Theodor W. Adorno (1903-1969) escreveu três ensaios que merecem ser lidos em conjunto: «Meinung, Wahn, Gesellschaft» (1963), «Aberglaube aus Zweiter Hand» (1957) e «Theorie der Pseudokultur» (1959). Contudo, a sua compreensão requer a leitura da obra conjunta de Horkheimer & Adorno (1947), «Dialetik der Aufklärung», em particular do capítulo «Indústria Cultural», aliás escrito exclusivamente por Adorno. Desses três ensaios iremos destacar «Superstição de Segunda Mão», onde Adorno faz uma análise de conteúdo qualitativa da coluna astrológica de um grande jornal americano, Los Angeles Times, um jornal republicano de Direita, à luz da dialéctica ou, pelo menos, da sua própria concepção da dialéctica marxista. Em Portugal, como no resto do mundo, todos os leitores de jornais e de revistas, uns mais do que outros, uns com mais convicção do que outros, consultam o horóscopo, na expectativa de encontrar provavelmente algum conforto psicológico ou solução milagrosa para uma situação difícil que estão a viver ou a garantia de que o dia será favorável à realização dos seus desejos, embora também possam ver as suas expectativas positivas frustradas. Contudo, a análise social e dialéctica dos horóscopos deve considerá-los mais do que um "espelho do leitor" ou mesmo como um «retrato» do espírito objectivo daqueles que os fazem. «Os horóscopos são, como afirma Adorno, resultado de um cálculo e expressão» tanto dos leitores como dos seus «produtores», cuja teia de relações recíprocas só pode ser interpretada quando se leva em conta esta textura na sua totalidade, sempre mediada e fundida com todo o social. Estas relações não são relações de proximidade e não ocorrem em encontros face a face, mas relações em que os participantes comunicam entre si através de processos mediadores estranhos, em particular os jornais e as revistas onde podem consultar o seu signo sem despender muito dinheiro ou mesmo de forma grátis. O ocultismo mediado é sempre muitíssimo mais barato do que a consulta de um astrólogo no seu pseudo-consultório. Convém ter em conta que a irracionalidade plasmada nos movimentos de massas, neste caso na astrologia, não opera para além da racionalidade, mas aparece com o desenvolvimento da própria razão subjectiva. De facto, os movimentos ocultistas modernos, como a astrologia, são formas de superstição de épocas passadas e já mortas ressuscitadas artificialmente, cujos conteúdos retomados são incompatíveis com o nível alcançado pelo esclarecimento universal. Isto significa que não devemos separar os dois momentos, o racional e o irracional, entre os quais se estabelece uma acção recíproca. Se no passado mais ou menos distante a astrologia era a tentativa de resolver questões que não poderiam ser solucionadas de um modo distinto e razoável, na nossa época moderna a astrologia foi rejeitada pela astrofísica e a alquimia pela química. A astrologia e a alquimia foram refutadas respectivamente pelo progresso dos conhecimentos astrofísicos e químicos. Apesar disso, as pessoas que as tentam reconciliar, reunir ou tolerá-las em conjunto efectuam uma "regressão intelectual ou cognitiva" que, nos tempos arcaicos, era desnecessária. Ora, isto só pode ser feito pelo facto de existirem necessidades instintivas que levam os homens a agarrar-se a estas superstições. A sobrevivência num mundo objectivamente irracional como o nosso exige a sua aceitação e, uma vez que os homens sentem que não controlam as suas próprias vidas, é-lhes mais fácil aceitar o veredicto dos astros que não são sujeitos do que tentar compreender racionalmente a situação presente. Entre a "opção" de compreender racionalmente a irracionalidade da situação presente e a sua aceitação sem resistência, as pessoas "optam", sem disso terem consciência, pela sua aceitação, de modo a garantir a sua mera sobrevivência. Ora, «o horóscopo dirige-se a leitores que são ou se sentem dependentes: supõe a debilidade do eu e a impotência social real» (Adorno). O eu é débil porque a pessoa é obrigada a assumir a pesada tarefa de se orientar num mundo que não compreende e de encontrar nele o seu rumo e formar a sua identidade, quando sente que, por si própria, não é capaz de o fazer. A opção esbarra com a sua impotência social objectiva de mudar o que quer que seja na situação presente e, por isso, é levada a procurar uma fórmula mágica e fatalista, aquela que lhe é apresentada no horóscopo como "destino". Escolhe, portanto, a solução mais fácil e entrega-se ao destino que, em vez de autonomia, oferece-lhe a resignação, de modo a fomentar o conformismo social. A sociedade impõe a via da individualização, ao mesmo tempo que a bloqueia. Para evitar o risco e a ameaça, procura protecção no horóscopo, mas este é mera ideologia: anuncia o status quo, levando as pessoas a aceitar e a reconhecer os valores apresentados, nomeadamente a validez do princípio de competência, cuja única medida é o sucesso. Ao ensinar os homens a renunciar ao seu interesse em benefício dos seus interesses, o horóscopo captura a pessoa singular pelos inumeráveis tentáculos do mundo administrado, levando-a a "funcionar" em conformidade com os papéis que lhe são impostos pela sociedade. Apesar da astrologia constituir no actual nível de desenvolvimento social um anacronismo quanto ao seu conteúdo, a receptividade permanece a mesma por razões sociais e psicológicas. A astrologia constitui superstição de segunda mão, simplesmente por ser mediada pelos meios de comunicação social: a relação entre os produtores e os leitores não é directa mas mediada pelos jornais e as revistas. A confiança na força da própria razão e da possível racionalidade da totalidade é destruída e a moda astrológica usa e estimula esse espírito de regressão, para afirmar o que existe como algo dado naturalmente e reforçar o conformismo social: os indivíduos são assim levados a aceitar o seu destino, quando na verdade é a sociedade que lhes impõe esse destino como algo objectivamente incontornável, diante do qual não há nada a fazer. Pura ideologia! Cabe à dialéctica orientar a praxis correcta com uma teoria que «pense o todo na sua não-verdade». J Francisco Saraiva de Sousa
4 comentários:
Quando era muito nova, 13, 14 anos, estudei e li bastante sobre astrologia. Fascinante!
Não enquanto arte adivinhatória, mas como indicador de personalidade, continuo a confiar nela e muito raramente não me satisfaz. :)
Influência de Jung, Eliade..., ou de Schelling! :)
A Papillon não resiste à coluna astrológica! :)))
N leio coluna astrológica. Mas gosto de saber coisas sobre a minha carta astral e a dos outros. :)
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