terça-feira, 26 de junho de 2012

O Homem e as Orquídeas

Orquídea Baunilha
«Tal como o homem, a orquídea, controlando os nascimentos, espalhou-se pela Terra: mesmo nos climas mais frios, pois existe uma orquídea-das-neves. Como o homem, a orquídea é social: vive em relação com os outros. Como o homem, a orquídea sabe pôr os outros a trabalhar: a árvore que a suporta, o insecto que a fecunda, o cogumelo que a alimenta. Agora até faz trabalhar o homem, o seu antigo destruidor, que já não lhe faz guerra, mas lhe dedica amor. Não só a fecunda, mas também inventou para ela um meio açucarado em que pode germinar! E até um sistema para alimentar o bebé orquídea sem o tal cogumelo». (Jean-Marie Pelt & Jean-Pierre Cuny)

Não sei se já repararam que em Portugal não há traduções das grandes obras de botânica. Quem queira estudar botânica tem de recorrer aos originais publicados em língua inglesa. É muito difícil dedicar a vida à ciência e à filosofia num país habitado por "burros" que não sabem fazer uso cognitivo do cérebro, a não ser para danificar a vida dos outros. O povo português é, por natureza, avesso ao conhecimento. Embora sejam destituídas de cérebro, as plantas são mais "inteligentes" do que os portugueses: elas inventaram mais coisas do que os portugueses durante toda a sua história. A botânica não é uma ciência atractiva devido à sistemática: a classificação das plantas afasta sistematicamente os alunos do estudo da botânica. Mas a classificação é fundamental para compreender o mundo das plantas, porque classificar as plantas é contar a sua história evolutiva. A aventura das plantas passou do oceano cinzento ao oceano verde, das algas aos musgos, dos musgos aos fetos, para depois conceber a folha, o caule, a raiz e a semente de madeira e, finalmente, inventar a flor. A passagem do oceano para a terra firme não foi nada fácil: as algas verdes (filo Chlorophyta) representam provavelmente os ancestrais do filo Tracheophyta, que inclui todas as plantas que dominam nos nossos dias toda a terra firme. Estas plantas desenvolveram sistemas radiculares para retirar a água e os nutrientes do solo, folhas para a fotossíntese ao ar livre e um caule ou sistema vascular - xilema e floema - para o transporte da água e dos nutrientes da raiz para as folhas. Os musgos e as hepáticas do filo Bryophyta são as únicas plantas que se adaptaram à vida terrestre sem um sistema vascular, sobrevivendo pelo facto de serem pequenas e de viverem num meio húmido. São plantas terrestres avasculares, entre as quais temos as hepáticas, os antóceros e os musgos. As plantas vasculares incluem dois grupos: as plantas vasculares com e sem semente. O segundo grupo inclui as psilófitas, as microfilófitas, as artrófitas e as pterófitas, enquanto o grupo das espermatófitas inclui as angiospermas ou plantas frutíferas e as gimnospermas. Na história da evolução biológica, a orquídea é o equivalente ao homem no reino vegetal. O homem e a orquídea são, pois, as duas invenções mais recentes da natureza. O reino animal e o reino vegetal podem ser imaginados como duas montanhas fundadas no mesmo continente da vida, no topo das quais se encontram o homem e a orquídea, respectivamente, que surgiram na Terra há apenas uns milhões de anos. O facto curioso é que, tendo chegado ao cimo da evolução, o homem e as plantas partilham a mesma obsessão pelo abrigo. A orquídea não é a planta do futuro, porque, pelo menos aparentemente, já não evolui. A planta do futuro parece ser um estranho bolbo que, na selva profunda, enterra a sua flor numa carapaça hermética, como se desconfiasse do futuro. Hoje quase todos os homens desconfiam do futuro: a necessidade de construção de abrigos já não é apenas ditada pela ameaça nuclear, mas sobretudo pelo imperativo da sobrevivência. O sistema capitalista é de tal modo destrutivo no seu funcionamento que, ao destruir a natureza, coloca em perigo a continuidade da aventura biológica na Terra, incluindo a própria aventura humana. As plantas surgiram há cerca de 3 biliões de anos e passam bem sem o homem. Mas o homem que apareceu só há 5 milhões de anos não pode sobreviver sem as plantas que lhe dão o oxigénio que respira, os alimentos, os têxteis, os materiais, os perfumes, os medicamentos, as drogas e as flores. O homem é a única criatura da Terra que possui a chave do futuro, tanto do seu próprio futuro como também do futuro de toda a biosfera. A reconciliação entre o homem e a natureza implica uma mudança radical de vida, mudança esta que só pode ser realizada mediante a destruição do sistema capitalista. O maior inimigo da vida é o capitalismo: a crise ecológica é, efectivamente, a crise da economia capitalista.

