segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A Cultura Internet

A obra de Manuel Castells é uma obra de "sociologia académica" e, como tal, reflecte as limitações intrínsecas da abordagem sociológica da Internet: ausência de teoria no sentido estrito do termo. Apesar da sua enorme erudição e da quantidade de informação que fornece sobre a sociedade em rede, Castells não consegue elaborar uma teoria unificada da Internet, capaz de orientar a pesquisa empírica, e esta incapacidade revela-se no capítulo 2 da sua obra A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade (2001), dedicado ao estudo da Cultura Internet.
Castells começa por fazer uma distinção importante entre os produtores/utilizadores, «aqueles cujo uso da Internet re-alimenta o sistema tecnológico», e os consumidores/utilizadores, aqueles que «são receptores de aplicações e sistemas e não interagem directamente com o desenvolvimento da Internet». Esta distinção fundamenta uma outra distinção entre duas culturas: a cultura dos produtores e a cultura dos consumidores da Internet. A sua articulação constitui aquilo a que se pode chamar a Cultura Internet. As duas culturas podem ser estudadas em separado, como faz Castells, mas isso não significa que não se possa elaborar uma teoria geral da cultura Internet, integrada numa teoria da sociedade mais vasta, a nossa sociedade capitalista, que ainda não é completamente uma sociedade em rede.
Castells parece ir nesse sentido quando encara a cultura Internet como «uma estrutura em quatro estratos sobrepostos: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura empreendedora», que juntas «contribuem para uma ideologia (diferencial) da liberdade». Esta estrutura é articulada de modo hierárquico: a cultura tecnomeritocrática, implantada no mundo académico, criou a Internet; a cultura hacker fortaleceu as fronteiras internas da comunidade dos tecnologicamente iniciados, tornando-a independente dos poderes instituídos e defendendo a liberdade como valor fundamental, especialmente «a liberdade de aceder à sua tecnologia e utilizá-la como lhes aprouver»; a cultura comunitária virtual apropriou-se desta capacidade de ligação em rede e ajudou a formar comunas online que «reinventaram a sociedade, expandindo consideravelmente a ligação informática em rede, no seu alcance e nos seus usos», e, assumindo os valores tecnológicos das duas culturas anteriores (liberdade, comunicação horizontal e ligação interactiva em rede), utilizaram-nos não para praticar a tecnologia pela tecnologia mas para alargar a vida social; finalmente, a cultura dos empreendedores tentou controlar o mundo, fazendo uso deste novo poder tecnológico, de modo a fazer mais dinheiro. Como escreve Castells:
«A Cultura da Internet é uma cultura construída sobre a crença tecnocrática no progresso humano através da tecnologia, praticada por comunidades de hackers que prosperam num ambiente de criatividade tecnológica livre e aberta, assente em redes virtuais, dedicadas a reinventar a sociedade, e materializada por empreendedores capitalistas na maneira como a nova economia opera».
Em linguagem filosófica, Castells afirma que a cultura da Internet é uma cultura moderna, sobretudo quando vista da perspectiva dos seus produtores e primeiros utilizadores, da qual apenas alguns dos diversos usos sociais da Internet, especialmente os MUD, fazem «as delícias dos teóricos pós-modernos». Em termos sintéticos, esta é a concepção de cultura da Internet apresentada por Castells, cuja fraqueza reside no seu laxismo e oportunismo metodológicos e na pobreza do seu quadro conceptual.
Para Castells, «os sistemas tecnológicos produzem-se socialmente e a produção social é determinada pela cultura». A Internet é mais um sistema tecnológico produzido pela cultura dos produtores e, posteriormente, apropriada pelos consumidores/utilizadores e pelos empreendedores. Portanto, «a cultura da Internet é a cultura dos seus criadores», entendendo-se por cultura «um conjunto de crenças e valores que formam o comportamento», distinto da ideologia e da psicologia. Com este conceito de cultura, toda a argumentação de Castells entra em curto-circuito e explode. Daí a necessidade de elaborar uma ciberfilosofia capaz de iluminar o mundo na era da Internet e a práxis transformadora.
J Francisco Saraiva de Sousa

6 comentários:

Manuel Rocha disse...

A democratização na internet enferma dos mesmos efeitos perversos da democratização em geral, isto é, do uso do inalienável direito à asneira. Sem filtros de permeio, é evidente que cada um pode publicar o que provavelmente não passaria, por razões da mais variada índole, nos canais tradicionais. Quem está apetrechado com ferramentas criticas, joeira e segue. Mas quem não está ( o tal cidadão comum, por exemplo ) toma por verdadeiro o que é falso e segue na mesma. Vejam-se os trabalho de copy-paste produzidos já ao nível universitário e faça-se o respectivo anedotário. Mas quem usa essa informação, sorri de incredulidade: “ - Então?!...Estava na Internet…”

Sobre isto ainda irá correr muita tinta...e é o cerne da contradição aparente que ( julgo eu ...) a Mulher Incomum que costuma comentar por aqui encontrou lá mais atrás...

:)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Copy-paste: isso é cada vez mais comum nas universidades.
Penso que não se trata de uma contradição: a realidade é complexa e as tecnologias são ambíguas. Por isso, acho que devemos criar as condições para que as coisas sigam o "lado bom"...
Mas a Internet foi criada por pessoas rebeldes em nome da liberdade e da abertura. :)))

Manuel Rocha disse...

Por isso lhe chamei "aparente"...:)pois não a acho contraditória, apenas conflitual...

Você ressuscita a velha questão de saber se o hábito faz ou não o monge. Se estiverem todos de igual eu não so distingo. E o Francisco ?

O nosso tempo está cheio de inventos que cândidamente pensavam ir dar origem a um Mundo Melhor. Não podemos ser derrotistas nem desanimar, mas lá que as coisas não têm corrido muito bem, lá isso não têm...

:))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, por isso devemos estar atento ... As forças que querem derrotar a Internet começam a mostrar o rosto: os especuladores, os capitalistas, o Estado e os mass media tradicionais. Castells também fala disso...

Manuel Rocha disse...

Hummm..isso só vai durar enquanto não surgir uma ideia tipicamente capitalista para dela ( Internet )tirar ainda melhor partido...a Microsoft deu o mote, seguiu-se a Google e estou à espera das cenas dos próximos capitulos...

::))

Lá do meu lado deixei algo que não ficou a meu gosto ( quando não me sai à primeira...)e aguardo impiedosas "facadas"...

::))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vou ver com todo o prazer o seu novo post. :)