Estou a receber muitos e-mails, nacionais e estrangeiros, onde me pedem mais «notícias» de Karl Marx. Este facto revela claramente que muitos intelectuais estão insatisfeitos com a sociedade estabelecida, bem como com as formas padronizadas de pensar.
Afinal, o que é a crítica? Esta questão que me colocam é complexa e suspeito que a resposta é ainda mais difícil. Em vez de apresentar uma definição que nada resolve, como sucede actualmente nas escolas e universidades, dado o predomínio das reformas burocráticas do ensino e da educação e a incompetência dos professores, vou seguir outro caminho e tentar «exemplificar» o chamado pensamento crítico, portanto, autónomo e independente.
Acabo de tomar uma posição: o pensamento crítico não deve comprometer-se com nenhuma instituição ou grupo social, embora esteja empenhado na luta pela mudança social qualitativa. Parece uma posição pouco apropriada para um pensador crítico, se pensarmos na unidade entre teoria e prática, aquela defendida por Marx ou Lenine, mas não é uma posição conformista e muito menos apática.
Como diz frequentemente Peter Berger (um pensador conservador), «nem tudo o que parece ser é». Ou melhor: «o mundo não é o que aparenta ser». Donde resulta que «o mundo não somente não é o que aparenta (ser), como também poderia ser diferente do que é». O pensamento crítico implica necessariamente um atitude de admiração ou, se preferirem, de espanto diante do mundo, sem a qual não é possível colocar questões e tentar descobrir respostas, seguindo uma metodologia científica. (Deixo este aspecto da cientificidade em suspenso.) Eis um texto crítico da autoria de Karl Marx:
«O Estado e a estrutura da sociedade, do ponto de vista político, não são duas coisas diversas: o Estado é a estrutura da sociedade. Na medida em que dá lugar à existência de males sociais, o Estado atribui-os a leis naturais, contra as quais nenhuma força humana pode prevalecer, ou à vida privada, que é independente do Estado, ou aos desacertos da administração que lhe é subordinada. Assim, em Inglaterra, a pobreza é explicada pela lei natural, segundo a qual a população cresce para além dos meios de subsistência. Por outro lado, a Inglaterra explica o pauperismo como consequência dos maus instintos dos pobres, assim como o rei da Prússia o explica pelas tendências anticristãs dos ricos, e a Convenção explica-o pela visão céptica e contra-revolucionária dos que têm propriedades. Em consonância, a Inglaterra inflige penalidades aos pobres, o rei da Prússia admoesta os ricos, e a Convenção degola os proprietários. (etc.)».
Herbert Marcuse já nos tinha advertido, na sua obra «Razão e Revolução», que a teoria de Marx é uma crítica: ao contrário das categoria de Hegel que se aplicam à ordem existente, os conceitos de Marx visam uma nova ordem social e, por isso, são uma acusação da totalidade da sociedade estabelecida. O pensamento crítico não se satisfaz com os «dados» supostamente evidentes da ordem instituída (antipositivismo), porque, estando ao serviço da verdade e da liberdade, precisa de negar as evidências da lógica da dominação e transcendê-las de modo a revelar uma nova ordem por vir. Os conceitos de Marx tal como aparecem neste pequeno texto são conceitos negativos: criticam as falsas evidências ideológicas sobre a pobreza, em nome de um outro princípio de realidade que ainda não é mas que devia ser, neste caso particular a abolição da pobreza e da miséria humana. Analisa as concepções oficiais da pobreza, não para as aceitar, mas para desmistificar a ideologia dominante que opera nelas. É, por isso, que os seus conceitos podem iluminar uma prática transformadora do mundo, isto é, política. Ora, como é evidente, o actual sistema de ensino não fomenta o pensamento crítico e, comparando a educação pré- e pós-25 de Abril, somos forçados a constatar que as políticas da educação pós-revolução dos cravos arruinaram paulatinamente o ensino, a educação e a formação cultural: o analfabetismo diplomado é uma realidade esmagadora e terrível. As novas pedagogias administrativas destruíram o conhecimento e a crítica. Porquê? Porque as novas classes políticas exercem uma dominação nunca antes vista na História de Portugal e não desejam que essa dominação seja nomeada pelo seu verdadeiro nome: democracia oligárquica e corrupta. Contudo, não pode haver exercício autónomo e independente da crítica sem esforço, muito esforço, e sem a aquisição prévia de conteúdos de conhecimento: a crítica não é opinião, mas conhecimento emancipador. Por isso, as pedagogias administrativas falham: não exigem nem esforço nem conhecimento; apenas falsos resultados estatísticos e burocráticos. Tudo o que transcenda teórica e politicamente os «dados» da realidade estabelecida é encarado, pelos mocinhos satisfeitos (Ortega y Gasset) e apáticos, portanto acríticos, como utopia. Dizer que a realidade não pode ser mudada e transformada qualitativamente é ser simplesmente burro e é isto que são os que falam irresponsavelmente contra a utopia. J Francisco Saraiva de Sousa
Afinal, o que é a crítica? Esta questão que me colocam é complexa e suspeito que a resposta é ainda mais difícil. Em vez de apresentar uma definição que nada resolve, como sucede actualmente nas escolas e universidades, dado o predomínio das reformas burocráticas do ensino e da educação e a incompetência dos professores, vou seguir outro caminho e tentar «exemplificar» o chamado pensamento crítico, portanto, autónomo e independente.
