domingo, 30 de janeiro de 2011

Henri Pirenne e a Idade Média

«De todas as características desta admirável construção humana que foi o Império Romano, a mais surpreendente e também a mais essencial é o seu carácter mediterrânico. É ele que possibilita a unidade de todas as províncias, embora grego a oriente e latino a ocidente. O mar, o mare nostrum, em toda a extensão do termo, veicula as ideias, as religiões, as mercadorias. As províncias do Norte, a Bélgica, a Bretanha, a Germânia, a Récia, a Nórica, a Panónia, são apenas barreiras avançadas contra a barbárie. A vida concentra-se nas margens do grande lago.» (Henri Pirenne)

«As três partes que compõem (o Velho Mundo, o palco da história universal,) mantêm entre si uma relação essencial e formam uma totalidade. A sua característica marcante é que estão situadas à volta (do mar mediterrânico); por essa razão, dispõem de meio fácil de comunicação, porque rios e mares não devem ser considerados como factores de dispersão, mas de união. A Inglaterra e a Bretanha, a Noruega e a Dinamarca, a Suécia e a Livónia, eram unidas, pois então o que une estas três partes do mundo é o Mediterrâneo, o centro da história universal.» (Georg Wilhelm Friedrich Hegel)

A Idade Média - essa "longa e terrível noite" da história do Ocidente (Hegel) - seduziu-me desde os meus tempos precoces de estudante, e grande parte dessa sedução devo-a à leitura das obras de Henri Pirenne (1862-1935) e de Johan Huizinga. (Jacques Le Goff também me entusiasmou, mas em menor grau!) Lembro-me de ter confrontado - diante de um mapa histórico - a minha professora de História (7º ano?) a propósito da queda do Império Romano: o meu marxismo rudimentar levava-me a desconfiar da tese oficial segundo a qual as invasões bárbaras tinham ditado e selado o destino dessa admirável construção humana que foi o Império Romano. Atribuía na altura a sua queda às contradições internas do modo de produção esclavagista, ao mesmo tempo que salvaguardava a vitalidade do Império Romano a oriente - o Império Bizantino pelo qual nutria um especial carinho. Só mais tarde - já no secundário - reformulei e fundamentei a minha perspectiva quando estudava a passagem do feudalismo para o capitalismo: o estudo da obra de Maurice Dobb - A Evolução do Capitalismo - reconduziu-me directamente às obras de Henri Pirenne. Li-as com muita atenção e fiquei extremamente desiludido com os meus professores que arrogavam o direito de ensinar aquilo que não sabiam. A ignorância arrogante destes professores com orelhas de burro iluminou uma das minhas preocupações teóricas: articular o que conhecia da História da Europa - Pirenne escreveu uma História da Europa, bem como uma História da Bélgica - com a História de Portugal. Hoje descobri uma anotação marginal feita nas margens de uma das obras de Pirenne, onde alinhavo essa articulação indo mais além da perspectiva de Armando Castro: «Para Pirenne, o feudalismo estabeleceu-se na Europa com Carlos Magno, devido ao isolamento a que foi submetida pela invasão muçulmana, que a privou do mediterrâneo e do mar. Portugal enquadrava-se no domínio muçulmano, mais voltado para o comércio do que para a agricultura: enquanto na Europa se estabelecia a feudalidade, em Portugal dominava o modo de vida comercial. Só com o movimento de Reconquista no século XII é que as coisas começaram a alterar-se: uma feudalidade tardia começou a estabelecer-se, juntamente com características peculiares ao momento histórico. A Reconquista é um movimento conduzido pelo rei com o apoio da Igreja. Daí que nunca tenha havido descentralização do Estado, como sucedeu no Norte da Europa. No entanto, a vocação marítima que o português herdou do árabe nunca se apagou: as Descobertas são o seu despertar pleno. A Inquisição está associada a esse maldito centralismo português...». A ignorância dos meus professores confrontou-me com a questão do atraso histórico de Portugal, isto é, do seu desfasamento (temporal) da Europa: não só tinha dificuldade em redescobrir sinais evidentes do feudalismo de F. L. Ganshof e de Marc Bloch em Portugal, como também constatava o atraso do capitalismo português: E. A. Kosminsky revelou-me o espírito de suborno e de trapaça dos portugueses que, apesar das riquezas da Índia, não conseguiram acelerar o seu desenvolvimento económico capitalista. Interpretei a ignorância dos meus professores do secundário como a prova mais evidente do atraso histórico de Portugal, pensando que tudo isso mudaria com a minha entrada na Universidade. Porém, quando isso ocorreu, fiquei aterrorizado: os meus professores universitários foram - e muitos ainda o são - autênticas bestas que conversavam sobre coisas que não tinham aprendido. Hoje tenho mais "saudades" dos professores do secundário do que das bestas universitárias. Assumi então a minha condição de exilado numa terra de bestas vigaristas e malvadas, deixando de ter esperança no futuro de Portugal e confiando o estudo da sua fauna "humana" à zoologia. Enfim, quando olho para um português, não vejo um ser humano, mas sim um mero animal incapaz de pensar e de socializar de modo construtivo e saudável: os seus olhos sem expressão não revelam uma alma; revelam - isso sim - a total ausência de alma. A tese aristotélica - a tese que afirma que os olhos são as janelas da alma -, como qualquer outra tese teórica ou histórica, não se aplica aos portugueses: Portugal está geograficamente - espacialmente - na Europa, mas sem no entanto a acompanhar no tempo. No espaço da Europa, Portugal é um "estado de excepção" e são as causas desse estado - nomeio cinco: o centralismo, o poder excessivo da Igreja que sufocou qualquer tentativa de Reforma, a expulsão dos judeus, a corrupção endémica e a emotividade histérica adversária da racionalização capitalista - que devem ser investigadas se quisermos construir um futuro novo e resgatar integralmente o nosso passado. Hegel incluiu Portugal no palco da história universal, louvando o "espírito cavaleiro dos heróis marinheiros" portugueses por ter ampliado o descobrimento do mundo, mas esta exteriorização do espírito acabou por refluir, e o espírito universal deslocou-se para o centro e o norte da Europa, sendo hoje ameaçado pelas economias asiáticas emergentes.

Hipótese histórica de Henri Pirenne: Segundo Pirenne, a ruptura entre a história do Império Romano e a história da Idade Média ocorre com a invasão muçulmana, que, ao apoderar-se do Mediterrâneo, interrompeu as comunicações e as trocas entre o Oriente e o Ocidente, de tal forma que a cunhagem do ouro cessou também. O mundo antigo prolongou-se até ao século VIII e à irrupção do Islão no Ocidente: os Sarracenos fizeram do Mediterrâneo um mar hostil e o Ocidente ficou assim engarrafado e cortado do Oriente. As consequências desse engarrafamento foram as seguintes: a diminuição das trocas internas, a paralisação da vida urbana, e a rarificação da moeda de ouro até deixar de existir. Carlos Magno adoptou o padrão-prata e, deste modo, consagrou a ruptura com o Oriente. O seu império terreno era um mosaico de villae, cada uma delas vivendo fechada sobre si mesma, pelo que quase não havia necessidade de signos monetários. (:::)

Obras de Henri Pirenne e de Johan Huizinga em língua portuguesa:

Pirenne, Henri (1965). História Social e Económica da Idade Média. São Paulo: Mestre Jou.
Pirenne, Henri (1973). As Cidades da Idade Média. Mem Martins: Europa-América.
Pirenne, Henri (1970). Maomé e Carlos Magno. Lisboa: Dom Quixote.
Huizinga, Johan (s.d.). O Declínio da Idade Média. Porto: Ulisseia. (Prefiro o título da edição espanhola: O Outono da Idade Média.)
Huizinga, Johan (1980). Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva. (Esta não é uma obra sobre a Idade Média.)

