domingo, 30 de maio de 2010

Porto Vampiro

O vampirismo é uma antiga tradição de mistérios que data dos tempos do Antigo Egipto: o conhecimento sobre a tradição do asetianismo é conservado e zelado pela ordem de mistérios Aset Ka, cuja sede em Portugal se localiza na cidade do Porto. Mas há uma outra tradição do vampirismo que assenta na crença de haver indivíduos que saem à noite dos seus túmulos para sugar o sangue fresco de indivíduos vivos e se manterem eles próprios vivos deste modo, sob a forma de espíritos. Um vampiro é, nesta perspectiva lendária, uma espécie de morcego sugador de sangue. O filme de Roman Polanski - Por Favor Não Me Morda o Pescoço, produzido em 1966, satiriza o vampirismo, evidenciando os seus aspectos sexuais: a cena do namorisco homossexual entre dois vampiros do sexo masculino é deveras maravilhosa. O simbolismo erótico do vampirismo deriva, em grande medida, do facto dos vampiros humanos serem uma mistura de características humanas com características animais (zooantropia), o que justifica a sua ligação à atracção sexual por animais (zoofilia). Porém, a dentada do vampiro simboliza não só o coito, mas também as tendências sádicas e masoquistas da sexualidade humana. O vampirismo também foi associado à perversão sádica que leva à violação de cadáveres (necrofilia) e ao assassinato sexual, como perda de sangue sexual. Em 1925, Haarmann, um homem homossexual, matou todas as suas vítimas durante o orgasmo por meio de uma dentada na jugular, e, em 1949, John Haigh - um assassino de Londres - confessou ter bebido o sangue das suas vítimas, o que lhe deu profunda satisfação. O prazer espontâneo na dentada dada no parceiro - até provocar sangue - constitui um elemento de vampirismo no erotismo normal. Venha até ao Porto e conheça um vampiro, não um vampiro da sociedade Aset Ka, mas um vampiro que suga realmente o sangue fresco das suas vítimas, prometendo-lhes nalguns casos especiais vigor juvenil e imortalidade.
O Porto Vampiro emergiu com o capitalismo industrial. Karl Marx descreveu o vampiro industrial como capital morto que suga o sangue fresco do trabalho vivo das suas vítimas: «O capital é trabalho morto que, como um vampiro, vive somente de sugar o trabalho vivo e, quanto mais vive, mais trabalho suga. O prolongamento do dia de trabalho além dos limites do dia natural, pela noite dentro, serve apenas como paliativo. Mal sacia a sede do vampiro por trabalho vivo, o contrato pelo qual o trabalhador vendeu ao capitalista a sua força de trabalho prova preto no branco, por assim dizer, de que dispôs livremente de si mesmo. Concluído o negócio, descobre-se que ele não era um "agente livre", que o momento no qual vendeu a sua força de trabalho foi o momento no qual foi forçado a vendê-la, que de facto o vampiro não largará a presa "enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue a ser explorada"». Marx associa explicitamente o vampirismo capitalista - a exploração da força de trabalho - à necrofilia. No contrato de trabalho, a relação entre os vampiros capitalistas - a personificação do trabalho morto - e as vítimas - a personificação do trabalho vivo - é uma relação assimétrica e desigual: o facto de terem sido despojadas da propriedade dos meios de produção pela acumulação primitiva de capital obriga e força as vítimas a aceitar a sua subjugação ao domínio dos vampiros que lhes sugam o sangue. As vítimas não são realmente agentes livres: elas são sempre-já seres explorados e oprimidos pela classe de vampiros que detém a propriedade dos meios de produção. A operação de identificação da relação de classes com a relação entre vampiros e vítimas permite descobrir Marx como um pensador da psiquiatria: a acusação que lhe foi dirigida de não ter elaborado uma psicologia é profundamente injusta. Marx não pode ser responsabilizado pela profunda incompetência dos seus leitores. A Psiquiatria Dialéctica de Marx é uma psiquiatria biossocial, da qual se destaca uma psiquiatria do poder político: o carácter dos membros das classes dirigentes, sobretudo daquelas que protagonizaram o capitalismo neoliberal global, é necrófilo, e o seu desenvolvimento - carácter anal normal -> carácter sádico -> carácter necrófilo - é determinado pelo aumento do narcisismo, da regressão mental e cognitiva, da falta de relacionamento social e da destrutividade. A destruição do tecido produtivo da Europa e, em especial de Portugal, mostra claramente que a necrofilia dos nossos dirigentes políticos e gestores financeiros é uma forma maligna do carácter anal-acumulativo, facilitado e estimulado pela própria estrutura e pelo funcionamento da sociedade capitalista: o capital financeiro é erotismo anal. Os actuais dirigentes da Europa estão a destruir o Ocidente, despedaçando as suas estruturas vivas e transformando tudo o que é vivo - e jovem - em algo sem vida - e velho sem valor. Eles comportam-se como se fossem a última geração privilegiada do mundo ocidental ou, o que é ainda pior, como se fossem vampiros imortais: o Ocidente começa a pagar a factura do sonho necrófilo desta geração geriátrica - incompetente, narcisista e ladra - que nos negou o futuro. Conhecer o inimigo e a patologia da sua normalidade: eis a tarefa primordial dos que sonham um mundo melhor.
A sexologia libertou o paganismo sexual e enterrou o seu eterno opressor: o heterosexismo e o seu casamento heterossexual como forma de prostituição (Engels). A teoria de Karl Marx que impulsionou essa revolução sexual recorre frequentemente a noções fantasmagóricas - tais como fetichismo da mercadoria, feitiço, vampirismo, fantasmas, espectros, sagrada família ou teologia de mercado - para rasgar os véus ideológicos que encobrem e escondem a essência da sociedade capitalista: a crítica da economia política trabalha com uma noção dialéctica da psiquiatria que ainda não foi compreendida. O vampiro capitalista que explora a força de trabalho das suas vítimas despojadas da propriedade dos meios de produção não é um figura económica alheia ao vampirismo sexual: o capitalismo é, como vimos, um sistema social fetichista e necrófilo. O verdadeiro Marx - o pensador da psiquiatria dialéctica - ainda não foi realmente descoberto: o Porto Vampiro - entenda-se o Bom Vampiro - deve ser visto como um convite à descoberta de um novo Marx - liberto do puritanismo comunista - para o século XXI. Num mundo cada vez mais global e competitivo, em que o destino do Ocidente começa a ser eclipsado pela emergência das economias asiáticas, a dialéctica desmistificadora dos espectros e dos fantasmas pode ajudar a libertar a nossa economia de mercado da dominação necrófila - geriátrica e neoliberal - e impulsionar a emergência de indústrias criativas - indústrias do cérebro, neuro-indústrias - na cidade do Porto, reinvestindo cultura, história e conhecimento na sua infra-estrutura económica. O Porto como metrópole cosmopolita do paganismo sexual multiplica-se em diversos universos sexuais - indústrias do cérebro sexual e do imaginário erótico radical - que podem funcionar como impulsionadores turísticos de desenvolvimento e de modernização, tais como Porto Fantasia, Porto Fetichista, Porto Vampiro, Porto Sádico, Porto Masoquista, Porto Gay, Porto Urófilo, Porto Coprófilo, Porto Voyeur, Porto Exótico, Porto Virgem, Porto Exibicionista, Porto Travesti, Porto Transexual, Porto Gigolo, Porto Call-Girl, Porto Pornográfico, Porto Hermafrodita, Porto Infiel, Porto Erótico do S. João, Porto Fashion, CyberPorto, Porto Fantasma, Porto Incestuoso, Porto Pedófilo, Porto Fálico, Porto Hipersexual, Porto Vaginal, Porto Sexual, Porto Zoófilo, Porto Necrófilo, Porto Parafílico e tantos outros Portos Imaginários associados ao conhecimento (Porto Filosófico, Porto Científico, Porto Universitário), à cultura (Porto Cultural), às artes (Porto Artístico, Porto Musical), ao cinema (Porto Cinéfilo), à saúde (Porto Clínico), à arquitectura (Porto Património Arquitectónico), à moda, ao desporto (Porto Desportivo), ao turismo (Porto Turístico, Porto Dragão Azul), às tecnologias (TecnoPorto) e ao sector industrial pesado (Porto Industrial, Porto Financeiro, Porto Comercial). O Porto pode e deve competir com Amesterdão, Barcelona e Las Vegas. O capitalismo tardio facilita a multiplicação e a proliferação de subjectividades fetichistas e de fetichismos eróticos pessoais: o Porto Vampiro pode promover iniciativas culturais e investir em indústrias do cérebro sexual plural para atrair até si todos os europeus e cidadãos do mundo. (Nota: A publicidade do calçado do Norte deve explorar o fetichismo do pé e do calçado, incutindo a ideia de que eles/as beijam o "meu" pé porque calço sapatos - ou outro calçado - da marca XY. O Porto Fetichista iria ajudar neste caso particular a promover a nossa indústria do calçado e da moda em geral.)
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Maria dos Caixões: Um caso de necrofilia

A necrofilia é uma parafilia que, apesar de ter desafiado a imaginação dos pioneiros da sexologia, levando-os a procurar uma explicação para esta estranha atracção sexual pelos cadáveres, caiu praticamente no esquecimento: a escassez de estudos científicos actualizados testemunha esse esquecimento. No período clássico da sexologia, a necrofilia foi incluída muitas vezes no sadismo. Porém, como nos casos de necrofilia não há rigorosamente nenhum sofrimento imposto ou recebido, não podemos inclui-los no sadismo ou no masoquismo: os cadáveres não impõem e não recebem sofrimento, e os sádicos sexuais não desejam matar as suas vítimas mas apenas controlá-las. Pelo facto do estímulo sexual poder derivar do choque emocional do contacto com um corpo morto, Havelock Ellis preferiu inserir os casos de necrofilia na categoria mais ampla de algolagnia. O termo algolagnia foi forjado por Schrenck-Notzing para designar a conexão entre a excitação sexual e o sofrimento, sem referência à sua diferenciação em forma activa e em forma passiva: a forma activa é o sadismo - a excitação sexual associada ao desejo de infligir sofrimento físico ou moral ao objecto da excitação, e a forma passiva é o masoquismo - a excitação sexual ligada ao desejo de ser subjugado fisicamente e humilhado moralmente pela pessoa que desperta a emoção. Quer sejam activas ou passivas, reais ou simbólico-imaginárias, as acções que constituem a algolagnia fornecem uma satisfação adequada do impulso sexual e asseguram a detumescência sem necessidade de coito. Freud operou a fusão do sadismo com o masoquismo, encarando este último como sadismo voltado contra o próprio eu. No entanto, Havelock Ellis abriu outra via ao reconhecer a possibilidade de incluir os casos de necrofilia no grupo mais vasto do fetichismo erótico, ligando-os ao vampirismo. O futuro da pesquisa das parafilias depende muito do esclarecimento do fenómeno do fetichismo erótico e da sua ligação estrutural à sociedade capitalista.
