Hoje (19 de Novembro de 2007), Fátima Campos moderou, no seu programa «Prós e Contras», um debate que, apesar de fazer referência ao episódio da Cimeira Ibero-Americana, tratou de alguns temas importantes, em particular as economias emergentes, a globalização e a possível perda da liderança política da Europa num mundo global. De todos os participantes destaco António Costa e Silva, Presidente da Comissão Executiva da Partex, aparentemente um homem bom e honesto, que fez um discurso com o qual me identifico. Chamou a atenção para três problemas que ameaçam o mundo global: a energia, a segurança e a crise ambiental, mas colocou a tónica naquilo a que tenho chamado falta de imaginação política: a actual constelação de políticos europeus medíocres e a democracia cleptocrática. Num post anterior («Notas sobre a Burocracia»), procurámos mostrar que esta geração de políticos europeus medíocres, antevista por Max Weber quando falava da profissionalização da política, não só carece de imaginação política como também e sobretudo auto-constitui-se como classe dirigente e muito unida em torno da defesa dos seus interesses de classe, como se verifica olhando para as suas remunerações e reformas, regalias e luxos, aquisição de bens, acções e propriedades e consumo conspícuo. Isto significa que as democracias europeias são oligarquias disfarçadas que enriquecem graças ao abuso do poder, mais precisamente graças à prática impune da corrupção e ao »roubo legítimo». Daí que as democracias ocidentais sejam cleptocracias, literalmente os «governos dos ladrões» de colarinhos-brancos ou do «roubo legítimo». Tal como já tinha dito noutro post, o episódio de Hugo Chávez e do Rei de Espanha é insignificante em relação aos problemas fundamentais do mundo global. Hugo Chávez, Presidente da Venezuela, durante a conferência da Cimeira Ibero-Americana, chamou «fascista» ao ex-primeiro-ministro espanhol e o rei de Espanha mandou-o calar. (Daí o título do programa de hoje: Porque não te calas?) Este episódio eclipsou toda a Cimeira: a mediasfera reduziu-a a este episódio insignificante. Muitos bloguistas, prisioneiros das práticas de agenda-setting, fizeram eco das práticas pouco esclarecidas e críticas dos mass media e «noticiaram» o episódio, tecendo comentários ridículos e superficiais para condenar a «tirania» de Hugo Chávez, como se os «bons» estivessem todos de um lado e os «maus», do outro lado. Jamais lhes passou pela cabeça questionar e problematizar o conteúdo do próprio episódio que eclipsou o conteúdo de toda a Cimeira, omitindo aquilo que deveria ser tratado na Cimeira: o problema energético. E, como sabemos, a Galp tem um acordo com a Venezuela (4º maior país explortador de petróleo) a esse respeito, mediado pela figura de Mário Soares. Aconselha-se, na visita que Hugo Chávez faz hoje a Portugal, a adopção da «real politik», colocando na agenda portuguesa os interesses da comunidade de portugueses na Venezuela (400 mil) e os interesses nacionais em matéria energética, sem perder tempo a defender os interesses dos espanhóis, posição com a qual o embaixador jubilado não concordou muito. Contudo, há outra questão que deveria ter sido colocada: Se vivemos numa democracia adulta, porque razão não se pode chamar «fascista» a um «líder político»? Ou, recorrendo ao caso já esquecido das caricaturas de Maomé: porque razão não se podem fazer caricaturas do profeta? Afinal, há ou não há liberdade de pensamento e de expressão? Estes casos em que o uso pleno da liberdade política é visto como «ofensa», «falta de tacto» ou «ma educação» mostram que a democracia está a degenerar na Europa e a converter-se numa oligarquia profundamente corrupta, sem visão de futuro. Os homens metabolicamente reduzidos não percebem isso, porque simplesmente não conseguem pensar para além do seu estreito horizonte metabólico: opinam muito e opinam mal. A época dos especialistas tão abundantemente exibidos no programa «Prós e Contras» de Fátima Campos é a época dos