A comunicação mediada por computador (CMC), usando instrumentos tais como correio elecrónico ("e-mail"), "open virtual discussion groups" (ou "newsgroups"), fóruns, "real-time text correspondence" (ou "chat rooms"), "voice exchange" (ou "telephony"), e "face-to-face vídeo communications" (ou "videoconferencing"), tornou-se uma rotina integrada na vida quotidiana da maior parte da população. A Internet é precisamente a espinha dorsal da comunicação global mediada por computador: é, portanto, a rede que liga mais redes de computadores, a qual possibilita a criação de novas comunidades virtuais (H. Rheingold), levando as pessoas a unir-se on-line em torno de valores e interesses partilhados, a elaboração de identidades on-line consistentes com as suas identidades off-line, sobretudo entre os utilizadores sexualmente estigmatizados, e a emergência de uma «cultura da virtualidade real» (Castells), da qual a filosofia não é estranha. Quanto às aplicações filosóficas mais usadas na Internet, podemos clarificá-las muito esquematicamente em quatro tipos básicos. Todos eles confirmam que, na sociedade em rede, continua a caber ao filósofo profissional a missão de zelar pela cultura ocidental e pela saúde da humanidade (Husserl) num mundo global, ameaçado pelo terrorismo, pelas catástrofes naturais ou mesmo por conflitos interculturais. Com efeito, os filósofos não permaneceram indiferentes à Internet e, por isso, esta já contém uma rica variedade de serviços filosóficos, dos quais destacamos os quatro mais importantes: 1. Information Resources. Existem on-line muitas fontes de informação e bancos de dados sobre conhecimentos filosóficos e assuntos relacionados com a filosofia, alguns dos quais constam dos elos deste blogue. Estes recursos são disponibilizados amigavelmente e podem ser usados por todas as pessoas interessadas em aprender filosofia, nomeadamente pelos estudantes, pessoas interessadas em partilhar os seus conhecimentos filosóficos, pessoas interessadas em difundir informações e notícias relevantes sobre o que se passa na filosofia, pessoas que oferecem a sua ajuda para construir bancos de dados e elaborar enciclopédias filosóficas on-line, enfim pessoas empenhadas em divulgar a filosofia na Internet e torná-la acessível a todos os cidadãos do mundo global. Contudo, torna-se necessário aconselhar o uso honesto e ético desses recursos e fontes de informação. Copiá-los e entregá-los aos professores como se fossem trabalhos de pesquisa original é desonesto e denuncia a falta de carácter e de dignidade daqueles que o fazem frequentemente, incluindo professores. As fontes devem ser devidamente referidas na bibliografia consultada e os seus autores citados. Até ao momento tenho observado que, pelo menos, os bloguistas partilham tacitamente um «código de respeito», estabelecendo links entre si e reeditando posts de outros fazendo as referências necessários, sem plagiar ou roubar o que é alheio. 2. Information about specific philosophical services. Numerosas agências, institutos, departamentos, faculdades, universidades e serviços são promovidos através da website. Também eles fornecem informação e dados, mostram as áreas de pesquisa que estão a desenvolver e, por vezes, oferecem artigos e outros materiais de pesquisa e de ensino. A filosofia começa a estar vivamente presente na web e, em especial, na blogosfera. E até mesmo os filósofos mais conhecidos mundialmente criaram os seus próprios blogues, possibilitando o acesso a textos deveras importantes. 3. Revistas e editoras online. Existem muitíssimas revistas online publicadas por editoras de prestígio que possibilitam o acesso online a estudos sérios, embora geralmente mediante assinatura ou pagamento. Apesar disso, fornecem gratuitamente os "abstracts" e possibilitam a pesquisa, nomeadamente a pesquisa bibliográfica, além de poderem fornecer outros materiais importantes. Já existem até mesmo revistas de CyberPhilosophy e de CyberPsychology, para além das grandes revistas clássicas de filosofia distribuidas on-line por editoras de prestígio. 