terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Prós e Contras: Economia: Dias de Incerteza

«Sem a persuasão maciça e hábil que cria o condicionamento da procura, a abundância crescente poderia ter enfraquecido o interesse das pessoas pela aquisição de maior número de bens. (...) Por isso, a publicidade e as técnicas contribuem para criar o tipo de indivíduo que se coaduna com os fins do sistema industrial: aquele que despende regularmente o que ganha e que trabalha constantemente porque tem sempre necessidade de mais». (John K. Galbraith)
O programa "Prós e Contras" de hoje (28 de Janeiro de 2008), dedicado inicialmente ao "Optimismo ou Pessimismo", teve por objectivo analisar o impacto da crise financeira do capitalismo americano no mundo global, em especial na Europa e em Portugal. Dois dos convidados, Eduardo Catroga e Carlos Carvalhas, com o contributo de Ferreira do Amaral, discutiram o assunto numa perspectiva macroeconómica, enquanto Ferreira de Oliveira se referiu à microeconomia. Com excepção, aliás muito «moderada» de Carlos Carvalhas, todos preferiram apostar mais no «optimismo» do que no «pessimismo» e começaram a usar o termo "capitalismo" para designar o sistema económico vigente. Este facto revela uma tese que tenho defendido: a "economia burguesa" nada mais é do que a implementação de artifícios que visam evitar aquilo que Marx previu cientificamente: a irracionalidade da economia capitalista. Esta crise põe em questão a viabilidade da "sociedade de consumo" como modelo capaz de viabilizar um capitalismo sem crises. A exploração dos "consumidores" leva-os à penúria e os "ricos" estão cada vez mais "ricos".
Porém, quem procurava neste programa novos esclarecimentos sobre as causas e as consequências desta crise do capitalismo e recessão económica deve ter chegado ao fim sem ter percebido grande coisa. Isso acontece devido ao "formato" (sentido genérico) do próprio programa: um mostruário de pessoas fortemente envolvidas nas diversas esferas de decisão nacional, que, dada a sua responsabilidade na situação pouco confortável do país, acabam por fazer uma defesa do sistema português. Vou tentar exemplificar isto centrando-me em duas frases muito curiosas de Catroga.
1) "A economia não é uma ciência exacta". O recurso a uma suposta «autoridade científica» é recorrente na política nacional. Os nossos lideres apresentam e fundamentam as suas decisões políticas com base em «estudos científicos ou técnicos». Deste modo, evitam debater as decisões e apresentar argumentos racionais a seu favor. Os «estudos» são usados como "anti-argumentos": a decisão é incontornável e parece estar previamente tomada! Já temos desmistificado esta ausência de transparência, provavelmente favorável à prática da corrupção generalizada em que está mergulhado o país. Catroga parece ter desmentido o carácter inexorável da decisão tomada exclusivamente com base em «estudos técnicos», porque afirmou que a economia não era uma ciência exacta. Mas esqueceu-se de dizer que, na verdade, não existem "ciências exactas" e que esta é uma noção ideológica, precisamente aquela que permite utilizar os estudos para implementar políticas dadas como incontornáveis: aquelas que garantem a continuidade do status quo.
Contudo, podemos ser mais benevolentes com Catroga e desculpar-lhe este "lapso político positivista", porque ele reconheceu que esta crise do capitalismo deve levar as pessoas a pensar que este sistema, apesar dos seus méritos inegáveis, aliás apontados por Marx e Engels no "Manifesto Comunista", não resolve da melhor forma todos os problemas. Citando Bill Gates, Catroga defendeu um "capitalismo criativo", sem definir o que entende por tal expressão. Porém, ao reconhecer as limitações internas do próprio capitalismo e os perigos da globalização em curso, Catroga revela, de algum modo, preocupação com o impacto "imprevisível" desta recessão na economia e na sociedade portuguesas, aliás bem esmiuçada por Carlos Carvalhas, o único que tentou fazer uma análise económica desta recessão que ameaça os USA.
2) Afinal, a economia não é exacta, porque não pode fazer previsões seguras! Porém, quando se referiu ao Instituto Nacional de Estatística e à qualidade dos seus estudos, Catroga explicita aquilo que deveras pensa mas não quis partilhar, talvez por ter tido as suas próprias responsabilidades políticas. A expressão "metodologia técnica" usada por todos os países da Europa é ambígua: ela significa que todos fazem os mesmos cálculos e, neste aspecto, os instrumentos da economia de mercado são pouco criativos, porque a matemática também é vítima deste sistema económico, que negligencia as Matemáticas Qualitativas ou mesmo a Matemática Discreta, a favor da Matemática Contínua. Existem muitas alternativas a explorar e os cálculos podem ser feitos de modo a não omitir "variáveis" socialmente relevantes, de resto apontadas e vividas pelo jovem electricista ou por outro jovem que combate a lei do apoio aos jovens em termos de arrendamentos participados pelo Estado. Carvalhas mostrou isso, mas sem sistematizar ou mesmo mostrar a necessidade da utilização de novos cálculos, mais orientados pela justiça social e pela igualdade de oportunidades do que pelo enriquecimento dos empresários ou dos altos funcionários do Estado ("os colarinhos-brancos"), aqueles que mais benefícios arrancam do estado da situação actual.