O meu informante de campo preferido - o JL - gostava de me confrontar com casos sexuais bizarros e, numa noite quente de verão, apresentou-me a Maria dos Caixões, aquela "bicha louca" que frequentava assiduamente os bares e as discotecas gay da cidade do Porto (ou de Lisboa?), em busca de novos parceiros sexuais. A Maria dos Caixões não sabia que eu já conhecia todo o seu historial sexual, nomeadamente aquilo a que ela chamava a sua "fantasia erótica": acariciar os órgãos genitais dos cadáveres masculinos, esfregar-se contra os seus corpos frios e fazer sexo com outros homossexuais dentro dos caixões. Ela olhou para mim e segredou-me ao ouvido: «Já tinha reparado em ti e fiquei interessada em te conhecer, mas não me ligaste nenhuma...». O JL interrompeu o gesto atrevido da Maria dos Caixões, dizendo-lhe que eu era o seu "namorado" - o meu procedimento oculto em acção no terreno - e que estava unicamente interessado em conhecer em pormenor a sua atracção sexual por cadáveres. Para podermos conversar calmamente sobre a sua necrofilia sexual, saímos da discoteca e fomos para a rua. A Maria dos Caixões era um homem homossexual efeminado que trabalhava na Agência Funerária do seu pai: a sua homossexualidade revelou-se quando ela descobriu que se excitava sexualmente ao ver os órgãos genitais dos cadáveres do sexo masculino. Há aqui uma associação que parece explicar a sua necrofilia sexual, mas não é preciso recuar no tempo até um determinado período crítico de desenvolvimento para verificar que indivíduos criados longe dos cadáveres podem ficar incomodados com a visão dos órgãos genitais dos mortos. Nas Faculdades de Medicina, os cadáveres são frequentemente identificados e nomeados pelos estudantes em função de certas características dos seus órgãos genitais. Alguns estudantes reconhecem que podem ficar ligeiramente excitados ao fixar a atenção sobre os órgãos genitais dos mortos, não porque sintam atracção sexual pelos cadáveres, mas porque começam a fantasiar e a pensar em sexo. A Maria dos Caixões foi mais longe: ela desejou acariciar os órgãos sexuais masculinos dos mortos que vestia e, com o decorrer do tempo, acabou por os levar à boca e fazer sexo oral. E, quando estava segura de que não podia ser surpreendida por um olhar punidor, despia-se e esfregava o seu corpo e o seu pénis erecto contra o corpo frio do morto, até ejacular e atingir o orgasmo. Na altura, ao escutar a descrição destas cenas de comércio erótico com os cadáveres, fiquei chocado, porque via à minha frente uma pessoa muito doente que, em breve, iria fazer a derradeira viagem para junto dos "seus" mortos. Infelizmente, não voltei a conversar novamente com a Maria dos Caixões: a Sida e as doenças oportunistas que já eram visíveis mataram-na poucos dias depois.
O caso da Maria dos Caixões não se enquadra na moldura clínica dos casos clássicos de necrofilia sexual: a Maria dos Caixões não era um psicopata heterossexual que, sendo rejeitado pelas mulheres, recorria aos cadáveres para saciar o seu desejo sexual, violando os seus corpos e mutilando-os, como no famoso caso de necro-sadismo de Sergeant Bertrand. O necro-sadismo de Bertrand começou com a fantasia de maltratar as mulheres, imaginando mais tarde que as mulheres eram cadáveres frios: as mutilações dos cadáveres não visavam infligir crueldade, mas sim aumentar a sua excitação emocional. O diagnóstico de psicose proposto por Richard Krafft-Ebing aplica-se a este caso de Bertrand, que acreditava estar a infligir a maior humilhação às suas vítimas femininas sem vida, e aos casos em que os necrófilos sexuais violam sepulturas ou assassinam pessoas para satisfazer a sua perversão, mas não se aplica à Maria dos Caixões que, dado ser um homossexual passivo, nunca pretendeu humilhar os mortos que encontrava naturalmente nos necrotérios da cidade e na sua agência funerária. Ela descreveu o uso sexual que fazia dos mortos como um "abraço erótico": ao esfregar o seu corpo contra os corpos dos cadáveres e ao sugar os seus pénis mortos, ela aquecia-os, dando-lhes vida. A sua fantasia - ou obsessão? - erótica com os mortos era efectivamente um fetichismo erótico: a Maria dos Caixões não só se excitava com os corpos masculinos mortos, com os quais obtinha gratificação sexual, como também precisava levar os homens vivos que engatava nos bares ou nas ruas para a agência funerária, onde era brutalmente "possuída" dentro de um caixão. O que a Maria dos Caixões me relatou foi confirmado pelos seus parceiros sexuais que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, antes e depois do nosso único encontro. Depois dos jogos sexuais premilinares, incluindo sexo oral como preliminar do sexo anal, a Maria dos Caixões levava-os para dentro de um caixão, pedindo-lhes que se deitassem, para que ela pudesse "cavalgar sobre eles". Este seu "fetiche sexual" justifica a sua alcunha "Maria dos Caixões": "Maria" porque era uma "bicha passiva", e "dos Caixões" porque fazia sexo dentro de um caixão. Poucos eram os seus parceiros sexuais que conheciam a sua real atracção sexual pelos mortos, mas aqueles que a testemunharam ficaram sexualmente excitados quando viram a Maria dos Caixões a acariciar os órgãos genitais dos mortos.
O caso da Maria dos Caixões e dos seus parceiros sexuais permite-nos distinguir dois tipos básicos de manifestações da necrofilia: a necrofilia sexual que é o desejo manifestado pelo homem - heterossexual ou homossexual - de estabelecer relações sexuais ou outro tipo de contacto sexual com os cadáveres do sexo atractivo (1), e a necrofilia não-sexual que é o desejo de manipular, de se aproximar e de examinar pela visão os cadáveres e, particularmente, o desejo de os desmembrar e de os esquartejar, algumas vezes associado à necrofagia. No seu estudo exaustivo de casos de necrofilia, H. von Hentig (1964) refere como exemplo de necrofilia os actos de contacto sexual com o cadáver de mulher ou de homem, como mostra o nosso caso (1), a excitação sexual produzida pela visão de um cadáver (2), a atracção sexual por cadáveres e túmulos e objectos vinculados aos túmulos (3), os actos de esquartejamento de um cadáver (4) e o desejo de tocar ou de sentir o cheiro de cadáveres ou de algo pútrido (5). A parafilia necrófila da Maria dos Caixões era exclusivamente sexual e, numa perspectiva psicanalítica, está provavelmente associada ao erotismo anal. Embora fosse dotada de um pénis avantajado (18 cm), a Maria dos Caixões raramente fazia uso dele nas relações sexuais que tinha com os seus parceiros sexuais vivos e mortos: usava-o apenas nos seus actos masturbatórios solitários e necrófilos, sem nunca ter tentado ou desejado penetrar analmente um cadáver. As relações homossexuais tendem a ser afectivamente pouco gratificantes para os parceiros passivos: a atenção erótica está totalmente concentrada sobre os parceiros activos, que usam os parceiros passivos para intensificar o seu prazer sexual sem retribuição afectiva. A passividade confirmada destes homossexuais efeminados - como a Maria dos Caixões - presta-se ao seu uso como objectos sexuais, até que chega finalmente o momento da verdade: o seu isolamento emocional e social, em tudo idêntico ao das vítimas de violência doméstica. Os parceiros sexuais da Maria dos Caixões chamavam-lhe "bicha louca". O CP - um homossexual masculino paraplégico que testemunhou o seu fetichismo necrófilo - repetia frequentemente esta frase: «A Maria dos Caixões não é bicha ou mesmo bichona, mas tricha.» O termo "bicha" é usado pelos próprios homens gay para designar e estigmatizar a homossexualidade passiva e promíscua dos homossexuais efeminados e hiperefeminados que vivem a sua homossexualidade como se fossem "mulheres": o traço estigmatizado não é tanto a passividade sexual, mas sobretudo a feminilidade exibida. A homossexualidade agitada da Maria dos Caixões embaraçava publicamente os seus reais e potenciais parceiros sexuais: as suas "bichices" eram efectivamente desconcertantes e justificavam o estigma que lhe atribuíam. "Bicha louca" é a expressão usada pelos homens gay para designar aqueles "sindicalizados" que "andam sempre à caça de sexo" e de novos parceiros sexuais nos "ambientes". No entanto, chamar "bicha louca" à Maria dos Caixões era nomear não só a sua promiscuidade sexual predatória, mas sobretudo a sua atracção sexual por cadáveres e o seu fetichismo necrófilo. Nem todos os parceiros sexuais da Maria dos Caixões tinham verdadeiro conhecimento da sua atracção sexual necrófila e dos seus actos de contacto sexual com os cadáveres do sexo masculino, mas todos eles conheciam bem o seu fetichismo necrófilo: eles fizeram sexo com ela na agência funerária da família, de preferência dentro de um caixão e, nalguns casos, na presença de cadáveres, cujos órgãos genitais eram previamente observados, avaliados e manipulados. A visão de cadáveres e o cenário funerário não induziam inibição sexual nos parceiros sexuais ocasionais da Maria dos Caixões; pelo contrário, eles ficavam de tal modo excitados emocional e sexualmente que praticavam cópula anal bruta com a Maria dos Caixões a sofrê-la. E, para todos os efeitos, eles exibiram uma forma muito atenuada de necrofilia: a visão dos órgãos genitais dos cadáveres do sexo masculino e as "brincadeiras" em seu torno libertavam a sua imaginação erótica e incrementavam a sua excitação sexual. Nestes breves momentos de "loucura sexual", muitas vezes alimentados pelo álcool, a Maria dos Caixões sentia que não estava sozinha no mundo com a sua estranha atracção necrófila.