animais faladores que falam sem saber do que falam, porque o que os move realmente é a busca de empregos seguros e bem remunerados e não o futuro do Ocidente. António Costa e Silva chamou a atenção para a percepção que os cidadãos dos países não-ocidentais, nomeadamente os árabes, os indianos ou os asiáticos, têm da política ocidental, que condensou numa frase célebre - «dois pesos e duas medidas», de resto resultante da hipocrisia europeia e da corrupção dos seus dirigentes medíocres. Ora, Hugo Chávez foi eleito democraticamente e tem vencido as eleições durante os últimos oito anos consecutivos: o povo da Venezuela vota em Chávez, porque estava cansado da corrupção e da oligarquia cleptocrática que tomaram conta da Venezuela durante muito tempo, condenando o povo à miséria. Além disso, como lembrou o jornalista espanhol, José Medem, o rei de Espanha não tem a mesma legitimidade democrática que Hugo Chávez ou mesmo Fidel Castro, uma figura emblemática do século XX. A Europa não pode defender a democracia e, depois, tentar incentivar um golpe de Estado contra um Presidente democraticamente eleito, quando a sua política não lhe agrada. Esta ambiguidade política da Europa é bem captada pelos não-ocidentais e não ajuda nada a consolidar as jovens democracias nesses países, sobretudo naqueles países com economias emergentes, com crescimentos económicos muito semelhantes aos de Inglaterra durante a Revolução Industrial, mesmo que as suas democracias estejam reduzidas à prática de eleições, sem respeito pelos direitos das minorias ou dos vencidos. Este caso faz-me lembrar um costume das mulheres londrinas e inglesas. À noite saem sem vestir cuecas, vão para um bar, embebedam-se e depois caiem nas ruas de pernas abertas, à mercê de qualquer violador ou interessado numa mera «queca». A polícia inglesa faz a sua campanha contra essa prática de não tapar as partes íntimas, mas aparentemente sem sucesso. Ora, não devemos estranhar que as mulheres tailandesas ou daquela zona do Globo achem as nossas mulheres muito «pouco dignas de respeito», embora utilizem outro termo que prefiro não repetir. Portanto, vivemos actualmente numa Europa Decadente, sem valores, pouco digna de respeito e sem ideias para o futuro, e suspeito que Raymond Aron fizesse hoje a «Defesa da Europa Decadente», até porque a decadência está instalada na classe política e nas pseudo-elites que a rodeiam, de preferência em torno de grandes mesas abastecidas de refeições roubadas aos impostos. É, por isso, que a despesa pública nunca é reduzida, preferindo-se aumentar os impostos, deixando os contribuintes numa situação de endividamento ou mesmo de penúria. Como se dizia nos anos 60, esta é efectivamente uma Europa Cadela e ladra: os políticos europeus são hipócritas, não têm competência política para governar e as políticas económicas que aplicam esquecem que actualmente é necessário acrescentar um novo elemento à economia, como lembrou o economista: as ideias políticas, o que nos reconduz provavelmente a uma nova economia política que, sem ignorar os três pilares da economia neoclássica, lhe acrescenta o domínio de ideias políticas ousadas, capaz de assegurar a liderança política da Europa e do Ocidente no mundo global e a sua capacidade para regular a globalização, como defendeu Ana Gomes, deputada europeia socialista, apesar do sua tendência para falar muito, repetindo o "blá blá blá" tipicamente feminino, que devia cansar os seus interlocutores, quando embaixadora, que optavam pela anuência para não terem os ouvidos alugados durante muito tempo. J Francisco Saraiva de Sousa
2 comentários:
Polémico,e bem escrito, como sempre.
Revejo-me nalgumas considerações que faz. Noutras, nem tanto.
Fico por aqui, prafraseando uma amiga minha: " quem não trabuca não manduca"
Abraço
Obrigado.
Hoje é dia não para mim: tudo corre mal.
Li os seus posts e gostei do seu conceito de amnésia histórica, no post sobre Solnado.
Abraço
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