António Botto |
Estava com a ideia de concluir a navegação desta onda estética do mês de Agosto com o esboço de uma filosofia da música, em diálogo com os ensaios presencistas de Fernando Lopes Graça. Porém, como me ofereceram as primeiras edições dos livros de António Botto, resolvi folheá-los e, de repente, sou confrontado com um grande poeta que foi maldosamente esquecido por estes zombies que são os portugueses. Quando estava a tomar café, agora à noite, levei comigo As Canções de António Botto e resolvi resgatá-lo, trazendo-o de novo à nossa presença. Vou fazer com António Botto aquilo que já tinha feito com Guerra Junqueiro: libertá-lo dessa prisão que é a História da Literatura Portuguesa e das leituras que dele fizeram Fernando Pessoa e José Régio. Não aprecio o fingimento de homens que encobriram a sua verdadeira orientação sexual, fazendo da dos outros uma espécie de esteticismo sensual. Os dois textos que dediquei à poesia lírica de António Botto respeitaram o "poetizado", mas a tarefa de resgate exige um confronto com a própria poesia e com aquilo que nela é dito. A estética da expressão tal como foi praticada pelos presencistas traz a marca da bisbilhotice portuguesa: a vida de António Botto foi devassada e o resultado dessa devassa perversa foi o seu exílio no Brasil. Não me comprometo com uma data: pensar a poesia e elucidá-la exige tempo e, sobretudo, um trabalho onírico que escapa ao meu controle. Geralmente, não perco tempo a pensar. Quando o pensamento estiver preparado, ele convoca-me e as minhas mãos dão-lhe expressão. Um dia destes acordo com a elucidação da poesia de António Botto pronta para passar à escrita. Até lá deixo aqui alguns poemas de António Botto:
Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta agonia da tarde.
Guarda -
Para outro momento,
Teu viril corpo trigueiro.
O meu desejo não arde
E a convivência contigo
Modificou-me - sou outro...
A névoa da noite cai.
Já mal distingo a côr fulva
Dos teus cabelos, - És lindo!
A morte
Devia ser
Uma vaga fantasia!
Dá-me o teu braço: - não ponhas
Êsse desmaio na voz.
Sim, beijemo-nos, apenas!,
- Que mais precisamos nós? (Adolescente, 1)
Busco a beleza na forma;
E jamais
Na beleza da intenção
A beleza que perdura.
Só porque o bronze é de boa qualidade
Não se deve
Consagrar uma escultura. (Piquenas Esculturas, 1)
Venham ver a maravilha
Do seu corpo juvenil!
O sol encharca-o de luz,
E o mar de rojo tem rasgos
De luxúria provocante.
Avanço. Procuro olhá-lo
Mais de perto... A luz é tanta
Que tudo em volta cintila
Num clarão largo e difuso...
Anda nu - saltando e rindo,
E sôbre a areia da praia
Parece um astro fulgindo.
Procuro olhá-lo; - e os seus olhos,
Amedrontados, recusam
Fixar os meus... - Entristeço...
Mas nesse olhar fugidio -
Pude ver a eternidade
Do beijo que eu não mereço. (Ciúme, 1)
Na última carta
Chamavas-me decadente;
E eu achei graça,
Fêz-me rir
A tua carta.
Quiseste insultar-me,
E afinal,
Conseguiste ser gentil.
Os homens
- Ou os povos,
Saturados
De tudo compreenderem,
Decaem
Quando preferem
Ao gôsto austero de criar,
O estéril
E fino deleite
De contemplar o que está feito.
- Não te distraias, não fujas...,
E o prazer
É uma filosofia
Bem profunda,
Mesmo até - guarda êsse riso!
A mais firme e encantadora.
Agora, - aproxima-te de mim;
Quero beijar-te, sentir
A tua carne trigueira.
Recusas-te? - Vou-me embora!
É a única maneira... (Dandysmo, 17)
Hoje - sou eu que te peço
Que me dês uma notícia,
Que me digas qualquer coisa.
Fala-me de ti;
Perdoa aquêle rir desdenhoso
Quando quiseste beijar-me,
- Tu bem vês o meu amor!
Sou um doido; um caprichoso!
E se êsse sorriso
Foi o único motivo
Da tua separação
- Francamente!, não encontro
Que tenhas tanta razão.
Mal a tua mão ergueste,
Serena, tôda estendida,
E sem mais nada
Marcaste
O frio da despedida,
A minha alma,
Anda enfêrma,
Tão febril, sobressaltada...,
- E o meu sorriso caiu
Como bandeira molhada. (Dandysmo, 10)
Basta. Não digas mais nada.
Disseste já o bastante
Para te ver claramente
À luz da minha ansiedade!...
Desfez-se o mal-entendido
Em que eu andei construindo
Castelos imaginários!
Bem haja a tua verdade!
Só lamento que ela venha
Depois de ter envolvido
Nas malhas fatais do amor
A minha tranqüilidade,
A minha vida, - o meu nome,
Tudo quanto me fêz grande
À margem do anonimato...
Contigo -
Desafiei a má língua
Dessas várias trabuquetas
Onde se enterram os brilhos
Das grandes reputações
No lixo miserável das sargetas...
Mas, enfim!: êsse bafio,
Há-de perder-se ou passar...
E eu ficarei como dantes:
- Canção alada e nocturna
Dos párias e dos amantes!
Aumentar mais o meu drama
Nas palavras que eu dissesse
E que eu sentisse -
Não construía mais nada...