(Em construção) J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Psiquiatria Dialéctica Revisitada

«A razão para termos denominado este campo de psiquiatria - o tratamento da alma - deriva de antigas ideias sobre a alma. A humanidade relutou sempre em contemplar a possibilidade de que a morte significa a nossa total decomposição e desaparecimento. Em vez disso, temos postulado a existência de uma alma ou espírito que invisivelmente habita o nosso corpo enquanto estamos vivos, e que depois da morte do nosso corpo ascende (sob circunstâncias favoráveis) a um lugar melhor. As noções sobre a alma estão, elas próprias, entrelaçadas com a noção de um self, que é visto como o conjunto de tudo o que caracteriza cada um de nós durante a nossa existência. Relacionado às antigas ideias religiosas e filosóficas sobre a alma está o conceito de uma mente, que actualmente definimos - de modo assaz neuro-reducionista - como o conjunto de todas as funções do cérebro.» (Michael H. Stone)

O quadro Angústia de David Alfaro Siqueiros permite-me revisitar alguns textos de psiquiatria editados neste blog: a angústia da mãe do artista exprime o sentimento universal de todos os oprimidos lançados num mundo cruel - um mundo que não os reconhece como seres humanos - que não escolheram. A angústia dos oprimidos é completamente distinta da angústia dos opressores: o que angustia os opressores é a morte; o que angustia os oprimidos é o mundo que lhes nega o reconhecimento e a dignidade da vida. Nos "Fragmentos do Diário de um Visionário", Karl Moritz (1787) pensou a autonomia da estética a partir desta questão crucial: Como podemos justificar um mundo em que a miséria é interminável, em que os homens dominam os homens, e em que o acaso do nascimento decide da pertença de cada novo ser aos opressores ou aos oprimidos? Ora, a resposta de Moritz é simplesmente sádica: A crueldade da história dos opressores justifica-se pelo "efeito agradável" que produz na imaginação do espectador alheio aos acontecimentos vividos pelas vítimas da opressão ou das catástrofes naturais, levando-o a pensar em coisas tão grandes e majestosas, como por exemplo a Guerra de Tróia, os Campos de Concentração nazis, o Cerco do Porto e o Terramoto de Lisboa. Por este motivo, para podermos observar sossegadamente os efeitos sublimes e catastróficos da história dos vencedores, vale a pena "ser infeliz": a autonomia da estética é assim concebida como um modo de justificar sadicamente a crueldade inerente à ordem social vigente: «Nós fizémos um mundo de destruição e observamos agora a nossa obra em histórias, dramas e poemas, com agrado» (Moritz). O acaso do nascimento decide a pertença de cada novo ser a um dos dois grupos - o dos opressores ou o dos oprimidos, lançando-os a todos num mundo que os angustia de modo diferente: aqueles que nasceram oprimidos angustiam-se com a insegurança do seu mundo, enquanto que aqueles que nasceram opressores temem a perda da segurança do seu mundo. Esta diferença social fundamental - a injustiça que está na base da história dos vencedores - ditada pelo acaso do nascimento e pelo sistema de propriedade não pode ser justificada e, muito menos, justificada em termos estéticos. Ao abraçar a atitude estética, Moritz nega a sua própria relação com o mundo da miséria a favor de uma contemplação desinteressada: fora do tempo, longe dos homens que sofrem a opressão e a violência, Moritz coloca-se em face da história dos vencedores como um puro olhar, igualando todas as situações que apreende na indiferença das suas diferenças. Porém, esta visão impessoal que pretende excluir qualquer preferência acaba por assumir um papel político no mundo onde estamos inseridos: a contemplação da destruição produz no seu agente um prazer sádico, mediante a sua identificação com os opressores e os carrascos. A contemplação desemboca assim em acção, que, no caso de Moritz, é acção encarnada e cristalizada em conduta resignada - embora excitante - perante o triunfo dos opressores. As relações concretas com o Outro são relações de conflito: Jean-Paul Sartre sacou o modelo originário dessas relações humanas do conflito metafísico entre o sadismo e o masoquismo. A teoria da alteridade de Sartre, fortemente influenciada pela dialéctica hegeliana do senhor e do escravo, afirma que as relações entre os homens estão inevitavelmente sujeitas a tensões mútuas, porque cada indivíduo, agindo para com os demais indivíduos como um Outro objectivado, rouba-lhes a sua liberdade: as relações entre os homens são formas de conflito metafísico, mediante as quais cada indivíduo tenta superar o outro roubando-lhe a sua liberdade ao objectivá-lo como uma coisa no mundo, ao mesmo tempo que o outro tenta defender a sua própria liberdade impedindo que seja objectivada. Deste modo, as únicas relações possíveis entre os homens são aquelas que tendem para o sadismo e as que se inclinam para o masoquismo, sendo impossível a união entre os homens. «Assim, segundo Sartre, não há dialéctica das minhas relações com o outro, mas círculo vicioso - embora cada tentativa (de roubar a liberdade do Outro) se enriqueça com o fracasso (e a morte) da outra». Apesar de distanciar-se muito do marxismo, sobretudo quando rejeita a noção aristotélica do homem como ser social por natureza, a teoria de Sartre permite ver que a atitude revolucionária de revolta não pode integrar-se no desenvolvimento harmonioso do mundo (Hegel): a revolta não deseja integrar-se no mundo dos opressores; a revolta deseja, em vez disso, explodir no coração desse mundo cruel e quebrar-lhe a continuidade. Foi por isso que Karl Marx definiu negativamente - e não positivamente - a atitude revolucionária do proletariado: os oprimidos não são mostrados como afirmação de si mesmos, mas sim como superação de si mesmos enquanto classe. A submissão masoquista dos oprimidos ao domínio sádico dos opressores deve-se ao facto da sua situação ter sido mistificada de tal modo que não lhes parece imposta pelos homens mas imediatamente dada pela natureza ou por qualquer outra potência - Deus, por exemplo - contra as quais a revolta não teria sentido. A missão da filosofia de Marx é fornecer aos oprimidos ignorantes o meio de transcender a sua situação de submissão pela revolta contra o sistema vigente: a liberdade dos opressores que nega a liberdade dos oprimidos - objectivando-os como se fossem coisas - deve ser negada pela revolta dos oprimidos contra os tiranos. O reconhecimento que liberta da angústia de pertencer ao mundo da morte em vida conquista-se suprimindo os opressores.

(Os oprimidos devem inverter os 10 mandamentos, revoltando-se contra esse "deus capitalista" que lhes diz para não matar os opressores que, no fundo, são os verdadeiros ladrões. Os oprimidos pela crise gerada pela gula dos opressores-ladrões de bolsa devem rejeitar a religião e os seus dois suplementos: a ideologia jurídica e a ideologia moral. Aceitar o direito e a moral é dizer Sim à opressão. Negar o direito e a moral é dizer Não à opressão. Os oprimidos só podem conquistar o reconhecimento se se revoltarem contra os opressores, travando uma luta de vida ou de morte com eles e tratando-os como coisas que devem ser eliminadas: a liberdade conquista-se matando os opressores, internos - as ideologias dominantes interiorizadas, e externos - os tiranos que se apropriaram ilicitamente da terra e dos seus bens. Agora escuta: o oprimido é o zé-ninguém. E pensa: o zé-ninguém, que se endivida para comprar casa e outras coisas, sem ter realmente dinheiro para as adquirir, é um palerma que se alienou de si mesmo e do mundo para alimentar a gula do capitalismo financeiro que o trata como coisa consumidora. Ó zé-ninguém!, ganha juízo e não penses ser aquilo que não és - uma pessoa importante. Saboreia o sangue dos opressores e verás que não precisas de ajuda médica e farmacológica - velhas receitas capitalistas! - para te livrares da depressão. Passas fome e sofres de outras privações materiais? Faz como os ricos e os poderosos: rouba! Humilham-te? Não fiques deprimido: mata aqueles que te humilham! Elimina da tua pobre cabeça a consciência moral que bloqueia o teu desenvolvimento: adora o Diabo! Faz tudo aquilo que os opressores querem que não faças, violando as suas proibições, e verás o que é ser verdadeiramente homem. Mas olha: eu sou o filósofo que, neste momento de ofuscamento e de aperto, nego a Filosofia para te libertar da opressão. Escuta-me e terás uma vida livre! Porém, depois de teres eliminado todos os opressores da terra, eu retomarei a Filosofia, porque já vislumbro o ressurgimento de novos opressores. Com esta provocação devidamente meditada, apenas pretendo chamar a atenção para a ambiguidade fundamental do homem: dado que o plano do inferno e da luta não pode ser definitivamente abolido, a liberdade nunca será dada, mas sempre a conquistar, devendo o futuro ser encarado como revolução permanente.)


