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terça-feira, 7 de setembro de 2010
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Sequelas do Abuso Sexual
O abuso sexual está na ordem do dia. Largas centenas de pesquisas são realizadas por todo o mundo e surgiram diversas revistas científicas dedicadas ao abuso sexual, sobretudo infantil e adolescente. Muitas destas investigações, cujos resultados são publicados em revistas de prestígio, estão imbuídas de preconceitos sociais e, sem o pretender, prestam-se a apropriações ou leituras menos adequadas por parte de membros terroristas de certas seitas religiosas, de jornalistas pouco escrupulosos e de cidadãos muito mal informados e oportunistas. Apesar disso, tem havido uma evolução na qualidade dos estudos. Um aspecto comum a quase todos esses estudos é o de que o abuso sexual infantil e adolescente tem consequências negativas, as chamadas sequelas, na saúde mental (fraca adaptação social, pouca satisfação com a vida e diversos sintomas psicológicos) e no comportamento sexual adulto (sexo casual frequente, precocidade na iniciação sexual, sexo desprotegido, múltiplos parceiros sexuais ou elevado número de doenças sexualmente transmissíveis diagnosticadas). O uso de técnicas mais apuradas tem mostrado a necessidade de isolar características e estabelecer associações mais sofisticadas mediante o uso da análise de variância. São os resultados desses estudos que pretendo expor e talvez discutir. Não pretendo fornecer uma definição de abuso sexual, simplesmente porque penso que qualquer pessoa bem informada e dotada de bom senso sabe distinguir um comportamento de abuso sexual susceptível de ser condenado e punido e um comportamento sexual não-abusivo. As meta-análises realizadas mostraram que o abuso sexual infantil e adolescente está associado com o subsequente comportamento sexual adulto de risco. Contudo, muitos estudos negligenciaram os efeitos da força e o tipo de abuso sexual sobre o comportamento sexual subsequente. Num estudo recente, T.E- Senn et al. (2007) investigaram, numa amostra 1177 participantes (534 mulheres e 643 homens), as associações entre características de abuso sexual, nomeadamente o uso da penetração e da força, e o comportamento sexual de risco posterior, levando em conta a modelação destas relações pelo género. Os resultados mostraram que os participantes que tinham sido alvo de abuso sexual envolvendo penetração e/ou força relataram mais comportamentos sexuais adultos de risco, tais como o número de parceiros sexuais ao longo da vida e o número de diagnósticos de doenças sexualmente transmissíveis (STD), do que aqueles que não tinham sido sexualmente abusados e aqueles que foram abusados sem o uso de força ou de penetração. Esta relação é claramente moderada ou mediada pelo género da criança e adolescente. Assim, entre os homens, o abuso sexual com uso da força e da penetração estava associado com um elevado número de episódios de "trading sex", enquanto, entre as mulheres, o abuso sexual com penetração, independentemente do abuso envolver ou não o uso da força, estava mais associado com um elevado número de episódios de "trading sex". Resultados semelhantes já tinham sido descobertos por Rind et al. (1998): as reacções dos rapazes ao abuso sexual são menos negativas do que as reacções das raparigas. Além disso, levando em conta a orientação sexual, constata-se que os rapazes homossexuais encaram essas relações sexuais com indivíduos mais velhos de um modo positivo e "construtivo". De facto, numa sociedade que os priva de modelos positivos de desenvolvimento e os estigmatiza, estas relações são vistas pelos próprios sujeitos como uma via que lhes permite "actualizar" a sua orientação sexual e receber algum afecto. (Os nossos dados mostram claramente que os homens e mulheres homossexuais portugueses falam naturalmente dessas relações sem as encarar como abuso sexual e, muito menos, como relações pedófilas.) Para todos os efeitos, este e outros estudos mostram que o abuso sexual mais severo está associado com comportamento sexual adulto de risco e, no caso dos homens homossexuais, esse comportamento consiste em fazer sexo desprotegido (Jinich et al., 1998), mesmo quando sabem ser seropositivos. Finkelhor & Browne (1985) elaboraram o modelo dinâmico traumagénico que permite explicar a associação entre diversos tipos de abuso sexual e os comportamentos sexuais adultos de risco, em alternativa ao modelo do uso de álcool e de drogas (Steele & Josephs, 1990). De acordo com este modelo, uma das consequências do abuso sexual é a sexualização traumática. A criança submetida a abuso sexual pode desenvolver scripts não-adaptativos para o comportamento sexual e, quando adultas, podem acreditar que o sexo é necessário para obter afectos ou carinho dos outros, levando-as a ter sexo consensual precoce e com múltiplos parceiros sexuais (Cinq-Mars et al., 2003; Fergusson et al., 1997). Outra consequência é a impotência: a criança aprende que as suas necessidades são ignorados pelos outros e, deste modo, pode falhar em desenvolver auto-eficácia para travar os avanços sexuais não-desejados. Este é apenas um modelo que não é incompatível com o modelo do uso de álcool ou de drogas, como se verifica facilmente nos estudantes universitários portugueses (abuso de álcool, drogas e sexo e muito pouco estudo!) e nas suas praxes académicas, as quais deviam ser fortemente vigiadas ou mesmo abolidas. Mas ambos os modelos são ainda insuficientes para explicar estas associações estatísticas, até porque menosprezam os factores biológicos. J Francisco Saraiva de Sousa
domingo, 16 de dezembro de 2007
A Alma na Era do Consumo
Arnold Gehlen escreveu uma obra fantástica, «Die Seele im Technischen Zeitalter», que, apesar de ter sido traduzida para o português, permanece estranha à «alma lusitana». Toda a sua obra gira em torno do «problema do Homem», que foi tratado na sua obra fundamental de antropologia filosófica, «Der Mensch, seine Natur und seine Stellung in der Welt», e, na primeira obra referida, embora posterior a esta última, analisa, numa perspectiva psicosociológica, o homem moderno na era da técnica. Aparentemente, a sua teoria parece não ultrapassar aquela exposta por David Riesman: a do indivíduo «manipulado de fora» (alterdirigido), isto é, a do indivíduo como receptor e utente de sinais de radar. Esta figura contemporânea de indivíduo é o resultado, objectivo e subjectivo, do processo de industrialização que introduziu uma cesura na história do homem, o que possibilita falar do limiar daquilo que Gehlen chamou posthistoire, frequentemente pensada como precursora ou mesmo o anúncio da pós-modernidade. Porém, a teoria de Gehlen é mais ambiciosa, dado abranger a arte (estética) e a moral, bem como o problema da autoridade funcional, em vez da estratificação em classes sociais, a atenuação social da desigualdade de bens, não confirmada pelas recentes transformações sociais, e a cultura industrial global. Mas, dado uma análise completa do seu pensamento estar fora do escopo deste post, penso poder concentrar-me na sua noção de "experiência em segunda mão" e definir o indivíduo predominante na sociedade actual como um «ser em segunda mão»: Cada um traz na cabeça um mundo imaginário de informações acumuladas sem sentido, com escassa coesão, consistindo somente de esboços de resultados e processos cujo valor objectivo e verdadeira substância está fora do alcance do seu julgamento, mas que parecem ser peremptórios e de palpitante interesse. Esta experiência em segunda mão estende-se a todo o planeta (Gehlen). Por conseguinte, o nosso mundo pode ser descrito como um caos de informação incoerente de material imaginário, a descoberto e inacabado, que se encontra em rápida transformação e, ademais, superiluminado (Gehlen). Bombardeado permanentemente por este caos de informações incoerentes, difundidas pelos mass media e pela publicidade manipuladora, a formação de opiniões dispensa o processo de elaboração individual e acaba por se reduzir à aquisição passiva de "opiniões em segunda mão", o que no plano da moral se traduz por uma "moral em segunda mão". Tudo isto somado mostra que vivemos ou, pelo menos, caminhamos para uma situação em que a esgotamento do pensar desqualifica definitivamente o ser humano. (Fenómeno observado frequentemente na blogosfera e na incapacidade dos bloguistas criarem a sua própria agenda, sem serem vítimas das práticas de agenda-setting impostas pela mediasfera.) De facto, hoje olhando, já na proximidade do Natal, para a enchente de pessoas que acorrem às grandes áreas comerciais, em busca de produtos de consumo, dificilmente descobrimos, por detrás dos seus rostos, a presença, ainda que atrofiada, de um self (eu) capaz de pensar por si próprio e de controlar o seu próprio projecto de vida. Os olhares - observados com atenção - revelam ser metabolicamente reduzidos e, portanto, incapazes de pensar. Esta incapacidade de pensar significa efectivamente a desqualificação da humanidade desses animais entregues exclusivamente ao intercâmbio metabólico com a natureza, de preferência sem trabalho e esforço, alterdirigidos por informações emitidas que não compreendem, até porque todas as suas faculdades mentais ou cognitivas estão mais ou menos atrofiadas. Até a sua vida sentimental passou a ser em segunda mão. Estas criaturas saturadas movem-se por habituação, são apáticas e esquecem com muita facilidade. Alheadas do mundo e distantes da realidade, são uma farsa, com exterior, ainda que obeso, mas sem interior: puros vazios heterónomos dirigidos por radares ou por estímulos condicionantes. Tudo se converteu numa encenação através da qual as massas recebem passivamente estímulos e obedecem-lhes cegamente. (O tipo de pessoa que aceita facilmente um líder autoritário ou que aderem facilmente ao fascismo!) Estas observações dificilmente parecem ser concordantes com a «imagem do homem» proposta filosoficamente por Gehlen na sua opus magnum: o "ser carencial" e "destituído de instintos", "precocemente nascido" e, portanto, necessitário de um longo processo de maturação, devido à sua "imaturidade", que só pode sobreviver como "ser de cultura" e "de acção", para superar a sua fragilidade biológica que faz dele um "ser em risco", parece não ser muito adequada ao estudo fundamentado da situação do homem na era da técnica, ou melhor, na era da "ditadura do consumo". A sua fraqueza congénita ou constitucional é compensada pela sua "abertura ao mundo" e pela sua capacidade de mudar o mundo, transformando-o num mundo de cultura que possibilita o desenvolvimento normal. Contudo, para ser um ser de cultura e de acção, o homem precisa de ser dotado de um órgão especializado, o cérebro sofisticado, portanto, uma especialização que faz dele um ser capaz de criar o seu próprio mundo. Embora