O debate de hoje (10 de Dezembro de 2007) centrou-se na discussão do Tratado de Lisboa, embora na primeira parte tenha tratado da Cimeira UE/África. Por isso, trataremos estes dois assuntos separadamente. Cimeira UE/África. Pacheco Pereira protagonizou a oposição, muito mais à esquerda do que Miguel Portas, dado ter recorrido a argumentos de cariz marcadamente neocolonial. E, nesse aspecto, não foram acompanhados pelos dois africanos presentes, um de Cabo Verde, outro de Guiné-Bissau. A Cimeira foi inegavelmente um sucesso, não pelos seus resultados económicos imediatos, mas pelo facto de ter aberto uma porta de diálogo fechada desde o fracasso da Cimeira de Cairo. Embora o secretário-de-Estado tenha minimizado a concorrência com a China, a UE deve estar mais atenta aos países africanos e ajudá-los tanto quanto possível, mostrando-lhes a necessidade de garantir os chamados Direitos Humanos e de caminhar rumo a uma sociedade mais aberta, transparente e democrática. Mas, como temos dito, as burocracias europeias também não são democráticas, não respeitam (alguns) direitos humanos básicos no seio da própria Europa e são inimigas da política digna. Elas são profundamente corruptas, tal como as "elites" africanas que criticam internamente, mas com as quais fazem "negócios". A corrupção é efectivamente o maior mal social do mundo contemporâneo. O desenvolvimento das diversas regiões do mundo é necessariamente desigual: esta foi uma das "leis" definidas por Lenine e, conforme a história tem demonstrado, muito difícil de ser contrariada. Os participantes africanos perceberam muito bem isso e, por isso, mostraram-se mais satisfeitos com os resultados da Cimeira que os ilustres opositores portugueses. Portugal desempenha um papel privilegiado nessa ligação e cabe-lhe desenvolver essas relações sobretudo com os países lusófonos. Os africanos devem responsabilizar os seus lideres pela sua situação de penúria, esquecer o colonialismo e negociar de igual para igual, pelo menos no plano formal, com os europeus as suas vias de desenvolvimento. Tratado de Lisboa. Pacheco Pereira tem razão ao denunciar a falta de debate em torno do Tratado de Lisboa, mas, conforme disse o secretário-de-Estado, não cabe ao governo forçar a sociedade civil a realizar esse debate extenso. A verdade é que, com excepção do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, todos estão de acordo ou dizem estar de acordo e, por isso, em vez de debate, há unanimidade. Falsa, como afirma Pacheco Pereira? Mas outro facto evidente é que ninguém deseja ver Portugal fora da União Europeia ou da zona Euro. Contudo, neste debate, estou mais do lado de Pacheco Pereira ou de Miguel Portas do que do lado do eurodeputado Sérgio Sousa, cujo discurso foi excessivamente retórico e afirmativo, para merecer o consentimento do espírito crítico. Sou um defensor da Europa Unida, idealmente federalista, mas, levando em conta o nosso passado de guerras sucessivas, convém ser prudente e caminhar mais devagar, sem excluir a participação dos europeus dos 27 países que a compõem. Ora, a ideia da Europa tem sofrido modificações ao longo dos anos e a queda do Muro de Berlim, como tenho dito diversas vezes, modificou substancialmente a situação, não por ter trazido de volta os "interesses", como disse Pacheco Pereira, porque estes sempre estiveram presentes, mas porque as novas classes dirigentes auto-constituíram-se antidemocraticamente como elites, altamente burocráticas, tecnocráticas e antidemocráticas, que tomaram conta dos poderes nacionais e europeus. Isto pode significar que o projecto europeu está a ser construído sem a participação democrática dos europeus. É certo que, como diz o secretário-de-Estado, os documentos estão acessíveis online, mas o Tratado é de tal modo pouco transparente que não convida à leitura. Os eurocratas conseguiram converter o "povo" numa manada movida apenas pelo desejo de pastar. A passividade doméstica dos europeus é um dos sinais de alerta de que a democracia está a ser subvertida pelas novas classes dirigentes. Esta é a verdade: a democracia está a ceder o seu lugar à oligarquia cleptocrática. Os burocratas e os eurocratas funcionam como "elites de vanguarda", o que nos faz lembrar a era estalinista, como se eles fossem os depositários de soluções milagrosas indiscutíveis! Ora, o que eles defendem são os seus próprios "interesses de classe" e não é por mero acaso que o Banco Europeu concentre no Tratado mais poder do que o Tesouro Americano. Só o futuro dirá se este Tratado será capaz de garantir a unidade da Europa ou se será o seu "couveiro", ideia mais em consonância com o pensamento de Pacheco Pereira. A hierarquização das nações da Europa é uma ideia pouco democrática e, numa Europa Democrática, não faz sentido alimentar as ilusões de grandeza de uma França, a eterna derrotada, de uma Inglaterra, a eterna candidata a potência mundial, de uma Alemanha Reunificada, a eterna autoridade, ou de uma Itália, a eterna pátria da histeria colectiva. A política europeia de alargamento foi demasiado precipitada e a sua intervenção militar na ex-Jugoslávia simplesmente um desastre. Porque as novas classes dirigentes são profundamente incultas, destituídas de "sentido do passado" e de "visão do futuro". A geração grisalha age como se fosse a última geração da Europa ou do Mundo: o envelhecimento da população europeia é o maior inimigo biológico e social da Europa e poderá ser efectivamente o seu couveiro. Pense nas figuras públicas nacionais nos últimos 30 anos: são sempre as mesmas figuras! E sabe porquê? Porque elas apoderaram-se do Estado e gerem os bens públicos como se fossem sua propriedade privada. A sua velhice é a mesma que a da corrupção, da qual são o rosto. E a sua "cultura" espelha-se no "hino" que irá acompanhar a assinatura do Tratado de Lisboa! Esta geração grisalha sacrifica tudo para conservar a sua passagem pela vida num estado de felicidade egoísta. Mas a paz é uma ideia de pouca duração e, a menos que se crie um inimigo externo que alimente a unidade europeia, a Guerra terá sempre a última palavra. Sempre foi assim e assim será também num futuro mais próximo do que se imagina! Aliás, a guerra renova a vida e a Europa precisa de renovar a sua população. Apesar disso, desejo que este Tratado não venha a ser um terramoto, como o de Lisboa. J Francisco Saraiva de Sousa
1 comentário:
Qual a sua avaliação do Tratado de Lisboa hoje, quase sete anos depois?
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