J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Prós e Contras: O Dia Seguinte às Eleições

«A opressão divide o mundo em dois grupos: há aqueles que edificam a humanidade lançando-a além de si mesma, e os que são condenados a vegetar sem esperança apenas para manter a colectividade. A sua vida é pura repetição de gestos mecânicos, o seu lazer serve apenas para a recuperação das suas forças. O opressor nutre-se da sua transcendência e recusa-se a prolongá-la por um livre reconhecimento. Não resta ao oprimido senão uma solução: negar a harmonia dessa humanidade da qual se pretende excluí-lo, provar que é homem e que é livre revoltando-se contra os tiranos». (Simone de Beauvoir)

Prós e Contras reiniciou o Ano de 2011 com dois debates muito fracos que não acrescentaram mais-valia cognitiva à realidade portuguesa que se pretende conhecer e mudar: o debate anterior entre jornalistas (17 de Janeiro) discutiu banalidades, como se todos vivêssemos internados num hospício de alienados mentais, e o debate de hoje (24 de Janeiro) mostrou que não podemos mudar de rumo escutando as vozes oficiais do discurso economicista. Hoje em dia fala-se muito do discurso da verdade. Porém, este discurso da verdade esgota-se na sua mera enunciação, porque logo a seguir escutamos um enorme rol de meias-verdades, mentiras e falsidades. Chegou a hora de dizer a verdade: o problema de Portugal não é primordialmente económico, uma vez que o fraco desempenho da economia portuguesa - crescimento económico anémico - resulta da falta de imaginação produtiva das classes dominantes. Silva Peneda exigiu uma cultura de negociação e de compromisso. Negociar com quem?, o quê?, onde?, em que linguagem?, com que finalidade? Silva Peneda argumenta que o restabelecimento da confiança mútua entre portugueses - entenda-se: entre governantes e governados - depende da negociação de um consenso alargado, mediante o qual os governados mais débeis - os deserdados de Portugal - aceitam o seu próprio sacrifício em benefício da gula das classes luso-sorridentes que utilizam os recursos do Estado em proveito próprio. A Utopia - a perspectiva futura de um mundo melhor - é desalojada do seu lugar de honra a favor do conformismo: Silva Peneda e Fernando Ulrich temem de tal modo a conflitualidade que a negam em pensamento. O horror que os luso-privilegiados decadentes exprimem pela Utopia, sobretudo pela sua realização política, revela o lugar onde devemos procurar a origem matricial da crise estrutural e histórica de Portugal: na malvadez das suas classes dirigentes e das suas elites do poder, que recusam governar no interesse nacional e partilhar de modo justo e equilibrado os recursos nacionais. A aversão das elites nacionais do poder à Utopia demonstra claramente que elas não desejam operar a mudança social qualitativa de Portugal: a sua ideologia visa conservar e manter o sistema vigente que gera continuamente a corrupção que as enriquece. Duas situações serão suficientes para evidenciar o carácter cinzento e medíocre destas elites nacionais amigas da corruptela. Com excepção de André Freire, os outros participantes condenaram a campanha eleitoral pelo facto de ter sido mais uma campanha de casos do que uma campanha de temas (Manuel Caldeira Cabral): a "honorabilidade" dos homens cinzentos do sistema vigente não pode ser questionada, mesmo quando a evidência não abona a seu favor. Em Portugal, os corruptos não querem deixar de ser corruptos, e a despolitização (António Murta) é a arma que usam para não serem privados dessa rede de ouro de vasos comunicantes que os enriquece de um dia para o outro, em detrimento dos interesses do todo nacional. O discurso economicista dos vigaristas nacionais é claramente anti-político: em vez do conflito gerador da Grande Transformação, prefere a negociata em torno da mesa de um restaurante de luxo. O discurso de João Rodrigues contra a perspectiva de Fernando Ulrich - que elogiou a liderança alemã na condução do destino europeu - evidenciou uma clivagem geracional. Porém, Silva Peneda soube contornar esta clivagem quando afirmou demagogicamente que as novas gerações eram "muito competentes", mais outra mentira muito difundida: o "elogio" visa recrutar, submetendo-as ao regime vigente da negociata fraudulenta, as novas gerações, lembrando-lhes que, em Portugal, o que é recompensado não é o mérito mas a subserviência. De facto, quem queira conquistar facilmente um lugar ao sol - um emprego bem-remunerado - precisa ser bajulador e subserviente, fazendo o jogo dos opressores e dos vigaristas: as elites do poder não suportam a crítica, e quem ouse criticar a ordem estabelecida e a "honorabilidade" dos seus homens pardacentos - os "mouros" de António Murta! - é automaticamente excluído da partilha em circuito fechado da riqueza nacional. Os protagonistas do discurso economicista dizem que a economia nacional carece de competitividade, mas como pode haver competitividade num país em que as suas elites do poder bloqueiam a circulação das elites e a mobilidade social, vedando o acesso do mérito e da competência ao poder? A aversão à Utopia e a aversão à Mudança são uma só e mesma aversão: as luso-elites do poder - esse terrível aglomerado de calhaus dotados cada um deles de um par de olhos - sacrificam o destino nacional para conservar os seus próprios privilégios conquistados de modo fraudulento, corrupto e criminoso. A corrupção é um fenómeno transversal a toda a sociedade portuguesa: não há apenas uma economia informal mas duas economias clandestinas, embora ambas sejam filhas dessa corrupção universal. A causa primordial da desgraça de Portugal - o seu triste fado que as classes dirigentes converteram ao longo do tempo histórico em fatalidade letal - está identificada: a natureza corrompida, degenerescente e degradante da "raça portuguesa" que António Murta perspectivou como herança dos mouros! (Por isso, escolhi este quadro de David Alfaro Siqueiros: "Suicídio Colectivo", 1936.)

