De acordo com a hipótese da ordem de nascimento, a orientação sexual está correlacionada com a ordem de nascimento. Assim, um homem com um ou mais irmãos mais velhos tem maior probabilidade de ser homossexual do que um homem sem irmãos, apenas com irmãos mais novos ou com uma ou mais irmãs mais velhas. O efeito da ordem de nascimento é tão forte que cada irmão mais velho adicional aumenta a probabilidade da homossexualidade em cerca de um terço, o que pode significar ainda uma baixa probabilidade: um aumento de três para quatro é um aumento de 33%. O efeito foi observado inicialmente na Grã-Bretanha, na Holanda e nos Estados Unidos, em muitas amostras diferentes de indivíduos (Blanchard & Zucker, 1994; Blanchard & Bogaert, 1996; Blanchard & Klassen, 1996; Blanchard, 1997; Bogaert, 1997; Blanchard et al., 1998; Bogaert, 1998; Purcell et al., 2000; Blanchard, 2001; Bogaert, 2006). A psicanálise interpretaria este efeito como algo que, na dinâmica do crescimento numa família com irmãos mais velhos, poderia predispo-lo para a homossexualidade. Contudo, a ideia freudiana de que a homossexualidade era causada por uma mãe protectora e um pai distante parece confundir causa com efeito: os comportamentos e os interesses efeminados que se desenvolvem no rapaz repelem o pai, e, por isso, a mãe, em compensação, torna-se necessariamente superprotectora, como evidenciam muitos homossexuais portugueses entrevistados. Este facto sugere que a resposta deve ser procurada noutro lugar. Como explicar este efeito da ordem de nascimento fraternal? As conclusões anteriores apoiam-se sobre o pressuposto de que os irmãos mais velhos provocam homossexualidade, quer directa quer indirectamente. Este pressuposto parece ser justificado por uma variedade de fundamentos lógicos e empíricos. De um ponto de vista puramente matemático, a correlação observada entre homossexualidade e irmãos mais velhos pode surgir basicamente de três vias diferentes: a homossexualidade pode causar os irmãos mais velhos (1), os irmãos mais velhos podem causar a homossexualidade (2), ou ambas as variáveis podem ser causadas por uma «terceira variável». Cantor et al. (2002) eliminaram a primeira possibilidade por razões lógicas: a homossexualidade de um homem não pode operar para trás no tempo para produzir os seus irmãos mais velhos adicionais. Assim, existe apenas uma interpretação competente, nomeadamente a de que a homossexualidade e os irmãos mais velhos estão correlacionados somente por causa de ambas serem causadas por uma terceira variável. Surge então a questão: Qual é a terceira variável? Diversas hipóteses foram elaboradas para explicar o efeito da ordem de nascimento fraternal: a idade parental, pouco credível face à evidência empírica, Y-Bearing Sperm, demasiado especulativa, a hipótese imunitária e uma explicação ambiental, facilmente refutável, das quais a mais «acarinhada» pelos investigadores foi até muito recentemente a hipótese imunitária. Blanchard & Bogaert (1996b) colocaram a hipótese de que a correlação da ordem de nascimento fraternal com a orientação sexual nos machos reflecte a progressiva imunização de algumas mães aos antigenes de histocompatibilidade menor ligados ao Y (H-Y antigenes) por cada um dos sucessivos fetos masculinos e, concomitantemente, os efeitos aumentados dos anti-corpos anti-H-Y sobre a diferenciação sexual do cérebro em cada um dos sucessivos fetos masculinos. Esta hipótese apoia-se parcialmente sobre o argumento de que o sistema imunitário de uma mulher parece ser o sistema mais capaz de «relembrar» o número de gravidezes masculinas (mas não femininas) que transportou anteriormente e a alteração progressiva da sua resposta ao feto seguinte em conformidade com a marcação corrente dos machos precedentes. Além disso, apoia-se também na descoberta de que a orientação sexual nas fêmeas, as quais não expressam antigenes H-Y e que, por isso, não são alvo dos anticorpos anti-H-Y no