Os portugueses descobriram e colonizaram o Brasil, mas - tanto quanto sei - nunca foram "caçadores de orquídeas": a insensibilidade botânica e estética dos portugueses já tem uma longa história. A sua inteligência reduzida não lhes permitiu ver que a orquídea valia fortunas enquanto era selvagem. Nas florestas tropicais, as orquídeas vão buscar sol ao cimo das mais altas ramagens, porque no sub-solo não entra nenhum raio solar. Para subir pelos troncos das árvores, as orquídeas desenvolveram lianas compridas, cujos caules se enrolam às ramagens, de modo a levá-las para mais perto do sol. Algumas instalam-se directamente nas forquilhas das árvores e aí criam raízes. No entanto, as raízes das orquídeas não chegam ao chão, para tirar daí a água e os nutrientes que precisam para sobreviver. As raízes das orquídeas estão penduradas à planta, como se fossem apêndices inúteis: a água da chuva escorre por elas e vai formar gotas na ponta, penetrando na raiz através de um tecido especial chamado véu, graças ao qual a planta tira directamente a água da chuva. A função do véu varia em função do período do ano. No tempo das chuvas, o véu funciona como uma espécie de esponja, formando um sobretudo hidrófilo à volta da raiz que lhe permite absorver a água. Mas, com a chegada do tempo mais seco, o véu desidrata-se e as células achatam-se, formando uma parede protectora que retém a água. Existem 20 000 espécies de orquídeas diferentes e, ao contrário do que se pensa, elas estão espalhadas por todos os lados, incluindo a Europa, e em todos os climas. As orquídeas das regiões temperadas - a orquídea casco-de-vénus e a orquídea-celha, por exemplo - não são tão exuberantes e belas como as orquídeas-lianas das selvas tropicais. No entanto, apesar desta diversidade, elas partilham o mesmo tipo de flor: uma flor aperfeiçoada para viver na companhia dos insectos. Como se sabe, os insectos alimentam-se do néctar fabricado pelas flores e, em troca, transportam o seu pólen. A superioridade das orquídeas em relação às outras plantas de flor reside no facto de terem inventado diversos meios para atrair o mensageiro. A floração das plantas é desencadeada por determinadas mudanças químicas sob a influência da luz, podendo envolver um mecanismo hormonal sensível ao fotoperíodo. A flor é o órgão reprodutor tanto das angiospermas como das gimnospermas. As flores das orquídeas pintam-se de modo a atrair os insectos. Quando chega perto da flor, o insecto tem de aterrar. Para o ajudar a aterrar no local certo, a orquídea desenvolveu o labelo, isto é, uma pétala balizada por tufos de pêlos, por estrias e por pontos coloridos, ao mesmo tempo que o orienta até ao néctar mediante balizas odoríferas. A baunilha é uma orquídea originária do México. Quando se tentou cultivar esta orquídea no oceano Índico, descobriu-se que ela só podia ser fecundada por um insecto mexicano, o melipone. Embora tenha sido importado para as novas terras, o insecto não se adaptou: o homem teve de inventar um método artificial de fecundação da baunilha para que a planta desse vagens. O caso da orquídea baunilha mostra que há plantas que estão em perigo pelo facto de serem demasiado especializadas: o desaparecimento do insecto melipone encurrala a orquídea baunilha, porque, sem ele, não pode reproduzir-se. A cooperação entre insecto e planta é uma das maravilhas da natureza. As orquídeas inventaram o labelo para atrair o insecto e guiá-lo na aterragem. Porém, há orquídeas que se transformaram em insecto: as sua pétalas adquirem visivelmente o aspecto do insecto. Cada uma delas atrai o seu próprio insecto, adoptando o aspecto da sua fêmea - cor, tacto, pêlos do labelo - e produzindo o seu perfume. O insecto em questão não resiste aos encantos da flor-fêmea: aterra nela e copula com ela, deixando lá os seus espermatozóides. As orquídeas não espalham o seu pólen pelo vento: ele é apresentado numa massa única e compacta que se agarra à cabeça do insecto através de uma espécie de cimento fabricado por uma glândula. Quando o insecto viaja para outra orquídea, um dispositivo inclina a massa do pólen, para que no fim da viagem caia exactamente no estigma viscoso de outra orquídea. Quando a fecundação acontece, a flor murcha e cai. A orquídea fecundada já não precisa de atrair os insectos: o pequeno ovo resultante dessa fecundação está contido numa semente minúscula. As orquídeas são plantas evolutivamente paradoxais: produzem vários milhões de sementes, as mais pequenas do mundo vegetal, cada uma das quais tem o seu próprio embrião mal formado e sem reservas alimentícias. Ora, no momento da germinação, o embrião-orquídea encontra-se numa situação dramática: não pode plantar uma raiz no solo e não tem nada para comer dentro da semente. Se não fosse a natureza a dar-lhe uma ama-seca, o embrião-orquídea estava condenado. No chão, próximo das orquídeas, há um cogumelo que serve de raiz ao embrião-orquídea e que o alimenta através de um filamento que lhe dá o que o cogumelo tira do solo. No entanto, quando a pequena orquídea cresce e planta a sua própria raiz, deixa de precisar da ajuda do cogumelo e tenta desembaraçar-se dele. Mas o cogumelo recusa ser expulso e incrusta-se na planta, dando origem a uma competição entre ambos. Para evitar ser invadida pelo cogumelo, a orquídea desenvolve grossas raízes tuberculizadas - duas raízes redondas no chão - que dão o nome à família das orquídeas: "Orchis", em grego, significa "testículo". A aventura das orquídeas ainda não está concluída: há orquídeas que regridem, perdendo a sua clorofila. Estas orquídeas deixam de ser verdes e não produzem folhas. Incapazes de se alimentar a partir da água do chão e do anidrido carbónico do ar, como fazem as plantas normais, alimentam-se de cadáveres de animais e de plantas, tal como os cogumelos ou mesmo o homem. Esta orquídea necrófila pode ser vista nos pinhais, na pequena Neotia das florestas temperadas. Actualmente, o homem e as orquídeas reconciliaram-se, porque o homem passou a dedicar-lhes cuidados especiais, fecundando-as e dando-lhes um meio açucarado onde elas podem germinar, em vez de lhe fazer guerra. O futuro das orquídeas estará garantido enquanto o homem souber cuidar da natureza, usando a sua capacidade de previsão consciente

J Francisco Saraiva de Sousa

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Preciso estar atento porque não abordo as plantas há muito tempo. É um universo complicado e eu sou mais zoólogo do que botânico, como é evidente.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É matemático. Como seria de esperar, os posts botânicos têm maior audiência entre os nórdicos e ingleses do que entre latinos e grupos afins.