não dotado de muitas especializações, aquelas que podemos observar noutros animais, o homem é dotado da maior especialização, o cérebro humano e a sua infinita curiosidade, que lhe permite superar as suas fragilidades instintivas ou morfológicas. Ora, se esta perspectiva for verdadeira, teremos de concluir que o homem como ser em segunda mão deixou-se aprisionar num sistema que o reduz à sua animalidade frágil, ideia retomada de Herder: aquela que o torna novamente um ser carente, mas, desta vez, destituído daquelas características que poderiam fazer dele um animal humano: um ser que precisa de agir para criar um mundo de cultura que compense a redução dos seus instintos. O homem consumidor "abdicou" da sua humanidade a favor da sua animalidade, tornando-se um ser a-cultural, apático, inactivo e domesticado. Convertida em bens de consumo ou em opiniões em segunda mão, a cultura foi transformada em nada, ou seja, foi liquidada, e, sem ela, o homem comporta-se como um animal que reage passivamente a estímulos, como se fosse destituído de alma! A cultura de consumo é uma cultura sem alma, portanto, anticultura, e, segundo a sentença racionalista que diz que os chamados "animais irracionais" não têm alma, mas apenas um corpo mecânico que reage de forma programada, portanto, condicionada interna ou externamente, este homem carente de alma pode muito bem vir a ser tratado como "gado doméstico", o que já vai acontecendo cada vez mais no nosso mundo global. A sua existência justifica a escalada de violência que observamos por todo o mundo e, se nada for feito, só nessa violência poderá ser forjado um novo tipo de humanidade, capaz de retomar a sua herança cultural. J Francisco Saraiva de Sousa
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Géza Róheim: Antropologia Psicanalítica
Géza Róheim (1891-1953) foi efectivamente o primeiro antropólogo psicanalista e estou a lembrá-lo para condenar novamente o marasmo intelectual português, que, como sempre, deixa a cultura passar-lhe ao lado, sem reconhecer a sua mediocridade falaciosa e a sua incapacidade cognitiva congénita. Até mesmo os mestres da Escola de Frankfurt, com excepção de Herbert Marcuse, ignoraram a sua obra extensa e profunda.
Marcuse cita uma das suas obras, «The Origin and Function of Culture» (1945), onde Róheim, influenciado pelas ideias de Melanie Klein e divergindo claramente de Freud, atribui uma importância fundamental, traumatizante, à separação da criança da mãe, mais do que à fantasia do assassínio do pai, desenvolvendo o seu conceito de sublimação e destacando a importância das fantasias arcaicas referentes ao corpo materno no desenvolvimento da agricultura ou do comércio.
Contudo, é na sua obra «Psychoanalysis and Anthropology» (1953) que Róheim desenvolve a sua noção de cultura, trabalhada na sua diferença quer contra a noção filogenética de cultura proposta por Freud em «Totem e Tabu», quer contra a noção de cultura proposta pela antropologia culturalista. Em termos simples, podemos dizer que, para Róheim, a cultura humana é a consequência da infância prolongada da espécie humana, e que as áreas culturais decorrem da situação infantil típica que reina em cada uma das culturas humanas. Róheim afirma constantemente a unidade do género humano ou, como prefere dizer, «a unidade fundamental da humanidade», a qual só pode ser clarificada à luz deste enunciado simples que transcende as teses defendidas escola culturalista e as hipóteses biológicas da hereditariedade dos caracteres adquiridos (indefensável à luz dos actuais conhecimentos da genética) e a lei da recapitulação de Haeckel (não válida para o género humano) propostas por Freud para explicar essa unidade humana: Para Róheim, o traço indiscutivelmente comum da humanidade «é a sua infância prolongada e o carácter globalmente juvenil do Homo sapiens em relação às outras espécies animais». Eis o «resumo do resumo» apresentado pelo próprio Róheim:
1. A evolução está baseada sobre uma combinação de factores autogéneos e ectogéneos.
2. Os factores autogéneos são principalmente a fetalização e o conflito endopsíquico (super-eu e ideal do eu).
3. Em relação ao prolongamento da nossa duração de vida, e particularmente da nossa infância, nós conservámos a taxa de crescimento fetal do nosso cérebro. O cérebro continua a desenvolver-se na situação mãe-infante protegida, isto é, libidinal.
4. Por outro lado, em relação ao ritmo de crescimento do nosso corpo, a nossa sexualidade é relativamente precoce. Associando este facto ao crescimento fetal do nosso cérebro, obtemos a explicação da natureza libidinal do fantasma.
5. Os mecanismos de defesa desenvolvem-se para proteger o eu contra a libido prematura.
6. Os seres humanos são permanentemente juvenis, pelo menos em parte. A fragilidade da nossa infância relativamente prolongada é compensada pela identificação da criança com o adulto, isto é, pelo condicionamento ou pela educação.
7. A existência do simbolismo e de certos traços humanos universais é devida a esta neotenia universal do género humano: eles são endógenos e não são condicionados pela cultura. Para Róheim, a interpretação psicanalítica não releva, portanto, da cultura: os seus métodos têm uma validade universal. Podem existir diversos tipos de personalidade, mas existe somente um inconsciente. Daí que Róheim tenha afirmado contra as teses de B. Malinowsky a existência de uma estrutura edipiana universal.
8. O conceito de personalidade de base, isto é, de uma personalidade fundada sobre uma situação infantil comum, é válido apenas quando aplicado a pequenos grupos, mas a sua validade é duvidosa quando aplicado às nações modernas, como fez Ruth Benedict. Daí que a antropologia cultural moderna só tome em consideração as nações, negando tacitamente a unidade fundamental do género humano e o carácter único do indivíduo. Estas breves observações são suficientes para mostrar a actualidade de uma obra ignorada pelos luso-intelectuais, talvez por má-fé ou, como penso, pela sua imbecilidade congénita e muito invejosa, pouco dada ao exercício do pensamento conceptual e ao esforço intelectual. J Francisco Saraiva de Sousa
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Elites do Poder e Sexual Bondage
Diversos estudos americanos e europeus demonstraram que os colarinhos-brancos de determinados sectores das elites do poder (Janus et al., 1977), portanto homens que ocupam posições dominantes na sociedade, recorrem regularmente ao serviço de prostitutas para os dominar. Isto significa que os homens que ocupam posições dominantes na sociedade, tais como políticos ou empresários bem sucedidos, são homens submissos que, devido à dificuldade de encontrar mulheres heterossexuais dominantes (Baumeister, 1988; Weinrich, 1987), recorrem ao negócio emergente denominado «dominatrix»: mulheres dominadoras profissionais («dominatrices») que satisfazem as necessidades sexuais de homens submissos-receptivos, supostamente não-homossexuais (Scott, 1983). Quer sejam prostitutas ou não, estas mulheres dominadoras podem atar ou acorrentar os seus clientes de colarinho-branco, dar-lhes palmadas ou chicotadas, açoitá-los, dominá-los e humilhá-los. Muitas destas práticas são suficientes para satisfazer as necessidades dos seus clientes, que também podem masturbar-se durante a sessão de submissão ou de sujeição sexual. E em Portugal? A nossa pesquisa mostrou claramente que as práticas de sexual bondage são muito frequentes entre os portugueses e que um número significativo de homens portugueses prefere o papel submisso-receptor, mesmo que não sejam homossexuais. Muitos desses homens ocupam efectivamente posições de relevo na sociedade portuguesa. Contudo, no que se refere aos homens homossexuais e bissexuais, convém frisar que um número significativo desses homens prefere o papel dominador na execução de actos muito hipermasculinos, tais como rimming, dildo, cookbinding, watersports, enema, fistfucking, scatologia e catheter. (Talvez mais tarde resolva partilhar mais dados.) J Francisco Saraiva de Sousa
domingo, 9 de dezembro de 2007
Ciúme, Género e 2D:4D Digit Ratio
Justin H. Park, Martijn B. Wieling, Abraham P. Buunk and Karlijn Massar (2007) estudaram a relação entre digit ratio e o ciúme romântico. Sabemos que as mulheres são mais ciumentas do que os homens e, neste estudo, os autores mostraram que os homens com padrões femininos de digit ratio são mais ciumentos do que os homens com padrões masculinos normais de digit ratio, o que mostra o papel (organizacional) desempenhado pela testosterona pré-natal na diferenciação sexual do cérebro. (Convém dizer que a diferenciação sexual do cérebro não está somente sob controle hormonal. Diversos estudos recentes mostram claramente a existência de um mecanismo genético que parece comandar a diferenciação celular muito antes da testosterona ser libertada pelos testículos fetais.) O abstract da sua pesquisa é este: «The ratio of index finger length to ring finger length (2D:4D) is an index of prenatal androgen exposure. In a study with 71 female and 52 male undergraduate students, we assessed the relationship between 2D:4D and jealousy with respect to various dimensions of rival characteristics. Following the presentation of a jealousy-evoking scenario, participants rated the extent to which they would feel jealous if the rival possessed various characteristics (some which have been found to be more jealousy evoking for men, others which have been found to be more jealousy evoking for women). Men with higher, more feminine 2D:4D reacted more jealously toward more socially dominant rivals. Women with lower, more masculine 2D:4D reacted more jealously toward more physically attractive rivals. These results show that the level of prenatal testosterone affects which rival characteristics elicit the highest level of jealousy, which are different for men and women». J Francisco Saraiva de Sousa
Internet Sex Addiction
Este post recolhe alguma informação colhida de um outro post já publicado no meu blogue «CyberPhilosophy», com algumas alterações, com o objectivo de clarificar as novas adições tecnológicas. (É evidente que os dados da nossa pesquisa foram substancialmente omitidos.) Os resultados da nossa cyberpesquisa mostraram que os frequentadores de "chat rooms" ou de sites pornográficos da Internet, estão, uns mais que outros, viciados, ou melhor, desenvolveram uma forte dependência sexual da Internet. Este conceito implica a sobreposição de duas dependências: a dependência sexual e a dependência da Internet, cuja relação é extremamente complexa, embora os nossos resultados de campo tenham revelado que aqueles indivíduos que já eram viciados em sexo começaram a recorrer aos serviços da Internet para alargar o seu espaço de conquista sexual. Portanto, a adição sexual era anterior à adição da Internet.
