolução Industrial em Inglaterra.
3. História Moderna de N. Efimov. Começa com a análise do período que antecede a Revolução Francesa (1789) e termina nos dias que precedem a Comuna de Paris (1871).
4. História Contemporânea de V. Jvostov & L. I. Zubok. Começa com o episódio revolucionário da Comuna de Paris e termina com a Revolução de 1917.
5. História dos Tempos Actuais de V. G. Revunenkov. Analisa a evolução dos acontecimentos ocorridos na primeira metade do século XX. Convém lembrar que a historiografia soviética considerava apenas, no âmbito da História Contemporânea, o período posterior à Revolução de Outubro de 1917 ou quanto muito à Comuna de Paris (1871): contemporâneo era o sistema socialista, para o qual o sistema capitalista passou a ser uma época remota. Há aqui um critério ideológico que não deve eclipsar as contribuições do marxismo aos estudos históricos, de resto destacadas por Jean Bruhat no ensaio anexado a este último volume da História Mundial da Civilização.
Além desta obra colectiva, destaco mais três grandes obras, duas das quais da autoria de M. Rostovtzeff que emigrou para os Estados Unidos após a Revolução de 1917, sem no entanto ter abandonado os ensinamentos de Marx:
6. E. A. Kosminsky (1956), Studies in the Agrarian History of England in the Thirteenth Century. Obra fundamental para compreender a concepção marxista do feudalismo e, em especial, a noção de renda feudal.
7. M. Rostovtzeff (1973), História da Grécia. Rostovtzeff dispensa apresentações: foi o primeiro historiador a analisar as economias antigas em termos de capitalismo e de revoluções. As suas duas grandes obras - Social and Economic History of the Roman Empire (2 vols., 1926) e Social and Economic History of the Hellenistic World (3 vols., 1941) - dirigem a atenção dos historiadores dos acontecimentos políticos ou militares para os grandes problemas económicos e sociais do mundo antigo.
8. M. Rostovtzeff (1973), História de Roma. Os historiadores franceses gostam de monopolizar a História, como se esta fosse uma invenção exclusivamente francesa. A esta ideologia historiográfica francesa devemos opor o papel pioneiro da historiografia alemã e russa. Quem queira conhecer o mundo antigo deve começar por ler as obras pioneiras de M. I. Rostovtzeff, E. Meyer e T. Mommsen.
J Francisco Saraiva de Sousa
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