O caso da Maria dos Caixões é muito idêntico ao caso de um italiano relatado por J.P. de River: a única diferença importante reside na orientação sexual. O homem heterossexual italiano, que exercia as funções de coveiro em Milão, começou a masturbar-se com a idade de 11 anos e, quando se encontrava sozinho, tocava os cadáveres de mulheres sem vida, jovens e bonitas, enquanto se masturbava. Mais tarde passou a ter relações sexuais com os cadáveres de raparigas. Quando foi viver para os USA, arranjou um emprego de lavador de cadáveres numa agência funerária da costa oeste e recomeçou a sua prática sexual necrófila, algumas vezes no caixão sobre as mesas, onde os corpos eram lavados. Além de praticar penetração vaginal, o italiano usou a boca nas partes pudendas dos cadáveres e sugou os seus seios. T. Spoerri e Von Hentig partilham a opinião de que a necrofilia é muito mais frequente do que se supõe. Por razões de ordem prática, esta parafilia encontra muitas poucas oportunidades de satisfação: os únicos indivíduos que têm livre acesso aos cadáveres e a possibilidade de satisfazer explicitamente o seu desejo necrófilo são os coveiros e os funcionários das agências funerárias. A Maria dos Caixões e o homem italiano referido são provenientes desse grupo profissional: ambos cresceram e desenvolveram-se em contacto próximo com cadáveres e, o que parece ser mais importante, ambos começaram a masturbar-se tocando os cadáveres. Com o recurso à descoberta do imprinting por Lorenz (1935), Chr. Meves (1967, 1971) conjecturou que a homossexualidade era um exemplo especialmente evidente de imprinting sexual no homem: a homossexualidade humana pode ser explicada - segundo Meves - por influências do ambiente, em especial do ambiente familiar, sofridas pelas crianças entre o 4º e o 7º anos de vida. Durante esse período de vida, anterior ao início funcional das gónadas, as crianças recebem as impressões que determinam a sua vida adulta, isto é, as percepções e as sensações que serão atraentes para elas nas relações com os seus futuros parceiros sexuais. Este imprinting geral que grava e fixa os traços gerais do futuro parceiro sexual ocorre geralmente em situações não-eróticas: a fixação a um parceiro individual ou a objectos e situações especiais - o imprinting sexual - ocorre unicamente no estado de excitação sexual. A homossexualidade seria assim a fixação firme e irreversível a parceiros do mesmo sexo provocada por acontecimentos ocorridos durante a excitação sexual. Desmond Morris utilizou o conceito de imprinting defeituoso para explicar a fixação homossexual e as parafilias: «Se a primeira experiência sexual da vida de um indivíduo é poderosa e resulta de encontro íntimo com um membro do mesmo sexo, pode desenvolver-se rapidamente a fixação a esse sexo. Se dois rapazes adolescentes começam a lutar ou praticam qualquer brincadeira sexual e têm ejaculação, isto pode produzir imprinting defeituoso» (Morris). Porém, apesar de ser sedutora, a hipótese etológica de Meves carece de suporte empírico. Os casos da Maria dos Caixões e do homem italiano desmentem cabalmente a hipótese do imprinting sexual: cada um deles tocou apenas os cadáveres do sexo atractivo, o primeiro acariciou os cadáveres do sexo masculino, em especial os seus órgãos genitais, e o segundo tocou os cadáveres de raparigas bonitas. A Maria dos Caixões já era um homem pré-homossexual - com uma clara preferência sexual pré-definida - antes de ter tocado os cadáveres: ela foi desde logo movida pelo poderoso desejo de ver e de tocar os órgãos sexuais dos cadáveres masculinos, permanecendo indiferente à visão dos órgãos genitais femininos. E, se a excitação sexual provocada pelo contacto sexual com os cadáveres determinou a sua fixação firme e irreversível a cadáveres do sexo masculino e o seu fetichismo necrófilo, esta fixação necrófila não a impediu de procurar mais tarde a companhia de parceiros vivos: a grande obsessão sexual da Maria dos Caixões que a levou à morte precoce era curtir pénis de parceiros mortos e vivos, em cenários funerários. A hipótese do imprinting sexual fracassa completamente na explicação da orientação sexual, como já vimos aqui, mas não podemos descartá-la quando procuramos compreender algumas parafilias e perturbações hipersexuais, tais como o fetichismo sexual, o fetichismo travestido, o exibicionismo, o frotteurismo, o masoquismo sexual, o sadismo sexual, o voyeurismo, a escatologia telefónica, o parcialismo, a necrofilia sexual, a zoofilia, a pedofilia, a cropofilia, a clismafilia, a urofilia, a masturbação compulsiva, a dependência da pornografia, o cibersexo, a dependência do sexo telefónico, a promiscuidade sexual e a hipoxifilia (Krueger & Kaplan, 2001).
J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Homossexuais Portugueses e Casamento

... do mesmo sexo.
O Presidente da República promulgou a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em Portugal, os homens homossexuais e as lésbicas já têm acesso ao casamento civil, mas desconfio que serão poucos os casais do mesmo sexo a pretender legalizar a sua união. Quando realizei a minha pesquisa de campo sobre os comportamentos homossexuais, criei a noção de "patologia difusa" para designar certos comportamentos exibidos pelos indivíduos homossexuais portugueses e cheguei mesmo a tematizá-la em alguns relatórios diários. A promiscuidade sexual serviu inicialmente de alavanca, mas depressa descobri que ela facilitava a ocorrência de comportamentos criminosos e patológicos. A patologia difusa ganhou contornos cognitivos quando distribui questionários e escalas: os indivíduos homossexuais portugueses, incluindo os diplomados, não só não sabiam responder aos questionários e preencher as escalas anexas, mas também manifestaram escassez de vocabulário e dificuldades de compreensão e de interpretação: o défice cognitivo detectado não pode ser explicado por variáveis sócio-económicas, porque foi exibido por indivíduos provenientes de todas as camadas e estratos sociais. Além disso, este défice cognitivo não é uma característica específica dos homossexuais: encontramo-lo nos grupos heterossexuais portugueses, como se os portugueses sofressem algum tipo de deficiência mental e cognitiva. A hipótese do défice cognitivo e mental ajuda a explicar os comportamentos malévolos e criminosos exibidos pelos portugueses, podendo ser facilmente elaborada com recurso a diversos modelos patológicos disponíveis, alguns dos quais problematizam perturbações de desenvolvimento associadas à homossexualidade.
Apesar de não ter sofrido directamente pressões externas para abandonar essa abordagem patológica da homossexualidade, resolvi omitir esses dados para não alimentar o discurso homofóbico. Mas não abandonei o núcleo da promiscuidade sexual: criei uma escala para classificar os comportamentos sexualmente promíscuos exibidos pelos homossexuais e tratei alguns desses graus de promiscuidade sexual em chave patológica. E foi então que enfrentei a maldade dos grupos de pressão - gay e lésbico - internos: os badalhocos/as não querem ser confrontados com aquilo que fazem, preferindo eliminar as palavras usadas para o designar. As super-bichonas académicas - homens e mulheres, hetero e homo - recusam nomear aquilo que fazem e o que fazem chama-se abuso de poder, abuso sexual, abuso emocional, abuso psicológico, abuso físico, terrorismo íntimo, violação, adição sexual, promiscuidade sexual, compulsão sexual e tantos outros comportamentos verdadeiramente criminosos. Os casos são conhecidos, mas são logo a seguir abafados: uma aluna universitária abusada sexualmente por um professor heterossexual ou por uma professora lésbica pouco pode fazer para se livrar destes abusadores sem ver a sua carreira académica destruída. Em Portugal, as pessoas usam e abusam do poder que lhes é conferido pelo desempenho de determinadas funções ou cargos para satisfazer interesses particulares, incluindo interesses sexuais. Os professores universitários elaboraram a noção de que o envolvimento sexual com estudantes de pós-graduação é "correcto" e os próprios estudantes aceitam-na: os que se envolvem sexualmente com os professores/as têm carreira garantida, enquanto os outros vão para o desemprego ou ficam impedidos de seguir uma carreira universitária. As academias portuguesas são academias do sexo: as pessoas não são avaliadas pelos seus conhecimentos, mas sim pela facilidade com que se envolvem em cenas sexuais com os professores e pelo peso das suas cunhas. Sexo e cunha: eis as duas chaves do sucesso universitário. O medo de existir dos portugueses de que fala José Gil pode ser tematizado como um medo interiorizado resultante do facto de serem alvo de abuso de poder constante: o medo interiorizado promove uma cultura do silêncio e, infelizmente, uma cultura do consentimento voluntário. Os que não alinham nos esquemas sujos dos carrascos estão condenados a viver a morte em vida e, neste sentido, Portugal é o país dos zombies, isto é, dos seres sem vida mental própria.
Enfim, descobri que não era preciso afastar-me da universidade para alargar o âmbito da minha amostra: as minhas "cobaias" encontram-se bem representadas nos meios académicos. Os estudos estatísticos mostram que os homens são mais promíscuos que as mulheres (1), que os homens homossexuais são mais promíscuos que os homens heterossexuais (2), e que as lésbicas são mais promíscuas que as mulheres heterossexuais (3). Há uma clara e forte associação entre a promiscuidade sexual - a sócio-sexualidade - e o género: os homens são efectivamente mais promíscuos que as mulheres em todas as culturas. Porém, apesar dos homens gay serem mais promíscuos que os homens heterossexuais e das mulheres lésbicas serem mais promíscuas que as mulheres heterossexuais, não podemos estabelecer uma associação entre promiscuidade sexual e orientação sexual. As diferenças detectadas no seio dos dois grupos homossexuais reforçam a ligação entre promiscuidade sexual e género: os homossexuais efeminados tendem a ser menos promíscuos que os homossexuais masculinizados ou hipermasculinizados, e as lésbicas femme, menos promíscuas que as lésbicas butch. Os homossexuais que se aproximam do padrão típico do sexo oposto afastam-se - evidentemente - do padrão típico do seu próprio sexo: a masculinização e a desfeminização das lésbicas butch aproxima-as do padrão tipicamente masculino, e a feminização e desmasculinização dos homossexuais efeminados aproxima-os do padrão tipicamente feminino. Estas diferenças sexuais permitem formular um princípio ou padrão geral: quanto maior for o grau de masculinização de um indivíduo maior será a probabilidade de exibir um amplo conjunto de comportamentos sexualmente promíscuos.