Com poucas excepções, provavelmente daqueles utentes mais novos já criados na era da Internet, a dependência sexual facilita e reforça a dependência sexual da Internet: quer dizer que os utentes com determinados tipos de perturbações de comportamento, tais como a compulsividade sexual e fraco auto-controle, estão logo à partida mais predispostos para a dependência sexual da Internet, embora a utilização e a frequência de canais seja, só por si, capaz de criar dependência, induzindo provavelmente o desenvolvimento de uma sindrome aditiva, talvez devido à depressão e outros factores associados.
As adições tecnológicas são adições não-químicas, portanto, comportamentais, que envolvem uma interacção excessiva entre homem e máquina. Podem ser passivas (televisão) ou activas ("computer games") e, geralmente, contêm características indutoras e reforçadoras que podem promover as tendências aditivas (Griffiths, 1995). Incluem também muitas componentes da adição, tais como "salience", "mood modification", "tolerance", "withdrawal", "conflict" e "relapse" (Griffiths, 1996). O comportamento de uso da Internet que obedeça a estes critérios pode ser operacionalmente definido como adição.
· A salience ocorre quando o Internet sex se torna a mais importante actividade na vida de uma pessoa e domina os seus pensamentos (preocupações e distorções cognitivas), sentimentos (craving) e comportamentos (deterioração do comportamento social).
· A modificação de humor refere-se às experiências subjectivas que as pessoas relatam como uma consequência do envolvimento em Internet sex e pode ser vista como uma coping strategy.
· A tolerância é o processo pelo qual quantidades crescentes de Internet sex são exigidas para atingir os efeitos de modificação de humor desejados.
· Os sintomas de withdrawal (abstinência) são os estados de sentimentos desagradáveis e/ou os efeitos físicos que ocorrem quando o Internet sex é descontínuo (interrompido) ou subitamente reduzido.
· O conflito refere-se aos conflitos entre o utente da Internet e aqueles que o rodeiam (conflito interpessoal), conflitos com outras actividades (emprego, vida social, hobbies e interesses) ou conflitos interiores (conflito intrapsíquico e/ou sentimento de perda de controle), os quais estão relacionados com o dispêndio de muito tempo no Internet sex.
· A reincidência ou recidiva é a tendência para repetir novamente padrões de Internet sex, após vários anos ou meses de abstinência ou controle, restaurando-os e provavelmente em doses excessivas.
Young (1999) considera que a Internet addiction pode ser melhor categorizada por cinco subtipos específicos:
· Adição cibersexual (cybersexual addiction), envolvendo tipicamente o uso compulsivo de websites adultos para cibersexo e ciberporn.
· Cyber-relationship addiction, envolvendo tipicamente o sobre-envolvimento em relações online. Esta adição parece ser mais frequente entre homens heterossexuais do que entre homens homossexuais e bissexuais, talvez porque estes últimos são sexualmente mais promíscuos do que os primeiros.
· Net compulsions, envolvendo tipicamente actividades obsessiva/compulsivas, tais como online gambling, shopping, day-trading, etc. Os jovens são mais propensos às compulsões do tipo "online gambling".
· Information overload, envolvendo tipicamente navegação compulsiva na web ou pesquisa de database.
· Computer addiction, envolvendo tipicamente obsessive computer game playing on games, tais como Doom, Myst, Solitaire, etc. Destas categorias de adição da Internet, apenas a adição cibersexual e a adição de relações online são adições sexuais. Existem efectivamente indivíduos que manifestam algum tipo de adição relacionada com o uso sexual da Internet, mas não são muito raros aqueles que perderam ou perdem o controle sobre os seus comportamentos, ficando perdidos e sozinhos num meio virtual. Estes casos, observados sobretudo em homens gay, heterossexuais e bissexuais, obedecem, pelo menos, a três critérios da adição: o uso sexual da Internet torna-se a actividade mais importante das suas vidas, não conseguem libertar-se das suas vidas on-line, o que os leva a despender mais tempo diante dos computadores, e entram em rota de colisão ou conflito com os seus amigos ou familiares, alguns dos quais prejudicam as suas carreiras profissionais. Os encontros sexuais passam a ser marcados via Internet e, frequentemente, tornam-se tão dependentes das novas tecnologias que começam a usar a Web-cam ou o telefone para fazer sexo com estranhos próximos ou distantes. É evidente que os portadores de HIV recorrem muito à Internet para arranjar novos parceiros sexuais: uns limitam-se ao cybersexo ou sexo via Web-cam ou via telefone, mas outros não se privam de marcar encontros sexuais offline, sem usarem o preservativo. J Francisco Saraiva de Sousa
sábado, 8 de dezembro de 2007
2D:4D Digit Ratio
Terrance J. Williams et al. (2000) examinaram 720 adultos que frequentavam as ruas públicas da área de San Francisco, que foram previamente interrogados sobre o seu género, idade, orientação sexual, handedness (preferência manual) e o número e o género de crianças que as suas mães tinham transportado antes deles. Assim, nas mulheres, o dedo indicador (2D) é quase do mesmo comprimento que o quarto dedo (4D), embora possa ser ligeiramente mais comprido ou mais curto, enquanto, nos homens, o dedo indicador é frequentemente mais curto que o quarto dedo (anelar). Conforme seria de esperar, os homens tinham significativamente dedos mais compridos do que as mulheres e confirmou-se a observação de que a ratio 2D:4D era maior nas mulheres do que nos homens. Além disso, esta diferença sexual na proporção 2D:4D é maior na mão direita do que na mão esquerda, o que parece sugerir que a mão direita é mais sensível aos androgénios fetais que a mão esquerda. A ratio 2D:4D da mão direita das mulheres homossexuais era significativamente menor e, portanto, mais masculina, do que a das mulheres heterossexuais e não diferia significativamente da dos homens heterossexuais ou homossexuais. Do mesmo modo que as emissões otoacústicas, estas ratios dos comprimentos dos dedos sugerem que, pelo menos, algumas mulheres homossexuais foram expostas a níveis mais elevados de androgénios fetais do que as mulheres heterossexuais, pelas menos aquelas que são manifestamente masculinizadas. Contudo, a ratio 2D:4D dos homens homossexuais não era significativamente diferente da dos homens heterossexuais no que se refere à mesma mão, mas variava em função do número de irmãos mais velhos. Com efeito, a ratio era significativamente mais masculina nos homens homossexuais que tinham irmãos mais velhos, sobretudo no que respeita à mão direita. Este resultado sugere que algumas características hiper-masculinas exibidas pelos homens homossexuais, provavelmente pela maioria deles, estão relacionadas com acontecimentos pré-natais, nomeadamente com elevados níveis de testosterona. Este facto parece excluir a ideia estabelecida de que todos homossexuais seriam indivíduos com «cérebros femininos» e, obviamente, tem o enorme mérito de fornecer uma explicação plausível para aqueles homens homossexuais, talvez os mais numerosos, que exibem características hiper-masculinas. A 2D:4D digit ratio é não somente um marcador dos níveis pré-natais de testosterona como também um indicador de saúde. J Francisco Saraiva de Sousa
Depressão e Internet Addiction
Diversos estudos mostraram a existência de um uso aditivo, portanto, patológico, da Internet, de resto associado significativamente com problemas sociais, psicológicos e ocupacionais.