útero, não está relacionada com o seu número de irmãos mais velhos. Por conseguinte, a hipótese parece consistente com dois factos observados: primeiro, o efeito da ordem de nascimento não existe nas lésbicas, que estão distribuídas aleatoriamente dentro das respectivas famílias e, segundo, o número de irmãs mais velhas é irrelevante para prever a homossexualidade feminina. Estas observações sugerem que existe algo específico na ocupação de um útero que já teve outros machos que aumenta a probabilidade da homossexualidade. Blanchard & Klassen (1997) apresentaram vários tipos de evidência experimental animal e de evidência clínica humana que sugerem uma explicação que diz respeito a um conjunto de três genes activos no cromossoma Y, os chamados antigenes de histocompatibilidade menor H-Y. O significado disto está agora a tornar-se evidente, graças aos trabalhos de Blanchard. Os produtos destes genes são chamados antigenes devido ao facto de se saber que provocam uma reacção do sistema imunitário da mãe. Como resultado, a reacção imunitária tem probabilidade de ser mais forte em gravidezes masculinas sucessivas: os bebés femininos não produzem antigenes H-Y, pelo que não desencadeiam a reacção imunitária. Blanchard argumenta que a função dos antigenes H-Y é activar outros genes em certos tecidos, em particular no cérebro. De facto, existe evidência empírica de que isto é verdade nos ratos e, se assim for, o efeito de uma reacção imunitária forte contra essas proteínas por parte da mãe seria o de impedir, em parte, a masculinização do cérebro, mas não a dos órgãos genitais. Por sua vez, isto pode fazer com que os indivíduos se sintam atraídos por outros machos ou, pelo menos, não se sintam atraídos por fêmeas. Assim, numa experiência em que ratos bebés masculinos foram imunizados contra os antigenes H-Y, eles foram, mais tarde, incapazes de acasalar com sucesso, em comparação com os controles. Do mesmo modo, os machos das moscas-da-fruta podem ser induzidos de modo irreversível a exibirem apenas comportamento sexual feminino pela activação, num momento crucial do desenvolvimento, de um gene chamado «transformer» (Arthur, Jallon, Caflisch, Choffat, & Nothiger, 1998). Mais recentemente, esta hipótese de Blanchard & Bogaert de que o efeito da ordem de nascimento fraternal opera no meio pré-natal foi apoiada pela descoberta de que os machos homossexuais com irmãos mais velhos são substancialmente menos pesados ao nascimento do que os machos heterossexuais com irmãos mais velhos (Blanchard, 2001; Blanchard & Ellis, 2001). Além disso, o efeito da ordem de nascimento só se exerce sobre os indivíduos destros e não sobre os canhotos ou esquerdinos (Lalumiere, Blanchard & Zucker, 2000), além de estar também associada com a surdez. Estes últimos dados são compatíveis com a teoria da assimetria flutuante. Se a hipótese imunitária maternal for correcta e se, como sugere a evidência animal (Epstein, Smith & Travis, 1980; Krco & Goldberg, 1976; Shelton & Goldberg, 1984; White, Anderson & BonDurant, 1987; White, Lindner, Anderson & BonDurant, 1983), os fetos masculinos começam a expressão de antigenes H-Y muito cedo durante o desenvolvimento, então os fetos masculinos abortados espontaneamente podem também imunizar a mãe e, deste modo, aumentar a probabilidade de homossexualidade nos seus subsequentes recém-nascidos masculinos (Cantor et al., 2002). Daqui parece resultar que um cálculo baseado sobre a relação observada entre a orientação sexual de um homem e o seu número de irmãos mais velhos nascidos vivos subestima a proporção de homossexuais que devem as suas orientações sexuais ao efeito da ordem de nascimento fraternal ou ao mecanismo subjacente. Assim, pode-se argumentar que a verdadeira percentagem dos homens homossexuais com "irmãos mais velhos" está provavelmente situada mais acima do que abaixo da estimativa apresentada por Cantor et al. (2002). Contudo, os homens não são ratos nem moscas