Em Portugal, seis pessoas suicidam-se por dia e nós já chamámos a atenção para este fenómeno noutro post, Suicídio e Política, onde esboçámos brevemente uma política (negativa) do suicídio. Geralmente, quando se fala de suicídio, ele é quase sempre associado à depressão, como se a depressão fosse a única causa do suicídio! Contudo, convém ter presente que esta associação é muito mais complexa do que o senso comum pensa. Sem pretender analisar exaustivamente este problema, daremos algumas noções simples que permitem compreender melhor o suicídio numa perspectiva fisiológica. Actualmente, sabemos que as perturbações de humor envolvem mudanças de humor que variam da depressão profunda até à mania e estima-se que 8% da população sofrerá de uma perturbação de humor nalgum momento da vida. Estas perturbações estão divididas em dois grupos: as perturbações depressivas ou unipolares, nas quais a depressão é o principal sintoma, e as perturbações bipolares, nas quais a depressão alterna com a mania (períodos de excitação e actividade intensa). (Omitimos aqui a distinção entre perturbação distímica e perturbação ciclotímica: a primeira uma forma menos severa de perturbação depressiva, a segunda uma forma menos severa de perturbação bipolar.) Ora, estes dois grupos de perturbações de humor estão geralmente associados ao suicídio. (Para a obtenção de mais conhecimentos, convém consultar DSM-IV-R.) Levando em conta apenas os sintomas de humor, diremos que, durante os episódios maníacos, o humor predominante é a euforia, com o paciente empolgado, excessivamente feliz, emocionalmente expansivo e a «sonhar alto», e, durante os períodos depressivos, o paciente sente-se deprimido, melancólico, triste, sem esperança, desencorajado, e, frequentemente, sente-se isolado, rejeitado e não-amado. As explicações neurobiológicas do suicídio giram em torno do neurotransmissor serotonia. Os estudos revelaram que baixos níveis de serotonina estão associados ao suicídio. Um estudo clássico, realizado com pacientes deprimidos, verificou que apenas alguns dos pacientes apresentavam baixos níveis de serotonina. Mas foram precisamente estes indivíduos os mais propensos a ter tentado o suicídio (40% versus 15%). Além disso, também foram os mais propensos a usar meios violentos para tentar o suicídio. Ora, baixos níveis de serotonina podem causar depressão, o que pode levar a supor que a relação serotonina/suicídio é simplesmente mediada pela depressão, donde resulta esta relação causal: baixos níveis de serotonina produzem depressão e esta, por sua vez, leva ao suicídio. É provável que este mecanismo explique alguns casos de suicídio, mas não explica todos os casos, porque baixos níveis de serotonina e de norepinefrina (noradrenalina) produzem depressão, mas o suicídio é mais elevado entre os indivíduos com baixos níveis de serotonina. Além disso, quando os indivíduos recebem drogas que aumentam os níveis destes dois neurotransmissores, as drogas que aumentam os níveis de serotonina são mais eficazes a reduzir o suicídio do que as que aumentam os níveis de norepinefrina. Convém dizer que outros estudos mostraram que baixos níveis de serotonina conduzem tanto à depressão como à agressão. Os níveis normais de serotonina inibem as respostas agressivas ou punitivas, mas, quando estes níveis descem, a inibição é reduzida e, por isso, as respostas agressivas ou punitivas são exibidas. Estes dados permitem esclarecer o processo que liga a serotonina e o suicídio: um baixo nível de serotonina provoca um aumento de depressão e uma redução na inibição de respostas, de modo que, quando a depressão conduz a pensamentos de auto-destruição, não há inibição suficiente do comportamento auto-destrutivo e o indivíduo tenta o suicídio. Resta saber o que provoca os baixos níveis de serotonina. Existem duas explicações: uma afirma que o stress pode causar uma redução dos níveis de serotonina, o que é confirmado pelos estudos que mostraram que os indivíduos suicidas experimentam quatro vezes mais acontecimentos stressantes na vida do que os indivíduos não-suicidas; a outra explicação afirma que os níveis baixos de serotonina podem ser herdados, o que explica a relação genes/serotonina/depressão/suicídio em indivíduos que não foram expostos a stress. Diversos estudos genéticos de famílias, de gémeos e de adopções mostram o papel desempenhado pelos genes, de resto já bem confirmado por estudos moleculares. As taxas de suicídio aumentam com a idade, com a taxa mais elevada a ocorrer após os 65 anos, e este aumento é maior nos homens brancos. Contudo, suspeita-se que estas taxas continuam a aumentar, sobretudo entre pessoas jovens, como parece ser o caso português. Estas cifras subestimam a taxa verdadeira, porque muitos suicídios são encobertos. Os suicídios tendem a ocorrer mais na primavera ou no início do Verão e a segunda-feira tende a ser o dia de maior risco. Das diversas explicações do suicídio (psicodinâmicas, da aprendizagem, cognitivas), destacámos apenas as fisiológicas, as quais garantem tratamentos mais eficazes de combate ao suicídio. Muito ficou por dizer, em particular sobre as estruturas neurais, os tratamentos e a complexidade do suicídio, mas o que foi dito é suficiente para chamar a atenção para estes problemas (depressão e suicídio) cada vez mais frequentes entre os portugueses, como revelaram algumas estatísticas recentes. O poder político deve estar mais atento a estes fenómenos que também podem ser sobredeterminados por factores psicossociais, tais como desemprego, anomia, desajustamento social, baixa auto-estima e tantos outros. J Francisco Saraiva de Sousa
4 comentários:
Dado ter recebido alguns e-mails sobre este post, devo dizer que as pessoas que sintam ou manifestem os sintomas referidos e outros associados ao comportamento motor e à cognição devem recorrer à ajuda psiquiátrica. E olhem: consultar um psiquiatra não é o mesmo que "estar doido", como se diz. Cuidar de si mesmo é o primeiro e mais básico cuidado de saúde!
Abraço
Gostaria de acrescentar que há um método que quando ouvi falar dele num documentário achei impressionante: estimulação do nervo vago através da implantação de um aparelho de impulsos eléctricos. Já é utilizado em doentes epilépticos, resistentes aos medicamentos anti-epilepsia, mas viu-se benefícios significativos em doentes com depressão crónica, refractários aos anti-depressivos.
(No documentário acompanhava-se o antes e depois de um doente depressivo e de infeliz tornou-se feliz - assim, com esta "facilidade"!)
Exacto, é verdade. A actividade do cérebro está deprimida. Aliás, o córtex pré-frontal e os gânglios basais ficam com actividade reduzida. :)
Contudo, e especulando um pouco, a agressão nestes pacientes, pelo menos em alguns, pode ser exteriorizada para fora e ser dirigida para outros, sobretudo próximos. São abusadores, violentos e, talvez, homicidas, naquele momento de raiva. Córtex pré-frontal deprimido dá isto: falta de inibição. Pelo menos, esta é a minha linha de pensamento...
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