Os netviciados usam a Internet, em média, 38 horas por semana, para fins não-académicos ou não-profissionais. Este uso compulsivo provoca efeitos negativos no desempenho académico dos estudantes, desavenças nos casais (as infidelidades on-line, por exemplo) e redução do desempenho profissional na população dos empregados.
Os indivíduos não-viciados usam a Internet, em média, 8 horas por semana, e não relatam efeitos negativos.
As capacidades interactivas da Internet que parecem ser mais aditivas (em termos comportamentais) são os "chat rooms" e os "on-line games", para já não falar da pornografia e de outros usos sexuais da Internet.
O alcoolismo e a toxicodependência estão geralmente associados a perturbações mentais, tais como a depressão. Ora, o uso compulsivo da Internet também foi associado à depressão, através da utilização do "Beck Depression Inventory", aliás ligado às terapias cognitivas da depressão, já referidas aqui noutro post. Young & Rodgers (1998) demonstraram que o uso patológico da Internet está fortemente associado à depressão. Contudo, a relação causal ainda não foi esclarecida. Os nossos dados parecem mostrar que níveis elevados de isolamento social conduzem ao dispêndio excessivo de tempo diante do computador, donde resulta um aumento da depressão, a qual poderá constituir um factor etiológico no desenvolvimento de qualquer "addictive syndrome". (Ver posts editados nos meus blogues CyberPhilosophy e CyberBiologia e CyberMedicina.)
J Francisco Saraiva de Sousa
Os netviciados usam a Internet, em média, 38 horas por semana, para fins não-académicos ou não-profissionais. Este uso compulsivo provoca efeitos negativos no desempenho académico dos estudantes, desavenças nos casais (as infidelidades on-line, por exemplo) e redução do desempenho profissional na população dos empregados.
Os indivíduos não-viciados usam a Internet, em média, 8 horas por semana, e não relatam efeitos negativos.
As capacidades interactivas da Internet que parecem ser mais aditivas (em termos comportamentais) são os "chat rooms" e os "on-line games", para já não falar da pornografia e de outros usos sexuais da Internet.
O alcoolismo e a toxicodependência estão geralmente associados a perturbações mentais, tais como a depressão. Ora, o uso compulsivo da Internet também foi associado à depressão, através da utilização do "Beck Depression Inventory", aliás ligado às terapias cognitivas da depressão, já referidas aqui noutro post. Young & Rodgers (1998) demonstraram que o uso patológico da Internet está fortemente associado à depressão. Contudo, a relação causal ainda não foi esclarecida. Os nossos dados parecem mostrar que níveis elevados de isolamento social conduzem ao dispêndio excessivo de tempo diante do computador, donde resulta um aumento da depressão, a qual poderá constituir um factor etiológico no desenvolvimento de qualquer "addictive syndrome". (Ver posts editados nos meus blogues CyberPhilosophy e CyberBiologia e CyberMedicina.)
J Francisco Saraiva de Sousa
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
Emissões Otoacústicas Espontâneas
McFadden & Pasanen (1999) descobriram diferenças entre homens e mulheres heterossexuais e homossexuais em relação a um traço sexualmente dimórfico. Quando se apresenta à cóclea do ouvido interno um som breve, ela responde com um som próprio, seguramente devido à contracção das células ciliadas externas. Além disso, a cóclea produz sons por sua própria conta, inclusivamente quando tudo está em silêncio: são as emissões otoacústicas espontâneas. Por alguma razão ainda desconhecida, a cóclea das mulheres deve produzir mais emissões deste tipo que a dos homens.
McFadden & Pasanen (1999) colocaram um pequeno microfone na orelha de homens e mulheres homossexuais, bissexuais e heterossexuais e mediram as suas emissões otoacústicas espontâneas. Descobriram a diferença que era suposta existir entre homens e mulheres. Contudo, as emissões das mulheres homossexuais e bissexuais eram menos frequentes que as das mulheres heterossexuais. Nos três grupos de homens não havia diferenças na frequência de emissões cocleares.
Esta descoberta de McFaddden & Pasanen (1999) é extraordinária por diversas razões: em primeiro lugar, revela uma diferença sexual entre homens e mulheres, mais um caso de dimorfismo sexual; em segundo lugar, revela uma diferença sexual entre mulheres em função da sua orientação sexual: as lésbicas e as mulheres bissexuais tendem a aproximar-se de um padrão masculino que não varia em função da orientação sexual dos homens; finalmente, mostra que as mulheres homossexuais e bissexuais têm valores aproximados: este traço não permite diferenciar estes dois tipos de mulheres. Ambos os grupos exibem um padrão masculinizado.
No caso masculino, as emissões otoacústicas espontâneas não têm nada a ver com a orientação sexual ou a actividade sexual. Contudo, o facto da orientação sexual de uma mulher ter um efeito sobre este traço sugere que pode haver diferenças biológicas entre mulheres que se sentem atraídas por outras mulheres e as mulheres que apenas se sentem atraídas por homens. Talvez a exposição de um feto em desenvolvimento a maiores quantidades de androgénios afecte a sua orientação sexual, tal como outros traços que não estejam relacionados com a sexualidade. Estudos de gémeos confirmam estes dados e alguns deles já foram tratados no meu blogue CyberBiologia e CyberMedicina. J Francisco Saraiva de Sousa
McFadden & Pasanen (1999) colocaram um pequeno microfone na orelha de homens e mulheres homossexuais, bissexuais e heterossexuais e mediram as suas emissões otoacústicas espontâneas. Descobriram a diferença que era suposta existir entre homens e mulheres. Contudo, as emissões das mulheres homossexuais e bissexuais eram menos frequentes que as das mulheres heterossexuais. Nos três grupos de homens não havia diferenças na frequência de emissões cocleares.
Esta descoberta de McFaddden & Pasanen (1999) é extraordinária por diversas razões: em primeiro lugar, revela uma diferença sexual entre homens e mulheres, mais um caso de dimorfismo sexual; em segundo lugar, revela uma diferença sexual entre mulheres em função da sua orientação sexual: as lésbicas e as mulheres bissexuais tendem a aproximar-se de um padrão masculino que não varia em função da orientação sexual dos homens; finalmente, mostra que as mulheres homossexuais e bissexuais têm valores aproximados: este traço não permite diferenciar estes dois tipos de mulheres. Ambos os grupos exibem um padrão masculinizado.
No caso masculino, as emissões otoacústicas espontâneas não têm nada a ver com a orientação sexual ou a actividade sexual. Contudo, o facto da orientação sexual de uma mulher ter um efeito sobre este traço sugere que pode haver diferenças biológicas entre mulheres que se sentem atraídas por outras mulheres e as mulheres que apenas se sentem atraídas por homens. Talvez a exposição de um feto em desenvolvimento a maiores quantidades de androgénios afecte a sua orientação sexual, tal como outros traços que não estejam relacionados com a sexualidade. Estudos de gémeos confirmam estes dados e alguns deles já foram tratados no meu blogue CyberBiologia e CyberMedicina. J Francisco Saraiva de Sousa
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
Depressão e Suicídio
Em Portugal, seis pessoas suicidam-se por dia e nós já chamámos a atenção para este fenómeno noutro post, Suicídio e Política, onde esboçámos brevemente uma política (negativa) do suicídio. Geralmente, quando se fala de suicídio, ele é quase sempre associado à depressão, como se a depressão fosse a única causa do suicídio! Contudo, convém ter presente que esta associação é muito mais complexa do que o senso comum pensa. Sem pretender analisar exaustivamente este problema, daremos algumas noções simples que permitem compreender melhor o suicídio numa perspectiva fisiológica. Actualmente, sabemos que as perturbações de humor envolvem mudanças de humor que variam da depressão profunda até à mania e estima-se que 8% da população sofrerá de uma perturbação de humor nalgum momento da vida. Estas perturbações estão divididas em dois grupos: as perturbações depressivas ou unipolares, nas quais a depressão é o principal sintoma, e as perturbações bipolares, nas quais a depressão alterna com a mania (períodos de excitação e actividade intensa). (Omitimos aqui a distinção entre perturbação distímica e perturbação ciclotímica: a primeira uma forma menos severa de perturbação depressiva, a segunda uma forma menos severa de perturbação bipolar.) Ora, estes dois grupos de perturbações de humor estão geralmente associados ao suicídio. (Para a obtenção de mais conhecimentos, convém consultar DSM-IV-R.) Levando em conta apenas os sintomas de humor, diremos que, durante os episódios maníacos, o humor predominante é a euforia, com o paciente empolgado, excessivamente feliz, emocionalmente expansivo e a «sonhar alto», e, durante os períodos depressivos, o paciente sente-se deprimido, melancólico, triste, sem esperança, desencorajado, e, frequentemente, sente-se isolado, rejeitado e não-amado. As explicações neurobiológicas do suicídio giram em torno do neurotransmissor serotonia. Os estudos revelaram que baixos níveis de serotonina estão associados ao suicídio. Um estudo clássico, realizado com pacientes deprimidos, verificou que apenas alguns dos pacientes apresentavam baixos níveis de serotonina. Mas foram precisamente estes indivíduos os mais propensos a ter tentado o suicídio (40% versus 15%). Além disso, também foram os mais propensos a usar meios violentos para tentar o suicídio. Ora, baixos níveis de serotonina podem causar depressão, o que pode levar a supor que a relação serotonina/suicídio é simplesmente mediada pela depressão, donde resulta esta relação causal: baixos níveis de serotonina produzem depressão e esta, por sua vez, leva ao suicídio. É provável que este mecanismo explique alguns casos de suicídio, mas não explica todos os casos, porque baixos níveis de serotonina e de norepinefrina (noradrenalina) produzem depressão, mas o suicídio é mais elevado entre os indivíduos com baixos níveis de serotonina. Além disso, quando os indivíduos recebem drogas que aumentam os níveis destes dois neurotransmissores, as drogas que aumentam os níveis de serotonina são mais eficazes a reduzir o suicídio do que as que aumentam os níveis de norepinefrina. Convém dizer que outros estudos mostraram que baixos níveis de serotonina conduzem tanto à depressão como à agressão. Os níveis