Este título surgiu da leitura de um texto de Claude Lévy-Strauss sobre antropofagia, que, dentro de todas as práticas selvagens, é, sem dúvida, aquela que nos inspira mais horror e repugnância. Na sua bela obra «Tristes Trópicos», Lévy-Strauss, lembrando-nos que «nenhuma sociedade é perfeita», dissocia na antropofagia as formas propriamente alimentares, isto é, aquelas em que o apetite pela carne humana se explica pela carência de outro alimento animal, e as formas positivas, isto é, aquelas que provêm de uma causa mística, mágica ou religiosa. Sobre as primeiras, Lévy-Strauss afirma que «nenhuma sociedade está moralmente protegida (desta forma alimentar de antropofagia); a fome pode levar os homens a comer seja o que for: o exemplo recente dos campos de extermínio provam-no», bem como as práticas canibais recentes no Sudão e noutros países africanos. Contudo, não são estas formas alimentares de antropofagia, explicáveis pela ausência de proteínas animais (Marvin Harris), que nos interessam, mas aquelas formas de antropofagia em que «a ingestão de uma parcela do corpo de um ascendente ou de um fragmento de um cadáver inimigo pode permitir a incorporação das suas virtudes ou ainda a neutralização do seu poder». Segundo Lévy-Strauss, «temos de nos convencer de que certos costumes que são nossos, considerados por um observador proveniente de uma sociedade diferente, lhe surgiriam como sendo da mesma natureza que essa antropofagia, que nos parece estranha à noção de civilização». Assim, por exemplo, ao estudar de fora os nossos costumes judiciários e penitenciários, «seríamos tentados a opor dois tipos de sociedades: aquelas que praticam a antropofagia, isto é, que vêem na absorção de certos indivíduos, detentores de forças temíveis, o único meio de neutralizarem estas, e mesmo de beneficiar delas; e as que, como a nossa, adoptam aquilo que poderia chamar a antropoémia; colocadas perante o mesmo problema, escolheram a solução inversa, que consiste em expulsar (vomitar) esses seres temíveis para fora do corpo social, mantendo-os temporária ou definitivamente isolados, sem contacto com a humanidade, em estabelecimentos destinados a este fim». Portugal não é canibal por comer a carne dos seus cidadãos, mas por expulsar os seus membros mais temíveis, isto é, aqueles que revelam a sua inteligência nas tarefas que executam com distinção. De certo modo, Portugal seria mais antropopoémico do que antropofágico, mas preferimos chamá-lo Portugal Canibal, tendo como pano de fundo o canibalismo asteca, tal como foi analisado por Marvin Harris, Jacques Soustelle ou Christian Duverger. Portugal Canibal é, assim, aquela sociedade que, não tendo consumado o neolítico, dado não ter descoberto o pensamento, expulsa do seu corpo todos aqueles que se destacam pela sua inteligência e pela sua cultura superior, condenando-os ao isolamento, sem lhes dar oportunidade de alterar o seu tecido. Contudo, os sacerdotes da mediocridade nacional tentam incorporar as energias destes portugueses corajosos e, nestes rituais de sacrifício, manifestam-se a antropofagia portuguesa e o seu carácter auto-destrutivo. A ideia subjacente a esta tese já foi prevista por alguns desses portugueses corajosos, dos quais destacamos Sampaio Bruno, o ilustre Pensador Portuense. Quatro textos extraídos da sua obra «A Ideia de Deus» confirmam esta tese: «Nunca os portugueses mostraram queda para as altas especulações filosóficas». «A dizer bem, em Portugal não havia filosofia. Sem embargo, o mesmo amor-próprio nacional não suportava nestas terras a carência de qualquer coisa. Havia tudo; e de tudo havia o melhor. O mesmo em vinhos de mesa que em sistemas de estante, tudo era fino e capitoso, sem rival e sem preço». «Os portugueses não se resignavam a abandonar o seu aristotelismo arábico; e do grande observador e experimentalista grego, por uma das mais incongruentes aberrações do espírito humano, obstinavam-se em cata do patrocínio para os delírios verbais da sua mania raciocinante. A Escolástica era, nesta terra sáfara, a irmã bem-amada do jesuitismo e da inquisição». «Não atribuímos este facto (a ausência de filosofia), muito sintomático, nem à acção depressiva da intolerância religiosa nem ao efeito desviante da suspicácia política. Para nós, ele integra-se no somatório de outros congéneres: a falta de poesia dramática e de romance novelesco na nossa produtividade literária; a nulidade do engenho lusitano na tecnologia, na mecânica industrial, na alfaia agrícola, no abastecimento inovante do gabinete de física, do laboratório químico. Parece que nascemos destituídos de imaginação criadora; e, assim, os sistemas metafísicos hostilizámo-los, visto como não se entende nunca bem senão aquilo que se cria». Até mesmo Teixeira de Pascoaes, embora situe a origem da filosofia portuguesa genuína na lucidez (sic) de Leonardo Coimbra, reconhece a imbecilidade inata dos lusitanos, quando escreve na sua obra medonha «Arte de Ser Português»: «O génio lusíada é mais emotivo que intelectual. Afirma e não discute. Quando uma ideia se comove, despreza a dialéctica; e é sendo e não raciocinando que ele prova a sua verdade. A emoção afoga a inteligência, ultrapassando-a como força criadora. E assim, corresponde à nossa superioridade poética (sic), uma grande inferioridade filosófica. O português não é nada filósofo; a luz do seu olhar alumia mais do que vê; não abrange, num golpe de vista, os conhecimentos humanos, subordinando-os a uma lógica perfeita e nova que os interprete num todo harmonioso. O português não quer interpretar o mundo nem a vida, contenta-se em vivê-la exteriormente; e tem, por isso, um verdadeiro horror à Filosofia, imaginando encontrá-la em tudo o que não entende. Daí a sua incapacidade construtiva de novas verdades que representam o móbil superior do Progresso». Será preciso apresentar mais testemunhos nacionais que atestem a incapacidade cognitiva construtiva dos luso-sacerdotes canibais? Abra os sentidos à evidência. Tudo em Portugal pode ser lido como sintoma dessa imbecilidade canibal, que tudo faz para manter o país fechado na sua mediocridade. Políticos, empresários, juristas e magistrados, funcionários públicos, professores, jornalistas, enfim todos os portugueses, cada um no seu posto, revelam esta incapacidade inata e, por isso, o país não avança nem sonha: os seus ritmos são meramente metabólicos. E, como vimos no post anterior e noutros, as políticas da educação são simplesmente terríveis. A reforma do entendimento lusíada está eternamente adiada. E os que foram abençoados por Deus à nascença não conseguem escapar à luso-inveja que tudo devora mas sem explodir em luz. J Francisco Saraiva de Sousa
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