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Pensamento Conservador Revisitado

«Há duas grandes forças que continuamente labutam em toda a civilização, e até diríamos em toda a vida humana: a força da tradição, que se encarrega de fixar tudo o que o homem pode fazer e pensar por meio de regras que pretendem existir desde o tempo imemorial, ainda que na realidade sejam de origem muito recente e tenham sido introduzidas hoje ou um dia antes; e, de outro lado, as qualidades criadoras e inventivas do homem, a força da individualidade, a tendência a emancipar-se da tradição, a alterar e melhorar as condições de vida, a não ver o mundo como a tradição nos ensina a vê-lo, mas remodelando-o de acordo com as próprias necessidades pessoais e com a própria razão.» «Toda a grande civilização que realmente mereça este nome aspira a estabelecer um equilíbrio entre ambas as tendências. O mais elevado produto da cultura humana é a livre personalidade dotada de força criadora, o homem que sabe erguer-se firmemente sobre os seus pés, que não submete a sua razão ao jugo da tradição sem inquirir livremente as razões em que se baseia, nem procura destruí-la simplesmente porque se trata de uma tradição.» «Foi na Grécia onde primeiro se revelou a universalidade da vida e do pensamento humanos, da civilização humana, onde apareceu pela primeira vez a verdadeira ideia de homem. O pleno desenvolvimento do individualismo, e, com ele, a verdadeira liberdade do homem, em todos e cada um dos aspectos que englobamos sob este termo, no moral, no político, no intelectual e no artístico, criaram-se espontaneamente pela primeira vez na Grécia e somente na Grécia. Neste sentido, podemos afirmar que, por muitos e grandes que sejam os progressos logrados por ela em tempos posteriores, a nossa civilização (Ocidental), esta poderosa civilização que aspira a dominar todo o planeta, nasceu na Grécia e tem as suas firmes e perenes raízes naquele desenvolvimento maravilhoso e único a que serviram de cenário as costas do Mar Egeu entre os séculos VII e VI a.C.». (Eduard Meyer)

Hoje, sob o signo da Dor de Remedios Varo, proponho a revisitação de alguns textos, onde critico o pensamento conservador. As citações de Eduard Meyer - esse magnífico historiador do mundo antigo, discípulo do grande Theodor Mommsen - ajudam a clarificar a natureza absolutamente ideológica e tradicionalista - anti-modernista e anti-humanista - do pensamento conservador de cariz medieval, que, em vez de reclamar a herança humanista grega, vendo o homem como um ser com existência própria e distinto do resto do mundo, prefere encará-lo como um mero exemplar da espécie, que sente, pensa e actua guiado e dirigido sempre pela tradição teocrática - o carácter traditivo-dirigido de David Riesman que, na história do Ocidente, predominou no decorrer do longo período da Idade Média -, apesar da sua obra tender a alterá-la. Contra o excesso de regulamentação tradicionalista do pensamento conservador - visando o ajustamento milimétrico dos indivíduos rebeldes às condições de existência vigente, como se elas fossem no seu conjunto uma ordenação natural do mundo -, defendemos a utopia de uma vida não-regulamentada: uma sociedade constituída por indivíduos autónomos e introdirigidos. Eis os textos:


J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Oswald Spengler Revisitado

«Hoje vivemos entregues, sem resistência, à acção dessa artilharia espiritual (da Imprensa e da Comunicação Social), de maneira que poucos são os que podem manter a distância interior suficiente para perceberem com toda a clareza a monstruosidade inerente a esse espectáculo». (Oswald Spengler)

«Eis o final da Democracia. No mundo das verdades, a prova decide tudo. No mundo das realidades, por sua vez, quem decide é o êxito. Pelo Dinheiro, a Democracia anula-se a si própria, depois de o dinheiro ter anulado o espírito. O Cesarismo cresce no solo da Democracia, mas as suas raízes penetram profundamente nas camadas ínfimas do sangue e da tradição. Por mais energicamente que os poderosos do futuro - já que a grande forma política da cultura se desfez irremediavelmente - dominarem a terra como se esta fosse a sua propriedade particular, esse poderio informe, ilimitado, terá todavia uma missão a cumprir: a missão de cuidar sem descanso deste mundo. Tal cuidado é o contrário de todos os interesses na época da hegemonia do dinheiro e requer um senso de honra elevadíssimo, bem como a plena consciência do dever. Justamente por isso, porém, produz-se agora a luta final entre a Democracia e o Cesarismo, entre os poderes dominantes de uma plutocracia ditatorial e a vontade organizadora, puramente política, dos Césares». (Oswald Spengler)

«A Civilização caracteriza, portanto, uma fase de cultura na qual a tradição e a personalidade já perderam a sua ascendência imediata e qualquer ideia deve ser convertida, mentalmente, em dinheiro, para que seja possível realizá-la. O dinheiro aspira à mobilização de todas as coisas». «Como sede dessa concepção, a cidade converte-se em mercado de dinheiro e centro de valores. Uma torrente de valores monetários começa a invadir o fluxo dos bens, espiritualizando-o e dominando-o. Dessa forma, o negociante deixa de ser um órgão e torna-se senhor da vida económica. Pensar em termos de dinheiro é sempre, de um modo ou outro, pensar comercialmente, como negociante». «Também nesse ponto triunfa o dinheiro, pondo ao seu serviço os espíritos livres. Não há sátira mais cruel contra a liberdade de pensamento. Outrora não era lícito pensar livremente; agora temos tal direito, porém somos incapazes de exercê-lo. Pensa-se tão-somente o que se deve querer, precisamente isso afigura-se-nos hoje em dia como a nossa liberdade». (Oswald Spengler)

Em 1918-1922, Oswald Spengler (1880-1936) publicou a sua obra A Decadência do Ocidente, onde elabora a sua teoria cíclica das civilizações e das culturas, com o objectivo de atacar a ideia de progresso: «Em lugar da monótona imagem de uma História Universal rectilínea, deparo com o espectáculo de múltiplas culturas poderosas, a brotarem com cósmico vigor do seio de uma região maternal, à qual todas elas permanecem ligadas, rigorosamente, através de todo o curso da sua existência. Cada uma dessas culturas imprime à sua matéria, que é o espírito humano, a sua forma peculiar; cada uma delas tem as suas próprias ideias, as suas paixões, a sua vida, a sua vontade, o seu sentir, a sua morte próprias. Existem aí cores, luzes, movimentos, jamais descobertos por nenhuma contemplação espiritual. Há culturas, povos, línguas, verdades, deuses, regiões, alguns florescentes, e outros envelhecidos, como há carvalhos ou pinheiros, corolas, galhos e folhas que sejam novos e outros que sejam velhos. Porém, não há nenhuma "Humanidade" avelhantada. Cada cultura tem as suas próprias possibilidades de expressão, que se manifestam, amadurecem, definham e nunca mais ressuscitam» (Oswald Spengler). Para Spengler, a história é uma sucessão de unidades individuais e independentes, as culturas, que, apesar do seu carácter específico, partilham um mesmo ciclo vital, semelhante ao de um organismo: as culturas nascem, amadurecem e, quando o seu poder criador está exausto, entram em decadência e morrem sem dar origem a nada de novo. O isolamento das várias culturas é tão completo como aquele que existe entre as mónadas de Leibniz: o que Spengler rejeita não são os "contactos no tempo e no espaço" entre civilizações, aquilo a que Roger Bastide chamou mais tarde as interpenetrações de civilizações, mas sim os parentescos civilizacionais e, sobretudo, o multiculturalismo (Charles Taylor). A morfologia da história de Spengler foi severamente criticada pelos meus mestres, em especial por Lukács, Bloch e Adorno, que viram nela um "inimigo feroz" das teorias progressistas de Karl Marx: o que os meus mestres não suportam na filosofia da história de Spengler, não são tanto as suas análises histórico-culturais do ciclo vital da civilização faustiana, de resto brilhantes, mas sobretudo a base naturalista e positivista da sua morfologia da história e a sua metafísica da alma colectiva, que coloca Spengler na perigosa vizinhança das filosofias vitalistas de Nietzsche, Dilthey, Simmel e Bergson. Pensado como uma fatalidade histórica, um destino pré-traçado, o curso da história leva os homens a esquecer a ideia e a realidade da sua liberdade: a história concebida como uma equação ou um julgamento analítico exclui de antemão a possibilidade de um outro modo de ser diferente, porque a forma do prognóstico assumida pela filosofia da história de Spengler implica sempre-já a manipulação dos homens e a negação da sua própria espontaneidade. Ao converter a história numa segunda natureza, cega e fatal, Spengler opera, num só e mesmo movimento, a degradação do homem e a transfiguração da história real em história da alma, com o objectivo derradeiro de submeter totalmente à necessidade cega o elemento de revolta do homem - o elemento antitético - e a sua consciência. Deste modo, o seu idealismo absoluto - alma = dominação - coloca-se ao serviço de uma filosofia do poder e da identidade, que rejeita a luta dos homens pela construção de um mundo diferente e melhor. Ora, esta luta dos homens explorados e oprimidos pela libertação é uma luta contra as forças do destino e, portanto, contra a dominação: o conceito spengleriano de destino subordina o homem à sua própria dominação cega e, nesse sentido, reflecte a dominação exercida pelos homens vencedores. O prognóstico spengleriano do declínio da força do pensamento culmina fatalmente na interdição do pensamento que se legitima com o recurso ao carácter inexorável do curso da história. Porém, a sua tese da decadência do Ocidente é hoje uma realidade em andamento no nosso mundo global, o que nos obriga a articular de algum modo a tese spengleriana do declínio do Ocidente com uma nova tarefa de emancipação global: em vez de lhe opor a ressurreição da cultura que traz a morte como marca fatal, devemos opor-lhe a Grande Utopia que guarda a imagem azul daquilo que declina: o Ocidente. O protesto dos homens contra o horror da continuidade bárbara da pré-história (Marx) - a noção ideológica de destino vegetal que justifica a história dos vencedores - é a única esperança que nos resta de ver o destino e o poder vigente privados da última palavra.