normais de serotonina inibem as respostas agressivas ou punitivas, mas, quando estes níveis descem, a inibição é reduzida e, por isso, as respostas agressivas ou punitivas são exibidas. Estes dados permitem esclarecer o processo que liga a serotonina e o suicídio: um baixo nível de serotonina provoca um aumento de depressão e uma redução na inibição de respostas, de modo que, quando a depressão conduz a pensamentos de auto-destruição, não há inibição suficiente do comportamento auto-destrutivo e o indivíduo tenta o suicídio. Resta saber o que provoca os baixos níveis de serotonina. Existem duas explicações: uma afirma que o stress pode causar uma redução dos níveis de serotonina, o que é confirmado pelos estudos que mostraram que os indivíduos suicidas experimentam quatro vezes mais acontecimentos stressantes na vida do que os indivíduos não-suicidas; a outra explicação afirma que os níveis baixos de serotonina podem ser herdados, o que explica a relação genes/serotonina/depressão/suicídio em indivíduos que não foram expostos a stress. Diversos estudos genéticos de famílias, de gémeos e de adopções mostram o papel desempenhado pelos genes, de resto já bem confirmado por estudos moleculares. As taxas de suicídio aumentam com a idade, com a taxa mais elevada a ocorrer após os 65 anos, e este aumento é maior nos homens brancos. Contudo, suspeita-se que estas taxas continuam a aumentar, sobretudo entre pessoas jovens, como parece ser o caso português. Estas cifras subestimam a taxa verdadeira, porque muitos suicídios são encobertos. Os suicídios tendem a ocorrer mais na primavera ou no início do Verão e a segunda-feira tende a ser o dia de maior risco. Das diversas explicações do suicídio (psicodinâmicas, da aprendizagem, cognitivas), destacámos apenas as fisiológicas, as quais garantem tratamentos mais eficazes de combate ao suicídio. Muito ficou por dizer, em particular sobre as estruturas neurais, os tratamentos e a complexidade do suicídio, mas o que foi dito é suficiente para chamar a atenção para estes problemas (depressão e suicídio) cada vez mais frequentes entre os portugueses, como revelaram algumas estatísticas recentes. O poder político deve estar mais atento a estes fenómenos que também podem ser sobredeterminados por factores psicossociais, tais como desemprego, anomia, desajustamento social, baixa auto-estima e tantos outros. J Francisco Saraiva de Sousa
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
Montaigne e Eros Liberto
Lido por Descartes, Pascal ou mesmo por Kant, Michel de Montaigne ocupa um lugar fundamental na história das "cartografias do Self", junto de Platão, Santo Agostinho, Descartes, Locke e Rousseau. Com efeito, a sua obra «Os Ensaios», dedicados à descrição de si mesmo, inicia um outro tipo de individualismo moderno, o da auto-descoberta, que difere do cartesiano tanto no objectivo como no método. Montaigne procura identificar o indivíduo na sua diferença e desenvolve o seu pensamento por meio de uma crítica de auto-interpretações de primeira pessoa, ao passo que Descartes nos fornece uma ciência do sujeito na sua essência geral, utilizando as provas do raciocínio impessoal. Portanto, Montaigne parte à busca do Self para chegar à harmonia consigo mesmo, de modo a mostrar «aquilo que sou essencialmente» (identidade).
Este post vem a propósito de um diálogo que Aveugle.Papillon estabeleceu comigo no meu post Auto-Estima e Tamanho do Pénis. Com efeito, a pesquisa das dimensões do pénis ainda é, pelo menos em Portugal, um assunto tabu. Ora, no seu tempo (século XVI), Montaigne tratou desse assunto, de uma forma arrojada e muito actual, denunciando a hipocrisia do seu tempo e retomando a coragem dos autores clássicos, incluindo Platão, que falavam (e representavam) natural e abertamente do nudismo, do "acto genital" ou das "partes pudendas". Montaigne afirma mesmo que «cada uma das minhas partes me faz tão igualmente eu quanto qualquer outra. E nenhuma outra me faz mais propriamente homem do que essa (o pénis e seu tamanho)». Como argumento de base, lembra que «em quase todo o mundo, essa parte do nosso corpo era deificada». Por isso, para Montaigne, não faz sentido não ousar «falar dele sem vergonha» e excluí-lo das «conversas sérias e regradas». Porém, Montaigne vai mais longe na denúncia dessa hipocrisia: «Acaso não podemos dizer que, durante esta prisão terrestre, não há em nós nada puramente corporal nem puramente espiritual, e que injustamente dilaceramos um homem vivo; e que parece haver razão para que nos comportemos, com relação ao exercício do prazer, pelo menos tão favoravelmente quanto o fazemos para com a dor?» Com esta questão (retórica), Montaigne revela a sua concepção da condição humana e defende uma «filosofia das voluptuosidades corporais», injustamente denegridas pelas doutrinas que desprezam uma parte da natureza humana. E, fazendo-nos lembrar a obra de Marcuse, «Eros e Civilização», professa valorizar todos os prazeres, ampliando-os para além da sua dimensão sensual (relativa aos sentidos), com a participação da alma, de modo a levarmos uma vida conforme a condição humana. Fonte: Livro III d' Os Ensaios de Montaigne, V/Sobre Versos de Virgílio, mais conhecido por Do Amor. J Francisco Saraiva de Sousa
Este post vem a propósito de um diálogo que Aveugle.Papillon estabeleceu comigo no meu post Auto-Estima e Tamanho do Pénis. Com efeito, a pesquisa das dimensões do pénis ainda é, pelo menos em Portugal, um assunto tabu. Ora, no seu tempo (século XVI), Montaigne tratou desse assunto, de uma forma arrojada e muito actual, denunciando a hipocrisia do seu tempo e retomando a coragem dos autores clássicos, incluindo Platão, que falavam (e representavam) natural e abertamente do nudismo, do "acto genital" ou das "partes pudendas". Montaigne afirma mesmo que «cada uma das minhas partes me faz tão igualmente eu quanto qualquer outra. E nenhuma outra me faz mais propriamente homem do que essa (o pénis e seu tamanho)». Como argumento de base, lembra que «em quase todo o mundo, essa parte do nosso corpo era deificada». Por isso, para Montaigne, não faz sentido não ousar «falar dele sem vergonha» e excluí-lo das «conversas sérias e regradas». Porém, Montaigne vai mais longe na denúncia dessa hipocrisia: «Acaso não podemos dizer que, durante esta prisão terrestre, não há em nós nada puramente corporal nem puramente espiritual, e que injustamente dilaceramos um homem vivo; e que parece haver razão para que nos comportemos, com relação ao exercício do prazer, pelo menos tão favoravelmente quanto o fazemos para com a dor?» Com esta questão (retórica), Montaigne revela a sua concepção da condição humana e defende uma «filosofia das voluptuosidades corporais», injustamente denegridas pelas doutrinas que desprezam uma parte da natureza humana. E, fazendo-nos lembrar a obra de Marcuse, «Eros e Civilização», professa valorizar todos os prazeres, ampliando-os para além da sua dimensão sensual (relativa aos sentidos), com a participação da alma, de modo a levarmos uma vida conforme a condição humana. Fonte: Livro III d' Os Ensaios de Montaigne, V/Sobre Versos de Virgílio, mais conhecido por Do Amor. J Francisco Saraiva de Sousa
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Filosofia Clínica e Reconstrução da Identidade
No post anterior apresentei uma obra de K.J. Gergen e, neste post, quero desafiar os filósofos a profissionalizar a sua actividade, pelo menos em alguns sectores. Uma área de profissionalização é ou deveria ser em Portugal a Filosofia Clínica. Por isso, recomendo a leitura de outra obra de Sheila McNamee e Kenneth J. Gergen, «Therapy as Social Construction» (1995). Esta obra revela a riqueza de uma abordagem construtivista social do processo terapêutico, sobretudo no domínio da saúde mental, destacando a noção de vidas construídas socialmente, com fortes implicações nas nossas noções de eu, identidade e projecto de vida. Estas noções não são determinadas por um único "roteiro cultural", mas sobredeterminadas pelo contexto social e cultural do qual não podem ser dissociadas. Isto significa que a terapia construtivista social assenta num diálogo entre o terapeuta e o "cliente": estes trabalham juntos na co-criação de novas histórias de vida mais satisfatórias. Mas esta é apenas uma perspectiva da terapêutica, aliás muito circunscrita ao domínio das chamadas "doenças mentais", como se nas outras doenças não fosse igualmente necessário "cuidar da alma" dos pacientes. A Filosofia apresenta outras abordagens, nomeadamente a fenomenológica, e não precisa que outros (psiquiatras, psicólogos clínicos, assistentes sociais, etc.) as apliquem em seu lugar: A filosofia académica deve zelar pelo futuro dos seus membros (alunos). Para que os meus leitores não fiquem perplexos, darei alguns exemplos: A filosofia de Marx exerceu uma influência decisiva sobre o pensamento de Erich Fromm e de Wilhelm Reich, a filosofia dialéctica de G. LuKács permitiu a Joseph Gabel compreender melhor o mundo da loucura (a esquizofrenia), a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre foi assimilada pelo movimento da antipsiquiatria, liderado por R.D. Laing e D.G. Cooper, as terapias cognitivas (Aaron T. Beck) estão muito marcadas por determinadas tendências da filosofia da mente e pelo cognitivismo, a etnopsiquiatria (Devereux) ou a antropologia psicanalítica de Géza Róheim são profundamente marcadas pela filosofia, a psicologia de Karl Jaspers é já um clássico da psiquiatria, bem como a de William James, e até mesmo a filosofia existencial de Heidegger deu origem à analise existencial aplicada à psiquiatria por L. Binswanger ou às brilhantes análises de E. Minkowski, para referir apenas os casos mais evidentes dentre centenas deles que percorrem toda a história conjunta da medicina e da filosofia. O problema é que a filosofia ensinada nas Universidades portuguesas desconhece realmente a sua própria história e riqueza conceptual. J Francisco Saraiva de Sousa
sábado, 24 de novembro de 2007
Suicídio e Política
Temos muitas teorias do suicídio, sociológicas, psicológicas, psicanalíticas, antropológicas e neurobiológicas, e, actualmente, esta área do conhecimento tende a profissionalizar-se, como se o suicídio fosse mais um assunto de especialistas. Infelizmente, a guardiã do pensamento Ocidental, a Filosofia, tem sido omissa a este respeito e muito subserviente aos actuais poderes instituídos, fechando-se em si mesma como se não tivesse um exterior que aguarda ansiosamente a sua voz: a voz que diz a verdade.