4. Pesquisa Interactiva. A Internet não só possibilita a pesquisa de informação, como também, ela própria, pode ser investigada. É neste nó górdio que a cyberfilosofia deve tomar corpo e forma: como um ramo autónomo da investigação filosófica que usa a Internet para estudar os cyberfenómenos, tais como cyberself, cyberspace, relações on-line, comunidades virtuais, infedilidades online, netadição ou cybersex, nas suas relações com a chamada vida real dos seus utilizadores. Esta cyberpesquisa pode adoptar várias abordagens e métodos de estudo, incluindo os métodos clássicos, tais como a fenomenologia, a hermenêutica, a lógica da argumentação, a epistemologia, a ética, a estética, a teoria crítica e tantos outras problemáticas teóricas. Mas o desafio é infinitamente maior. Com a Internet a filosofia pode recuperar aquilo que lhe pertence por direito e que lhe foi burocraticamente sacado pelas ciências sociais, que, em mais de cem anos, pariram um rato raquítico que faleceu à nascença. Além disso, já começam a existir na Internet muitos outros serviços disponíveis, tais como "E-Bulletin Board", "web telephony", "videoconferencing", "synchronous and asynchronous support groups", "discussion groups" and "group counseling", que devem ser substancialmente melhorados, monitorizados e mais utilizados, em particular, no apoio do ensino e da aprendizagem da filosofia. A cyberfilosofia deve, pois, destacar a dimensão do ensino da filosofia, recorrendo à utilização de novas metodologias e de novas tecnologias, porquanto, de todas as disciplinas ditas sociais, a filosofia é a única capaz de garantir a continuidade da Civilização Ocidental e de contribuir para a formação auto-reflexiva do self. Curiosamente, constatamos facilmente a existência de uma enorme quantidade de não-ocidentais que, nos sites apropriados ou nos blogues, revelam grande apetência para aprender filosofia e estudar os nossos filósofos. Além de levar a filosofia a todas as partes do mundo global, a Internet deve ser também vista como o "novo lar da filosofia global ou electrónica", dado que, ao contrário da TV ou da Rádio, conjuga texto e imagem e fomenta o diálogo: os utentes da Internet não são meros receptores, os "idiotas culturais" de Garfinkel, mas fundamentalmente criadores que podem divulgar os seus pensamentos sérios, sem serem castrados por um sistema de filtragem medíocre. A "crise da palavra" de que falava Steiner pode tornar-se coisa do passado, da era da televisão de massas e dos mass media da primeira geração. A Internet usa abundantemente a palavra e o texto e, nesse sentido, não pode ser acusada de embutir o espírito crítico e a reflexão. A comunicação mediada por computador pode vir a representar a vingança do medium escrito, o regresso da mente tipográfica e a recuperação do discurso racional construído. Além disso, como meio da palavra que é, a Internet também pode tornar-se o veículo da democracia participativa e da cidadania responsável, portanto, da democracia electrónica, contra as formas degradadas e corrompidas de democracia vigentes. A Internet permite fazer oposição contra os poderes instituídos e formar uma nova "inteligência internacional", capaz de levar a bom porto o «grande diálogo», fomentando um maior entendimento entre as diversas culturas e etnias que compõem o mundo global. Com efeito, a cyberfilosofia orientada em termos políticos e culturais tem a palavra certa a dizer. Como demonstrou Jean-Pierre Vernant, a origem da cidade-Estado, da democracia e da filosofia coincidem. A blogosfera pode, pois, resgastar a democracia ateniense. Apesar da mediocridade geral dos professores de filosofia portugueses, a continuidade e, sobretudo, o aprofundamento do ensino da filosofia deve estar garantido, a menos que os luso-burricos queiram condenar os portugueses à condição de animais metabolicamente reduzidos e, assim, explorá-los como frangos de aviário. Mas, se esta parece ser a intenção das políticas da educação em curso desde o 25 de Abril de 1974, a rede possibilita aglutinar os insatisfeitos com a ordem estabelecida e criar um movimento de protesto político, capaz de mudar os rumos nacionais, desde que todos percam o medo. J Francisco Saraiva de Sousa
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