Temos muitas teorias do suicídio, sociológicas, psicológicas, psicanalíticas, antropológicas e neurobiológicas, e, actualmente, esta área do conhecimento tende a profissionalizar-se, como se o suicídio fosse mais um assunto de especialistas. Infelizmente, a guardiã do pensamento Ocidental, a Filosofia, tem sido omissa a este respeito e muito subserviente aos actuais poderes instituídos, fechando-se em si mesma como se não tivesse um exterior que aguarda ansiosamente a sua voz: a voz que diz a verdade.
Definir o suicídio tem sido visto como um problema, sobretudo desde que este assunto passou a ser considerado uma área profissional, reservada a meia dúzia de pessoas cuja única vocação é dificultar aquilo que é simples, de modo a garantir os seus empregos artificiais. A definição mais simples de suicídio apresenta-o como um autocídio intencional, embora se possa distinguir entre os suicidas verdadeiros e os falsos suicidas (Stengel & Cook, 1958). Daí que Stengel (1973) tenha definido o suicídio como «qualquer acto deliberado de dano cometido por uma pessoas contra si própria e no qual não pode estar certa de sobreviver». Quer sejam verdadeiros ou falsos suicidas, todas as pessoas que se auto-infligem danos arriscam a vida e, por isso, estão sujeitas a perdê-la.
Contudo, a obra de Émile Durkheim (1897), «O Suicídio». continua a ser a mais completa, abrangente e influente das teorias sociais sobre o suicídio, e, ao contrário do que se pensa, não é completamente incompatível com a perspectiva de Freud apresentada inicialmente em «Luto e Melancolia» (1917) e posteriormente em «Além do Princípio de Prazer» (1920). Durkheim defendeu que a consistência das taxas de suicídio é um facto social, explicado pelo grau em que os indivíduos são integrados e regulados pelas forças morais coercitivas da vida colectiva. Isto significa que o suicídio é função da desintegração das ligações sociais, quer se trate de agrupamentos religiosos e familiares, quer se trate do amorfismo e da anomia da sociedade contemporânea no seu conjunto. O suicídio egoísta e o suicídio altruísta resultam, respectivamente, da subintegração e da superintegração do indivíduo pela sociedade, enquanto o suicídio anómico é causado pela sub-regulação. Durkheim opõe o suicídio altruísta ao suicídio egoísta e ao suicídio anómico, porque dos três tipos é aquele que tem origem numa integração demasiado forte do indivíduo na colectividade, o que parece confirmar a sua explicação do suicídio em função da medida da integração social. A utilização de correlações entre o suicídio e várias taxas de associação externa, para demonstrar a validade dos seus conceitos fundamentais, permitiu a Durkheim mostrar que as populações católicas tinham taxas de suicídios inferiores às populações protestantes, porque a comunidade católica vincula o indivíduo mais rigorosamente à colectividade do que as comunidades protestantes. Para Durkheim, o egoísmo e a anomia crescentes estavam a causar as taxas de suicídio invariavelmente ascendentes das sociedades ocidentais. Daí que Durkheim, preocupado com a força crescente da anomia e do amorfismo nas sociedades ocidentais, tenha procurado novos meios práticos susceptíveis de reforçar a «solidariedade orgânica» em detrimento da «soledariedade mecânica» (por exemplo, um novo corporativismo).
É evidente que existem muitos outros factores que favorecem o suicídio, em particular a urbanização e o isolamento (Halbwachs, 1933; Sainsbury, 1955; Cavari, 1965), a falta de integração de status (Gibbs & Martin, 1964), a falta de restrição externa (Henry & Short, 1954; Maris, 1969), a limitação decorrente da cobertura dos mass media (Phillips & Carsyensen, 1988), desespero, hostilidade e baixa auto-estima (Neuringer, 1976), desemprego crescente, baixos níveis de um metabolito da serotonina e estados de profunda depressão (Brown et al. 1982) ou mesmo predisposição genética para o suicídio. Todos estes factores (sociais, psicológicos e biológicos) ajudam a compreender melhor o fenómeno do suicídio, mas são incapazes de fornecer uma política do sentido, tal como a abordámos neste outro post: Socialismo e Políticas do Sentido. Isto significa que precisamos olhar para a Filosofia, a única capaz de fornecer uma visão política do suicídio, esse acto a-político por excelência. A filosofia da liberdade de Hegel é uma filosofia da morte, que encara o suicídio como a «manifestação suprema da liberdade do homem», esse ser que é «morte violenta, ao mesmo tempo consciente de si e voluntária». Ora, dado a morte ser a condição necessária e suficiente da liberdade e da historicidade, da individualidade e da universalidade, num mundo perfeitamente corrupto como o nosso e sem futuro, a não ser continuar a constituir a «reserva de mão-de-obra barata» necessária ao sustento e à diversão de uns poucos corruptos e abusadores do poder, a morte voluntária constitui a única alternativa capaz de afirmar a recusa da ordem social estabelecida no seu conjunto. Assim, todos aqueles que procuraram a sua própria morte devem ser vistos como a encarnação da grande recusa: preferiram matar-se, em vez de viver uma vida pouco digna. De certo modo, realizaram o sentido da política: suicidaram-se para se livrarem da escravatura e da democracia cleptocrática que negam a maioria das pessoas uma vida digna e sem angústia. Este sentido político do suicídio é a negação da ordem estabelecida, que, doravante, pode ser avaliada pelas taxas de suicídio que provoca e desencadeia. Recordar os que morrem voluntariamente é manter viva a sua luta contra a ordem estabelecida. J Francisco Saraiva de Sousa
Definir o suicídio tem sido visto como um problema, sobretudo desde que este assunto passou a ser considerado uma área profissional, reservada a meia dúzia de pessoas cuja única vocação é dificultar aquilo que é simples, de modo a garantir os seus empregos artificiais. A definição mais simples de suicídio apresenta-o como um autocídio intencional, embora se possa distinguir entre os suicidas verdadeiros e os falsos suicidas (Stengel & Cook, 1958). Daí que Stengel (1973) tenha definido o suicídio como «qualquer acto deliberado de dano cometido por uma pessoas contra si própria e no qual não pode estar certa de sobreviver». Quer sejam verdadeiros ou falsos suicidas, todas as pessoas que se auto-infligem danos arriscam a vida e, por isso, estão sujeitas a perdê-la.
