quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Socialismo Biológico

Desde a minha adolescência, mais precisamente desde a infância, trabalho num projecto ambicioso: repensar o socialismo, de modo a livrá-lo dos equívocos e dos erros cometidos pela Esquerda ao longo da sua história. Este projecto tem sido alvo de uma grande oposição, a começar pelos professores, com quem ingenuamente o partilhei, nas suas linhas muito gerais e vagas.

Afinal, medindo bem as coisas, não era assim tão ingénuo como acabei de dizer, porque sempre soube, mesmo antes de ler Jean-Paul Sartre, que não devia acreditar nos outros, sobretudo quando os outros são portugueses. Citei Sartre para despistar a mente tortuosa de alguns eventuais leitores, mas podia ter dito que a minha acção e pensamento já eram orientados por uma ideia biológica do socialismo, de resto um termo que não me atrai muito, dado colidir com a minha noção biológica de self. Mas, como resolvi aceitar a autoridade de Marx e permanecer-lhe no fundamental fiel, mantenho o termo socialismo, até porque o partido político com quem tenho afinidades é o Partido Socialista.

Afinal, Marx e Engels elogiaram a obra de Darwin e o último comparou a descoberta de Marx no domínio da História à descoberta de Darwin no domínio da Vida. Existe, portanto, um laço estreito entre o fundador do "socialismo científico" e o pensamento biológico, de resto bem estudado por Engels nalgumas páginas magníficas da sua obra tremendamente mal-tratada, «Dialéctica da Natureza», uma das obras clássicas que estudei cuidadosamente, mesmo antes de ler «O Capital» de Karl Marx. Ao contrário das correntes marxistas ortodoxas, nunca neguei este laço entre o marxismo e a biologia e sempre condenei os disparates soviéticos anti-evolucionistas e anti-geneticistas. O "genoma" não me era nada estranho e foi esta "intimidade genómica" que me protegeu e me impediu de abraçar abertamente qualquer tentativa real de realização do socialismo, sentindo repulsa pelo «comunismo». De facto, o meu a-comunismo foi justificado pelo desenrolar da História.

É evidente que sempre estive mais próximo do chamado marxismo ocidental do que do marxismo soviético, cuja análise foi brilhantemente feita por Herbert Marcuse numa obra com o mesmo nome. Acabo de mencionar o filósofo que mais me marcou durante um período difícil: trabalhar secretamente no meu projecto e continuar a sobreviver num meio hostil e maldoso, a sociedade portuguesa. À distância, Marcuse dava-me razão e ânimo para continuar a lutar pela reformulação do socialismo. Aquele ânimo que raramente encontramos nas Universidades Portuguesas, enfaticamente definidas por uma amiga como «antros onde a filosofia (entendida, primordialmente, como actividade de questionamento e reflexão dos valores estabelecidos) perece aflitivamente - salvo raríssimos intentos» (Aveugle.Papillon, no post anterior). Mas os ministros da educação, da cultura e da ciência parecem fingir ignorar esta percepção nacional do ensino universitário, talvez por também eles serem ofuscados pela sua própria inércia mental, coberta de pequenos saberes práticos transmitidos em fórmulas burocráticas, pouco criativas e a-críticas.

Já editei neste blogue um post em que apresento brevemente o pensamento deste meu mestre: Sociedade Obscena, e noutro post defendi a necessidade de construir uma política socialista do sentido, Socialismo e Políticas do Sentido, numa perspectiva meramente sociológica, sem revelar a sua base biológica. Marcuse forjou a expressão "socialismo biológico" e procurou esboçar uma política radical, mas não foi totalmente bem sucedido, em parte devido ao freudo-marxismo protagonizado pela Escola de Frankfurt, em parte devido à animosidade hermenêutica que os mestres de Frankfurt nutrem pela biologia da evolução, em particular pela teoria da selecção natural de Darwin, de resto bem clara na obra de Horkheimer, «O Eclipse da Razão».
Já sabia tudo isto na altura e, agora, que possuo a teoria do socialismo biológico não a quero partilhar com pessoas muito más, os portugueses invejosos. Talvez aconteça algum evento que me leve a mudar de ideias, mas até ao momento oculto quase todas as pistas que conduzem a esse meu pensamento. Trabalho sozinho em circuito ultra-fechado. Contudo, se surgir um movimento de resistência contra as políticas da educação e se os estudantes universitários se libertarem do medo e tiverem coragem para denunciar a incompetência da maior parte dos seus professores, sobretudo os de Filosofia, como fazem anonimamente, em privado ou via e-mail, talvez essa revolta conduzida de modo justo e responsável me convença a abrir o jogo. Até lá considero-os pessoas metabolicamente reduzidas e pouco corajosas, incapazes de vencer o medo que destrói as suas mentes e a gula oportunista que os move. Lembrem-se que, afinal, são meros animais e, se já pensam como as classes dirigentes, a vossa vida será uma ilusão inexoravelmente condenada a perecer, sem nunca terem admirado tudo aquilo que constitui a Vida. (É evidente que "brinco" com os meus leitores: muitos dos princípios do novo socialismo que defendo têm sido expostos em quase todos os meus posts, alguns mais fundamentados do que outros, e a "crítica transcendente" que uso a par da "crítica imanente" é claramente orientada pela nova problemática.)

J Francisco Saraiva de Sousa

4 comentários:

E. A. disse...

Brilhante, caro Francisco, tem o conhecimento maturado e a força de um adolescente imberbe!
Se quer um conselho de uma anónima: guarde tudo para si ou emigre. Vivemos no país pobre e pior que isso, de pobres de espírito! São abutres! Os "vampiros", como Zeca Afonso cantava, continuam vivos e mais ávidos que nunca!
Eu tenho 24 anos e alguns projectos direccionados para a educação e o que faço é reunir-me com quem pensa como eu e afastar-me (a menos que precise deles) dos outros. Outros artísticos, mas por via de não ter tempo, neste momento, de desenvolvê-los nem os partilho. Ou seja, os meus desejos são mais humildes que os seus, mas compreendo tudo o que diz. Talvez começando com um grupo de investigação reduzido, será o melhor. Porque quando se almeja uma mudança, pensar sozinho também não sacia.

Cumprimentos,

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bom dia
Obrigado pela força. Sou persistente e acabo de editar outro post provocativo. Os luso-corruptos e imbecis não me intimidam. Vou passar à crítica mais dirigida a alvos concretos, sem os mencionar. Emigrar é sempre uma tentação. Lute pelos seus objectivos. Também tenho o meu grupo...
Abraço

E. A. disse...

Infelizmente não tenho conhecimentos sobre socialismo para me permitir fazer um comentário consistente e interessante.
Reitero o sentido do meu comentário: o elogio à força que emana do seu(s) texto(s), fazem-me lembrar um companheiro de jornada de ontem e de sempre - F. Nietzsche. E como a empatia é uma fraqueza feminina... empatizo com o seu tom sarcástico, todavia fecundo!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também "empatizo" com a sua inteligência e amizade online. E, neste momento, estou de castigo, aqui em casa enquanto o homem muda as janelas. Puff...