e existem muitas evidências de que a diferenciação sexual do cérebro humano continua após o nascimento, além de ter inicío antes da libertação de testosterona pelos testículos fetais, e de que os homens homossexuais não são, excepto em casos muito raros, aqueles que seguem a via do transexualismo, «mentes femininas» encurraladas em «corpos masculinos», visto que os seus cérebros devem ter sido, pelo menos em parte, masculinizados pelas hormonas sexuais. Todavia, é possível que tenham tido menos hormonas num período sensível precoce e crucial e que isso tenha afectado permanentemente algumas funções, incluindo a orientação sexual e outras inclinações sexuais. Numa amostra portuguesa, resultante da distribuição de um questionário e determinadas escalas anexas, verificámos que um número significativo de homossexuais masculinos são filhos mais novos, tendo quase todos eles irmãos mais velhos. Estes resultados parecem estar em conformidade com a hipótese da ordem de nascimento, embora tenhamos tentado correlacionar a idade da mãe e a homossexualidade, no suposto de que deveria haver na placenta alguma enzima que bloqueasse os efeitos masculinizantes da testosterona pré-natal. Mas, seja como for, os antigenes H-Y não parecem constituir um outro mecanismo biológico que interfira com a orientação sexual, como demonstram as experiências com ratazanas realizadas por E. Simpson et al. (1997). A questão reside agora em saber como os genes e os seus produtos agem uns sobre os outros, na hipótese da homossexualidade ser susceptível de uma explicação monocausal, ou se eles agem independentemente uns dos outros, donde resulta uma diferenciação das homossexualidades ao nível dos mecanismos biológicos. O que é comum a todas as hipóteses biológicas propostas (neuro-endócrina, stress pré-natal, hiperandrogenização, assimetria flutuante e genética) é que esses mecanismos agem fundamentalmente ao nível do sistema nervoso, impedindo a masculinização total do cérebro homossexual ou a feminilização total do cérebro lésbico: o neuromodelo da diferenciação sexual não é abandonado mas, pelo contrário, reforçado e complexificado, devendo ser visto provavelmente à luz do "antagonismo sexual" reformulado. Para todos os efeitos, devo confessar que a hipótese imunitária não me satisfaz completamente, apesar de contar actualmente com a evidência de muitíssimas amostras. J Francisco Saraiva de Sousa
14 comentários:
Papillon
A sexualidade é muito complexa e a orientação sexual é um dos aspectos dessa complexidade!
Não creio que esses genes estejam ligados à orientação sexual: um deles está ligado à "fertilidade" (digamos). Mas a mãe tem um gene fatal à masculinidade em dose dupla DAX1.
DAX1 em dose dupla trava a acção de SRY, o gene que recebemos do pai e faz de nós "homens". :)
É um "estranho", mas geralmente as mães gostam desses hóspedes "estranhos". :)
Papillon
O gene (ou genes) responsáveis pela "homossexualidade" estão localizados no Cromossoma X, mais especificamente na região Xq28, pelo menos em 5 amostras.
Esqueço o quê?
Percebi a sua especulação! Nada de homens; só amazonas!
As mulheres não precisam do Y: são XX. Ok, a Papillon dispensa os homens e o seu Y. Só mulheres! :)
Vendo as manifestações dos professores e o debate parlamentar só podemos concluir que, além de insultarem, os professores estão a mostrar muita dificuldade em interpretar o diploma da avaliação de desempenho. Muito triste! Também o célebre "paciente" de Broca insultava! Tinha lesão cerebral grave! HOX...?
Pois sobre o tema do dia neste espaço, tenho a dizer que não tenho irmãos mais velhos, nem mais novos, de resto...
:)))))
Manuel
Estava cansado de polemizar! por isso, coloquei este post e a Papillon zangou-se tb. :)
Não diga !!! Impressão sua !!! Mas olhe que se se confirmar eu no seu lugar iria à bruxa ...:)))
Ui Manuel
Nunca acreditei em bruxas mas conheço algumas! :)))
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