Contudo, a obra de Émile Durkheim (1897), «O Suicídio». continua a ser a mais completa, abrangente e influente das teorias sociais sobre o suicídio, e, ao contrário do que se pensa, não é completamente incompatível com a perspectiva de Freud apresentada inicialmente em «Luto e Melancolia» (1917) e posteriormente em «Além do Princípio de Prazer» (1920). Durkheim defendeu que a consistência das taxas de suicídio é um facto social, explicado pelo grau em que os indivíduos são integrados e regulados pelas forças morais coercitivas da vida colectiva. Isto significa que o suicídio é função da desintegração das ligações sociais, quer se trate de agrupamentos religiosos e familiares, quer se trate do amorfismo e da anomia da sociedade contemporânea no seu conjunto. O suicídio egoísta e o suicídio altruísta resultam, respectivamente, da subintegração e da superintegração do indivíduo pela sociedade, enquanto o suicídio anómico é causado pela sub-regulação. Durkheim opõe o suicídio altruísta ao suicídio egoísta e ao suicídio anómico, porque dos três tipos é aquele que tem origem numa integração demasiado forte do indivíduo na colectividade, o que parece confirmar a sua explicação do suicídio em função da medida da integração social. A utilização de correlações entre o suicídio e várias taxas de associação externa, para demonstrar a validade dos seus conceitos fundamentais, permitiu a Durkheim mostrar que as populações católicas tinham taxas de suicídios inferiores às populações protestantes, porque a comunidade católica vincula o indivíduo mais rigorosamente à colectividade do que as comunidades protestantes. Para Durkheim, o egoísmo e a anomia crescentes estavam a causar as taxas de suicídio invariavelmente ascendentes das sociedades ocidentais. Daí que Durkheim, preocupado com a força crescente da anomia e do amorfismo nas sociedades ocidentais, tenha procurado novos meios práticos susceptíveis de reforçar a «solidariedade orgânica» em detrimento da «soledariedade mecânica» (por exemplo, um novo corporativismo).
É evidente que existem muitos outros factores que favorecem o suicídio, em particular a urbanização e o isolamento (Halbwachs, 1933; Sainsbury, 1955; Cavari, 1965), a falta de integração de status (Gibbs & Martin, 1964), a falta de restrição externa (Henry & Short, 1954; Maris, 1969), a limitação decorrente da cobertura dos mass media (Phillips & Carsyensen, 1988), desespero, hostilidade e baixa auto-estima (Neuringer, 1976), desemprego crescente, baixos níveis de um metabolito da serotonina e estados de profunda depressão (Brown et al. 1982) ou mesmo predisposição genética para o suicídio. Todos estes factores (sociais, psicológicos e biológicos) ajudam a compreender melhor o fenómeno do suicídio, mas são incapazes de fornecer uma política do sentido, tal como a abordámos neste outro post: Socialismo e Políticas do Sentido. Isto significa que precisamos olhar para a Filosofia, a única capaz de fornecer uma visão política do suicídio, esse acto a-político por excelência. A filosofia da liberdade de Hegel é uma filosofia da morte, que encara o suicídio como a «manifestação suprema da liberdade do homem», esse ser que é «morte violenta, ao mesmo tempo consciente de si e voluntária». Ora, dado a morte ser a condição necessária e suficiente da liberdade e da historicidade, da individualidade e da universalidade, num mundo perfeitamente corrupto como o nosso e sem futuro, a não ser continuar a constituir a «reserva de mão-de-obra barata» necessária ao sustento e à diversão de uns poucos corruptos e abusadores do poder, a morte voluntária constitui a única alternativa capaz de afirmar a recusa da ordem social estabelecida no seu conjunto. Assim, todos aqueles que procuraram a sua própria morte devem ser vistos como a encarnação da grande recusa: preferiram matar-se, em vez de viver uma vida pouco digna. De certo modo, realizaram o sentido da política: suicidaram-se para se livrarem da escravatura e da democracia cleptocrática que negam a maioria das pessoas uma vida digna e sem angústia. Este sentido político do suicídio é a negação da ordem estabelecida, que, doravante, pode ser avaliada pelas taxas de suicídio que provoca e desencadeia. Recordar os que morrem voluntariamente é manter viva a sua luta contra a ordem estabelecida. J Francisco Saraiva de Sousa
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