O programa «Prós e Contras» de Fátima Campos (3 de Novembro de 2007) foi dedicado à «baixa da natalidade» que se verifica em Portugal, aos seus efeitos no futuro dos portugueses, às suas causas, às medidas governamentais de incentivo à natalidade e aos anseios e às dificuldades das famílias, sobretudo das famílias numerosas. Gostei sinceramente do programa e do seu tom ameno e cooperativo, devido muito à presença de um grande ministro deste governo socialista de José Sócrates, um homem inteligente, competente, profundo conhecedor dos assuntos, erudito, dotado de um extraordinário bom senso e de uma enorme capacidade de escuta das outras opiniões, sem mostrar qualquer traço de «autoritarismo» ou de «enervamento». E as restantes participações foram muito boas e todas elas contribuíram para um debate de alto nível e extremamente fértil. Esta qualidade não tinha sido verificada no debate anterior dedicado ao «Trabalho» ou num outro debate dedicado à «Sociedade em Rede», talvez devido ao facto dos participantes estarem mais preocupados com os seus "umbigos" e, portanto, incapazes de elevar o nível dos debates ao plano do interesse nacional, que diz respeito a todos. Mas a presença do Ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, tem sempre esse efeito de colocar o interesse nacional acima dos interesses privados, de modo elegante, inteligente e cordial. A principal questão colocada e que serviu de fio condutor do debate foi a diferença entre os filhos que os casais portugueses têm e aqueles que gostariam de ter. Segundo o ministro, as medidas de incentivo à natalidade, em particular o abono pré-natal e a "cobertura do pré-escolar" até aos 3 anos, devem procurar reduzir este fosso ou este diferencial, de modo a possibilitar aos casais terem efectivamente os filhos que desejam ter. Os outros intervenientes destacaram muitas causas que explicam a baixa natalidade dos portugueses, mas afinal quase todas as razões referidas prendem-se com questões de ordem económica, social ou mesmo de mentalidade e de valores, às quais o Professor de Ginecologia, Agostinho Santos, acrescentou e muito bem o problema preocupante da infertilidade (masculina e feminina) e o facto das mulheres preferirem ter filhos mais tarde, muito após o seu período de elevada fertilidade (27 anos), que agrava a qualidade de vida dos seus filhos, muitas vezes correndo o risco de sofrerem anomalias genéticas, devido à idade tardia das mães. O Professor Mário Leston Bandeira da Associação Portuguesa de Demografia fez inicialmente uma observação deslocada e errónea ao opor Marx a Malthus, para acentuar que a natalidade não é uma "questão social" e que, por isso, Marx não tinha compreendido nada de demografia. Penso que esta foi uma afirmação disparatada, se pensarmos que muitos dos seus conhecimentos de demografia derivam fundamentalmente do estudo das obras de Alfred Sauvy, um grande demografo que nunca rejeitou o contributo de Marx. As causas apontadas referiam-se quase todas elas a razões de ordem económica e, por isso, mostram que a crítica de Marx à teoria (económica, política e moral) de Malthus continua a ser pertinente, pelo menos no plano político, de resto bem testemunhada pela psicóloga que tem mais nove irmãos e que não trocava nenhum deles por um "jantar mais sofisticado", apesar das dificuldades sentidas pela sua família numerosa. Por isso, atribuo estas afirmações de Leston Bandeira ao desconhecimento dos textos de Marx e à sua má vontade ideológica, que fragilizou o seu discurso. Porque, na verdade, a necessidade de incentivar a natalidade deve-se ao sistema de segurança adoptado pelo Estado Social e às pressões de uma economia capitalista em expansão que necessita de populações muito grandes para manter os seus lucros sempre crescentes. Para isso, usa e abusa das disciplinas técnico-burocráticas e seu cálculo actuarial que os ajudam a controlar esses problemas de modo a servir os seus interesses. Na verdade, levando em conta a tese fundamental de Malthus, seriamos obrigados a reconhecer que a explosão demográfica pode pôr em perigo o futuro do planeta, esgotando os seus recursos e degradando as condições ideais de vida na Terra, como sublinhou Konrad Lorenz. (A concepção de Marx da "reserva de mão-de-obra" é muito pertinente e continua muito actual: Desafio Leston Bandeira a desmenti-la empiricamente!) Muitas das medidas propostas não podem ser suportadas pelo Estado, como lembrou o ministro, até porque este não tem um "saco de dinheiro sem fundo", capaz de auxiliar todas as famílias, embora Vieira da Silva tenha reconhecido que as medidas deste governo eram um inicio e que poderiam ser aprofundadas a partir de 2008, levando em conta algumas outras medidas sugeridas, nomeadamente a do consumo da água subir de escalão, sem levar em conta o número de pessoas do agregado familiar. O governo mostrou-se receptivo a estudar algumas dessas propostas, mas rejeitou o regresso a um "Interior pobre", sugerido por Leston Bandeira: "aquilo que não queremos para os portugueses", afirmou o ministro. A miséria das pessoas do interior! Contudo, penso que, apesar de terem encarado "a natalidade como um problema interdisciplinar" (termo que não gosto muito), foram incapazes de ver o lado biológico da natalidade e da família, bem como parecem ter esquecido que a natalidade e não a mortalidade constitui a questão política por excelência, como recorda constantemente Hannah Arendt. Antes de ser um "valor", a família é um agrupamento biológico e, sem nascimentos, a humanidade estaria condenada à extinção: tudo isso tem um valor selectivo, ao qual não é estranho a sua dimensão afectiva (genética das populações). Esta visão biológica, mais do que a médica, ajuda a clarificar a natureza destes problemas, sem menosprezar os seus aspectos sócio-culturais e afectivos, bem destacados por Anália Torres. Como já tinha dito no post anterior, «Maldita Geriatria», o prolongamento da vida humana ou da sua esperança de vida traz novos problemas que devem ser pensados seriamente, para evitarmos num futuro próximo ou distante a "solução esquimó": abandonar os velhos à morte solitária. É apenas um aviso, não uma inevitabilidade histórica. Porque os europeus colocam efectivamente a família como a prioridade das suas vidas, as quais podem juntar durante muito tempo três gerações (avós, filhos e netos). Uma última palavra sobre a interdisciplinaridade: Uma teoria da natalidade não exige uma mesa redonda onde se reúnam diversas pessoas, cada uma com a sua "especialidade". O economista dá a sua opinião, o sociólogo a sua, o demografo a sua e assim sucessivamente, de modo a produzir um texto que contemple todos essas perspectivas. Isto é uma "manta de retalhos", não é uma teoria. A burocracia aprecia este tipo de texto interdisciplinar, até porque ele legitima alguns tipos de emprego, mas à custa do rigor científico. Uma teoria da natalidade pode ser pluricausal, se for necessário, mas esse seu carácter deve ser "orgânico" e não resultado de uma síntese de perspectivas. E, nas actuais circunstâncias, é preciso ter em conta a "segurança", entendida no seu sentido económico ou mesmo moral: emprego pleno. A política da natalidade deve fomentar o emprego e a segurança, levando as pessoas a confiar no futuro e a realizar os seus "projectos afectivos", com incentivos fiscais e financeiros. Neste sentido, o debate foi extremamente positivo, convidando todos os cidadãos, mas também as empresas, a pensar seriamente no futuro. J Francisco Saraiva de Sousa
Sem comentários:
Enviar um comentário