O estudo de sócio-ecologia dos comportamentos dos homens homossexuais confronta-se com um único problema, o qual orienta toda a existência do homem e até mesmo da mulher homossexuais: Como e onde procurar novos parceiros sexuais? Os próprios indivíduos homossexuais têm, de certo modo, consciência desse problema, porquanto são os primeiros a elaborar e divulgar "roteiros gay", que fornecem informação pormenorizada sobre os chamados "lugares de engate". Este facto revela que a possibilidade de haver um encontro sexual constitui uma característica estável e normal da interacção que ocorre onde quer que se reunam os homens homossexuais, quaisquer que sejam o lugar, o momento, a cidade, o país e as pessoas. Em grande medida, a vida do homem homossexual «activo» gira em torno desses lugares públicos, aos quais chamámos na peugada de Delph (1978) "oásis erótico", uma vez que vive em constante busca de novos parceiros sexuais. Todos os indivíduos observados ao longo do tempo, independentemente de serem homens ou mulheres, homossexuais ou pseudo-heterossexuais ou de terem relações estáveis ou não, exibem em maior ou menor grau comportamentos sexualmente promíscuos. Este facto é incontornável e pode ser evidenciado mediante a explicitação da estrutura e da dinâmica da comunidade gay portuguesa. Os resultados deste estudo intensivo de campo são congruentes com os resultados obtidos por diversos estudos que usaram uma metodologia idêntica, em particular os estudos de Hooker (1967), Hoffman (1970), Humphreys (1970) e Delph (1978). Na apresentação sucinta dos resultados deste estudo lançámos novos conceitos, nomeadamente os de banalização, ubiquidade e efeito homossexuais, com o objectivo de mostrar que as estimativas apresentadas (10%) substimam a incidência de comportamento homossexual na população portuguesa. As noites portuguesas fervilham de actividades homossexuais que ocorrem nos mais diversos lugares e circuitos que constituem o oásis erótico gay português, levando-nos a estimar que muito mais de 10% da população portuguesa exibe frequentemente comportamentos homossexuais. Aliás, quando integram os bissexuais na sua comunidade, os próprios homossexuais reconhecem que eles também são predominantemente homossexuais não-assumidos, com os quais fazem sexo regularmente (Lauman et al., 1994). O conceito de oásis erótico, forjado por Delph (1978) e usado para designar um lugar considerado física e socialmente seguro, em função dos padrões definidos pela subcultura gay, de ameaças exteriores, onde os seus frequentadores se reúnem para estabelecer interacções sexuais mutuamente desejadas, pode incluir tanto lugares públicos como lugares privados. Alguns desses lugares são negócios comercialmente explorados, tais como saunas, ginásios, sexy-shops, restaurantes, unidades hoteleiras, parques de campismo, bares e discotecas homossexuais, enquanto outros são lugares cooptados ou usurpados pelos homens homossexuais, para propósitos sexuais, tais como sanitários, parques públicos, praias, praças, avenidas, ruas, estações de serviço, terminais rodoviários e ferroviários, descampados e matas e tantas outras áreas públicas. Estes lugares constituem, portanto, duas variantes básicas de oásis eróticos. Alguns oásis eróticos são lugares públicos usurpados para actividades sexuais; outros são lugares subculturalmente designados para sexo e encorajam abertamente o sexo. A aplicação deste conceito ao estudo da comunidade gay portuguesa foi feita com base na teoria matemática dos grafos, na sociometria e na própria perspectiva dos homossexuais portugueses. Estes utilizam a palavra «ambientes» para designar os diversos lugares públicos que constituem o seu oásis erótico. Cada «ambiente» ou circuito tem os seus frequentadores habituais e, em função do tipo de lugar e das actividades que nele ocorrem e que são subculturalmente incentivadas, podemos traçar o perfil desses utentes habituais e definir o seu estilo de vida. A estrutura conceptual mais adequada para captar a comunidade gay é a noção de "rede" (Elizabeth Both, 1976). Ao examinarmos de perto o ambiente imediato dos homens e das mulheres homossexuais, isto é, os seus relacionamentos reais externos com pessoas e lugares, constatámos a existência de dois padrões: 1) os relacionamentos sociais externos dos homossexuais e bissexuais assumem muito mais a forma de uma rede do que de um grupo organizado, e, embora os homens homossexuais pertençam muito mais a redes do que a grupos,
2) existem consideráveis variações na conectividade das suas redes. A conectividade ou intensidade indica a extensão em que as pessoas conhecidas por um indivíduo se conhecem e se encontram umas com as outras, independentemente do indivíduo. Destacam-se basicamente dois graus relativos de conectividade que não devem ser vistos como polaridades opostas: a rede de «malha estreita» que é usada para descrever uma rede na qual existem muitas relações diversificadas entre as unidades componentes, e a rede de «malha frouxa» que é usada para descrever uma rede na qual existem poucos relacionamentos deste tipo. Embora existam organizações gay em Portugal, elas têm pouco impacto e adesão na comunidade gay portuguesa, já que esta comunidade tende a ser uma rede virtual de lugares de engate, de potenciais parceiros e de contactos sexuais ocasionais. Assim, um «ambiente» nada mais é do que um lugar público que propicia e incentiva encontros homossexuais e vários «ambientes» podem estar fortemente conectados entre si de modo a formar um "circuito gay". Um circuito homossexual é um conjunto interligado de espaços e de fenómenos que se sucedem regular e periodicamente ou, mais precisamente, um conjunto de hábitos e de movimentos que caracteriza a rotina quotidiana de um grupo de homossexuais ou mesmo de um único homem homossexual. Há tantos circuitos homossexuais quantos os grupos ou tipos homossexuais, mas, regra geral, existem padrões que permitem tipificar os circuitos mais comuns, embora esses possam variar em função do tempo, do espaço e das «modas». Levando em conta apenas dois critérios – a assunção da homossexualidade e o tipo de convívio ou relações sociais estabelecidas, podemos distinguir dois tipos fundamentais de circuitos: os circuitos gay de sexo anónimo (CGSA), frequentados regularmente e predominantemente por homens homossexuais que tendem a não assumir-se