A clandestinidade e a ausência de um quadro social e legal de padrões positivos de conduta homossexual são factores sociais que facilitam o estilo de vida sexualmente promíscuo dos indivíduos homossexuais, mas na formulação do referido princípio geral operei uma sócio-redução, isto é, coloquei fora de circuito os factores sócio-culturais e os factores sociais biologicamente activos, de modo a torná-lo congruente com a teoria neuro-hormonal da diferenciação sexual do cérebro e do comportamento: toda a minha atenção é assim dirigida para os efeitos organizacionais da testosterona fetal. Afinal, a minha suposta omissão foi uma reformulação radical da teoria e a sua articulação com a teoria da vulnerabilidade ou fragilidade biológica do macho: ao apresentar os homens gay como machos funcionais mais não fiz do que afirmar que a homossexualidade não indica necessariamente uma doença mental ou mesmo uma maior propensão para as doenças mentais, porque essa propensão é tipicamente masculina: os homens são mais propensos a exibir um vasto leque de perturbações mentais - algumas das quais especificamente masculinas - que as mulheres. Os modelos patológicos podem ser reformulados à luz desta teoria unificada. Assim, por exemplo, o modelo do autismo possibilita estabelecer cinco tipos de cérebros: o cérebro feminino e o cérebro masculino, os seus respectivos extremos hiperfeminino e hipermasculino, e um cérebro intermédio. A oposição entre o cérebro feminino e o cérebro masculino pode ser perspectivada como oposição entre a empatia e a sistematização racional. A empatia é um traço feminino relativo à cognição social. Os níveis elevados de testosterona fetal afectam a cognição social e aumentam os riscos de autismo. O facto dos homens usarem mais proposições neutrais que as mulheres está correlacionado com os níveis elevados de testosterona fetal: as mulheres usam mais proposições intencionais que os homens e este padrão correlaciona-se negativamente com a testosterona fetal. A capacidade de sistematização dos homens evidencia-se na criação anónima dos léxicos eróticos, cujas classificações são muito diferenciadas e consistentes: os imaginários eróticos masculinos - sobretudo hipermasculinos - opõem uma poderosa resistência à mudança, um traço típico do cérebro masculino que o diferencia do cérebro feminino mais favorável à mudança.
Ora, e é aqui que quero chegar, os machos portugueses - heterossexuais e homossexuais - são as cobaias adequadas para testar as previsões da teoria. Para afinar a teoria e aplicá-la ao estudo dos homens portugueses, podemos começar a realizar esse trabalho conceptual e experimental, utilizando o modelo do autismo, com a ajuda do qual isolaremos facilmente os seus traços característicos e os confrontaremos com outros modelos patológicos. O cérebro autista enquanto tipo extremo de cérebro masculino é um cérebro hipermasculino: os homens hipermasculinos são propensos a manifestar traços autísticos, tais como inteligência reduzida, incapacidade de recognição emocional, elevada impulsividade, agressividade, comportamentos obsessivo-compulsivos, perturbações da inteligência social e falta de empatia. Estou perfeitamente convencido de que a maior parte dos machos portugueses exibe perturbações mentais: nós que escapámos à deficiência mental nacional sabemos como eles são desagradáveis no trato social. Quando procuramos manter uma conversa com estas criaturas patológicas, somos levados a crer que são zombies, no sentido de não haver vida psicológica estruturada por detrás dos comportamentos que observamos: os homens portugueses são literalmente lapsos linguísticos, cognitivos e mentais que, tal como os papagaios, falam sem saber o que dizem. O modelo do autismo permite-nos isolar e identificar as disfunções na interacção social e na comunicação social exibidas pelos homens portugueses, explicando a sua incapacidade de socializar aberta e saudavelmente com os outros sem os imitar e se apropriar das criações alheias, mas não é suficiente para explicar integralmente a incapacidade de sistematização manifestada pelos portugueses: a emotividade - isto é, a impulsividade - dos machos portugueses eclipsa completamente a sua razão. A vida social dos portugueses revela e, ao mesmo tempo, encobre a sua deficiência de cognição social, isto é, a sua incapacidade de processamento dos estímulos sociais, da recognição social e da formação social: a sociedade portuguesa é, pois, um agregado de mónadas isoladas, cada uma das quais é incapaz de identificar os estados mentais dos outros e de lhes responder com a emoção adequada. A teoria da mente incorporada no cérebro português é deficitária. Este défice social pode ser pensado de modo provocante, mediante a afirmação de que os portugueses são feladores compulsivos: ao sugar os pénis dos outros que acredita serem verdadeiramente homens civilizados e modernos, o português pensa que está a incorporar um pouco dessa modernidade alheia, mas o carácter mágico deste pensamento ou sentimento não o salva da depressão e da baixa auto-estima: o sentido que um "ladrão" tem do seu próprio valor pessoal é muito baixo e pode ser usado para indicar a fragilidade do seu bem-estar mental. O atraso estrutural de Portugal só será explicado cabalmente quando tivermos realizado o estudo das deficiências mentais e cognitivas dos portugueses.
J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 25 de maio de 2010

Prós e Contras: À Procura do Compromisso

Prós e Contras debateu hoje (24 de Maio) o Pacto para o Emprego que o governo vai apresentar na próxima quarta-feira na concer-tação social. As propostas do governo ainda não são cabalmente conhecidas, mas o sindicato de Carvalho da Silva - CGTP inter-sindical - já marcou uma mani-festação para o próximo sábado. Não se trata de luta de classes entre os trabalhadores e o patronato, mas de uma luta em defesa dos direitos adquiridos pelos trabalhadores da função pública ou das empresas públicas. António Saraiva (CIP) lembrou que não faz sentido falar em direitos adquiridos sem ter uma economia para os suportar. O mundo está a mudar e Portugal já foi obrigado por Bruxelas a tomar medidas radicais de austeridade para combater a nossa dívida pública total. A discussão do código de trabalho realizada na primeira parte do debate por Helena André (Ministra do Trabalho), Carvalho da Silva e João Proença (UGT) não trouxe nenhuma ideia nova, limitando-se a repetir a velha retórica que foge da questão do naufrágio da economia portuguesa como o diabo foge da cruz. Silva Peneda (CES) desvalorizou a questão do trabalho, para colocar sobre a mesa as dificuldades de acesso das empresas ao crédito. Na sua perspectiva, a solução dos problemas nacionais e europeus passa pelo federalismo europeu.
Helena André terminou o debate afirmando que o objectivo da reunião será realizar um diagnóstico consensual da situação que possibilite a procura cooperativa de novas soluções para o problema do desemprego em Portugal. Ora, este diagnóstico deve ser radical. Portugal é confrontado pela primeira vez com uma realidade cruel: as novas gerações - as do telemóvel e do e-mail - não foram educadas para o trabalho produtivo e para a responsabilidade. A prioridade é pôr em prática uma reforma radical da educação e voltar a enviar para a universidade exigente - completamente reformada e liberta das batatas incompetentes - as gerações que foram fraudulentamente diplomadas para emitir opiniões absolutamente irracionais. Há um teste que pode ser realizado publicamente: colocar questões e exigir respostas no âmbito do conhecimento, sem permitir a manifestação de opiniões e de jogos pobres de linguagem. Num tal teste, a maior parte dos portugueses, cada um na sua área, chumba. A ignorância activa fraudulentamente diplomada é o inimigo número 1 de Portugal: aquele inimigo que nos recusa um futuro, porque pensa que pode viver sem estudar, sem trabalhar e sem produzir, usando simples e magicamente o cartão de crédito para financiar o seu consumo irracional e os seus programas de férias exóticas prolongadas. Para estas gerações metabolicamente reduzidas à sua condição animal, a vida é uma diversão. Nas últimas décadas, os portugueses foram treinados - tal como se treinam os cães para desempenhar certas funções menores - para abdicar da sua humanidade. A política da autenticidade - a recuperação da humanidade - é prioritária num duplo-sentido: permite identificar e analisar os erros de governação cometidos no passado (1) e projectar um novo futuro exigente (2). Sem este programa estrutural de humanização dos portugueses - a nossa grande revolução cultural, Portugal não tem futuro, nem sequer como membro pobre e atrasado de uma federação europeia. Mudança radical e corajosa de vida: eis a tarefa urgente dos portugueses, cuja implementação pode vir a iluminar o destino da Europa.
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 23 de maio de 2010

Homossexualidade em Angola

Porto
«Há entre os gentios de Angola muita sodo-mia, tendo uns com os outros as suas imundícies e sujidades, vestindo como mulheres. Eles chamam pelo nome da terra: quimbandas, os quais, no distrito ou terras onde os há, têm comunicação uns com os outros. E alguns deles são finos feiticeiros para terem tudo mau e todo o gentio os respeita e não os ofendem em coisa alguma. E se sucede morrer algum daquela quadrilha, congregam-se os mais a lhe vir dar sepultura, e outro nenhum lhe bole, nem chega a ele, salvo os daquela negra e suja profissão. E quando o tiram de casa, para o enterrarem, não é pela porta principal, senão abrem porta por detrás da casa, por onde saem com ele fora, que como se serviu pela do quintal, querem que morto saia também por ela. Esta casta de gente é quem os amortalha e lhe dá sepultura. E não chega outro nenhum a ele como dissemos, que não seja da sua ralé. Andam sempre de barba raspada, que parecem capões, vestindo como mulheres». (António de Oliveira Cadornega, História Geral das Guerras Angolanas (1681).)