Definir o suicídio tem sido visto como um problema, sobretudo desde que este assunto passou a ser considerado uma área profissional, reservada a meia dúzia de pessoas cuja única vocação é dificultar aquilo que é simples, de modo a garantir os seus empregos artificiais. A definição mais simples de suicídio apresenta-o como um autocídio intencional, embora se possa distinguir entre os suicidas verdadeiros e os falsos suicidas (Stengel & Cook, 1958). Daí que Stengel (1973) tenha definido o suicídio como «qualquer acto deliberado de dano cometido por uma pessoas contra si própria e no qual não pode estar certa de sobreviver». Quer sejam verdadeiros ou falsos suicidas, todas as pessoas que se auto-infligem danos arriscam a vida e, por isso, estão sujeitas a perdê-la.
Contudo, a obra de Émile Durkheim (1897), «O Suicídio». continua a ser a mais completa, abrangente e influente das teorias sociais sobre o suicídio, e, ao contrário do que se pensa, não é completamente incompatível com a perspectiva de Freud apresentada inicialmente em «Luto e Melancolia» (1917) e posteriormente em «Além do Princípio de Prazer» (1920). Durkheim defendeu que a consistência das taxas de suicídio é um facto social, explicado pelo grau em que os indivíduos são integrados e regulados pelas forças morais coercitivas da vida colectiva. Isto significa que o suicídio é função da desintegração das ligações sociais, quer se trate de agrupamentos religiosos e familiares, quer se trate do amorfismo e da anomia da sociedade contemporânea no seu conjunto. O suicídio egoísta e o suicídio altruísta resultam, respectivamente, da subintegração e da superintegração do indivíduo pela sociedade, enquanto o suicídio anómico é causado pela sub-regulação. Durkheim opõe o suicídio altruísta ao suicídio egoísta e ao suicídio anómico, porque dos três tipos é aquele que tem origem numa integração demasiado forte do indivíduo na colectividade, o que parece confirmar a sua explicação do suicídio em função da medida da integração social. A utilização de correlações entre o suicídio e várias taxas de associação externa, para demonstrar a validade dos seus conceitos fundamentais, permitiu a Durkheim mostrar que as populações católicas tinham taxas de suicídios inferiores às populações protestantes, porque a comunidade católica vincula o indivíduo mais rigorosamente à colectividade do que as comunidades protestantes. Para Durkheim, o egoísmo e a anomia crescentes estavam a causar as taxas de suicídio invariavelmente ascendentes das sociedades ocidentais. Daí que Durkheim, preocupado com a força crescente da anomia e do amorfismo nas sociedades ocidentais, tenha procurado novos meios práticos susceptíveis de reforçar a «solidariedade orgânica» em detrimento da «soledariedade mecânica» (por exemplo, um novo corporativismo).
É evidente que existem muitos outros factores que favorecem o suicídio, em particular a urbanização e o isolamento (Halbwachs, 1933; Sainsbury, 1955; Cavari, 1965), a falta de integração de status (Gibbs & Martin, 1964), a falta de restrição externa (Henry & Short, 1954; Maris, 1969), a limitação decorrente da cobertura dos mass media (Phillips & Carsyensen, 1988), desespero, hostilidade e baixa auto-estima (Neuringer, 1976), desemprego crescente, baixos níveis de um metabolito da serotonina e estados de profunda depressão (Brown et al. 1982) ou mesmo predisposição genética para o suicídio. Todos estes factores (sociais, psicológicos e biológicos) ajudam a compreender melhor o fenómeno do suicídio, mas são incapazes de fornecer uma política do sentido, tal como a abordámos neste outro post: Socialismo e Políticas do Sentido. Isto significa que precisamos olhar para a Filosofia, a única capaz de fornecer uma visão política do suicídio, esse acto a-político por excelência. A filosofia da liberdade de Hegel é uma filosofia da morte, que encara o suicídio como a «manifestação suprema da liberdade do homem», esse ser que é «morte violenta, ao mesmo tempo consciente de si e voluntária». Ora, dado a morte ser a condição necessária e suficiente da liberdade e da historicidade, da individualidade e da universalidade, num mundo perfeitamente corrupto como o nosso e sem futuro, a não ser continuar a constituir a «reserva de mão-de-obra barata» necessária ao sustento e à diversão de uns poucos corruptos e abusadores do poder, a morte voluntária constitui a única alternativa capaz de afirmar a recusa da ordem social estabelecida no seu conjunto. Assim, todos aqueles que procuraram a sua própria morte devem ser vistos como a encarnação da grande recusa: preferiram matar-se, em vez de viver uma vida pouco digna. De certo modo, realizaram o sentido da política: suicidaram-se para se livrarem da escravatura e da democracia cleptocrática que negam a maioria das pessoas uma vida digna e sem angústia. Este sentido político do suicídio é a negação da ordem estabelecida, que, doravante, pode ser avaliada pelas taxas de suicídio que provoca e desencadeia. Recordar os que morrem voluntariamente é manter viva a sua luta contra a ordem estabelecida. J Francisco Saraiva de Sousa
Definir o suicídio tem sido visto como um problema, sobretudo desde que este assunto passou a ser considerado uma área profissional, reservada a meia dúzia de pessoas cuja única vocação é dificultar aquilo que é simples, de modo a garantir os seus empregos artificiais. A definição mais simples de suicídio apresenta-o como um autocídio intencional, embora se possa distinguir entre os suicidas verdadeiros e os falsos suicidas (Stengel & Cook, 1958). Daí que Stengel (1973) tenha definido o suicídio como «qualquer acto deliberado de dano cometido por uma pessoas contra si própria e no qual não pode estar certa de sobreviver». Quer sejam verdadeiros ou falsos suicidas, todas as pessoas que se auto-infligem danos arriscam a vida e, por isso, estão sujeitas a perdê-la.
Contudo, a obra de Émile Durkheim (1897), «O Suicídio». continua a ser a mais completa, abrangente e influente das teorias sociais sobre o suicídio, e, ao contrário do que se pensa, não é completamente incompatível com a perspectiva de Freud apresentada inicialmente em «Luto e Melancolia» (1917) e posteriormente em «Além do Princípio de Prazer» (1920). Durkheim defendeu que a consistência das taxas de suicídio é um facto social, explicado pelo grau em que os indivíduos são integrados e regulados pelas forças morais coercitivas da vida colectiva. Isto significa que o suicídio é função da desintegração das ligações sociais, quer se trate de agrupamentos religiosos e familiares, quer se trate do amorfismo e da anomia da sociedade contemporânea no seu conjunto. O suicídio egoísta e o suicídio altruísta resultam, respectivamente, da subintegração e da superintegração do indivíduo pela sociedade, enquanto o suicídio anómico é causado pela sub-regulação. Durkheim opõe o suicídio altruísta ao suicídio egoísta e ao suicídio anómico, porque dos três tipos é aquele que tem origem numa integração demasiado forte do indivíduo na colectividade, o que parece confirmar a sua explicação do suicídio em função da medida da integração social. A utilização de correlações entre o suicídio e várias taxas de associação externa, para demonstrar a validade dos seus conceitos fundamentais, permitiu a Durkheim mostrar que as populações católicas tinham taxas de suicídios inferiores às populações protestantes, porque a comunidade católica vincula o indivíduo mais rigorosamente à colectividade do que as comunidades protestantes. Para Durkheim, o egoísmo e a anomia crescentes estavam a causar as taxas de suicídio invariavelmente ascendentes das sociedades ocidentais. Daí que Durkheim, preocupado com a força crescente da anomia e do amorfismo nas sociedades ocidentais, tenha procurado novos meios práticos susceptíveis de reforçar a «solidariedade orgânica» em detrimento da «soledariedade mecânica» (por exemplo, um novo corporativismo).