como homossexuais e cujo objectivo exclusivo é a prática de actividades sexuais, em detrimento do convívio social, e os circuitos gay de convívio sócio-sexual (CGCS), frequentados regularmente por homens e mulheres homossexuais que se assumem como tais e que, além do sexo, estão envolvidos em encontros sociais. Os roteiros tão difundidos na comunidade gay visam difundir o conhecimento desses lugares de engate, onde qualquer homossexual pode encontrar facilmente e sem dificuldades parceiros sexuais. Qualquer revista, nacional ou internacional, e qualquer site gay, fornece esses roteiros, que são frequentemente transmitidos oralmente durante as breves conversações que ocorrem durante os encontros sexuais. Em termos geográficos, a comunidade gay portuguesa pode ser reduzida a um roteiro nacional de «lugares de engate», que são regularmente frequentados pelos homossexuais em busca de parceiros e experiências sexuais e escolhidos em função dos seus interesses e perfil psicológico. Cada um adopta o seu roteiro, em função das suas necessidades, interesses e perfil psicológico. Os homens homossexuais frequentam regularmente esses lugares, com o propósito de procurar novos parceiros sexuais. O que mais impressiona nas abordagens homossexuais é o facto da conversação ser mínima e das interacções estarem concebidas e baseadas na perseguição de objectivos individuais e não sociais, apesar de certos «ambientes» serem concebidos como espaços de convívio social. Assim, a comunicação é primordialmente de natureza não-verbal. Os homens homossexuais comunicam com os seus olhares, gestos, linguagem corporal e toques e, só posteriormente, ocorrem ocasionais e breves declarações verbais. Estas observações mostram que a rede gay tende a ser mais uma rede de contactos sexuais do que uma rede social e, que, à medida em que nos afastamos do circuito cafés/bares/discotecas, a rede tende a ser mais frouxa em termos de conectividade social. Ao destacarmos o «convívio social», verificamos rapidamente que os circuitos que integram e interconectam cafés, bares e discotecas gay são os que possibilitam um maior convívio social entre os homossexuais e os seus frequentadores habituais tendem a optar por um estilo de vida mais homosocial e tendencialmente com menor número de episódios de «sexo anónimo». Embora se observe variação frequente de parceiros sexuais, esta tende a ocorrer com parceiros conhecidos ou amigos e as ligações que se estabelecem, breves ou prolongadas, são mais personalizadas. Os circuitos que ligam cafés, bares e discotecas gay são redes de malha estreita, frequentados assuiduamente por homossexuais hiperefeminados, emergentes e muitos masculinizados que assumem mais saudavelmente a sua identidade gay e que, nesses espaços, convivem mais estreitamente entre si e com outros grupos sócio-sexuais, tais como lésbicas, travestis, transgéneros e transexuais, bem como com muitos heterossexuais que frequentam os «ambientes». Embora se observem manifestações afectivas entre os seus utentes, as actividades sexuais não são incentivadas nestes lugares públicos, ficando pontualmente restringidas ou a «quartos escuros», quando existem, ou a espaços intersticiais, tais como os sanitários, ou ainda a determinados dias (as "festas de espuma"). São, pois, oásis eróticos mais discretos. Ora, os restantes circuitos, e os mais abundantes, abrangem lugares nos quais as actividades sexuais são incentivadas, em detrimento do convívio social e, nestes lugares, observa-se fundamentalmente «sexo anónimo», com múltiplos parceiros consecutivos ou em simultâneo. Como dizem alguns homossexuais: os seus frequentadores são «homens de poucas falas e muito sexo» e, geralmente, não assumem abertamente a sua homossexualidade, alegando serem bissexuais. Estes circuitos de malha frouxa não são frequentados por mulheres lésbicas. Pela frequência habitual destes dois tipos básicos de circuitos gay, podemos referir dois estilos de vida sexualmente promíscuos: um mais anónimo e predatório, centrado nos circuitos gay do sexo casual e anónimo, e outro mais personalizado, centrado nos circuitos gay de convívio sócio-sexual. No entanto, existem omnívoros de todos os circuitos gay: são os "vagabundos sexuais", casados ou solteiros, que frequentam diariamente e em regime pós-laboral todos os lugares públicos de engate, visando apenas encontros casuais e anónimos. Matematicamente, um circuito é um conjunto de pontos fixos interligados por vias preferenciais. Os pontos fixos correspondem aos lugares públicos frequentados assiduamente pelos homossexuais e as vias são os trajectos que os ligam. Se os pontos, num determinado período de tempo, permanecem fixos, os trajectos variam constantemente, em função das necessidades e dos interesses pessoais e sociais. Ora, o conhecimento aprofundado, minucioso e actualizado dos circuitos gay, constantemente actualizado pelos roteiros gay, impressos ou electrónicos, é fundamental para todo o homem homossexual que se auto-reduz à sua dimensão estritamente sexual, na medida em que possibilita e garante novos encontros sexuais. De certo modo, um circuito homossexual é, em grande medida, um percurso que um homossexual ou grupo de homossexuais percorre, noite após noite, à procura de novas aventuras sexuais. Se o homossexual iniciante não souber resistir às forças gravitacionais ou centrípetas dos circuitos gay, acabará por assimilar o «esquema gay» e, uma vez aí instalado, corre o risco de ser completamente absorvido pela rede gay. Neste último caso, toda a sua vida individual desvanece-se: a sua individualidade é eclipsada e anulada pelos «efeitos de manada» provenientes da rede. A rede homossexual é uma estrutura altamente ultracongelada e reificada: nela o indivíduo perde a sua individualidade e assume-se como mais uma peça da maquinaria homossexual. A rede homossexual tem, pois, um carácter desindividualizante: as individualidades são fragilizadas a favor da integração total. Os seus imperativos são superiores aos imperativos individuais, familiares, sociais, culturais, sentimentais ou mesmo profissionais. Reduzido a um instrumento sexual, o homossexual vagabundo comporta-se como tal, deixando para trás todas as outras dimensões vitais e entregando-se exclusivamente — a tempo inteiro — à busca frenética de novos orgasmos, de preferência cada vez mais inusitados, estranhos e