sábado, 17 de novembro de 2007

Maldita Regionalização?

A blogosfera portuguesa produz discursos inflamados sobre a regionalização. Embora defenda a regionalização como um processo de aprofundamento das práticas saudáveis da democracia e da cidadania e do desenvolvimento económico e cultural das regiões, quando leio estas reacções metabolicamente reduzidas, sou confrontado com o lado mau da humanidade: aquele lado que corrompe os ideais forjados pela nossa cultura superior para nos libertar das trevas e da menoridade (Kant). A regionalização é sistematicamente reduzida à economia e ao poder metabolicamente reduzidos, portanto, ao alargamento «democrático» das práticas de corrupção. Afinal, a «democracia» é vista por estas mentes metabolicamente reduzidas como um meio para criar localmente condições favoráveis às práticas de corrupção, de resto já nossas conhecidas e bem evidentes nas políticas dos autarcas locais.
Assim, por exemplo, até já fui acusado de ser «alfacinha», num pequeno «debate» realizado num blogue, cujo nome omito para evitar uma polémica que não pretendo levar a cabo, não com o seu autor que respeito pela firmeza das suas ideias claras, mas com os «bairristas». O texto é o seguinte:
«Sou Nortenho convicto e defensor da regionalização. Defendo acima de tudo a descentralização e o fim da discriminação política, social, financeira e cultural a que o Norte tem sido devotado.
O Sr. Saraiva de Sousa parece daqueles alfacinhas que fala de barriga cheia.
É mais do que senso comum, que a pujança económica do país está a Norte, aliás, as maiores empresas portuguesas nascerem de homens do Norte e são lideradas por homens do Norte.
No dia que o Norte usufruir das mesmas oportunidades que Lisboa, veremos. Só tenham medo que a capital mude cá para cima....ehehhe».
O Norte já está dividido, sempre esteve dividido, e, para dizer a verdade, existem mais afinidades entre Lisboa e o Porto do que entre o Porto e Braga, ou Vila Real ou Guimarães. Basta pensar nas ilustres figuras do Porto que têm participado activamente na governação de Portugal, nos seus intelectuais nobres ou nos seus empresários. O Porto é profundamente liberal e este traço marca a diferença: o resto do Norte é conservador e retrógrado. Por isso, os seus distritos afundam e sempre afundaram o Norte, condenando-o a fazer parte de uma estatística miserável, atrás da Madeira do tio Alberto, politicamente da mesma cor. Querer que a capital do Norte fosse qualquer outra cidade que não o Porto seria a catástrofe e, nesse caso, mais vale o centralismo político renovado que o regionalismo mesquinho liderado por criaturas gordas, ladras, corruptas e profundamente incompetentes, numa palavra, analfabetas em todos os sentidos do termo.
Reacções como estas, e tantas outras mais ridículas, levam-nos a meditar a essência da democracia e a escutar a voz daqueles intelectuais que, como Hannah Arendt, aconselham muita moderação, propondo um conceito mais restritivo, portanto, mais elitista, de democracia. De facto, nem todos os habitantes de um país democrático são verdadeiramente cidadãos, até porque carecem de competências para participar racional e responsavelmente nos debates da esfera pública. De certo modo, a III Tese sobre Feuerbach de Marx colocava a questão: «A doutrina materialista referente à mudança das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são mudadas pelos homens e que o educador também tem de ser educado». De facto, numa sociedade que dispensou o pensamento crítico, como a nossa, torna-se necessário educar efectivamente os portugueses para o exercício pleno da cidadania. Caso contrário, não vale a pena alterar o modelo administrativo ou propor referendos.
J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

AGRY disse...

Desde logo,os políticos profissionais.
Os cidadãos politica e tecnicamente mais aptos não estão no centro do poder. As razões são óbvias e múltiplas

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Tem toda a razão: estes políticos profissionais precisam ser educados numa cultura da liberdade e da justiça.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Na blogosfera, somos democratas e partilhamos ideias.
Abraço