É evidente que existem muitos outros factores que favorecem o suicídio, em particular a urbanização e o isolamento (Halbwachs, 1933; Sainsbury, 1955; Cavari, 1965), a falta de integração de status (Gibbs & Martin, 1964), a falta de restrição externa (Henry & Short, 1954; Maris, 1969), a limitação decorrente da cobertura dos mass media (Phillips & Carsyensen, 1988), desespero, hostilidade e baixa auto-estima (Neuringer, 1976), desemprego crescente, baixos níveis de um metabolito da serotonina e estados de profunda depressão (Brown et al. 1982) ou mesmo predisposição genética para o suicídio. Todos estes factores (sociais, psicológicos e biológicos) ajudam a compreender melhor o fenómeno do suicídio, mas são incapazes de fornecer uma política do sentido, tal como a abordámos neste outro post: Socialismo e Políticas do Sentido. Isto significa que precisamos olhar para a Filosofia, a única capaz de fornecer uma visão política do suicídio, esse acto a-político por excelência. A filosofia da liberdade de Hegel é uma filosofia da morte, que encara o suicídio como a «manifestação suprema da liberdade do homem», esse ser que é «morte violenta, ao mesmo tempo consciente de si e voluntária». Ora, dado a morte ser a condição necessária e suficiente da liberdade e da historicidade, da individualidade e da universalidade, num mundo perfeitamente corrupto como o nosso e sem futuro, a não ser continuar a constituir a «reserva de mão-de-obra barata» necessária ao sustento e à diversão de uns poucos corruptos e abusadores do poder, a morte voluntária constitui a única alternativa capaz de afirmar a recusa da ordem social estabelecida no seu conjunto. Assim, todos aqueles que procuraram a sua própria morte devem ser vistos como a encarnação da grande recusa: preferiram matar-se, em vez de viver uma vida pouco digna. De certo modo, realizaram o sentido da política: suicidaram-se para se livrarem da escravatura e da democracia cleptocrática que negam a maioria das pessoas uma vida digna e sem angústia. Este sentido político do suicídio é a negação da ordem estabelecida, que, doravante, pode ser avaliada pelas taxas de suicídio que provoca e desencadeia. Recordar os que morrem voluntariamente é manter viva a sua luta contra a ordem estabelecida. J Francisco Saraiva de Sousa
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Xenofobia: Um Conceito Científico?
A noção de xenofobia não tem qualquer estatuto epistemológico. Apesar de ser usado frequentemente, o seu conceito ainda não foi elaborado e, por isso, é usado em diversos contextos, articulando-se quase sempre com o racismo e o nacionalismo. É curioso observar que tanto o CID-10 como o DSM-IV-R omitem esta fobia ou «aversão aos estrangeiros». Isto significa que este tipo de medo dos estrangeiros ainda não foi classificado como uma perturbação mental e, deste modo, não aparece classificada nessas obras entre as restantes fobias, ou, pelo menos, constitui uma reacção não considerada preocupante em termos de saúde mental.
As fobias são medos irracionais e persistentes de um objecto, actividade ou situação específica. Alguns destes medos carecem de justificação na realidade, outros são maiores do que seria justificável. As fobias foram classificadas em três grupos, em função do tipo de situação que provoca medo:
1. Agorafobia. O seu principal sintoma é o medo de estar em ambientes públicos, dos quais seria difícil de escapar, se o indivíduo se tornasse subitamente ansioso. É, portanto, um medo de ficar com medo, geralmente associado a um medo de ficar sozinho num espaço público, sem ter outra pessoa a quem recorrer. As pessoas que sofrem de agorafobia fazem tudo para evitar o contacto com grandes grupos de pessoas e, por isso, preferem ficar confinadas nas suas casas e sair muito pouco. A maioria dos pacientes com agorafobia é do sexo feminino e inicia-se geralmente no começo da vida adulta. 2. Fobia Social. A fobia social resulta também de uma evitação de grupos, mas, ao contrário da agorafobia, que se originava de um medo vago de perder o controle, a fobia social origina-se de um medo de ser criticado. A pessoa que sofre de fobia social tem um medo irracional de se comportar de forma constrangedora e, deste modo, ser criticada pelas outras pessoas presentes. Ela evita o contacto com pessoas para evitar a crítica. Aqui reside a sua fonte de ansiedade. As fobias sociais são igualmente comuns nos homens e na mulheres e tendem a iniciar-se na adolescência.
3. Fobia Específica. Uma fobia específica envolve um medo irracional em relação a um objecto ou situação diferente de multidões (agorafobia) e de crítica pessoal (fobia social). Surgem geralmente na infância ou muito cedo na vida adulta e, quando não tratadas, podem persistir. Alguns exemplos de fobias específicas são os seguintes: acrofobia (medo de lugares altos), algofobia (medo das dores), astrafobia (mede de tempestades), claustrofobia (medo de lugares pequenos), hematofobia (medo do sangue), monofobia (medo de ficar sozinho), misofobia (medo de contaminação), nictofobia (medo do escuro), oclofobia (medo de multidões), sifilofobia (medo da sífilis) e zoofobia (medo dos animais). Poderemos introduzir a homofobia ou a xenofobia no seio da categoria das fobias específicas? É certo que podemos tentar, elaborando uma proposta nesse sentido, recolhendo assinaturas de psiquiatras célebres e aguardando a resposta da comissão, mas, mesmo que o conseguíssemos - e eu divido seriamente disso -, seríamos confrontados com a tarefa de enquadrar estas duas fobias nos modelos biológicos das fobias que estão a ser estudados. Assim, por exemplo, em relação à homofobia, termo cunhado por Weinberg (1972), Herek (2000) propõe a sua substituição pelo conceito de prejuízo ou preconceito sexual, que define as atitudes negativas em relação a um indivíduo por causa da sua orientação sexual. Isto significa que um indivíduo homossexual é alvo da condenação social, não por causa do medo de estar com ele fechados num quarto sentido pelos outros, mas por causa de um preconceito sexual que discrimina todos aqueles cujos comportamentos não estejam em consonância com as normas heterosexistas. Deste modo, descarta-se o termo homofobia, até porque ele é ambíguo: levando em conta o grego ou o latim, a homofobia aparece com dois significados, um deles fala de «medo do homem», o outro, do «medo do mesmo». Não poderemos dizer o mesmo em relação à xenofobia? E defini-la como um preconceito contra o estrangeiro? Ora, independentemente da raça, um estrangeiro é sempre visto, como disse Georg Simmel, como um «estranho», visto como «um supranumerário num grupo onde todas as posições económicas estão já ocupadas» e, embora faça parte do grupo, vindo não se sabe donde, «ele é prática e teoricamente mais livre, examina as relações com menos preconceitos, os critérios que lhes aplica são mais gerais e mais objectivos; não está obrigado nos seus actos a respeitar a tradição, a piedade ou os precedentes». É, por isso, que é visto como um estranho, simultaneamente próximo, porque faz parte do grupo, e distante, por é muito mais livre e objectivo, dado não estar afectivamente ligado à tradição nativa. J Francisco Saraiva de Sousa
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Miséria de Espírito Reduzido
Um blogue denominado «Hípias Maior» reproduziu um texto meu Cérebro Masculino e Filosofia , editado no meu blogue «CyberPhilosophy», que republiquei no meu blogue «NeuroFilosofia», Neurofilosofia e Metafilosofia .
Esta reprodução é acompanhada pelo seguinte comentário: «Sr. Francisco, antes de mais, folgo em saber que o senhor é pago pela sua florescente virilidade. Infelizmente, não consegui sequer metabolizar todas as suas ejaculações, porque não estou habituada a tamanho esforço, mas publiquei algum do seu sémen, pois, quem sabe, passará algum ser masculino por aqui, e brindará, compassivo, consigo».