Com esta crítica pretendemos mostrar que um efeito positivo desta recessão económica (baixa vertiginosa das vendas) seria lançar uma nova economia e a necessidade de a pensar: Imaginação Económica, verdadeiramente criativa e capaz de revitalizar as economias, as sociedades e as culturas ocidentais, num mundo cada vez mais obscuro, pouco transparente e em risco, completamente dominado pelo terrorismo globalizado e em concorrência desleal com fórmulas autoritárias e selvagens de capitalismos regionalmente emergentes, tais como o indiano ou o chinês. Com efeito, a uniformização das metodologias técnicas no espaço europeu pode estar a encobrir uma orientação da política monetarista do Banco Central Europeu, embora não seja pessoalmente contra a sua tentativa de fortalecer o euro num momento em que o dólar parece estar em declínio acentuado, correndo o risco de deixar de ser a moeda mundial das trocas.
Portanto, ao contrário do que afirmou Fátima Campos, não vejo o "capitalismo anglo-saxónico" e o seu "Estado de Bem-Estar Social" necessariamente condenados ao colapso, a menos que que o Ocidente abdique de lutar pela sua supremacia mundial, deixando que os "capitalismos autocráticos" dominem a cena internacional. Nesta hora de crise de efeitos imprevisíveis e de concorrência desleal, o Ocidente deve imaginar novas formas económicas capazes de defender a nossa «prosperidade» e o nosso estilo de vida, numa palavra, a democracia, a liberdade e a justiça social. Mas, para que isso aconteça, o Ocidente precisa ter consciência de onde vem, onde está e para onde deseja ir. Sem essa filosofia política de cariz pragmático no que respeita às suas relações com os não-ocidentais, corremos o risco de vermos a "profecia" de Spengler realizar-se.
A economia portuguesa vai ressentir-se desta crise, como frisou Carlos Carvalhas, até porque a Espanha e a Inglaterra (países com quem Portugal tem fortes relações comerciais) já estão a sentir alguns dos seus efeitos, com as casas a serem desvalorizadas, e em Portugal as famílias estão fortemente endividadas, a dívida externa é fabulosamente monstruosa e a poupança praticamente não existe. Esta crise mostra, como já disse em "Crise do Capitalismo", que Marx tinha razão quando referia as contradições internas que levam o capitalismo a viver ciclicamente crises e esta recessão pode vir a ter efeitos mais graves do que a crise de 1929, até porque abrange um número vastíssimo de pessoas ou famílias em risco de perderem as suas casas ou mesmo os seus empregos, devido à queda das vendas das empresas onde trabalham. É provável que esta crise não conduza ao fim do capitalismo, aliás extremamente maleável e criativo, porque conta com a ajuda dos Estados e das suas políticas pouco transparentes de defesa dos interesses instalados, mas, pelo menos, pode ser vista como uma nova oportunidade para exercitar uma nova imaginação económica, mais fiel aos princípios que presidem e presidiram ao longo de milénios à construção da nossa civilização ocidental.
Antes de terminar este comentário, gostaria de fazer mais umas observações, a primeira das quais prende-se com a concepção dominante de "juventude". Quando a idade das reformas sobe para os 67 anos, não faz sentido estigmatizar as pessoas mais velhas, como se essas fossem por um lado demasiado velhas para usufruir dos mesmos benefícios sociais, mas por outro lado são obrigadas a trabalhar mais tempo para auferir finalmente das suas reformas. A imaginação económica deve unir forças com a imaginação sociológica e cultural, de modo a mostrar que todos beneficiam com a coexistência das diversas gerações, sobretudo quando o sistema de ensino e de educação tem fracassado desde os governos de Cavaco Silva em dotar os jovens de conhecimentos seguros e de competências científicas ou técnicas, lacunas que só podem ser colmatadas com o convívio estreito com os mais velhos e a sua «sabedoria». Há, pois, uma contradição entre a exigência de trabalharem até mais tarde e o facto de serem noutros aspectos tratados como "idosos" sem os mesmos direitos ou as mesmas regalias que são actualmente dadas aos mais jovens impreparados para assumir responsabilidades, dado o seu analfabetismo funcional e a sua paixão pela ignorância activa. Uma política que sacrifique uma geração em nome do futuro é uma política de assassinato geracional e de socialista não tem nada!
Finalmente, penso que o Estado de Bem-Estar Social deve tomar medidas para evitar o consumo devorador e o desperdício, até para garantir uma via de sustentabilidade racional, e, em vez de permitir que os bancos forneçam empréstimos ao consumo (crédito ao consumo), nomeadamente para a compra de casa e de carros, devia impor uma nova política de "consumo moderado", fomentando a "poupança" (ideia avançada por Catroga que não se coaduna com a solução que propôs para atenuar os efeitos desta crise: o consumo) a todos os níveis e a criação de novas empresas, bem como o fortalecimento das empresas já estabelecidas, de modo a torná-las mais competitivas no mercado global e mais justas nos salários que dão aos seus trabalhadores, em vez de os explorar indecentemente. Viver quase toda a vida escravo de um empréstimo bancário, cujas prestações flutuam em função das taxas de juros, é um modo de vida irracional, não justificável pelo facto, de resto aparente, de "serem proprietários". O arrendamento com as rendas controladas pelo Estado, para evitar especulações, pode ser uma boa medida. Pelo menos, evitaria o endividamento das famílias, embora não favorecesse o modelo actual de sociedade de consumo e a sua política de créditos ao consumo, mais outro estratagema para evitar a crise do capitalismo, constantemente adiada pelas novas técnicas políticas da economia "burguesa". Nenhum ser humano inteligente precisa destes luxos e de consumos conspícuos que ameaçam a saúde da natureza para ter uma boa vida!
J Francisco Saraiva de Sousa