anónimos. Até mesmo aqueles homossexuais que procuram salvaguardar a sua autonomia, evitando contactos com membros da rede homossexual institucionalizada, denominada «ralé gay», não são geralmente bem sucedidos, uma vez que o esquema em que estão inseridos acaba por se cristalizar numa rede que é tão reificadora quanto a rede predominante que criticavam. As forças de inércia da rede são mais poderosas que as vontades individuais já, por si mesmas, fragilizadas pela apetência sexual incontrolável que os domina desde dentro. É, por isso, que alguns deles abandonam os seus empregos sempre que surge a oportunidade de novos encontros sexuais. Como ser unidimensional, o homossexual só vive para o sexo: o seu estilo de vida fetichista sexual é a consumação da reificação homossexual. Os homossexuais reconhecem, sem disso se aperceberem completamente, que a uniformidade é mais real que a suposta diferença que ousam reclamar. Isto significa que praticamente todos os homossexuais observados, até mesmo os homossexuais activistas, partilham com os demais o mesmo esquema homossexual. Ora, este esquema mais não é do que um conjunto de dispositivos e de conhecimentos que facilitam a procura frenética e compulsiva de novos orgasmos. É, portanto, em torno dessa procura de novos parceiros sexuais ou da sua possibilidade, que gira toda a vida do homossexual, ao ponto de podermos dizer que homossexualidade e promiscuidade sexual são praticamente a mesma coisa. Esta quase identificação é reconhecida pelos próprios homossexuais, que, além de serem fazedores de "roteiros do prazer", elaboram «teorias» "emic" que visam justificar e legitimar o seu estilo de vida sexualmente promíscuo. Se definirmos o estilo de vida como um conjunto de práticas que um indivíduo adopta para satisfazer as suas necessidades e dar forma a uma narrativa particular de auto-identidade, constatamos facilmente que o estilo de vida do homossexual típico consiste em frequentar determinados lugares públicos e usar sexualmente as novas tecnologias da informação e da comunicação, tais como telemóveis e a comunicação mediada por computador, para arranjar novos parceiros sexuais — um estilo de vida sexualmente promíscuo. Três noções "emic", utilizadas pelos próprios homossexuais, definem sucintamente este estilo de vida: «esquemas» (busca de novos parceiros sexuais), circuitos (lugares de engate frequentados) e «rede» (complexo de relações que solidificam a rotina gay). Os esquemas, os circuitos e as redes favorecem a procura homossexual de novos orgasmos em determinados lugares públicos e, ao possibilitar a sua concretização, reforçam-se e estabilizam-se, mesmo que ocorram mudanças de lugares. Ora, dado que os comportamentos sexualmente promíscuos são factores antropológicos na transmissão da Sida e doutras doenças sexualmente transmissíveis, torna-se evidente que todas essas estruturas comportamentais cristalizadas facilitam a sua transmissão e a sua expansão no seio da comunidade homossexual, bem como no seio da população heterossexual, uma vez que muitos pseudo-heterossexuais manifestam comportamentos homossexuais. Isto significa que os percursos homossexuais são virtualmente "percursos da Sida" e de outras doenças sexualmente transmissíveis (Binson et al., 2001; Griensven et al., 2004; Peterson et al., 2001; Mutchler, 2002; Westburg & Guindon, 2004; Betts, 2002; Jin et al., 2002; Vandentorren et al., 2001; Wilson et al., 2002; Eich-Höchli et al., 1998; Weinberg, Worth & Williams, 2001; Stueve et al., 2001; Pulerwitz et al., 2001; Suarez & Miller, 2001; Wislar & Fendrich, 2000; Dilger, 2003; Catania et al., 2001; Hogg et al., 1997; Dukers et al., 2000; Bauer & Welles, 2003; Morrow & Allsworth, 2000). O ritmo de vida dos homossexuais é mais nocturno do que diurno e varia ao longo do ano, observando-se nas estações frias (Outono/Inverno) maior concentração e intensidade em lugares fechados, e nas estações quentes (Primavera/Verão), em lugares abertos, tais como as praias e parques de campismo. Esta mudança de ritmo anual tende a estar marcada pelas férias, que possibilitam uma deslocação dos espaços conhecidos para espaços desconhecidos. Com efeito, quando um homossexual julga ter esgotado a lista de parceiros sexuais na sua área de residência e de trabalho, dado ter feito sexo com todos, ele tende a deslocar-se, diariamente ou em determinados dias da semana, de automóvel para outras zonas, próximas ou distantes, em busca de novos parceiros sexuais, e o período de férias que geralmente coincide com o mês de Agosto é aproveitado para fazer «turismo sexual», ou seja, para viajar para outros lugares desconhecidos onde possa encontrar novos parceiros sexuais. Além dos circuitos gay intra-urbanos que variam em função do perfil dos homossexuais que os percorrem, em função do ambiente e das normas subculturais proporcionados pelos lugares públicos, em função da época do ano ou mesmo dos dias da semana e em função das novidades que entretanto vão surgindo no mercado da indústria de lazer, existem os circuitos gay inter-urbanos, que incluem deslocações para outras cidades de Portugal (roteiros de fins-de-semana) ou para outras cidades estrangeiras (roteiros turísticos internacionais). Os roteiros gay fornecem diversas informações úteis para os «turistas do sexo», como mostra «Spartacus: International Gay Guide», mas o fundamental das informações consiste numa «listagem» de «lugares de engate», cuja articulação configura o oásis erótico gay de cada país. Estes roteiros omitem os espaços residenciais e os espaços institucionais e de trabalho, embora dêem algumas indicações sobre unidades de saúde e monumentos. Estes são os circuitos gay de turismo sexual (CGTS). Muitas ligações que se formam nesses lugares podem converter-se em uniões estáveis fechadas e, nestes casos, os casais homossexuais começam a afastar-se e a abster-se de frequentar os «ambientes», para evitar conflitos conjugais, a menos que optem consensualmente por uma solução aberta de casal. Apesar de existirem muitos casais gay cujas relações foram acompanhadas durante todo o tempo da pesquisa de terreno, verificámos que um ou mesmo os dois membros não são fiéis, cometendo regularmente adultério ou diversos tipos de infidelidades, com múltiplos parceiros sexuais, e, em muitos casos, contagiando posteriormente o seu companheiro de vida ou parceiro sexual a