Portugal iniciou os descobrimentos geográficos e colonizou territórios de todo o mundo - Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, Brasil, Moçambique, Goa, Timor e Macau, mas infelizmente não produziu uma escola de etnógrafos e de etnólogos de qualidade. A citação em epigrafe - em português corrompido - descobri-a não num estudo antropológico português, mas num estudo brasileiro da autoria de Luiz Mott. O capitão António de Oliveira Cadornega realizou uma descrição detalhada da homossexualidade angolana, pelo menos de um determinado tipo de homossexualidade masculina, que permite reconstituir a sua história pré-colonial: Angola é-nos apresentada como a terra da sodomia. Nesse período remoto, a comunidade gay angolana era uma comunidade de feiticeiros: o grupo de feiticeiros era respeitado pela comunidade e vivia publicamente como travestis. Os feiticeiros travestidos eram conhecidos como sacerdotes chefes do sacrifício e praticavam a sodomia. A descrição do capitão foi posteriormente confirmada por diversos estudos antropológicos que mostraram abundantemente que os povos africanos pré-coloniais reconheceram e institucionalizaram as práticas homossexuais: os homens Lango (Uganda), que eram considerados impotentes, vestiam-se como mulheres, simulavam a menstruação e convertiam-se em esposas de outros homens, sendo aceites e acolhidas pelas outras co-esposas femininas no seio da família. A sua homossexualidade era atribuída a um agente sobrenatural. A actividade homossexual mais praticada pelos povos africanos pré-coloniais era o coito anal: os Siwanos do Norte de África regalavam-se na prática frequente de sexo anal, adoptando o papel feminino em situações estritamente sexuais, e os homens que não se recriavam nestas actividades homossexuais eram vistos como "estranhos" ou "peculiares". Os guerreiros Zande (Sudão, República Centro-Africana e Congo) tinham relações intercrurais com os seus jovens escudeiros e os Nkundo (Congo) praticavam o sexo anal, com os mais jovens a desempenhar o papel activo. Os Haúças e os Ganeses aceitavam e praticavam os actos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Os Hereros (Namíbia e Botswana) reconheciam amizades especiais - amizades coloridas - entre homens (oupanga) que incluíam o sexo anal. O mesmo pode ser dito em relação a tantos outros povos africanos, de Norte a Sul, tais como os Harair muçulmanos (Etiópia), os Galas ou Oromos (Etiópia), os Somalis, os Akan da Costa do Ouro, os Amara, os Daometanos, os Namas (África do Sul), os Nyakyusa (Tanzânia), os Rundi, os Hutu, os Tutsi (Ruanda), os Tanala (Madagáscar) e os Zulus.
Os homossexuais angolanos integrados na minha amostra virtual de homossexuais africanos de todo o mundo são, em termos gerais, excessivamente efeminados. Ao contrário dos chamados garanhões negros - os homossexuais africanos activos, eles não exibem o seu pénis flácido ou erecto e, quando lhes pedem para o mostrar, ficam profundamente irritados e, por vezes, banem os visitantes mais curiosos e atrevidos. Porém, quando estão serenos, eles fazem aquilo que geralmente os garanhões negros, sobretudo os afro-americanos, não fazem: mostrar a face sorridente. O pedido para mostrar a face embaraça-os, porque sabem que os traços faciais africanos não são eroticamente apreciados: os visitantes dos sites Web-cam querem ver exibições fálicas, mas, quando há a possibilidade de estabelecer um encontro privado ou mesmo um encontro off-line, eles desejam ver a face dos exibicionistas. Embora esta vontade de ver a face do exibicionista possa ser interpretada como indicação de possível quebra da comunicação, ela revela uma característica típica dos seres humanos: o fascínio pelas faces. Os seres humanos registam as suas emoções na face e, para o fazer, recorrem a diversas linguagens faciais, entre as quais se destacam as linguagens faciais para namoriscar. Num encontro real, a face é normalmente a primeira coisa que reparamos na pessoa com quem interagimos, porque ela nos diz o que essa pessoa sente e o seu estado de saúde, conferindo-lhe uma identidade. A simetria facial funciona como um indicador de bons genes (Thornhill & Gangestad, 1999), cujos transportadores tendem a ter grande sucesso no acasalamento: a estética darwinista da face está intimamente ligada ao estado de saúde de um indivíduo e à sua aptidão directa, bem como à longevidade e à fertilidade. Durante o seu período fértil, as mulheres casadas com homens com faces assimétricas sentem-se atraídas por homens com faces simétricas (Gangestad et al., 2005): elas escolhem preferencialmente homens simétricos como parceiros de casos extraconjugais, donde resulta o facto de 10% das crianças de hoje terem pais genéticos diferentes dos seus pais putativos, provavelmente homens assimétricos que sofrem uma inclinação especial para serem enganados pelos seus rivais mais simétricos. No entanto, as faces africanas não são consideradas atractivas, não tanto por causa dos seus desvios da simetria, mas sobretudo pelo facto de exibirem alguns traços faciais considerados pelos potenciais parceiros sexuais como "feios" e "grosseiros": a cabeça alongada, a pele muito preta e a fronte fugidia do subgrupo nilótico, e o nariz largo e achatado com narinas alongadas em fendas transversais, os lábios espessos com bordo vermelho e o prognatismo evidente do subgrupo congolês, são alguns desses aspectos faciais que não atraem fisicamente os ocidentais. Um corpo musculoso e atlético e/ou um pénis avantajado podem ser rejeitados por causa de uma face não-atractiva. As sequências fotográficas de contactos sexuais interaciais mostram claramente os efeitos negativos dessa não-atractividade facial dos africanos sobre o tipo de actividade sexual realizada com parceiros caucasianos: o sexo com africanos tende a ocorrer sem envolvimento afectivo, isto é, sem troca de beijos íntimos, como se fosse a realização de uma mera curiosidade sexual ou a satisfação de uma busca compulsiva de novidade. No entanto, os angolanos, os moçambicanos e os afro-brasileiros sofreram a mestiçagem, o que lhes permitiu adquirir "faces mais giras", e, como os utentes dos sites Web-cam julgam a atractividade dos residentes africanos pela sua aparência, filtrada por preconceitos étnico-culturais, as faces mestiças são consideradas mais atraentes que as faces especificamente africanas: ser mestiço tornou-se assim sinónimo de "sexo quente" e intenso, tal como pode ser observado nas praias, nos oásis eróticos gay que incentivam as práticas sexuais entre os seus clientes e nas festas da espuma realizadas nas discotecas gay.
Os sites Web-cam são mais frequentados por homossexuais angolanos efeminados que por homossexuais angolanos simplesmente masculinos ou hiper-masculinos: os homossexuais efeminados e hiperefeminados raramente exibem o seu pénis. Os quatro tipos de homossexuais efeminados da minha tipologia das homossexualidades masculinas partilham algumas características em comum: desvalorizam a masculinidade em si mesmos e sobrevalorizam a masculinidade nos outros, os seus parceiros sexuais ideais. Eles interiorizaram a definição social do maricas imposta pela ideologia heterosexista, incorporando o padrão cultural de feminilidade e desvalorizando a masculinidade em si mesmos. Apesar da desvalorização da sua própria masculinidade relaxar à medida que se transita do "maricas" para o "agrupado", passando pelo "agitado" e pelo "enfastiado" respectivamente, os homossexuais efeminados são indivíduos do sexo masculino que valorizam e cultivam a feminilidade em si mesmos e que sobrevalorizam a masculinidade nos outros com quem desejam estabelecer contactos sexuais. Por outras palavras, os homossexuais efeminados tendem a ver-se a si próprios como uma espécie de «mulheres»: a sua preferência sexual pelo papel de receptor anal e oral e a desvalorização da sua própria masculinidade são sinais evidentes da sua feminização e da sua desmasculinização precoces. De modo inverso, os quatro tipos de homossexuais simplesmente masculinos e hipermasculinizados partilham alguns traços em comum: valorizam a masculinidade em si próprios e nos outros. Embora todos adiram de algum modo ao padrão de masculinidade instituído pela sociedade heterosexista, verifica-se que essa adesão se fortalece e se reforça à medida que se passa do "emergente" ao "hipermasculino", passando pelo "normalizado" e pelo "encoberto". Os homossexuais não-efeminados são indivíduos que valorizam a masculinidade em si próprios e nos outros, ou seja, que desvalorizam a feminilidade em si mesmos e nos outros. A valorização da masculinidade em si próprios e nos outros implica a independência em relação à ideologia heterosexista: a rejeição natural do estereótipo social do maricas é realizada mediante a reafirmação da sua condição masculina, donde resulta a invenção de novas masculinidades, algumas das quais são mais masculinas que as exibidas pelos homens heterossexuais. Ora, os homens gay em geral têm perfeita consciência da associação negativa entre atipicidade sexual e atractividade sexual. Com efeito, quanto maior for o grau de efeminamento ou de atipicidade sexual exibido pelos homossexuais maior será a probabilidade de serem marginalizados pela comunidade gay e, por conseguinte, de serem menos bem sucedidos romanticamente, o que tem consequências negativas para a sua saúde mental. Nos sites Web-cam, bem como na comunidade gay real, os homossexuais atípicos não conquistam grandes audiências, pelo menos uma grande audiência homossexual, a menos que estejam a interagir sexualmente com um parceiro activo: os meus amigos efeminados de Angola - incluídos na minha amostra virtual - nunca atingiram as primeiras páginas dos sites Web-cam.