10 comentários:

Manuel Rocha disse...

Hummm...terei que voltar à noite para rebater com tempo duas incongruências nesta sua análise...:))

Para já deixo duas notas.

A primeira porque passou ao lado de um dos aspectos centrais deste modelo de crises ciclicas do capitalismo que é a entidade "bolsista", supra-sumo do surrealismo económico, porque se apoia numa lógica especulativa que não encontra qualquer suporte nas dinâmicas da oferta e da procura.

A segunda tem a ver com a sua defesa de " uma prosperidade e modo de vida" que têm no aprovisionamento energético o seu incontornável "calcanhar de Aquiles", o que até é uma forma muito soft de dizer que somos um edificio sem fundações.

:)

I'll be back...:)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ok

Sim, não tratei do capitalismo "bolsista", de resto referido por Catroga e Carvalhas. (Não resumi o que foi dito!)
Prosperidade sustentável? :)

Manuel Rocha disse...

Sim, a prosperidade ( possivel) ou é sustentável ou efêmera, conforme nos mostra a história...:)

Pois...mas tem sido "aquele" tipo de capitalismo o "acelarador" destas crises...

E agora vou meter teclas ao seu deafio ( as coisas que você me arranja...)...

:))

Até já !

Fernando Dias disse...

Oh Francisco…:))
Hoje temos estado todos aqui perdidos. Não tenho atinado uma, para lhe dar contraditório no seu texto.
Ainda por cima lá se foi o Correia dedicar-se aos Campos de golfo.
Sorte a dele!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Coitado! Tinha dito na SIC Notícias que ficava até ao fim, mas o PM dispensou-o! A "viúva de Eça" tb se foi... :)
O Manuel lançou-me um desafio tremendo, extensivo a si e à Borboleta! Preparo a resposta! :)

Fernando Dias disse...

Já que o Francisco falou em Eça, vou mesmo recorrer à sua ironia, que é a que me pode salvar em alguns momentos de aperto. Aqui vai a transcrição de uma releiturazinha:

Era o Ega, muito sério, considerando o Alencar:

- Ouve lá, isso que tu vais recitar, a Democracia, é política ou sentimento? Se é política, raspo-me. Mas se é sentimento, e a humanidade, e o santo operário, e a fraternidade, então fico, que disso gosto e até talvez me faça bem.

Os outros afirmaram que era sentimento. O poeta tirou o chapéu, passou os dedos pelos anéis fofos da grenha inspirada:

- Eu vos digo, rapazes… Uma coisa não vai sem a outra, vejam vocês Danton… Mas já não falo enfim desses leões da Revolução. Vejam vocês o Passos Manuel! Está claro, é necessário lógica… Mas, também, caramba, sebo para uma política sem entranhas e sem um bocado de infinito!

Subitamente… um maganão gordo, de barba em bico e camélia na casaca, que, de mão fechada no ar como se agitasse o pendão das Quinas, lamentava aos berros que nós, Portugueses, possuindo este nobre estuário do Tejo e tão formosas tradições de glória, deixássemos esbanjar, ao vento do indiferentismo, a sublime herança dos avós!...

- É patriotismo – disse o Ega. – Fujamos!

Adeus amigos. Vou dormir.

Manuel Rocha disse...

Actualize-me, hombre, que eu homem do campo não uso a caixa que mudou o mundo...que passa ?! De que estão hablando, por Toutatis ?!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

José Sócrates remodelou o governo: sairam os ministros da saúde e da cultura. :)))

Manuel Rocha disse...

Ah, isso !!!

Cosmética, Caro Francisco ! Apenas cosmética !

Irrelevante !

::)))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Talvez... mera cosmética. Pelo menos, o novo ministro da cultura é advogado e segundo o Miguel Sousa Tavares vai dar luta "sem pretensões culturais". a ministra não a conheço mas vem das fileiras de Manuel Alegre! :( ou :) ?