longo prazo. O universo dos casais homossexuais pode ser perspectivado como uma espécie de fuga ao oásis erótico gay, mas isso não significa, segundo as nossas observações, ausência de comportamentos sexualmente promíscuos. Aliás, o sexo extraconjugal ajuda a explicar muitos episódios de violência doméstica observada e relatada pelos casais homossexuais masculinos e femininos (Kuehnle & Sullivan, 2003; Liu, 2003; Rohrbaugh, 2006; Pitt & Dolan-Soto, 2001; Pitt, 2000; Blair, Nelson & Coleman, 2001; Harrison & Esqueda, 2000; Smith & Gallo, 1999; Halpern et al., 2001; Markowitz, 2001; Saewyc et al., 1999; Garfield, 2004; Testa & Leonard, 2001; Phillips et al., 2001; Lucas et al., 2003). Com o advento da sociedade de consumo (Baudrillard, 1991), sobretudo a partir da segunda metade dos anos 90, o nível de vida dos portugueses elevou-se de tal modo que a posse de carro particular se tornou um recurso que facilita o deslocamento para zonas mais distantes da área de residência ou de trabalho, abrindo mais possibilidades de conquista sexual. Este facto associado à introdução das novas tecnologias da informação e comunicação, em particular os telemóveis, o teletexto e a Internet, veio, conforme observámos durante a pesquisa interactiva (2000-2006), igualmente facilitar a procura de novos parceiros sexuais. Com a comunicação mediada por computador, o teletexto e a troca de números de telemóvel, os homossexuais já não precisam deslocar-se para encontrar parceiro sexual disponível: no seu espaço residencial ou no cibercafé ou mesmo no lugar de trabalho, basta ligar o computador e ter acesso à rede e, através do Widows Live Messenger, ver se algum dos seus amigos virtuais está online e afim de fazer sexo com ele, ou enviar uma mensagem para um dos amigos da sua «lista» íntima, a fazer-lhe uma proposta sexual. O encontro sexual ocorre ou na casa de um deles ou noutro lugar previamente combinado. Se nenhum dos dois estiver interessado em sair de casa, podem fazer «virtual sex» e/ou «sexphone», usando as respectivas webcams. Neste aspecto, no que se refere ao uso das novas tecnologias, os homossexuais são bons aprendizes e, ao contrário do que seria de esperar (Lippa, 2002, 2001), revelam elevado grau de instrumentalidade, um padrão sexual tipicamente masculino, mesmo que sejam do tipo efeminado. No que se refere ao uso das novas tecnologias da comunicação, sobretudo ao uso do computador e da Internet, observam-se diferenças de género: os homens são utilizadores mais assíduos e criativos do computador do que as mulheres e, quanto mais jovens são, mais peritos parecem ser (Mantovani, 2001; Pratarelli & Browne, 2002; Barak & Fisher, 1997; Dittmar, Long & Meek, 2004; Biber et al., 2002; Engelberg & Sjöberg, 2004; Talamo & Ligorio, 2001; Spink et al., 2004; Speepersad, 2004; Whitty, 2003; Chandler & Roberts-Young, 1998). Os homens homossexuais revelam ser bons cibernautas, especialmente atentos a todas as novidades tecnológicas que surgem e que integram rapidamente nas suas rotinas diárias e no seu «esquema» sexualmente promíscuo de vida. A comunidade gay online é sexualmente muito pragmática: os contactos virtuais tendem a converter-se em encontros sexuais reais. Isto significa que a Internet constitui um outro circuito de engate gay (circuito gay virtual), que desconhece fronteiras e que, por isso, é global, como se verifica por exemplo no site GayDar, através do qual podemos entrar em vários chats estrangeiros e estabelecer contactos ou embarcar em chats mais específicos, em função das preferências sexuais pessoais. Tal como sucede nos USA (Sender, 2001), os homens homossexuais portugueses investem bastante na sua formação pessoal e são muitos os que tiram um curso superior e seguem carreiras superiores, incluindo carreiras políticas, como autarcas ao nível regional ou como deputados. A atipicidade ocupacional que lhes é geralmente atribuída não é assim tão evidente, até porque muitos seguem carreiras tipicamente masculinas, tais como carreiras militares, policiais e como «seguranças». Estas carreiras desenrolam-se em espaços institucionais, aparentemente pouco favoráveis aos homossexuais. Para não falar nas prisões, os espaços institucionais militares, policiais, políticos, empresariais, religiosos, hospitalares e educacionais, incluindo o ensino superior, empregam muitos homossexuais e, como onde há homossexuais há sexo, alguns desses espaços convertem-se em «lugares de engate», com os seus circuitos intra-institucionais, como constatámos abundantemente nas instituições religiosas. Contudo, estes circuitos intra-institucionais estão perfeitamente integrados na rede gay de contactos sexuais. A abertura de grandes espaços comerciais, nomeadamente de centros comerciais e de hipermecados, diversificou e aumentou o número de «lugares de engate». Alguns espaços comerciais fecharam, mas, em seu lugar, abriram-se novos espaços. Apesar dessas mudanças observadas, em termos puramente formais, os circuitos gay continuam a ser topologicamente os mesmos. Podemos mesmo considerá-los como invariantes topológicos. (Ainda vou introduzir alterações!) J Francisco Saraiva de Sousa
2) existem consideráveis variações na conectividade das suas redes. A conectividade ou intensidade indica a extensão em que as pessoas conhecidas por um indivíduo se conhecem e se encontram umas com as outras, independentemente do indivíduo. Destacam-se basicamente dois graus relativos de conectividade que não devem ser vistos como polaridades opostas: a rede de «malha estreita» que é usada para descrever uma rede na qual existem muitas relações diversificadas entre as unidades componentes, e a rede de «malha frouxa» que é usada para descrever uma rede na qual existem poucos relacionamentos deste tipo. Embora existam organizações gay em Portugal, elas têm pouco impacto e adesão na comunidade gay portuguesa, já que esta comunidade tende a ser uma rede virtual de lugares de engate, de potenciais parceiros e de contactos sexuais ocasionais. Assim, um «ambiente» nada mais é do que um lugar público que propicia e incentiva encontros homossexuais e vários «ambientes» podem estar fortemente conectados entre si de modo a formar um "circuito gay". Um circuito homossexual é um conjunto interligado de espaços e de fenómenos que se sucedem regular e periodicamente ou, mais precisamente, um conjunto de hábitos e de movimentos