Para explicar o insucesso sexual virtual dos homossexuais angolanos efeminados, vou recorrer a duas figuras de travestis negros da era colonial portuguesa, que foram recuperadas por Luiz Mott (2005): o travesti Vitória - o António - do Reino de Benin, escravo em Lisboa, e Francisco Manicongo, escravo de António Pires na Bahia, ambos os quais já tinham vivenciado a sua orientação homossexual no continente africano. Detida em 1556 pela Inquisição Portuguesa, pelo facto de ter sido denunciada pelas prostitutas da Ribeira de Lisboa, revoltadas com a sua concorrência desleal, a Vitória era uma figura imponente e encorpada que não queria que a chamassem pelo seu nome masculino (António): a prostituta "negra", que residiu inicialmente em Ponta Delgada - na ilha de São Miguel, vestia roupas de mulher e seduzia os moços, os mancebos e os ratinhos (trabalhadores da Beira) que passavam na rua, levando-os para um lugar escuso atrás das casas, onde pecavam, algumas vezes em grupos de 7 ou 8 homens, e riam. Quando foi interrogada pelos padres do Santo Ofício, a Vitória disse que era mulher e tinha «um buraco na ilha», isto é, uma vagina, mas os examinadores concluiram que ele/ela tinha «natura de homem. sem ter buraco algum». A Vitória que gostava de provocar os homens, dizendo-lhes ter um «marido branco», foi condenada a degredo perpétuo nas galés del-rei, servindo como remeiro no Algarve. Em 1591, quando o Santo Ofício se instalou na Bahia, Matias Moreira denunciou Francisco Manicongo por ter «fama entre os negros desta cidade» de ser somítigo: os negros somítigos de Angola e do Congo usavam um pano cingido com as pontas para diante que lhes fazia uma abertura à frente e, quando pecavam, serviam de «mulheres pacientes». A Vitória procurava um marido entre os trabalhadores brancos pobres, enquanto o Francisco quimbanda praticava a homossexualidade com outros negros da Bahia, o que o livrou da fogueira. Hoje classificaríamos a Vitória e o Francisco quimbanda no grupo dos transexuais homossexuais. Nos países latinos, o transexualismo é associado à homossexualidade, no sentido dos transexuais macho-para-fêmea ou fêmea-para-macho serem atraídos por parceiros do seu próprio sexo genético. Mas nem todos os indivíduos transexuais são homossexuais. Blanchard (1985, 1988, 1989) preconizou a existência de dois tipos diferentes de transexualismo: o homossexual e o não-homossexual. Em contraste com os transexuais homossexuais que são andrófilos, os transexuais não-homossexuais tendem a ficar sexualmente excitados com o pensamento ou a imagem de si próprios como mulheres. Blanchard (1989) chamou a esta característica disforia de género autoginefílica. A categoria de transexuais homossexuais inclui indivíduos que foram abertamente efeminados durante a infância (infância sexualmente atípica), que permanecem femininos na vida adulta e que são exclusivamente atraídos por homens, enquanto a categoria de transexuais não-homossexuais integra indivíduos que não foram abertamente femininos durante a infância, que não são marcadamente femininos na vida adulta e que não são exclusivamente atraídos por homens (Cohen-Kettenis & Gooren, 1999). Além das variações das suas atracções sexuais, os indivíduos desta segunda categoria relatam uma história de fetichismo trasvestido ou excitação sexual com cross-dressing (Blanchard, 1985; Blanchard, Clemmensen & Steiner, 1987). Os travestis Vitória e Francisco Manicongo - ou melhor, estes dois transexuais homossexuais negros - recusavam ser tratados como homens: eles viam-se a si próprios como mulheres negras e, por isso, travestiam-se - não para se excitarem sexualmente mas para seduzir os homens - e serviam de mulheres pacientes, isto é, sofriam a cópula anal. Ora, esta feminilidade exagerada - quase caricatural - e assumida pelos travestis e transexuais não atrai os homens gay. Os transexuais andrófilos e os homens gay hostilizam-se e estigmatizam-se reciprocamente: os transexuais negam a masculinidade aos homens gay, rejeitando-os como potenciais parceiros sexuais, e os homens gay reagem chamando-lhes "coisas" que envergonham a condição masculina. Mas o que os separa verdadeiramente é a assumpção da identidade de género: os homens gay orgulham-se de ser homens, enquanto os transexuais homossexuais desejam ser mulheres. Os primeiros apreciam os seus órgãos genitais, enquanto os segundos desejam descartar-se deles e substituí-los por uma vagina. O desconforto dos transexuais com a sua identidade de género é também um desconforto com a sua identidade corporal. Os homens homossexuais nasceram para curtir a sua própria masculinidade intumescida, enquanto os transexuais nasceram para amputar a sua masculinidade: o desejo de ser mulher leva-os a desprezar o seu próprio pénis e a não exibi-lo aos outros, como sucede actuamente entre os homossexuais efeminados angolanos que frequentam os sites Web-cam. Eles não mostram o pénis, comportam-se como "mulheres" à procura de marido estrangeiro, e, quando se exibem privadamente, revelam o furor insaciável do seu único "buraco", tal como o fez Vitória em lugares escusos da Ribeira de Lisboa no século XVI. (Veja mais aqui e aqui.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Homossexualidade em Moçambique

«Faz parte da acusação da Coroa contra mim. Sou chamado para defender a prosa do teu amigo e a tua própria poesia. A primeira, sou incapaz de a desculpar; a segunda, leal até ao amargo extremo à tua literatura cheia de juventude, bem como à tua vida cheia de juventude, defendo-a fortemente, e não aceito que digam que és um escritor de indecências. Mas vou para a prisão, apesar de tudo, por causa da revista de estudantes do teu amigo, e «do Amor que não se atreve a pronunciar o seu nome»". (Oscar Wilde, De Profundis)
Já escrevi um texto sobre as homossexualidades africanas que pode ser lido aqui, onde reponho a verdade no seu devido lugar: as práticas homossexuais não foram introduzidas pelos europeus no continente africano; elas sempre já existiram entre os povos africanos, que lhes deram uma moldura institucional; o que os europeus fizeram foi colonizar as mentes africanas e envenená-las com a homofobia. O antropólogo Ralph Linton realizou um trabalho de campo em Moçambique, mas prefiro retomar a sua conceptualização da homossexualidade entre os Tanalas de Madagáscar para desmistificar outro mito: o mito de que todos os homens homossexuais são sexualmente passivos ou receptivos, como se eles dependessem dos favores sexuais dos machos heterossexuais para satisfazer os seus desejos sexuais. A institucionalização da figura do travesti nalgumas sociedades africanas pode dar essa ilusão. Em Madagáscar, os homens travestidos são geralmente homossexuais e, em muitos casos, podem desempenhar a função de esposa secundária. Os Tanalas aceitam esta instituição do casamento de pessoas do mesmo sexo: as práticas homossexuais entre o marido e a sua esposa secundária não são reprovadas. A actividade homossexual é representada com o marido a penetrar a esposa secundária, que, ao contrário do berdache da tribo Iatmul, não usa um clitóris simbólico sobre o ânus. Os bailarinos profissionais são homossexuais, mas a sua actividade sexual oscila entre práticas homossexuais e heterossexuais. Porém, nem todos os travestidos são homossexuais que se casam e têm relações sexuais com outros homens. Segundo Linton, o travestismo constitui um refúgio socialmente aprovado para o homem impotente: o estatuto de travesti garante-lhe uma condição pessoal socialmente definida no seio da sociedade, e permite-lhe fazer tudo aquilo que uma mulher faz e fazê-lo melhor. Linton está consciente de que o status de travesti pode ser adquirido tanto por indivíduos homossexuais como por indivíduos idosos que perderam a potência sexual ou pelo grupo dos filhos mais novos: as mulheres Tanalas são proibidas de assumir o papel masculino, estando destinadas à missão de ter filhos e cuidar deles. A tribo Thonga de Moçambique também institucionalizou a figura do travesti em conformidade com o modelo da pederastia. No século XIX, os homens desta tribo foram levados para a África do Sul, para trabalhar nas minas, deixando as mulheres em território moçambicano. Nos acampamentos de Joanesburgo, os rapazes que usavam sutiãs esculpidos em madeira sobre o peito entretinham os homens com as suas danças. A animação e a alegria destas danças não deviam ser muito diferentes das de um show moderno de drag queens numa discoteca gay. À noite, após as danças, os rapazes - que tinham maridos - pediam 10 shillings para remover os sutiãs - peitos falsos - e satisfazer as necessidades sexuais dos seus homens. As prostitutas que frequentavam os acampamentos foram preteridas em favor dos rapazes: os Thongas preferiam os rapazes que eram seleccionados pelos supervisores para assumir o papel de travestis.
A troca de papel entre os géneros era socialmente aceite com tranquilidade em muitas sociedades africanas que foram colonizadas pelos europeus. A mente estreita e homofóbica dos europeus colonizadores ficou chocada não só com a troca de papéis mas também com a actividade homossexual realizada entre os homens - os maridos - e os seus rapazes ou esposas secundárias: a prática da sodomia condenada pelo padre Henri A. Junod. Os estudos antropológicos clássicos tendem a referir unicamente a homossexualidade passiva (Aristóteles): os homossexuais são representados como indivíduos que assumem o papel sexual do sexo oposto, sendo penetrados analmente por homens heterossexuais. Geralmente, além de não questionarem a orientação sexual dos homens que desempenham o papel de introdutores anais, não fornecem informação sobre outras actividades homossexuais, nomeadamente sobre o sexo oral, a troca de carícias íntimas e os beijos húmidos: o erotismo homossexual africano é reduzido à prática mecânica de coito anal, em que o parceiro activo é considerado heterossexual, e o passivo, homossexual. Esta visão antropológica da homossexualidade africana contrasta fortemente com a imagem que os homossexuais ocidentais construíram do homem africano. Esta discrepância evidenciou-se no decorrer da minha pesquisa de campo nos nichos eróticos gay da Internet: numa conversa em janela privada, um homem gay português de Viseu relatou-me as suas fantasias sexuais, uma das quais era a projecção urinária, e a outra, penetrar analmente um homem negro. Ele já tinha realizado diversas vezes a sua fantasia urinária, mas não acreditava poder concretizar a penetração anal activa com um homem negro, porque, como alegava, todos os africanos eram homens activos bem-dotados. Fiquei muito surpreendido com esta declaração do meu amigo virtual de Viseu: um homossexual masculino português que frequenta regularmente os "ambientes" do Porto e de Lisboa e os sites Web-cam, deve andar muito distraído para não ver as "negras passivas" que se exibem de modo flagrante e provocante nesses ambientes reais e virtuais. A visão do homem negro deste meu amigo virtual que diz ser predominantemente activo - embora eu tenha detectado nele indicadores comportamentais de versatilidade sexual - pode ter sido contagiada pelas sequências fotográficas de pornografia gay que circulam pelo Messenger e pela experiência sexual dos homossexuais passivos. De facto, em Portugal, os homossexuais passivos conseguem seduzir facilmente um indivíduo africano proveniente de Cabo Verde, de Angola, de Moçambique ou de outro país africano. O indivíduo africano não precisa ser homossexual para fazer sexo com os homossexuais ocidentais, desempenhando em todos estes casos o papel activo. Este padrão de comportamento sexual dos homens africanos foi observado no terreno - aqui em Portugal - e reforçado pelos relatos dos próprios homossexuais masculinos portugueses que viveram - retornados - ou trabalham ainda hoje nas ex-colónias portuguesas.
