O abuso sexual está na ordem do dia. Largas centenas de pesquisas são realizadas por todo o mundo e surgiram diversas revistas científicas dedicadas ao abuso sexual, sobretudo infantil e adolescente. Muitas destas investigações, cujos resultados são publicados em revistas de prestígio, estão imbuídas de preconceitos sociais e, sem o pretender, prestam-se a apropriações ou leituras menos adequadas por parte de membros terroristas de certas seitas religiosas, de jornalistas pouco escrupulosos e de cidadãos muito mal informados e oportunistas. Apesar disso, tem havido uma evolução na qualidade dos estudos. Um aspecto comum a quase todos esses estudos é o de que o abuso sexual infantil e adolescente tem consequências negativas, as chamadas sequelas, na saúde mental (fraca adaptação social, pouca satisfação com a vida e diversos sintomas psicológicos) e no comportamento sexual adulto (sexo casual frequente, precocidade na iniciação sexual, sexo desprotegido, múltiplos parceiros sexuais ou elevado número de doenças sexualmente transmissíveis diagnosticadas). O uso de técnicas mais apuradas tem mostrado a necessidade de isolar características e estabelecer associações mais sofisticadas mediante o uso da análise de variância. São os resultados desses estudos que pretendo expor e talvez discutir. Não pretendo fornecer uma definição de abuso sexual, simplesmente porque penso que qualquer pessoa bem informada e dotada de bom senso sabe distinguir um comportamento de abuso sexual susceptível de ser condenado e punido e um comportamento sexual não-abusivo. As meta-análises realizadas mostraram que o abuso sexual infantil e adolescente está associado com o subsequente comportamento sexual adulto de risco. Contudo, muitos estudos negligenciaram os efeitos da força e o tipo de abuso sexual sobre o comportamento sexual subsequente. Num estudo recente, T.E- Senn et al. (2007) investigaram, numa amostra 1177 participantes (534 mulheres e 643 homens), as associações entre características de abuso sexual, nomeadamente o uso da penetração e da força, e o comportamento sexual de risco posterior, levando em conta a modelação destas relações pelo género. Os resultados mostraram que os participantes que tinham sido alvo de abuso sexual envolvendo penetração e/ou força relataram mais comportamentos sexuais adultos de risco, tais como o número de parceiros sexuais ao longo da vida e o número de diagnósticos de doenças sexualmente transmissíveis (STD), do que aqueles que não tinham sido sexualmente abusados e aqueles que foram abusados sem o uso de força ou de penetração. Esta relação é claramente moderada ou mediada pelo género da criança e adolescente. Assim, entre os homens, o abuso sexual com uso da força e da penetração estava associado com um elevado número de episódios de "trading sex", enquanto, entre as mulheres, o abuso sexual com penetração, independentemente do abuso envolver ou não o uso da força, estava mais associado com um elevado número de episódios de "trading sex". Resultados semelhantes já tinham sido descobertos por Rind et al. (1998): as reacções dos rapazes ao abuso sexual são menos negativas do que as reacções das raparigas. Além disso, levando em conta a orientação sexual, constata-se que os rapazes homossexuais encaram essas relações sexuais com indivíduos mais velhos de um modo positivo e "construtivo". De facto, numa sociedade que os priva de modelos positivos de desenvolvimento e os estigmatiza, estas relações são vistas pelos próprios sujeitos como uma via que lhes permite "actualizar" a sua orientação sexual e receber algum afecto. (Os nossos dados mostram claramente que os homens e mulheres homossexuais portugueses falam naturalmente dessas relações sem as encarar como abuso sexual e, muito menos, como relações pedófilas.) Para todos os efeitos, este e outros estudos mostram que o abuso sexual mais severo está associado com comportamento sexual adulto de risco e, no caso dos homens homossexuais, esse comportamento consiste em fazer sexo desprotegido (Jinich et al., 1998), mesmo quando sabem ser seropositivos. Finkelhor & Browne (1985) elaboraram o modelo dinâmico traumagénico que permite explicar a associação entre diversos tipos de abuso sexual e os comportamentos sexuais adultos de risco, em alternativa ao modelo do uso de álcool e de drogas (Steele & Josephs, 1990). De acordo com este modelo, uma das consequências do abuso sexual é a sexualização traumática. A criança submetida a abuso sexual pode desenvolver scripts não-adaptativos para o comportamento sexual e, quando adultas, podem acreditar que o sexo é necessário para obter afectos ou carinho dos outros, levando-as a ter sexo consensual precoce e com múltiplos parceiros sexuais (Cinq-Mars et al., 2003; Fergusson et al., 1997). Outra consequência é a impotência: a criança aprende que as suas necessidades são ignorados pelos outros e, deste modo, pode falhar em desenvolver auto-eficácia para travar os avanços sexuais não-desejados. Este é apenas um modelo que não é incompatível com o modelo do uso de álcool ou de drogas, como se verifica facilmente nos estudantes universitários portugueses (abuso de álcool, drogas e sexo e muito pouco estudo!) e nas suas praxes académicas, as quais deviam ser fortemente vigiadas ou mesmo abolidas. Mas ambos os modelos são ainda insuficientes para explicar estas associações estatísticas, até porque menosprezam os factores biológicos. J Francisco Saraiva de Sousa
10 comentários:
Este é um tema muito importante e grave, não percebo porque é que o corolário do seu ensaio é uma generalização abusiva sobre "estudantes universitários".
