quarta-feira, 7 de março de 2012

Eurípides, o Filósofo do Teatro

Eurípides
«Medeia: Saí de casa, ó mulheres de Corinto, para que nada me censureis. Porque eu sei que muitos dentre os mortais são arrogantes, uns longe da vista, outros à porta de casa; outros, atravessando a vida com passo tranquilo, hostil fama ganharam de vileza. Porque não há justiça aos olhos dos mortais, se alguém antes de bem conhecer o íntimo do homem, o odeia só de o ver, sem ter sido ofendido. Força é que o estrangeiro se adapte à nação; tão-pouco louvo o cidadão que é acerbo para os outros, por falta de sensibilidade. /Sobre mim este feito inesperado se abateu, que a minha alma destruiu. Fiquei perdida e tenho de abandonar as graças desta vida para morrer, amigas. Aquele que era tudo para mim (bem o sei) no pior dos homens se tornou - o meu esposo. /De quanto há aí dotado de vida e de razão, somos nós, mulheres, a mais mísera criatura. Nós, que primeiro temos de comprar, à força da riqueza, um marido e de tomar um déspota do nosso corpo - dói mais ainda um mal do que o outro. E nisso vai o maior risco, se o tomamos bom ou mau. Pois a separação para a mulher é inglória, e não pode repudiar o marido. Entrada numa raça e em leis novas, tem de ser adivinha, sem ter aprendido em casa, de como deve tratar com o companheiro de leito. E quando o conseguimos com os nossos esforços, invejável é a vida com um esposo que não leva o jugo à força; de outro modo, antes a morte. O homem, quando o enfadam os da casa, saindo, liberta o coração do desgosto (ou voltando-se para um amigo, ou para um companheiro). Para nós, força é que contemplemos uma só pessoa. Dizem: como nós vivemos em casa uma vida sem risco, e eles a combater com a lança. Insensatos! Como eu preferiria mil vezes estar na linha de batalha a ser uma só vez mãe! /Mas a vós e a mim não serve a mesma argumentação. Vós tendes aqui a vossa cidade e a casa paterna, a posse do bem-estar e a companhia de amigos. E eu, sozinha, sem pátria, sou ultrajada pelo marido, raptada duma terra bárbara, sem ter mãe, nem irmão, nem parente, para me acolher desta desgraça. /Apenas isto de vós quero obter: se alguma solução ou processo eu encontrar para fazer pagar ao meu marido a pena deste ultraje (e ao que lhe deu a filha que ele desposou), guardarei silêncio. Aliás, cheia de medo é a mulher, e vil perante a força e à vista do ferro. Mas quando no leito a ofensa sentir, não há aí outro espírito que penda mais para o sangue.» (Eurípides)

«Monólogo de Medeia: Ide, ide. Já não estou em estado de olhar mais para vós, que sou dominada pelo mal. E compreendo bem o crime que vou perpetrar (matar os filhos), mas, mais potente do que as minhas deliberações, é a paixão, que é a causa dos maiores males para os mortais». (Eurípides)

Sócrates assistia com admiração e prazer às representações das tragédias de Eurípides, «o mais trágico de todos os poetas» trágicos, segundo Aristóteles. A tese que pretendo defender prende-se ao papel crucial desempenhado por Eurípides na Ilustração Grega, não só testemunhado pela sua ligação intelectual a Sócrates, à filosofia jónica e aos sofistas, mas também reconhecido por Aristóteles quando afirma que «a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta, o particular». Apresentar Eurípides como um poeta-filósofo não constitui novidade, tanto para os seus admiradores, antigos e modernos, como para os seus críticos, que desde Aristófanes até ao Romantismo o acusaram de ser realista, racionalista e imoralista. (:::/:::)


Em construção. J Francisco Saraiva de Sousa

8 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou como a Fedra: Ai, Que desgraça feliz a minha! Ofereceram-me 4 jóias, que me desviam a atenção deste texto! Uma delas é uma preciosidade única que me confronta com projectos do meu período juvenil! Não sei que fazer, mas não resisti ao encanto da preciosidade.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ainda acabo por escrever uma tragédia portuense!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É nestes momentos que respiro o divino: as coincidências não são coincidências. O que penso acaba por vir ao meu encontro e isso assusta-me um pouco. É como se estivesse ligado à vida pelo destino. Eis a palavra destino revelada na tal preciosidade única, a jóia do pensamento.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eu desenvolvi-me a escrever contos, mas depois segui a via científica e filosófica, sendo obrigado a alterar o meu estilo de escrita. Mas lá no fundo continuo a ser um poeta trágico num mundo abandonado pelos deuses.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hoje acordei com aquela sensação de que algo ia acontecer. Os sonhos da noite levaram-me à imensa biblioteca celestial onde devorei vários livros. Ora, quando isso acontece, os livros materiais chegam-me às mãos e, o que é delicioso, já lidos. Basta folhear para tomar posse total do seu conteúdo. Eis o meu destino trágico.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Não sei se a decisão de imortalizar o Porto ou a minha terra natal me pertence. Para todos os efeitos, está tudo em conexão essencial.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

«Se o homem não fosse deste mundo, mas sim dos céus, então comeria o pão celestial, juntamente com os anjos. Mas ele pertence à terra e é feito de elementos, e é por isso que deve manter-se com base neles. E, portanto, não pode sobreviver sem o mundo; sem este, morre. E assim, tal como o mundo, ele é pó e cinzas». (PARACELSO)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O meu maior amigo são os livros, sobretudo os livros que parasitam no meu cérebro a mesma matriz teórica: as pessoas dispenso-as. E, tal como a Medeia de Eurípides, quanto mais conheço o íntimo do homem mais o desprezo.