A dialéctica marxista precisa de reelaborar urgentemente um novo conceito de História - e de historicidade - e articulá-lo com a ideia de progresso: Walter Benjamin, Theodor W. Adorno e Ernst Bloch - bem como o último Althusser que sondou a possibilidade de um materialismo aleatório à semelhança do de Lucrécio - foram os únicos filósofos marxistas que levaram a sério esta tarefa teórica. Oswald Spengler insistiu que a alma apolínea - a cultura grega - carecia de sentido da história ou de desenvolvimento; porém, tanto a sua teoria cíclica das civilizações, como a ideia de progresso contra a qual se ergue (Rodolfo Monfoldo), originam-se em certos autores da Grécia Antiga ou mesmo de Roma Antiga. Neste jogo dialéctico entre o linear e o cíclico (H. Lefebvre), há uma outra possibilidade real sofrida passivamente pela civilização minóica - a lenda da Atlântida exposta por Platão nos seus diálogos Timeu e Crítias e descartada precipitadamente como ficção por Aristóteles. F.M. Cornford, A.E. Taylor, W.W. Hyde e T.G. Rosenmeyer - que, sem conhecer a decadência, foi quebrada e suprimida no alto nível do seu desenvolvimento pela violenta erupção vulcânica que ocorreu na ilha de Tera na primeira metade do século XV a.C. (1500-1479): a civilização que tinha desfrutado de «paz dentro dos muros e de abundância nos palácios» deixou como vestígio a nostalgia grega de um passado de ouro (J.V. Luce). Aliás, o mito das idades de ouro e de prata que precederam as idades bélicas do bronze e do ferro mostra até que ponto os gregos antigos sabiam que tinha havido épocas de grande paz e de prosperidade no passado remoto. As civilizações que se seguem às civilizações desenvolvidas destruídas por catástrofes naturais e por tsunamis nem sempre conseguem atingir o nível de desenvolvimento das civilizações anteriores: a história das culturas testemunha muitos casos de fenómenos regressivos que desmentem o tempo linear e a ideia de aperfeiçoamento progressivo que o acompanha, levando os homens - não só alguns gregos mas também Walter Benjamin que encara as imagens dos antepassados oprimidos como a força capaz de incendiar e atiçar a alma revolucionária dos homens de hoje, levando-os a interromper a continuidade homogénea da história dos vencedores - a colocar a idade do ouro não no futuro distante mas no passado remoto, como se a história fosse um processo de degradação. Ao contrário de Spengler, Arnold Toynbee, que também apresentou uma abordagem cíclica e pluralista da história, admitiu que cada nova civilização dispunha de determinadas vantagens sobre a civilização anterior, advogando que o Ocidente poderia entrar numa nova fase de progresso espiritual se fosse capaz de libertar-se da adoração tecnológica. O naturalismo, que em Toynbee afecta apenas os princípios gerais, em Spengler parece penetrar todos os aspectos da sua abordagem da história. Porém, Spengler não aceitou com o desprendimento clássico o fatalismo inelutável do declínio do Ocidente. Quando define o seu conceito supremo de destino histórico, Spengler introduz a noção de um tempo histórico não-cíclico, virado para o futuro, instigando - à maneira de Nietzsche - os homens ocidentais a desejar e a amar, a fomentar e a cumprir, o seu destino civilizacional, e apelando aos Anos de Decisão (Jahre der Entscheidung, 1933) que hão-de vir, na sua crise histórica derradeira. O que interessa destacar aqui não é a proposta spengleriana de construção de um "socialismo prussiano", mas o seu pathos: a confusão entre o desejo de um futuro, ainda com possibilidades em aberto, e a aceitação resignada de um resultado concreto fatalmente letal, a oscilação entre o fado natural e o destino histórico. A frase tirada de Schiller com que conclui a sua obra - «a história do mundo é o tribunal do mundo» - assume em Spengler o carácter de um imperativo moral: «O optimismo é cobardia. Nascidos nesta época, temos de percorrer até ao fim, mesmo que violentamente, o caminho que nos está traçado. Não existe alternativa. O nosso dever é permanecermos, sem esperança, sem salvação, no posto já perdido, tal como o soldado romano cujo esqueleto foi encontrado diante de uma porta de Pompeia, morto por se terem esquecido, ao estalar a erupção vulcânica, de lhe ordenarem a retirada. Isso é nobreza, isso é ter raça. Esse honroso final é a única coisa de que o homem nunca poderá ser privado» (Oswald Spengler). Ora, na hipótese do futuro do Ocidente ainda conter possibilidades em aberto, esta luta corajosa contra as forças da decadência do Ocidente num mundo cada vez mais global obriga-nos a colocar um outro problema, sem no entanto o explicitar: o problema do herói na história (Sidney Hook). A Europa de hoje - privada de lideranças políticas fortes e de elites intelectuais masculinas e viris - precisa mais de homens-época do que de homens-momento e de homens-instrumento, isto é, de lideres políticos suficientemente fortes e capazes de influenciar os acontecimentos históricos e de escolher correctamente os interesses a incrementar e os interesses que devem ser suprimidos ou enfraquecidos.

Já publiquei neste blog alguns textos sobre o pensamento filosófico de Oswald Spengler, dos quais destaco três:

3. A Antropologia de Oswald Spengler. (Infelizmente, não cheguei a desenvolver a antropologia de Oswald Spengler ou mesmo a sua filosofia da técnica.)

J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Bancarrota da Educação em Portugal

Hoje, em vez de comentar o debate Prós e Contras - Escaparemos ao FMI? (17 de Janeiro), moderado por Fátima Campos Ferreira, prefiro partilhar publicamente o conteúdo de um e-mail: As "melhores frases" dos alunos do 12º Ano, retiradas dos Exames Nacionais de 2008-2009:

1. "O Convento dos Capuchos foi construído no céculo 16 mas só no céculo 17 foi levado definitivamente para o alto do monte".

2. "A História divide-se em 4: Antiga, Média, Momentânea e Futura, a mais estudada hoje".

3. "O metro é a décima milionésima parte de um quarto do meridiano terrestre e para o cálculo dar certo arredondaram a Terra!"

4. "Quando o olho vê, não sabe o que está a ver, então ele amanda uma foto eléctrica para o cérebro que lhe explica o que está a ver".

5. "O nosso sangue divide-se em glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e até verdes!"

6. "Nas olimpíadas a competição é tanta que só cinco atletas chegam entre os dez primeiros".