Francisco não seja fundamentalista: respire e suspire.
Primeiro: sexo promíscuo, abuso de drogas e alcoól tem inúmeras causas, algumas delas, como assinalou, de origem traumática.
Segundo: não é por causa disso que os estudantes não estudam e não é por causa disso que as praxes devam ser "vigiadas" e "abolidas". Como todos os estudantes sabem de cor (sem muito esforço), os seus ídolos, mestres e afins, quase todos, para não dizer todos e incorrer em erros desnecessários, eram grandes consumidores de sexo e drogas. Como disse o genial Miles Davis numa entrevista: a música para mim aparece em terceiro lugar, só depois das mulheres e da droga. Isto sem querer fazer apologia a nada, apenas para acalmar a sua euforia anestésica.
"Euforia anestésica"? Sou todinho anti-anestésico. Mas há casos de abuso nas praxes académicas, assim como há casos de abuso de menores por parte de professoras do primeiro ciclo ou assédio sexual académico. Os casos são falados...
portanto, referia-me apenas ao abuso sexual, sem muito moderado na matéria, quando refiro o estudo dos homens gay. Nada fundamentalista. Este fundamentalismo é jurídico ou religioso, não científico. :)
Ok, não se percebe que é de casos de abuso que está a falar quando fala sobre o comportamento dos universitários. Ou sou eu que o interpreto mal ou é o Francisco que se entusiasma quando escreve... :)
Além disso, os gregos e outras culturas arcaicas "papavam as suas crianças", como mostrou Dover ou Sergent,e não temos indicadores de traumatologia! Sic... sic :( ou :)?
As culturas arcaicas de um modo geral não sei, mas quanto aos gregos "papavam-nas" com regras.
Sim e não temos indicadores de que as crianças em adultas manifestavam determinados problemas psicológicos, sociais ou sexuais. Os sambia são outro exemplo ritualizado.
Esqueci-me de referir a gravidez precoce e, em Portugal, temos casos disso, ou mesmo de jovens do secundário engravidar de homens na casa dos 30, alguns casados. Muitos casos são objecto de discussão nos concelhos de turma ou directivos... mas tudo fica silencioso.
Mas esse caso é diferente: uma menina de liceu já tem desejo sexual, não foi propriamente abuso. Foi irresponsabilidade. A "Lolita" é sempre muito desejável pelos homens de 30, 40, 50 anos; e por sua vez as raparigas e as mulheres de um modo geral sempre se atrairam por homens mais velhos, visto os rapazes da sua idade serem desinteressantes, a vários níveis, mas sobretudo pela sua imaturidade sexual.
Exacto: as mulheres preferem parceiros mais velhos e os homens, parceiras mais novas. É universal e testado por estudos interculturais, no âmbito de uma hipótese já discutida por nós noutros posts.
Ao nível biopsicológico e cultural, o problema é complexo e muitas vezes acho que se fala dele irresponsavelmente, sobretudo quando são juristas ou psicólogos. parece que querem inventar "crimes", estabelecendo diferenças de idade arbitrárias. No fundo, procuram legitimar os seus "tachos"...
É como se procurassem um (segundo) pai...
O contrário - rapazes novos com mulheres 20 anos mais velhas, já n se vê tanto e quando se vê, é uma sensação estranha, parece anti-natura, supomos logo, por preconceito claro, que seja uma relação de interesse (material).
Consenso! :)
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