Para estudar o comportamento homossexual africano, constitui uma amostra virtual composta por indivíduos negros oriundos de todo o mundo, de África, da Europa, do Brasil, da América do Sul e Central, e dos USA, com especial destaque das ex-colónias portuguesas. Os dados recolhidos sugerem que as sexualidades de género masculino dos indivíduos negros são menos rígidas que as sexualidades de género masculino dos europeus. Nos sites Web-cam, bem como depois via Messenger, eu posso usar abertamente um perfil masculino - gay ou não-gay - para interagir com um indivíduo negro que afirma ser heterossexual, tendo «direito» nalgumas situações a uma sessão de exibição sexual privada e grátis. Acentuo o sexo grátis para descartar a hipótese da prostituição masculina: alguns residentes permanentes dos sites Web-cam - incluindo indivíduos negros - são efectivamente prostitutos, isto é, exibem actividade sexual para todos os utentes masculinos ou femininos - cada um privadamente - que lhes pagam para esse efeito. Quando Moçambique estava incluído no Spartacus: International Gay Guide, os circuitos gay moçambicanos eram de certo modo apresentados como circuitos de prostituição barata: os homens homossexuais que visitassem Maputo podiam encontrar em determinados locais da Polana rapazes ou jovens para satisfazer a baixo custo as suas necessidades sexuais. A imagem ocidental do homem africano é sempre a mesma: o homem africano é apresentado como um parceiro activo, bem-dotado e acessível à abordagem sexual. Quanto ao tamanho do pénis dos indivíduos negros, é preciso dizer que o seu pénis não é, em média, maior do que o dos indivíduos europeus: os únicos pénis que, em média, são menores que os dos indivíduos negros, indianos e caucasianos são os dos asiáticos (chineses), e, nestes mesmos grupos, os homens homossexuais exibem pénis de maiores dimensões que os homens heterossexuais. O pénis negro de grandes dimensões - o "analgésico de chocolate" - é, portanto, um mito, tal como o é também a ideia gay de que todos os homossexuais negros são activos. A existência de comunidades gay em Moçambique - a comunidade invisível e ubíqua das "manas" - ou em Angola desmente facilmente esta última ideia, bastando pensar no modo como cada um se integra nessas comunidades e interage sócio-sexualmente com os outros membros: os padrões de comportamento e os estilos de vida gay são muito idênticos em todos os países do mundo. As comunidades gay são sexualmente autónomas e auto-suficientes: a diversidade de preferências sexuais de papel - activo, versátil e passivo - garante essa autonomia sem ser necessário recorrer aos serviços sexuais de machos heterossexuais exóticos.
O único atributo do homem africano que retenho como realmente confirmado é a sua atitude menos preconceituosa em relação à homossexualidade, e esta atitude de abertura é particularmente evidente no grupo moçambicano da minha amostra virtual. Na comunicação mediada por computador, a maioria dos homens moçambicanos contactados - e as mulheres também - revela interesse em experimentar fazer sexo com outros homens. Não sei como seriam classificados os moçambicanos se lhes aplicássemos o Index da Homofobia, mas nestes contactos virtuais eles revelam um nível muito baixo de homofobia. Durante a pesquisa de terreno, verifiquei a existência de contactos sexuais entre homossexuais portugueses e homens caboverdianos e angolanos, para já não falar daqueles africanos que chegam até Portugal provenientes do Norte de África e que são utilizados para a produção de material pornográfico. Com excepção deste último grupo de africanos, a maior parte dos contactos sexuais realizava-se sem pagamento em dinheiro ou mesmo em género. A atracção física é um processo complexo, como já demonstrei noutros textos: a reacção sexual dos homens africanos é evidentemente idêntica à dos homens europeus. Preferem claramente parceiros mais novos do que eles - um padrão tipicamente masculino - e, o que é muito peculiar neles, reagem com potente erecção a alvos louros e de pele clara. Os homossexuais masculinos caucasianos que não se enquadram neste modelo ou são muito "femininos" - um traço susceptível de atrair os homens africanos - ou terão que negociar a relação sexual e, neste caso, oferecer alguma ajuda adicional, em especial pecuniária. Outra maneira de seduzir os homens africanos é exibir status, mas esta exibição também funciona entre os europeus: a relação que deriva dela tende a ser oportunista. Os homens africanos que fazem sexo com outros homens - aqui em Portugal - não são necessariamente homossexuais, porque muitos deles podem ser casados e ter família constituída: aqueles que são verdadeiramente homossexuais tendem a preferir exclusivamente parceiros sexuais do mesmo sexo, sendo refractários a contactos com membros do sexo oposto, como se verifica facilmente nos sites Web-cam. Porém, os homens moçambicanos surpreenderam-me, não tanto pelo facto de não serem homofóbicos, mas sobretudo pelo facto de declararem querer fazer sexo com outros homens e, nalguns casos, mudar de orientação sexual, como se fossem efectivamente homossexuais. O conhecimento da etnografia dos povos de Moçambique ajuda-me a compreender a sua não-homofobia: a mente masculina moçambicana manifestou sempre uma abertura em relação a algum tipo de prática homossexual. Ter ocasionalmente relações sexuais com jovens do mesmo sexo ou mesmo com homens adultos - turistas ou não - é, para o homem heterossexual moçambicano típico, um comportamento perfeitamente compreensível à luz da sua própria história cultural. Como vimos, os homens da tribo Thonga expulsaram as prostitutas dos seus acampamentos, preferindo fazer sexo com os rapazes. O que desafia o paradigma dominante na pesquisa sexual não é a exibição deste comportamento homossexual, mas sim a flexibilização de uma das sexualidades de género masculino - precisamente a heterossexual, já que a homossexualidade dos homens de Moçambique, sobretudo a dos mais efeminados, continua a manifestar rigidez. A existência de heterossexuais exóticos que curtem sexo com outros homens começa a fazer estremecer a hipótese neuro-hormonal da diferenciação sexual do cérebro e do comportamento, forçando-nos a olhar de modo problemático para a heterossexualidade. Até agora temos procurado explicar a homossexualidade, sem questionar a suposta normalidade heterossexual, mas, neste momento de multiplicação dos prazeres, começamos a suspeitar que, sem explicar a heterossexualidade, não podemos compreender a homossexualidade e a transexualidade. Os moçambicanos podem ajudar a compreender melhor a heterossexualidade exótica que recusa conscientemente o heterosexismo. África - o suposto berço da Humanidade - pode ajudar a compreender que o programa da orientação sexual só se fecha na homossexualidade masculina ou, numa situação clínica, quando produz transsexuais macho-para-fêmea. Os homens de Madagáscar - os tanalas - atribuiam às mulheres a função de gerar filhos e cuidar deles, reservando para si próprios os prazeres do sexo. O sex drive dos homens é efectivamente superior ao das mulheres. (Veja este site, este post gay alentejo, este texto interessante de Luiz Mott e, por fim, o portal moçambicano da comunidade gay e lésbica.)
J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Denise: a minha amiga da Literatura

A Denise editou um post, onde re-lata o nosso encontro pós-virtual na Cidade Invicta: o post intitula-se "Francisco, o meu amigo filósofo". Nele a Denise volta a colocar a questão central do Porto, um tema que esteve presente na nossa conversa e que foi tratado musicalmente pelo grupo Mind da Gap numa composição intitulada Invicta. (Clique aqui no site oficial da banda.) Nomear o Porto desencadeia muitas emoções nas pessoas, umas negativas, outras positivas: ou se ama o Porto ou se odeia o Porto, mas nunca se é indiferente ao Porto. A Denise - especialista exímia em língua portuguesa e na sua literatura - capta de modo formidável a tonalidade afectiva e imaginária da palavra Porto quando escreve estas palavras pensadas e sentidas: «A palavra Porto, como, aliás, cada palavra em si, nunca está isenta de uma impressão digital: movimenta-se no nosso imaginário em consonância com a experiência de vida de cada um de nós. No que a mim diz respeito, os locais redimensionam-se em função de leituras e de afectos. Foi pelas leituras que fui construindo o meu imaginário sobre a Invicta e, assim, o Porto era, para mim, o rosto dos liberais, de Garrett, de Agustina ou de Helena Sá e Costa. No entanto, de há uns dois anos para cá, o meu Porto tem vindo a ser consolidado no campo dos afectos virtuais e, por antonomásia, hipérbole ou alegoria, passou a ser, também, sinónimo de Francisco Saraiva de Sousa
A Denise tem uma teoria da imagem da cidade - aliás uma teoria muito feminina: a sua noção de impressão digital reconduziu-me a Sartre que, quando visitava uma cidade, estava mais interessado em conhecer os seus habitantes e o seu estilo de vida que a sua arquitectura monumental. Para a Denise, eu - um mero mortal que habita um determinado nicho da Invicta - tornei-me um marco ou, se quiserem, uma referência afectiva e humana que reforça a sua imagem do Porto - dando-lhe talvez um rosto humano - construída a partir dos afectos e das leituras. Devo dizer que, quando cheguei ao Porto, o que me atraiu foram os seus telhados vistos da Ponte D. Luís. Inicialmente, senti uma repulsa pelos seus habitantes que me tratavam como se fosse um estranho ou, o que é ainda pior, um estrangeiro: chamar-me "mouro" não soava bem e eles tinham noção disso. No entanto, dado ter nascido portista - adepto do FCPorto -, consegui cativar os portuenses e realizar o penoso trabalho de desmontar o nosso - o meu e o deles - preconceito interiorizado: a má imagem do Porto e do FCPorto construída e difundida pelos meios de comunicação social lisboetas. O mal-estar que parece existir entre o Norte e o Sul de Portugal é alimentado pela comunicação social, sobretudo pela comunicação desportiva que incita abertamente à violência desportiva, como sucedeu neste último domingo quando adeptos do FCPorto e do Desportivo de Chaves - as equipas que jogaram a final da Taça de Portugal - foram apedrejados por benfiquistas enraivecidos e dementes. A agressividade atribuída aos homens do Norte é uma invenção perversa do "povo" encarnado, porque na verdade só há violência entre adeptos de clubes «rivais» quando esse "povo" está directa ou indirectamente envolvido. O que divide realmente os portugueses é a sua posição em relação ao Benfica e à sua tentativa antidemocrática de sequestrar o futebol nacional, como era seu hábito no tempo negro e cruel do fascismo. Portugal democratizou-se, mas o Benfica teima em ser um anacronismo fascista e totalitário. Se eliminarmos o Benfica das nossas conversas e silenciarmos os seus canais comunicativos, constatamos rapidamente as nossas afinidades e o nosso orgulho na pátria. O reconhecimento recíproco só pode ocorrer entre iguais: a escravatura física e mental é um momento superado na dialéctica da libertação. No mundo democrático, não existem senhores portadores de uma autoridade inquestionável: o Benfica não é nem pode ser reconhecido pelos adversários enquanto não aprender a viver em democracia, respeitando os outros e vencendo os jogos no campo e não nos túneis ou nas secretarias, como é seu defeito de nascimento.