que caracteriza a rotina quotidiana de um grupo de homossexuais ou mesmo de um único homem homossexual. Há tantos circuitos homossexuais quantos os grupos ou tipos homossexuais, mas, regra geral, existem padrões que permitem tipificar os circuitos mais comuns, embora esses possam variar em função do tempo, do espaço e das «modas». Levando em conta apenas dois critérios – a assunção da homossexualidade e o tipo de convívio ou relações sociais estabelecidas, podemos distinguir dois tipos fundamentais de circuitos: os circuitos gay de sexo anónimo (CGSA), frequentados regularmente e predominantemente por homens homossexuais que tendem a não assumir-se como homossexuais e cujo objectivo exclusivo é a prática de actividades sexuais, em detrimento do convívio social, e os circuitos gay de convívio sócio-sexual (CGCS), frequentados regularmente por homens e mulheres homossexuais que se assumem como tais e que, além do sexo, estão envolvidos em encontros sociais. Os roteiros tão difundidos na comunidade gay visam difundir o conhecimento desses lugares de engate, onde qualquer homossexual pode encontrar facilmente e sem dificuldades parceiros sexuais. Qualquer revista, nacional ou internacional, e qualquer site gay, fornece esses roteiros, que são frequentemente transmitidos oralmente durante as breves conversações que ocorrem durante os encontros sexuais. Em termos geográficos, a comunidade gay portuguesa pode ser reduzida a um roteiro nacional de «lugares de engate», que são regularmente frequentados pelos homossexuais em busca de parceiros e experiências sexuais e escolhidos em função dos seus interesses e perfil psicológico. Cada um adopta o seu roteiro, em função das suas necessidades, interesses e perfil psicológico. Os homens homossexuais frequentam regularmente esses lugares, com o propósito de procurar novos parceiros sexuais. O que mais impressiona nas abordagens homossexuais é o facto da conversação ser mínima e das interacções estarem concebidas e baseadas na perseguição de objectivos individuais e não sociais, apesar de certos «ambientes» serem concebidos como espaços de convívio social. Assim, a comunicação é primordialmente de natureza não-verbal. Os homens homossexuais comunicam com os seus olhares, gestos, linguagem corporal e toques e, só posteriormente, ocorrem ocasionais e breves declarações verbais. Estas observações mostram que a rede gay tende a ser mais uma rede de contactos sexuais do que uma rede social e, que, à medida em que nos afastamos do circuito cafés/bares/discotecas, a rede tende a ser mais frouxa em termos de conectividade social. Ao destacarmos o «convívio social», verificamos rapidamente que os circuitos que integram e interconectam cafés, bares e discotecas gay são os que possibilitam um maior convívio social entre os homossexuais e os seus frequentadores habituais tendem a optar por um estilo de vida mais homosocial e tendencialmente com menor número de episódios de «sexo anónimo». Embora se observe variação frequente de parceiros sexuais, esta tende a ocorrer com parceiros conhecidos ou amigos e as ligações que se estabelecem, breves ou prolongadas, são mais personalizadas. Os circuitos que ligam cafés, bares e discotecas gay são redes de malha estreita, frequentados assuiduamente por homossexuais hiperefeminados, emergentes e muitos masculinizados que assumem mais saudavelmente a sua identidade gay e que, nesses espaços, convivem mais estreitamente entre si e com outros grupos sócio-sexuais, tais como lésbicas, travestis, transgéneros e transexuais, bem como com muitos heterossexuais que frequentam os «ambientes». Embora se observem manifestações afectivas entre os seus utentes, as actividades sexuais não são incentivadas nestes lugares públicos, ficando pontualmente restringidas ou a «quartos escuros», quando existem, ou a espaços intersticiais, tais como os sanitários, ou ainda a determinados dias (as "festas de espuma"). São, pois, oásis eróticos mais discretos. Ora, os restantes circuitos, e os mais abundantes, abrangem lugares nos quais as actividades sexuais são incentivadas, em detrimento do convívio social e, nestes lugares, observa-se fundamentalmente «sexo anónimo», com múltiplos parceiros consecutivos ou em simultâneo. Como dizem alguns homossexuais: os seus frequentadores são «homens de poucas falas e muito sexo» e, geralmente, não assumem abertamente a sua homossexualidade, alegando serem bissexuais. Estes circuitos de malha frouxa não são frequentados por mulheres lésbicas. Pela frequência habitual destes dois tipos básicos de circuitos gay, podemos referir dois estilos de vida sexualmente promíscuos: um mais anónimo e predatório, centrado nos circuitos gay do sexo casual e anónimo, e outro mais personalizado, centrado nos circuitos gay de convívio sócio-sexual. No entanto, existem omnívoros de todos os circuitos gay: são os "vagabundos sexuais", casados ou solteiros, que frequentam diariamente e em regime pós-laboral todos os lugares públicos de engate, visando apenas encontros casuais e anónimos. Matematicamente, um circuito é um conjunto de pontos fixos interligados por vias preferenciais. Os pontos fixos correspondem aos lugares públicos frequentados assiduamente pelos homossexuais e as vias são os trajectos que os ligam. Se os pontos, num determinado período de tempo, permanecem fixos, os trajectos variam constantemente, em função das necessidades e dos interesses pessoais e sociais. Ora, o conhecimento aprofundado, minucioso e actualizado dos circuitos gay, constantemente actualizado pelos roteiros gay, impressos ou electrónicos, é fundamental para todo o homem homossexual que se auto-reduz à sua dimensão estritamente sexual, na medida em que possibilita e garante novos encontros sexuais. De certo modo, um circuito homossexual é, em grande medida, um percurso que um homossexual ou grupo de homossexuais percorre, noite após noite, à procura de novas aventuras sexuais. Se o homossexual iniciante não souber resistir às forças gravitacionais ou centrípetas dos circuitos gay, acabará por assimilar o «esquema gay» e, uma vez aí instalado, corre o risco de ser completamente absorvido pela rede gay. Neste último caso, toda a sua vida individual desvanece-se: a sua individualidade é eclipsada e anulada pelos «efeitos de manada» provenientes da rede. A rede homossexual é uma estrutura altamente ultracongelada