Isto, afinal, para mim,
Foi um alto ensinamento;
Embora seja, também,
Uma espécie de sorriso
Com laivos de sofrimento. (Toda a Vida, 6)
J Francisco Saraiva de Sousa
Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta agonia da tarde.
Guarda -
Para outro momento,
Teu viril corpo trigueiro.
O meu desejo não arde
E a convivência contigo
Modificou-me - sou outro...
A névoa da noite cai.
Já mal distingo a côr fulva
Dos teus cabelos, - És lindo!
A morte
Devia ser
Uma vaga fantasia!
Dá-me o teu braço: - não ponhas
Êsse desmaio na voz.
Sim, beijemo-nos, apenas!,
- Que mais precisamos nós? (Adolescente, 1)
Busco a beleza na forma;
E jamais
Na beleza da intenção
A beleza que perdura.
Só porque o bronze é de boa qualidade
Não se deve
Consagrar uma escultura. (Piquenas Esculturas, 1)
Venham ver a maravilha
Do seu corpo juvenil!
O sol encharca-o de luz,
E o mar de rojo tem rasgos
De luxúria provocante.
Avanço. Procuro olhá-lo
Mais de perto... A luz é tanta
Que tudo em volta cintila
Num clarão largo e difuso...
Anda nu - saltando e rindo,
E sôbre a areia da praia
Parece um astro fulgindo.
Procuro olhá-lo; - e os seus olhos,
Amedrontados, recusam
Fixar os meus... - Entristeço...
Mas nesse olhar fugidio -
Pude ver a eternidade
Do beijo que eu não mereço. (Ciúme, 1)
Na última carta
Chamavas-me decadente;
E eu achei graça,
Fêz-me rir
A tua carta.
Quiseste insultar-me,
E afinal,
Conseguiste ser gentil.
Os homens
- Ou os povos,
Saturados
De tudo compreenderem,
Decaem
Quando preferem
Ao gôsto austero de criar,
O estéril
E fino deleite
De contemplar o que está feito.
- Não te distraias, não fujas...,
E o prazer
É uma filosofia
Bem profunda,
Mesmo até - guarda êsse riso!
A mais firme e encantadora.
Agora, - aproxima-te de mim;
Quero beijar-te, sentir
A tua carne trigueira.
Recusas-te? - Vou-me embora!
É a única maneira... (Dandysmo, 17)
Hoje - sou eu que te peço
Que me dês uma notícia,
Que me digas qualquer coisa.
Fala-me de ti;
Perdoa aquêle rir desdenhoso
Quando quiseste beijar-me,
- Tu bem vês o meu amor!
Sou um doido; um caprichoso!
E se êsse sorriso
Foi o único motivo
Da tua separação
- Francamente!, não encontro
Que tenhas tanta razão.
Mal a tua mão ergueste,
Serena, tôda estendida,
E sem mais nada
Marcaste
O frio da despedida,
A minha alma,
Anda enfêrma,
Tão febril, sobressaltada...,
- E o meu sorriso caiu
Como bandeira molhada. (Dandysmo, 10)
Basta. Não digas mais nada.
Disseste já o bastante
Para te ver claramente
À luz da minha ansiedade!...
Desfez-se o mal-entendido
Em que eu andei construindo
Castelos imaginários!
Bem haja a tua verdade!
Só lamento que ela venha
Depois de ter envolvido
Nas malhas fatais do amor
A minha tranqüilidade,
A minha vida, - o meu nome,
Tudo quanto me fêz grande
À margem do anonimato...
Contigo -
Desafiei a má língua
Dessas várias trabuquetas
Onde se enterram os brilhos
Das grandes reputações
No lixo miserável das sargetas...
Mas, enfim!: êsse bafio,
Há-de perder-se ou passar...
E eu ficarei como dantes:
- Canção alada e nocturna
Dos párias e dos amantes!
Aumentar mais o meu drama
Nas palavras que eu dissesse
E que eu sentisse -
Não construía mais nada...
Isto, afinal, para mim,
Foi um alto ensinamento;
Embora seja, também,
Uma espécie de sorriso
Com laivos de sofrimento. (Toda a Vida, 6)
J Francisco Saraiva de Sousa
7 comentários:
Hoje estou economista e reli alguns textos de Marx. Marx é simplesmente genial!
Li em português, porque não tinha esses livros em português. Não aprovo as traduções portuguesas de Marx: o espírito comunista adulterou Marx.
Afinal, o comunismo é tudo aquilo que não é especificamente marxista e o chamado socialismo científico é um desvio positivista. O economismo da social-democracia é um monstro! Enfim, é preciso desembaraçar Marx desses fardos!
Bem sei: ao proceder desse modo - dizem - privo o marxismo da política. Hmmmm... não o creio - liberto-o para a Grande Política.
Agradeço os convites para integrar diversas sociedades internacionais, mas não tenho tempo para fazer frente a tudo. Sempre que puder ajudo mas tudo depende do tempo disponível.
Bem, e com a publicidade, qualquer dia tenho mais neonazis à perna: o que vale é que os desprezo. :)
Ah, não sei bem o que é o marxismo cultural! Ironia! Eu sou revolucionário! E, sim, pratico a crítica da ideologia, a negação determinada!
Quanto às preferências clubísticas - Sim, o FCPorto é mais do que cosmopolita - é campeão europeu! Temos muitas taças, somos o melhor clube do mundo! :)
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