7. "O piloto que atravessa a barreira do som nem percebe, porque não ouve mais nada".

8. "O teste do carbono 14 permite-nos saber se antigamente alguém morreu".

9. "O pai de D. Pedro II era D. Pedro I, e de D. Pedro I era D. Pedro 0".

10. "Em 2020 a caixa de previdência já não tem dinheiro para pagar aos reformados, graças à quantidade de velhos que não querem morre".

11. "O verme conhecido como solitária é um molusco que mora no interior, mas que está muito sozinho".

12. "Na segunda guerra mundial toda a Europa foi vítima da barbie!"

13. "O hipopótamo comanda o sistema digestivo e o hipotálamo é um bicho muito perigoso".

14. "A Terra vira-se nela mesma, e esse difícil movimento chama-se arrotação".

15. "Lenini e Stalone eram grandes figuras do comunismo na Rússia".

16. "Uma tonelada pesa pelo menos 100Kg de chumbo".

17. "A fundação do Titanic serve para mostrar a agressividade dos ice-bergs".

18. "Para fazer uma divisão basta multiplicar subtraindo".

19. "A água tem uma cor inodora".

20. "O telescópio é um tubo que nos permite ver televisão de muito longe".

21. "O sul foi posto debaixo do norte por ser mais cómodo".

22. "Os rios podem escolher desembocar no mar ou na montanha".

23. "Os escravos dos romanos eram fabricados em África, mas não eram de boa qualidade".

24. "A baleia é um peixe mamífero encontrado em abundância nos nossos rios".

25. "Newton foi um grande ginecologista e obstetra europeu que regulamentou a lei da gravidez e estudou os ciclos de Ogino-Knaus".

26. "Ao princípio os índios eram muito atrasados mas com o tempo foram-se sifilizando".

27. "A Terra é um dos planetas mais conhecidos e habitados do mundo".

28. "A Latitude é um circo que passa por o Equador, dos zero aos 90º".

29. "Caudal de um rio, é quando um rio vai andando e deixa um bocadinho para trás!"

30. "Princípio de Arquimedes: qualquer corpo mergulhado na água, sai completamente molhado".

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Civilizações Pré-Colombianas Revisitadas

A imagem mostra a Pedra do Sol - o Calendário Asteca, que, para os actuais mexicanos, é muito mais do que um monumento: é um símbolo nacional. Foi descoberta em 1790 na Praça Maior e, durante muitos anos, esteve encostada à torre da Catedral, onde permaneceu até 1885, quando o general Porfirio Díaz, na altura Presidente do México, ordenou que fosse trasladada para o Museu Nacional na Rua de Moneda. Em 1964, foi colocada no Museu Nacional de Antropologia, onde ocupa um lugar de destaque e de grande visibilidade. A importância da Pedra do Sol reside no facto de simbolizar o cosmos asteca, sendo dedicada a Tonatiuh, Deus do Sol, cuja face está no centro. Em cada um dos lados da cara do Deus do Sol há garras que sustêm corações humanos, o alimento deste deus, intimamente ligado a Huitzilopochtli, o Deus da guerra. A cara e as garras estão cobertas com ornamentos de jade, a pedra preciosa dos deuses, e os painéis que a rodeiam representam as quatro criações prévias do mundo, cada uma das quais está rodeada pelos glifos dos 21 dias do calendário cerimonial. A criação e a destruição dos quatro mundos sucessivos baseiam-se no princípio asteca da dualidade, concebido na forma de uma luta eterna entre Quetzalcóatl, um deus basicamente benévolo, e Tezcatlipoca, o negro e todo-poderoso Senhor do Céu nocturno. A sua luta eterna causou a destruição e a criação dos quatro mundos ou sóis, que foram sucessivamente destruídos por jaguares - símbolos da terra -, pelo ar, pela chuva de fogo e pela água. Estes quatro elementos, simbolizados pelos seus deuses respectivos, estão representados nos quatro painéis que rodeiam a figura do Deus do Sol. Depois da destruição destes quatro mundos, os homens que os povoavam foram sucessivamente transformados em jaguares, macacos, pássaros e peixes. A Pedra do Sol está dedicada ao Quinto Sol, aquele que iluminava o mundo asteca: a configuração completa da parte central da Pedra do Sol está arranjada para formar o signo Quatro Movimentos, o glifo do dia em que um terramoto destruirá o Quinto Sol. A narrativa asteca dos mundos sucessivos e da sua destruição constitui a base do pensamento e da acção dos astecas. Segundo a "filosofia asteca", este mundo não era uma dádiva definitiva, porque estava condenado à destruição pelos deuses que eram entidades mais cruéis do que benévolas. A vida era - e é - um dom efémero, tanto para o indivíduo como para o universo inteiro: o Quinto Sol era uma concessão temporal que os próprios deuses destruiriam se não fossem alimentados abundantemente com vítimas humanas sacrificadas e o seu sangue. Criado pelo labor dos deuses, o mundo devia ser mantido pelos sacrifícios humanos. Neste mundo efémero, condenado desde logo à destruição e ao nada, a vida estava imbuída com o espírito de um dever a cumprir: os sacrifícios humanos eram executados não para evitar a destruição, mas para suster e conservar o Sol no céu, de modo a adiar a terrível hora da catástrofe final. O homem asteca vivia obcecado com a necessidade de aplacar a ira dos deuses, com a finalidade de alargar o lapso temporal e de distanciar o derradeiro dia da morte. As conquistas do Império asteca visavam capturar - sobretudo através das guerras floridas entre o Império asteca e as cidades de Huexotzingo e de Tlaxala - um número suficientemente grande de prisioneiros que seriam posteriormente sacrificados no altar da Grande Pirâmide de Tenochtitlán - e não só - para que os deuses continuassem a conservar o mundo: os astecas não ofereciam esses sacrifícios humanos aos deuses para conquistar uma vida melhor, mas simplesmente para sobreviver. O que impressiona na filosofia asteca é a sua concepção entrópica do universo: o tempo que aparece em cena na narrativa dos quatro mundos não é o tempo primordial ou ontológico do mito, mas um tempo histórico, submetido ao princípio do desgaste. O devir catastrófico do mundo está inscrito na sua própria geração: as forças colocadas em jogo na criação do mundo são precisamente as forças que levam todo o organismo à ruína. O mundo está condenado a morrer por causa do movimento, que, segundo os astecas, é entrópico. A degradação progressiva da energia cinética torna temporal a ordem cósmica estabelecida: o tempo desintegra-se, participando do desgaste cósmico que desagrega o movimento e devora a informação. Para os astecas, o fim da energia é o aniquilamento, o fim da economia - incluindo a economia sacrificial - é o gasto e a dissipação, e o sentido final da vida é a morte. É esta filosofia pessimista - o futuro não será melhor que o presente! - que descubro em acção em todas as civilizações pré-colombianas - e não apenas na civilização asteca - que me fascina desde sempre: o mundo do Quinto Sol - o nosso mundo - é transitório e efémero, e o destino de uma cidade ou de um império é lutar para cima e para a frente, num esforço vão para suster o sol no céu. Sobre estas civilizações pré-colombianas, já publiquei neste blog oito textos, cuja leitura recomendo:


J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 16 de janeiro de 2011

Ernst Bloch Revisitado

«O processo do mundo ainda não está decidido em nenhum lugar, nem tão-pouco está frustrado; e os homens podem ser na terra os guardiões do seu rumo ainda não decidido, quer para a salvação, quer para a perdição. O mundo permanece, na sua totalidade, como um fabril laboratorium possibilis salutis». (Ernst Bloch)

Já publiquei aqui - neste blog e no blog CyberPhilosophy - diversos estudos sobre a filosofia marxista de Ernst Bloch (1885-1977), dos quais destaco os seguintes:


Da sua vasta obra destaco os seguintes títulos: O Espírito da Utopia (1918-1923), Thomas Münzer como Teólogo da Revolução (1919), Pistas (1930), Herança desta Época (1935), O Princípio Esperança: Sonhos de uma vida melhor (1954-1959), Sujeito-Objecto: Comentários a Hegel (1947-1949), O Problema do Materialismo, a sua História e a sua Substância (1972), e Experimentum Mundi (1975), além das obras já referidas no post sobre A Actualidade do Marxismo. A Obra Completa de Ernst Bloch, em 16 volumes, foi publicada pela Editora Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1970. Em 1978, publicou-se um volume suplementar - Tendenz, Latenz, Utopie (Tendência, Latência, Utopia), e, em 1985, a sua correspondência - Briefe 1903-1975 (Cartas), em dois volumes. Thomas Münzer, Teólogo da Revolução e O Princípio Esperança são as únicas obras de Bloch traduzidas em língua portuguesa e publicadas pelas Editoras Tempo Brasileiro e Contraponto, respectivamente.