e reificada: nela o indivíduo perde a sua individualidade e assume-se como mais uma peça da maquinaria homossexual. A rede homossexual tem, pois, um carácter desindividualizante: as individualidades são fragilizadas a favor da integração total. Os seus imperativos são superiores aos imperativos individuais, familiares, sociais, culturais, sentimentais ou mesmo profissionais. Reduzido a um instrumento sexual, o homossexual vagabundo comporta-se como tal, deixando para trás todas as outras dimensões vitais e entregando-se exclusivamente — a tempo inteiro — à busca frenética de novos orgasmos, de preferência cada vez mais inusitados, estranhos e anónimos. Até mesmo aqueles homossexuais que procuram salvaguardar a sua autonomia, evitando contactos com membros da rede homossexual institucionalizada, denominada «ralé gay», não são geralmente bem sucedidos, uma vez que o esquema em que estão inseridos acaba por se cristalizar numa rede que é tão reificadora quanto a rede predominante que criticavam. As forças de inércia da rede são mais poderosas que as vontades individuais já, por si mesmas, fragilizadas pela apetência sexual incontrolável que os domina desde dentro. É, por isso, que alguns deles abandonam os seus empregos sempre que surge a oportunidade de novos encontros sexuais. Como ser unidimensional, o homossexual só vive para o sexo: o seu estilo de vida fetichista sexual é a consumação da reificação homossexual. Os homossexuais reconhecem, sem disso se aperceberem completamente, que a uniformidade é mais real que a suposta diferença que ousam reclamar. Isto significa que praticamente todos os homossexuais observados, até mesmo os homossexuais activistas, partilham com os demais o mesmo esquema homossexual. Ora, este esquema mais não é do que um conjunto de dispositivos e de conhecimentos que facilitam a procura frenética e compulsiva de novos orgasmos. É, portanto, em torno dessa procura de novos parceiros sexuais ou da sua possibilidade, que gira toda a vida do homossexual, ao ponto de podermos dizer que homossexualidade e promiscuidade sexual são praticamente a mesma coisa. Esta quase identificação é reconhecida pelos próprios homossexuais, que, além de serem fazedores de "roteiros do prazer", elaboram «teorias» "emic" que visam justificar e legitimar o seu estilo de vida sexualmente promíscuo. Se definirmos o estilo de vida como um conjunto de práticas que um indivíduo adopta para satisfazer as suas necessidades e dar forma a uma narrativa particular de auto-identidade, constatamos facilmente que o estilo de vida do homossexual típico consiste em frequentar determinados lugares públicos e usar sexualmente as novas tecnologias da informação e da comunicação, tais como telemóveis e a comunicação mediada por computador, para arranjar novos parceiros sexuais — um estilo de vida sexualmente promíscuo. Três noções "emic", utilizadas pelos próprios homossexuais, definem sucintamente este estilo de vida: «esquemas» (busca de novos parceiros sexuais), circuitos (lugares de engate frequentados) e «rede» (complexo de relações que solidificam a rotina gay). Os esquemas, os circuitos e as redes favorecem a procura homossexual de novos orgasmos em determinados lugares públicos e, ao possibilitar a sua concretização, reforçam-se e estabilizam-se, mesmo que ocorram mudanças de lugares. Ora, dado que os comportamentos sexualmente promíscuos são factores antropológicos na transmissão da Sida e doutras doenças sexualmente transmissíveis, torna-se evidente que todas essas estruturas comportamentais cristalizadas facilitam a sua transmissão e a sua expansão no seio da comunidade homossexual, bem como no seio da população heterossexual, uma vez que muitos pseudo-heterossexuais manifestam comportamentos homossexuais. Isto significa que os percursos homossexuais são virtualmente "percursos da Sida" e de outras doenças sexualmente transmissíveis (Binson et al., 2001; Griensven et al., 2004; Peterson et al., 2001; Mutchler, 2002; Westburg & Guindon, 2004; Betts, 2002; Jin et al., 2002; Vandentorren et al., 2001; Wilson et al., 2002; Eich-Höchli et al., 1998; Weinberg, Worth & Williams, 2001; Stueve et al., 2001; Pulerwitz et al., 2001; Suarez & Miller, 2001; Wislar & Fendrich, 2000; Dilger, 2003; Catania et al., 2001; Hogg et al., 1997; Dukers et al., 2000; Bauer & Welles, 2003; Morrow & Allsworth, 2000). O ritmo de vida dos homossexuais é mais nocturno do que diurno e varia ao longo do ano, observando-se nas estações frias (Outono/Inverno) maior concentração e intensidade em lugares fechados, e nas estações quentes (Primavera/Verão), em lugares abertos, tais como as praias e parques de campismo. Esta mudança de ritmo anual tende a estar marcada pelas férias, que possibilitam uma deslocação dos espaços conhecidos para espaços desconhecidos. Com efeito, quando um homossexual julga ter esgotado a lista de parceiros sexuais na sua área de residência e de trabalho, dado ter feito sexo com todos, ele tende a deslocar-se, diariamente ou em determinados dias da semana, de automóvel para outras zonas, próximas ou distantes, em busca de novos parceiros sexuais, e o período de férias que geralmente coincide com o mês de Agosto é aproveitado para fazer «turismo sexual», ou seja, para viajar para outros lugares desconhecidos onde possa encontrar novos parceiros sexuais. Além dos circuitos gay intra-urbanos que variam em função do perfil dos homossexuais que os percorrem, em função do ambiente e das normas subculturais proporcionados pelos lugares públicos, em função da época do ano ou mesmo dos dias da semana e em função das novidades que entretanto vão surgindo no mercado da indústria de lazer, existem os circuitos gay inter-urbanos, que incluem deslocações para outras cidades de Portugal (roteiros de fins-de-semana) ou para outras cidades estrangeiras (roteiros turísticos internacionais). Os roteiros gay fornecem diversas informações úteis para os «turistas do sexo», como mostra «Spartacus: International Gay Guide», mas o fundamental das informações consiste numa «listagem» de «lugares de engate», cuja articulação configura o oásis erótico gay de cada país. Estes roteiros omitem os espaços residenciais e os espaços institucionais e de trabalho, embora dêem algumas indicações sobre unidades de saúde e monumentos. Estes são os circuitos gay de turismo sexual (CGTS). Muitas