O imaginário da Denise sobre a Invicta não sofreu a deformação do preconceito negativo fabricado e difundido pela comunicação desportiva sectária: ele foi construído gradualmente a partir da leitura de obras de ilustres portuenses, tais como Almeida Garrett, Agustina Bessa-Luís e Helena Sá e Costa, que lhe deram um rosto liberal, e, depois, pelos afectos virtuais. Fico feliz pelo facto da Denise ter descoberto em mim o rosto humano da imagem liberal que construiu do Porto. Não sei se mereço o elogio - ser o rosto humano e afectivo do Porto liberal, mas foi com prazer que decidi conhecer pessoalmente a Denise e converter a nossa amizade virtual num laço de amizade real. A Denise apreendeu o rosto humano da Invicta de modo mais rápido do que eu. Esta habilidade cognitiva exibida pela minha querida amiga é uma característica típica do cérebro feminino. Para a Denise, os lugares e os locais redimensionam-se em função dos afectos: onde eu vejo marcos e figuras geométricas, ela vê os vestígios da humanidade que ama e sofre. Eu tive de aprender aquilo que é capacidade inata na Denise, reforçada na prática da leitura exigente de Agustina Bessa-Luís: ver os outros como possíveis companheiros de diálogo e de viagem e não como alvos a abater. Em termos simples, posso afirmar que a minha imagem inicial da cidade Invicta era agonística, formada durante o meu período de integração na sua vida social, enquanto a da Denise é uma imagem hedónica construída de fora com base nas leituras que realizou previamente de obras literárias de ilustres portuenses: o facto de ser lançado repentinamente num tecido urbano que me era "estranho" obrigou-me a vê-lo como um espaço de luta e de conflito. Procurei integrar-me sem perder as minhas raízes, a minha identidade: a presença do passado urbano e cultural da Invicta cativou-me desde logo; o meu vínculo com o Porto consolidou-se com a descoberta solitária do seu passado e do seu património cultural, urbanístico e arquitectónico. Porém, a descoberta do passado que me vinculou à Invicta não obedece a um impulso conservacionista e saudosista, mas sim a um impulso modernizador: o facto de ver o passado da Invicta como um impulso para a sua modernização constante acentuou as clivagens existentes entre mim e os «nativos»: eu tornei-me mais portuense do que eles e, neste sentido, considero legítimo o laço afectivo e cultural que a Denise estabeleceu entre mim e a cidade. Eu habito o Porto como se habitasse o centro do mundo: o Porto é a minha casa, o meu lar, construído no centro do mundo pátrio, que quero partilhar com todos os cidadãos do mundo. E neste desejo - que recusa a imagem turística oficial e a imagem pública do Porto veiculada por forças inimigas e invejosas - a diferença sexual que esbocei dissolve-se: o Porto é a Pátria da Identidade, a Casa do Homem. O Porto é mundo. A Denise rendeu-se à paixão que nutro pelo Porto e antecipou-se: ela fez uma viagem de metro que eu ainda não tive a oportunidade de realizar - atravessar a ponte D. Luís I que liga o Porto e Gaia. Os lugares visitados foram carregados de afectos e de significados digitais: a imagibilidade da cidade é efectivamente afectiva. Eu e a Denise criámos um laço entre nós e com a cidade Invicta. Adorei conhecer pessoalmente a Denise: já lhe tinha dedicado um post - Um Encontro na Cidade Invicta, e volto a dedicar-lhe mais um: a si enquanto pessoa humana - rica, bonita e multifacetada - e à sua inteligência. Sonho com o nosso grupo de amigos virtuais - Else, Manuel Rocha, Fernando Dias e Maldonado (links estabelecidos no outro post) - a lutar por um mundo melhor. (Aproveito a ocasião para anunciar este site sobre Guerra Junqueiro, da autoria de uns amigos da Universidade Católica-Porto.)
J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 18 de maio de 2010

Prós e Contras: Medidas Dolorosas

O Debate Prós e Contras de ontem (17 de Maio) foi uma terrível desilusão: José Vieira da Silva (Ministro da Economia), Basílio Horta (AICEP), António Nogueira Leite (PSD) e Octávio Teixeira (PCP) conversaram sobre o Plano de Austeridade acordado entre o PS e o PSD sem terem problematizado a própria natureza das medidas e o futuro de Portugal. Nos últimos 30 anos, os governos do PSD e do PS têm imposto sacríficios aos portugueses em nome de um futuro constantemente adiado: a modernização das infra-estruturas e a introdução de tecnologia sofisticada não produziram desenvolvimento económico e cultural, porque Portugal não se tornou real, subjectiva e objectivamente um país mais rico; a alma dos portugueses foi raptada e o que resta dela mergulhou na depressão profunda. O Plano de Austeridade pode ser expresso deste modo: Eles - as classes dirigentes nacionais - querem o nosso dinheiro - o dinheiro dos portugueses de ontem, de hoje e de amanhã. Para quê? Para «financiar» os seus próprios erros de governação. Portugal pode ter - não estou seguro disso - qualidade de mão-de-obra, como disse Basílio Horta, mas carece de políticos e de gestores competentes: o trabalho dos políticos e dos gestores portugueses é trabalho não qualificado, e eles próprios reconhecem a sua incompetência quando saúdam a perda da soberania nacional. Portugal é, neste momento, governado do exterior: a nossa lider é Angela Merkel e não José Sócrates. O realismo germânico livrou-nos do optimismo socratino: o país está realmente desorientado, deprimido, agressivo e falido. A Europa do Sul - Grécia, Portugal, Espanha e Itália - é profundamente corrupta, mafiosa e, sobretudo, culpada pela sua própria humilhação nos mercados financeiros: os alemães não querem - e com razão - sustentar a irresponsabilidade política e os delírios de grandeza dos chulecos do Sul que desistiram de pensar como seres humanos.
Lisboa nunca soube governar Portugal, preferindo comportar-se como uma chula, ou melhor, como uma prostituta velha, feia e gorda. Primeiro, chulou as colónias em fases sucessivas de oportunidades reais de desenvolvimento económico desperdiçadas, e, depois de ter perdido o império colonial, começou a chular o resto do país, até que finalmente, com a entrada na União Europeia e na zona Euro, alimentou a ilusão néscia de que a Europa iria financiar os seus sonhos de grandeza: o resultado desta ilusão tipicamente lisboeta foi a destruição do tecido produtivo e o endividamento externo de Portugal que nos coloca - a todos os portugueses, porque Lisboa só se lembra de nós na hora do aperto - à mercê da gula especulativa dos mercados financeiros. Os projectos de investimento público deste governo são absolutamente chocantes (Nogueira Leite) e irracionais. Vieira da Silva referiu a educação como indicador da modernização do país pós-25 de Abril, mas a irracionalidade económica das obras públicas planeadas desmente-o cabalmente: o sistema de educação diplomou atrasados mentais de tal calibre que Portugal já não tem futuro. Lisboa repete os mesmos erros de sempre e teima em investir em si mesma e na sua região - a construção do TGV Lisboa-Madrid para passageiros falidos, do Novo Aeroporto para os credores internacionais que nos governam, da Terceira Travessia do Tejo para entupir e eclipsar Lisboa, e da Auto-Estrada Sines-Beja (Basílio Horta), continuando a endividar o país, a hipotecar o destino de todos os portugueses - e não tanto o dos seus beneficiários sulistas - e a não produzir riqueza e emprego estrutural: a capital asteca sem dinheiro empobrece o país para realizar o seu sonho de grandeza saloia, improdutiva e néscia. O desenvolvimento improdutivo de Lisboa mergulha o país na miséria e na pobreza, roubando-lhe a alma e exilando-o na pátria. Eu estou cansado desta mediocridade nacional. Não vale a pena sonhar Portugal, porque não temos futuro enquanto não tivermos coragem para desmantelar a rede de corrupção que preside aos nossos destinos. Mas de uma coisa estou certo: os recentes sacrifícios - sujeitos a ser continuamente agravados -, acordados entre o PS e o PSD, irão ser - mais uma vez - EM VÃO. Sacrifícios em vão são política terrorista: Lisboa - a capital do endividamento externo - é o terror de Portugal, que um bando de adeptos anormais do Benfica materializa na prática de apedrejamento - impune!!! - das pessoas do Norte e dos seus bens. O Norte possui todos os elementos para fazer o diagnóstico e encontrar o tratamento adequado: a autodeterminação.
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 16 de maio de 2010

FCPorto: O Nosso Campeão Azul

Em Portugal, o FCPorto é o único clube com classe, que conquistou hoje (16 de Maio) a sua 15ª Taça de Portugal. Os jogadores da equipa de futebol do FCPorto - bem como os seus técnicos, com especial destaque de Jesualdo Ferreira - destacam-se dos seus pseudo-adversários pela qualidade dos genes que transportam: basta olhar para as simetrias faciais para testar essa qualidade azul que contrasta com as deformações adversárias. O FCPorto é um clube moderno, dinâmico, activo, transparente e inteligente, que atrai os portugueses - sobretudo os jovens com ambição diurna - que desejam um futuro novo para Portugal: os adeptos do FCPorto devem aprender a desprezar o seu adversário e a negar-lhe a existência. Apesar deste campeonato estar ferido de morte pela questão dos túneis e coberto pela vergonha da mentira desportiva - conspirada em quartos escuros e difundida pelos medíocres meios de comunicação social da capital asteca, vou dedicar um poema azul ao FCPorto. O poema intitula-se Grodek e é da autoria de um poeta azul - Georg Trakl - que anseia pelos filhos que ainda hão-de nascer: o azul anímico da noite anuncia a chegada de uma nova geração, cuja missão será destronar a maldita geração e realizar todos os nossos sonhos diurnos azuis. Eis o poema:
«Ao entardecer, as florestas outonais
ecoam de armas mortíferas, e as planícies douradas
e os lagos azuis, por sobre os quais rola
um sol sombrio; a noite abraça
guerreiros moribundos, o lamento selvagem
das suas bocas destroçadas.
Mas, em silêncio, num fundo de salgueiros,
juntam-se nuvens rubras, onde um Deus irado habita;
e o sangue derramado, e frescura lunar;
todos os caminhos desembocam em negra podridão.
Sob dourada ramagem da noite e sob estrelas
a sombra da irmã vacila pelo bosque de silêncio,
para saudar os espíritos dos heróis, as cabeças
ensanguentadas;
e levemente, nos canaviais, soam as flautas sombrias do
outono.
Oh, dor orgulhosa! Vós, brônzeos altares,
Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante do
espírito,
Os filhos que ainda hão-de nascer.»
J Francisco Saraiva de Sousa