J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Desenredos: A Casa como Imago Mundi

«Entre os indígenas, nunca o lugar sagrado se apresenta isoladamente ao espírito. Ele faz parte de um complexo em que entram também as espécies vegetais ou animais que aí abundam em certas estações, os heróis míticos que aí viveram, vaguearam, criaram e frequentemente foram incorporados no solo, as cerimónias que aí se celebraram periodicamente e, enfim, as emoções suscitadas por este conjunto»”. (Lucien Lévy-Bruhl)

A Revista brasileira Desenredos - uma revista de Cultura e de Literatura -, dirigida por Wanderson Lima - autor deste blogue, publicou neste seu último número (Ano III, nº. 8, Janeiro/Fevereiro/Março 2011) o meu ensaio sobre Mircea Eliade, intitulado «Mircea Eliade: a Casa como Imago Mundi». Aproveito a ocasião para elogiar mais uma vez a revista Desenredos e aconselhar vivamente a sua leitura: o meu agradecimento inscreve-se nesta divulgação da revista brasileira Desenredos.

As obras de Mircea Eliade estão praticamente todas traduzidas em língua portuguesa. Eis aqui uma lista de algumas dessas obras:

Eliade, Mircea (s.d.). História das Ideias e Crenças Religiosas, 3 volumes. Porto: Rés.
Eliade, Mircea (s.d.). O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. Lisboa: Livros do Brasil.
Eliade, Mircea (1977). Tratado de História das Religiões. Lisboa: Cosmos.
Eliade, Mircea (2000). Patañjali e o Yoga. Lisboa: Relógio D'Água.
Eliade, Mircea (1989). Origens: História e Sentido na Religião. Lisboa: Edições 70.
Eliade, Mircea (1989). Mitos, Sonhos e Mistérios. Lisboa: Edições 70.
Eliade, Mircea (s.d.). Aspectos do Mito. Lisboa: Edições 70.
Eliade, Mircea (1988). O Mito do Eterno Retorno. Lisboa: Edições 70.
Eliade, Mircea (1991). Mefistófeles e o Andrógino. São Paulo: Martins Fontes.
Eliade, Mircea (1991). Imagens e Símbolos. São Paulo: Martins Fontes.
Eliade, Mircea (1986). El Chamanismo y las Técnicas Arcaicas del Éxtasis. México: Fondo de Cultura Económica. (Há tradução portuguesa: Martins Fontes.)
Eliade, Mircea (1991). El Yoga: Inmortalidad y Libertad. México: Fondo de Cultura Económica.

E mais duas obras fundamentais de sociologia da religião, além das obras clássicas de Max Weber (Ensaios sobre Sociologia da Religião, 3 volumes) e de Émile Durkheim (As Formas Elementares da Vida Religiosa), quatro obras de antropologia da religião, e, finalmente, a obra clássica de fenomenologia da religião:

Luckmann, Thomas (1967). The Invisible Religion: The Problem of Religion in Modern Society. New York: Macmillan.
Berger, Peter L. (1967). The Sacred Canopy: Elements of a Sociological Theory of Religion. Garden City, NY: Doubleday.
Lowie, Robert H. (1952). Primitive Religion. New Jersey: Liveright Publishing.
Lienhardt, Godfrey (1985). Divinidad y Experiencia: La religión de los Dinkas. Madrid: Akal.
Evans-Pritchard, E.E. (1980). La Religión Nuer. Madrid: Taurus.
Evans-Pritchard, E.E. (1937). Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande. London: Oxford University Press.
Van Der Leeuw, G. (1970). La Religion dans son Essence et ses Manifestations. Paris: Payot.

J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Actualidade do Marxismo

«A intropatia com o vencedor beneficia sempre, por consequência, aqueles que dominam. Para quem professa o materialismo histórico, isto é suficiente. Todos aqueles que até agora conseguiram a vitória participam desse cortejo triunfal em que os senhores de hoje marcham sobre os corpos dos vencidos de hoje. A este cortejo triunfal pertencem também os despojos como sempre foi uso. Esses despojos são aquilo que se define como os bens culturais. Quem quer que professe o materialismo histórico só pode encará-los com um olhar muito distanciado. Porque como não estremecer de terror quando se pensa na sua origem? Eles não nasceram apenas do esforço dos grandes génios que os criaram, mas ao mesmo tempo da anónima corveia imposta aos contemporâneos desses génios. Não há nenhum documento da cultura que não seja também documento de barbárie. E é a mesma barbárie que os impregna, que impregna também os processos da sua transmissão. É por isso que, tanto quanto lhe é possível, o teórico do materialismo histórico se afasta deles. A sua tarefa é como ele acredita escovar a História a contrapelo». (Walter Benjamin)

«É apenas por causa dos que não têm esperança que a esperança nos é dada». (Walter Benjamin)