ligações que se formam nesses lugares podem converter-se em uniões estáveis fechadas e, nestes casos, os casais homossexuais começam a afastar-se e a abster-se de frequentar os «ambientes», para evitar conflitos conjugais, a menos que optem consensualmente por uma solução aberta de casal. Apesar de existirem muitos casais gay cujas relações foram acompanhadas durante todo o tempo da pesquisa de terreno, verificámos que um ou mesmo os dois membros não são fiéis, cometendo regularmente adultério ou diversos tipos de infidelidades, com múltiplos parceiros sexuais, e, em muitos casos, contagiando posteriormente o seu companheiro de vida ou parceiro sexual a longo prazo. O universo dos casais homossexuais pode ser perspectivado como uma espécie de fuga ao oásis erótico gay, mas isso não significa, segundo as nossas observações, ausência de comportamentos sexualmente promíscuos. Aliás, o sexo extraconjugal ajuda a explicar muitos episódios de violência doméstica observada e relatada pelos casais homossexuais masculinos e femininos (Kuehnle & Sullivan, 2003; Liu, 2003; Rohrbaugh, 2006; Pitt & Dolan-Soto, 2001; Pitt, 2000; Blair, Nelson & Coleman, 2001; Harrison & Esqueda, 2000; Smith & Gallo, 1999; Halpern et al., 2001; Markowitz, 2001; Saewyc et al., 1999; Garfield, 2004; Testa & Leonard, 2001; Phillips et al., 2001; Lucas et al., 2003). Com o advento da sociedade de consumo (Baudrillard, 1991), sobretudo a partir da segunda metade dos anos 90, o nível de vida dos portugueses elevou-se de tal modo que a posse de carro particular se tornou um recurso que facilita o deslocamento para zonas mais distantes da área de residência ou de trabalho, abrindo mais possibilidades de conquista sexual. Este facto associado à introdução das novas tecnologias da informação e comunicação, em particular os telemóveis, o teletexto e a Internet, veio, conforme observámos durante a pesquisa interactiva (2000-2006), igualmente facilitar a procura de novos parceiros sexuais. Com a comunicação mediada por computador, o teletexto e a troca de números de telemóvel, os homossexuais já não precisam deslocar-se para encontrar parceiro sexual disponível: no seu espaço residencial ou no cibercafé ou mesmo no lugar de trabalho, basta ligar o computador e ter acesso à rede e, através do Widows Live Messenger, ver se algum dos seus amigos virtuais está online e afim de fazer sexo com ele, ou enviar uma mensagem para um dos amigos da sua «lista» íntima, a fazer-lhe uma proposta sexual. O encontro sexual ocorre ou na casa de um deles ou noutro lugar previamente combinado. Se nenhum dos dois estiver interessado em sair de casa, podem fazer «virtual sex» e/ou «sexphone», usando as respectivas webcams. Neste aspecto, no que se refere ao uso das novas tecnologias, os homossexuais são bons aprendizes e, ao contrário do que seria de esperar (Lippa, 2002, 2001), revelam elevado grau de instrumentalidade, um padrão sexual tipicamente masculino, mesmo que sejam do tipo efeminado. No que se refere ao uso das novas tecnologias da comunicação, sobretudo ao uso do computador e da Internet, observam-se diferenças de género: os homens são utilizadores mais assíduos e criativos do computador do que as mulheres e, quanto mais jovens são, mais peritos parecem ser (Mantovani, 2001; Pratarelli & Browne, 2002; Barak & Fisher, 1997; Dittmar, Long & Meek, 2004; Biber et al., 2002; Engelberg & Sjöberg, 2004; Talamo & Ligorio, 2001; Spink et al., 2004; Speepersad, 2004; Whitty, 2003; Chandler & Roberts-Young, 1998). Os homens homossexuais revelam ser bons cibernautas, especialmente atentos a todas as novidades tecnológicas que surgem e que integram rapidamente nas suas rotinas diárias e no seu «esquema» sexualmente promíscuo de vida. A comunidade gay online é sexualmente muito pragmática: os contactos virtuais tendem a converter-se em encontros sexuais reais. Isto significa que a Internet constitui um outro circuito de engate gay (circuito gay virtual), que desconhece fronteiras e que, por isso, é global, como se verifica por exemplo no site GayDar, através do qual podemos entrar em vários chats estrangeiros e estabelecer contactos ou embarcar em chats mais específicos, em função das preferências sexuais pessoais. Tal como sucede nos USA (Sender, 2001), os homens homossexuais portugueses investem bastante na sua formação pessoal e são muitos os que tiram um curso superior e seguem carreiras superiores, incluindo carreiras políticas, como autarcas ao nível regional ou como deputados. A atipicidade ocupacional que lhes é geralmente atribuída não é assim tão evidente, até porque muitos seguem carreiras tipicamente masculinas, tais como carreiras militares, policiais e como «seguranças». Estas carreiras desenrolam-se em espaços institucionais, aparentemente pouco favoráveis aos homossexuais. Para não falar nas prisões, os espaços institucionais militares, policiais, políticos, empresariais, religiosos, hospitalares e educacionais, incluindo o ensino superior, empregam muitos homossexuais e, como onde há homossexuais há sexo, alguns desses espaços convertem-se em «lugares de engate», com os seus circuitos intra-institucionais, como constatámos abundantemente nas instituições religiosas. Contudo, estes circuitos intra-institucionais estão perfeitamente integrados na rede gay de contactos sexuais. A abertura de grandes espaços comerciais, nomeadamente de centros comerciais e de hipermecados, diversificou e aumentou o número de «lugares de engate». Alguns espaços comerciais fecharam, mas, em seu lugar, abriram-se novos espaços. Apesar dessas mudanças observadas, em termos puramente formais, os circuitos gay continuam a ser topologicamente os mesmos. Podemos mesmo considerá-los como invariantes topológicos. (Ainda vou introduzir alterações!) J Francisco Saraiva de Sousa
14 comentários:
Papillon
Este é o cenário genérico do "freak show"! Em Março, edito os pormenores! Abraço (Estou por aqui a trabalhar)
Boa noite!
Obg pelo seu texto que ilustra com clareza o "oásis erótico gay"... :)
Quanto aos circuitos gay de convívio sócio-sexual, qualquer pessoa que goste de sair à noite conhece os lugares de frequência gay e lésbica que, em geral, não são de frequência exclusiva por parte destes.
Quanto aos circuitos gay de sexo anónimo, estes são, para o indivíduo "comum", desconhecidos ou conhecidos de soslaio, tidos como lugares abjectos.