Geralmente, este tipo de comentário não merece ser processado e criticado, mas, para não me acusarem de ser pouco democrático, isto é, demasiado selectivo, resolvi referir o comentário, até porque ele é a testemunha viva daquilo que denuncio na sociedade metabólica e seu animal laborans: ausência de espírito crítico e de conhecimentos, tal como mostrei no post Eclipse do Pensamento Crítico e no post Modelos Críticos . A própria autora desse blogue reconhece que não conseguiu «metabolizar todas as (minhas) ejaculações», o que indica que vive uma vida metabolicamente reduzida, incapaz de transcender a sua dimensão animal. Onde devia ver conhecimento, vê uma potencial fonte de proteínas animais. Porquê? Porque, conforme diz, não está «habituada a tamanho esforço». Isto significa que nunca usou a cabeça para pensar e que, provavelmente, passou pela escola como quem passa por uma praça da alimentação. Mas aprendeu pelo menos a editar amostras de «sémen». Curiosamente, sem saber, acaba por acertar no alvo: a qualidade do sémen está associada a determinados marcadores físicos e corporais que podem ser usados, e já foram usados com resultados positivos, para testar a hipótese que apresentei no texto reproduzido. Mas, como a sua leitora parece ser uma mente metabolicamente reduzida, opinou sem conhecimento de causa. Sra XXY: Obrigado por publicitar o meu sémen, mas não preciso da sua ajuda redutora para o fazer. Sei publicitar o meu sémen, sempre que quero e com quem quero, dando a cara e o nome. Não sou mais uma molécula anónima, sem rosto, sem nome, sem projecto! Disso pode estar certa, Sra XXY! Apesar de tudo, até achei o seu comentário engraçado... Abraço XY versus XXY. (O endereço desse blogue é: http://hipias-maior.blogspot.com . Talvez apareça alguém cego para a consolar e ajudar a combater a sua depressão faminta de proteínas!) J Francisco Saraiva de Sousa
Esta reprodução é acompanhada pelo seguinte comentário: «Sr. Francisco, antes de mais, folgo em saber que o senhor é pago pela sua florescente virilidade. Infelizmente, não consegui sequer metabolizar todas as suas ejaculações, porque não estou habituada a tamanho esforço, mas publiquei algum do seu sémen, pois, quem sabe, passará algum ser masculino por aqui, e brindará, compassivo, consigo».
Geralmente, este tipo de comentário não merece ser processado e criticado, mas, para não me acusarem de ser pouco democrático, isto é, demasiado selectivo, resolvi referir o comentário, até porque ele é a testemunha viva daquilo que denuncio na sociedade metabólica e seu animal laborans: ausência de espírito crítico e de conhecimentos, tal como mostrei no post Eclipse do Pensamento Crítico e no post Modelos Críticos . A própria autora desse blogue reconhece que não conseguiu «metabolizar todas as (minhas) ejaculações», o que indica que vive uma vida metabolicamente reduzida, incapaz de transcender a sua dimensão animal. Onde devia ver conhecimento, vê uma potencial fonte de proteínas animais. Porquê? Porque, conforme diz, não está «habituada a tamanho esforço». Isto significa que nunca usou a cabeça para pensar e que, provavelmente, passou pela escola como quem passa por uma praça da alimentação. Mas aprendeu pelo menos a editar amostras de «sémen». Curiosamente, sem saber, acaba por acertar no alvo: a qualidade do sémen está associada a determinados marcadores físicos e corporais que podem ser usados, e já foram usados com resultados positivos, para testar a hipótese que apresentei no texto reproduzido. Mas, como a sua leitora parece ser uma mente metabolicamente reduzida, opinou sem conhecimento de causa. Sra XXY: Obrigado por publicitar o meu sémen, mas não preciso da sua ajuda redutora para o fazer. Sei publicitar o meu sémen, sempre que quero e com quem quero, dando a cara e o nome. Não sou mais uma molécula anónima, sem rosto, sem nome, sem projecto! Disso pode estar certa, Sra XXY! Apesar de tudo, até achei o seu comentário engraçado... Abraço XY versus XXY. (O endereço desse blogue é: http://hipias-maior.blogspot.com . Talvez apareça alguém cego para a consolar e ajudar a combater a sua depressão faminta de proteínas!) J Francisco Saraiva de Sousa
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Imaginação Pornográfica e Diferenças de Género
Kinsey et al. (1970) definem a pornografia como «a literatura ou desenho que tem a excitação erótica do leitor ou observador como objectivo deliberado e principal ou único» (p.699). Como esta definição é demasiado restritiva quanto ao meio, é melhor defini-la como representação do comportamento erótico em livros, imagens, filmes, etc., com a intenção de causar excitação sexual, ou simplesmente, como faz Stoller (1998), como «aquele produto manufacturado com a intenção de produzir excitação erótica» (p.27). No imaginário gay, a pornografia aplica-se a todos os textos, imagens, filmes e usos da Internet que servem só ou essencialmente para provocar estímulos sexuais e dar aso a fantasias sexuais. A pornografia tende a ser vista como «sexo profissional», sobretudo quando se trata da realização de um filme pornográfico ou da tomada de fotografias para publicação, visto que envolve transacções comerciais, mas na vida quotidiana dos homossexuais não é esse aspecto que interessa: o mais importante são as suas funções e usos. O campo lexical da pornografia compreende 19 lexemas e representa 2,85% do total dos lexemas que compõem a dimensão das Sexualidades Alternativas. Apreende-se facilmente que a pornografia diz respeito, pelo menos no imaginário gay português, a materiais sexualmente excitantes, tais como textos, imagens (fotografias) e filmes. Estes materiais são usados como «apologia da verga e da foda», «estimulação sexual» e «aprendizagem». O aspecto mais importante é o da estimulação sexual. Com efeito, o recurso a materiais pornográficos alimenta as fantasias sexuais, que possibilitam e tornam mais gratificantes a masturbação ou mesmo as relações sexuais entre casais ou pares ocasionais, mas, quando já não se passa sem eles, os seus utilizadores tornam-se viciados, ou melhor, «pornoadictos», deixando mesmo de ter uma vida sexual satisfatória. Eles recorrem ao material pornográfico não já para alimentar a sua vida sexual, mas simplesmente para o manipular e consumir rapidamente. É certo que cada um dos «materiais» poderia dar origem a campos cognitivos interessantes, mas, dado o estilo de vida quotidiano dos homossexuais, uma tal diferenciação não se justifica. Cabe verificar que os homens homossexuais tendem a usar e abusar de materiais pornográficos, tais como revistas, livros, colecções particulares de fotografias eróticas, filmes e, sobretudo mais recentemente, frequência de sites pornográficos da Internet. E, aquando da realização de uma reunião social ou festa ou da concretização de um encontro sexual em suas casas, é frequente assistirem a filmes pornográficos, com o objectivo de aumentar a excitação sexual. Os dados de Kinsey et al. (1970) mostraram que 48% das mulheres e 36% dos homens apresentam resposta erótica aos filmes sensuais, 60% das mulheres e 59% dos homens apresentam resposta erótica à leitura de literatura erótica, 14% das mulheres e 47% dos homens sentiram-se eroticamente estimulados ouvindo histórias eróticas e 32% das mulheres e 77% dos homens sentiram-se eroticamente estimulados com representações (fotografias, desenhos e filmes) do acto sexual. As mulheres parecem reagir eroticamente mais às histórias eróticas relatadas do que os homens (Gunther Schmidt et al., 1973). Porém, os homens parecem reagir eroticamente mais aos filmes eróticos do que as mulheres (Erick Janssen et al., 2003), porque, como mostraram J.D. Baldwin & J.I. Baldwin (1997), os homens são mais interessados no sexo do que as mulheres. Estas diferenças de género no que respeita ao papel da pornografia na excitação sexual revelam que a indústria pornográfica é uma indústria feita por homens para homens e, neste aspecto, os homens heterossexuais não diferenciam-se dos homens homossexuais e as mulheres heterossexuais, das lésbicas. De facto, as revistas lésbicas exibem pouco ou nenhum material sexual. Se levarmos em conta exclusivamente os filmes pornográficos gay, verificamos facilmente que, desde os anos 60 até hoje, o seu conteúdo revela a acentuação de características hipermasculinas, manifestas desde logo nos títulos. Os traços efeminados ou andróginos foram eliminados com o decorrer do tempo e até mesmo os actores são extremamente musculados e bem dotados, mesmo os que desempenham papéis sexuais passivos. Este último aspecto choca alguns efeminados, porquanto dificulta a sua identificação com esses actores, embora as características hipermasculinas dos activos os excitem sexualmente. Apesar das diferenças de gosto, os homens homossexuais, independentemente das preferências sexuais, enquadram-se perfeitamente no padrão masculino que partilham com os homens heterossexuais (Janssen et al., 2003, Karama et al., 2002) e as lésbicas também não se diferenciam muito das mulheres heterossexuais. Contudo, os homossexuais efeminados tendem a identificar-se mais com os actores que exibem os seus comportamentos sexuais e colocar-se no seu papel, de modo a desfrutar imaginariamente os actores activos, tal como fazem as mulheres heterossexuais (Janssen et al., 2003). Das sexualidades alternativas a mais referida é a prostituição masculina (1º), claramente um estilo de vida de determinados tipos de machos homossexuais, a que se segue o sadomasoquismo (2º), o exibicionismo, voyeurismo e fetichismo sexual (3º), a homossexualidade feminina (4º), a pederastia e pedofilia (5º), o travestismo, transgénero e transexualismo (6º), o sexo em grupo (7º), o oportunismo (8º), a urologia e escatologia (9º), a heterossexualidade (10º), a pornografia gay (11º), a bissexualidade (12º), a zoofilia (13º) e, finalmente, o sexo com velhos (14º). (Resumo muito esquemático de uma secção da minha tese de doutoramento em ciências biomédicas.) J Francisco Saraiva de Sousa
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