Acabo de tomar uma posição: o pensamento crítico não deve comprometer-se com nenhuma instituição ou grupo social, embora esteja empenhado na luta pela mudança social qualitativa. Parece uma posição pouco apropriada para um pensador crítico, se pensarmos na unidade entre teoria e prática, aquela defendida por Marx ou Lenine, mas não é uma posição conformista e muito menos apática.
Como diz frequentemente Peter Berger (um pensador conservador), «nem tudo o que parece ser é». Ou melhor: «o mundo não é o que aparenta ser». Donde resulta que «o mundo não somente não é o que aparenta (ser), como também poderia ser diferente do que é». O pensamento crítico implica necessariamente um atitude de admiração ou, se preferirem, de espanto diante do mundo, sem a qual não é possível colocar questões e tentar descobrir respostas, seguindo uma metodologia científica. (Deixo este aspecto da cientificidade em suspenso.) Eis um texto crítico da autoria de Karl Marx:
«O Estado e a estrutura da sociedade, do ponto de vista político, não são duas coisas diversas: o Estado é a estrutura da sociedade. Na medida em que dá lugar à existência de males sociais, o Estado atribui-os a leis naturais, contra as quais nenhuma força humana pode prevalecer, ou à vida privada, que é independente do Estado, ou aos desacertos da administração que lhe é subordinada. Assim, em Inglaterra, a pobreza é explicada pela lei natural, segundo a qual a população cresce para além dos meios de subsistência. Por outro lado, a Inglaterra explica o pauperismo como consequência dos maus instintos dos pobres, assim como o rei da Prússia o explica pelas tendências anticristãs dos ricos, e a Convenção explica-o pela visão céptica e contra-revolucionária dos que têm propriedades. Em consonância, a Inglaterra inflige penalidades aos pobres, o rei da Prússia admoesta os ricos, e a Convenção degola os proprietários. (etc.)».
Herbert Marcuse já nos tinha advertido, na sua obra «Razão e Revolução», que a teoria de Marx é uma crítica: ao contrário das categoria de Hegel que se aplicam à ordem existente, os conceitos de Marx visam uma nova ordem social e, por isso, são uma acusação da totalidade da sociedade estabelecida. O pensamento crítico não se satisfaz com os «dados» supostamente evidentes da ordem instituída (antipositivismo), porque, estando ao serviço da verdade e da liberdade, precisa de negar as evidências da lógica da dominação e transcendê-las de modo a revelar uma nova ordem por vir. Os conceitos de Marx tal como aparecem neste pequeno texto são conceitos negativos: criticam as falsas evidências ideológicas sobre a pobreza, em nome de um outro princípio de realidade que ainda não é mas que devia ser, neste caso particular a abolição da pobreza e da miséria humana. Analisa as concepções oficiais da pobreza, não para as aceitar, mas para desmistificar a ideologia dominante que opera nelas. É, por isso, que os seus conceitos podem iluminar uma prática transformadora do mundo, isto é, política. Ora, como é evidente, o actual sistema de ensino não fomenta o pensamento crítico e, comparando a educação pré- e pós-25 de Abril, somos forçados a constatar que as políticas da educação pós-revolução dos cravos arruinaram paulatinamente o ensino, a educação e a formação cultural: o analfabetismo diplomado é uma realidade esmagadora e terrível. As novas pedagogias administrativas destruíram o conhecimento e a crítica. Porquê? Porque as novas classes políticas exercem uma dominação nunca antes vista na História de Portugal e não desejam que essa dominação seja nomeada pelo seu verdadeiro nome: democracia oligárquica e corrupta. Contudo, não pode haver exercício autónomo e independente da crítica sem esforço, muito esforço, e sem a aquisição prévia de conteúdos de conhecimento: a crítica não é opinião, mas conhecimento emancipador. Por isso, as pedagogias administrativas falham: não exigem nem esforço nem conhecimento; apenas falsos resultados estatísticos e burocráticos. Tudo o que transcenda teórica e politicamente os «dados» da realidade estabelecida é encarado, pelos mocinhos satisfeitos (Ortega y Gasset) e apáticos, portanto acríticos, como utopia. Dizer que a realidade não pode ser mudada e transformada qualitativamente é ser simplesmente burro e é isto que são os que falam irresponsavelmente contra a utopia. J Francisco Saraiva de Sousa
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