Moralidades e assepsias à parte, e servindo-me da sua designação, este último circuito parece-me como uma teia que enreda em fio espesso e peganhento e que acaba por estrangular qualquer réstia de humanidade. O anonimato, quando experienciado isoladamente, é libertador, quando recorrente acaba por deixar fragmentado o indivíduo e este ao repetir os mesmos passos para apanhar os estilhaços que estão longe de si, implode, pelo contrário, sucessivamente, até ao fim.
Gostaria de fazer algumas perguntas que me ajudariam a esclarecer este último quadro: quando fala de "busca frenética de novos orgasmos, de preferência cada vez mais inusitados, estranhos e anónimos", está a ser figurativo, no sentido de descrever existencialmente um modo de ser inautêntico, ou está a ser literal: eles procuram mesmo orgasmos, ou seja, a sensação orgástica é "aditiva"? Quero dizer: todos nós sentimos que quanto mais fazemos amor, mais nos apetece fazer, mas isto é mesmo real?
Depois, quando estabelece que homossexualidade é igual a promiscuidade, aludindo (também) às teorias "emic" elaboradas pelos "promíscuos" - o que são estas?
Por fim, uma nota interrogativa: se admitirmos o que diz, que "os percursos homossexuais são virtualmente "percursos da Sida" e de outras doenças sexualmente transmissíveis", então, a hipótese do "uso das novas tecnologias", que eu contrariei por várias vezes em algumas conversas por aqui, surge como uma variação menos inconsequente do se ser homossexual ou promíscuo (se, entretanto, concordarmos também com esta identidade). Mas isto n é uma real solução.
Ou seja, enquanto pais, amigos, professores, penso que é possível fazer algo. É possível a educação e o amor reconstruir indivíduos que estão potenciados à dispersão. Se diz que os homossexuais votados aos antros obscuros são quase sempre os não-assumidos, nós tb temos responsabilidade sobre isso.
Sim, temos "responsabilidade sobre isso". Sempre procurei livrar-me dessa responsabilidade, alegando (o que é verdade) que o meu papel era observar e registar para posterior tratamento da informação. Ultimamente mudei a postura: não para a ética mas para a política. O preconceito imperante empurra-os para o anonimato abjecto. E muitos tornam-se de facto pessoas abjectas: uma promiscuidade terrível com transmissão de várias doenças, incluindo o HIV. Contudo, ainda não encontrei a abordagem correcta: como abordar a homofobia ou o preconceito sexual? Cada pessoa merece viver a vida em função de si! Isto nunca esteve em causa..., para mim, independentemente do que penso sobre um ou outro estilo de vida.
É... a minha linguagem é por vezes "retorcida". Sim, pensei na inautenticidade de Heidegger... até escrevi sobre isso, mas foi "eliminado"... Sim, eles procuram mesmo novas experiências, novos parceiros, novas sensações, mas de um modo compulsivo, quase diário. Estão sempre prontos a "despir-se" e entrar em acção. E as novas tecnologias tornam esse impulso mais fácil de ser satisfeito. Cheguei a ter um nº de telémovel só para esses casos, em associação com a cyberpesquisa. As mensagens de propostas "choviam": querem sexo real via comunicação mediada por computador. Dispensam o preservativo e, sim, manifestam as tais doenças. Nestes casos, a promiscuidade é sem dúvida "adição"..., tal como outra toxicodependência, quando n associadas.
Exagerei quando disse que homossexualidade era igual a promiscuidade. Queria dizer que o estilo de vida gay predominante é muito promíscuo. Obrigado por chamar a minha atenção! Existem vítimas... a violência doméstica está associada... Referi por alto este aspecto. Mas merece outro enquadramento.
Sim, é um pouco verdade: "todos nós sentimos que quanto mais fazemos amor, mais nos apetece fazer, mas isto é mesmo real?
". E custa a quebrar uma tal relação em que isso acontece, sobretudo havendo envolvimento afectivo. Aí tudo normal, mas sexo por sexo arriscado e anónimo é diferente. Adição castradora!
Mas vou trabalhar mais os dados para responder às suas referências finais. O coming out e o apoio social vão ser destacados... :)
Ilustrei sem descrever o que é feito nesses circuitos. Ou, como dizem na fac., "sem pornografia".
Mas talvez apresente uns estudos de caso!
Papillon: o meu modelo de promiscuidade não foi "testado" previamente, embora tenha resultados. Mas segui outra via que inclui lâminas fotográficas que nunca serão editadas e a perspectiva emic, ou seja, como eles justificam o comportamento sexual promíscuo (cerca de 35 "teorias") ou análise estatística lexical comparando os léxicos gay e hetero. :)
Há um outro factor que ainda não meditei seriamente, até porque queria abandonar esta área de pesquisa sexual: os tituais do sémen e sua deglutição. Irei escrever sobre isso a propósito dos sambia. Freud interpretava isso como uma espécie de "assimilação da masculinidade" do "dador" por parte do receptor, menos masculino. Contudo, isto de ser mais homossexual do que o outro, menos homossexual, é um grave problema dos casais homo, e geralmente o supostamente mais homo é maltratado pelo outro. Homofobia interiorizada!?
Tratarei deste problema a partir da tese de Egas Moniz, o nosso prémio Nobel da Medicina e da Fisiologia. Estou com sono! See you...
Obrigada por me ter esclarecido. :)
Sobre o problema do seu último comentário veja:
http://www.youtube.com/watch?v=52coqhxWj-0
esta personagem está mto engraçada e retrata essa realidade. :)))
Vou ver... Também aqui as humanidades podem ajudar a combater o preconceito e a aceitar a diferença... :)
É um retrato de alguns casais gay! Talvez um pouco exagerado!
Claro q é exagerado, é uma caricatura. :))
Os casos de agressão podem ser mais graves do que meras bofetadas! Deixam marcas físicas bem evidentes!
Ai q chato! N acha piada a nada. :P
A comicidade resulta sempre de um falsear, por defeito ou excesso sobre o real!
bom trabalho! :)
Achei piada! Gosto de sentido de comicidade! :)
O Júlio Machado Vaz falou dos sambia, ontem! E contou a história que um investigador dos sambia era gay e ao dizer-lhes, eles presentearam-no com uma mulher, para o "curar"... :)))
Sim, é Gilbert H. Herdt que escreveu, entre outras coisas, sobre a homossexualidade ritualizada na Melanésia. Pena não estar acessível... Mas há outros: Stoller...
Enviar um comentário