A Filosofia é, nesta hora de desemprego e de corrupção, de sofrimento e de injustiça radical, de fome e de miséria, de indignação e de revolta, luta de classes na teoria (Althusser), e a filosofia de Marx é mais uma vez chamada a dar voz às vítimas do capitalismo financeiro global. Uso intencionalmente, e de modo provocante, este conceito de luta de classes na teoria para quebrar o feitiço do consenso, exigido e imposto pelo pensamento único - a ideologia de mercado (Paul Ricoeur) - e pelo espantalho do «politicamente correcto». A filosofia de Marx não é uma filosofia do consenso, pelo menos de um consenso que garanta, em prejuízo dos explorados e dos oprimidos, dos humilhados e dos ofendidos, a marcha triunfal dos vencedores: as classes dominantes não suportam a teoria de Marx pelo facto dela desejar romper e interromper a continuidade da história, isto é, a continuidade da exploração do homem pelo homem e da opressão. Porém, esta tarefa política que visa o resgate integral do sofrimento e a restituição integral da história esbarra contra a questão colocada por Espinosa: Quando colocados perante a escolha entre a liberdade e a escravatura, os homens optam preferencialmente pela escravatura. O marxismo ocidental perdeu muito tempo a explicar esta preferência dos homens pela escravatura, isto é, o adiamento da eclosão da revolução social no mundo capitalista desenvolvido, quando na verdade devia ter ocupado esse tempo a renovar a teoria de Marx, reformulando substancialmente a sua antropologia fundamental, a única capaz de dar uma resposta satisfatória ao desafio de Espinosa. A confiança depositada no proletariado como agente social de transformação radical foi efectivamente uma grande decepção: a luta das classes trabalhadoras inscreve-se espontânea e preferencialmente no nível económico, tomando a forma de uma luta colectiva dos operários contra os patrões, a fim de conseguir condições vantajosas de venda da sua força de trabalho, para melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. O sindicalismo - a luta profissional da classe operária - é o maior inimigo não só da teoria marxista (Lenine) mas também da grande política: a melhoria das condições de vida, resultante desse processo profissional de negociações, impede que a luta das classes trabalhadoras se converta numa luta política que visa conquistar o poder do Estado e, deste modo, operar uma mudança radical de paradigmas. A luta económica dos sindicatos dos trabalhadores e as lideranças reformistas dos partidos social-democratas ou socialistas levaram o marxismo ocidental a explicar a ordem social, isto é, a persistência do consenso social no capitalismo. Porém, a explicação da ordem social não era estranha ao próprio Marx que, discutindo a eleição de 1868, que concedeu, pela primeira vez, o direito de voto aos trabalhadores urbanos, escreveu: «O proletariado desacreditou-se terrivelmente mais uma vez... Em toda a parte, o proletariado é a ralé dos partidos políticos oficiais, e, se qualquer partido ganhou força proveniente dos novos eleitores, foi o Partido Conservador». Para Marx, a ordem social é o modo "normal" da sociedade capitalista, porque o crescimento da produção capitalista desenvolve uma classe trabalhadora que, «por educação, tradição, hábito, considera as condições desse modo de produção como leis evidentes da natureza» (Marx), e o conflito aberto de classes que leva à guerra civil, o seu modo "anormal". A sujeição económica conduz sem atrito à sujeição ideológica e política do trabalhador assalariado ao capitalista: o facto de, no modo de produção capitalista, o nível económico ter, para além do papel de determinação em última instância, o papel dominante, ajuda a compreender a sujeição total do operário ao capitalista. Dado estar completamente despojado dos meios de produção e da terra, o operário não precisa de «razões extra-económicas» para vender "livremente" ao capitalista a sua força de trabalho: a exploração verifica-se pela simples introdução do trabalhador no processo de produção, por meio do contrato de trabalho, e faz-se pela extracção indirecta do sobretrabalho, sob a sua forma puramente mercantil de apropriação da mais-valia. Marx analisou a génese deste pecado original do capitalismo no célebre capítulo d'O Capital dedicado à acumulação primitiva do capital, mas podemos descobrir algo similar no ataque que Thomas Münzer dirige à ligação do conceito de autoridade de Lutero com um determinado sistema de propriedade: os príncipes tomam todas as coisas e todas as criaturas como sua propriedade, espoliando os outros dos bens da Terra, ao mesmo tempo que condenam o roubo com recurso ao mandamento cristão. Porém, o mandamento "não deves roubar" vale apenas para o povo e não para os senhores que expropriaram o povo dos bens da Terra: Lutero coisifica a autoridade terrena de modo a fazer da violação da autoridade, da revolta (sublevação) e da desobediência «pecados maiores que o assassinato, a não-castidade, o roubo, o engodo e tudo o mais que possa ser concebido neste sentido» (Lutero). A revolta é assim vista como o «foco infeccioso de todos os vícios»: as relações de propriedade e de poder terrenas transformam-se em fundamentação de direito da não-liberdade real que chega a envolver a entrega total dos cristãos aos infiéis, em nome da conservação das relações de propriedade. Vemos aqui em acção o conceito de hegemonia (Gramsci): para exercer uma liderança efectiva, a burguesia não recorre apenas à força física para garantir a sua dominação, mas também e sobretudo procura criar, através dos estratos sociais subordinados, uma hegemonia cultural, moral e política. Cabe à teoria marxista - aos seus intelectuais orgânicos - quebrar esta hegemonia que a burguesia exerce sobre os operários, de modo a operar o seu despertar histórico, através da relação dialéctica entre ideologia, alienação, coisificação e liderança política. Não adianta ridicularizar o proletariado que "recusou" a sua "tarefa histórica", como fez George Orwell aquando do terrível período de desemprego da década de 1930: para o trabalhador comum «socialismo não significa muito mais do que melhores salários e menos horas de trabalho, e ninguém para mandar "em nós"» (Orwell). É muito difícil abraçar a filosofia marxista numa sociedade fetichista que idolatra a riqueza e o poder do dinheiro, não só por causa das razões já aduzidas, todas elas ligadas ao problema da ordem social, mas também por causa do «homem pobre envergonhar-se da sua pobreza» (Adam Smith). No campo da luta de classes na teoria, o filósofo marxista toma partido pela causa dos explorados e dos oprimidos, dos humilhados e dos ofendidos, sabendo de antemão que a atenção pública se concentra exclusivamente sobre a exibição da riqueza, desprezando a pobreza que o próprio capitalismo gera. Com este recurso a Adam Smith, cuja noção da partilha humana das paixões dos ricos e dos poderosos fundamenta a sua teoria da ordem da sociedade, pretendo chamar a atenção para uma lacuna do marxismo: a ausência de uma antropologia que ouse introduzir no seu seio o problema da morte. (O que me seduz não é tanto a ideia de que a morte liquida a distinção social, igualando finalmente ricos e pobres, poderosos e mendigos, mas sobretudo esta frase de Adam Smith lida à luz da sua ética e da antropologia polidamente "cínica" de David Hume: «E daí - do facto de sermos desgraçados enquanto vivermos, sabendo que iremos morrer - nasce um dos mais importantes princípios da natureza humana, o terror da morte - grande veneno da felicidade, mas grande freio da injustiça humana; que, se de um lado aflige e mortifica o indivíduo, guarda e protege a sociedade».)

1989: O fim da Guerra Fria decretou, pelo menos assim pensaram os neoliberais, os conservadores e os socialistas aburguesados e malditos, a morte de todos os pensamentos filosóficos que se filiavam a Marx. No mundo «unificado» e global, dominado pela cartilha neoliberal, o capitalismo fez do seu triunfo efémero uma conquista eterna: o "comunismo" e o pensamento filiado a Marx tornaram-se objecto de condenação universal. O pensamento neoliberal posterior à Queda do Muro de Berlim procurou associar - e com algum sucesso - o destino do marxismo ao colapso da URSS, como se este último acontecimento histórico refutasse a teoria de Marx. No calor do momento, Francis Fukuyama retoma, pela via de Alexandre Kojève, o discurso hegeliano do fim da história para louvar o triunfo da democracia liberal à escala global, mas nem todos os neoliberais, pelo menos os anteriores ao fim da Guerra Fria, concordam com esta perspectiva liberal-totalitária. Em 1936, Walter Lippmann já sabia que «a "experiência russa" não é uma demonstração de como poderia ser administrada a ordem socialista»: o colapso da "experiência russa" não desmente o marxismo. O fatídico acontecimento de 11 de Setembro de 2001 introduziu inquietação no pensamento de Fukuyama, fazendo-o mudar de rumo e alimentando o cenário do conflito entre civilizações (Samuel P. Huntington), mas o que o desmente é a crise financeira de 2008: a ideia kantiana de história universal - a história realizada e escrita de um ponto de vista cosmopolita - não pode ser protagonizada pelo neoliberalismo e pelos USA. A crise financeira constitui o acontecimento histórico decisivo que nos obriga a reescrever a história do passado recente do mundo ocidental de um ponto de vista totalmente novo, não já à luz dos quadros ideológicos do neoliberalismo, mas à luz da esperança militante do seu arqui-inimigo: o marxismo. A história é, a cada momento, a memória colectiva do género humano, e a memória não é, como demonstrou Maurice Halbwachs, uma operação passiva, um mero aparecimento espontâneo de imagens, mas reconstituição (reconstrução) que classifica as imagens do passado segundo noções e esquemas que resultam da vida de toda a sociedade: o neoliberalismo escreveu a história recente - depreciando-a - segundo as suas próprias noções ideológicas, com o objectivo de facilitar a função de identificação do indivíduo com o grupo (colectivismo neoliberal em acção!), exercida pelas lembranças colectivas reconstituídas pela própria ideologia neoliberal. «São os indivíduos que se lembram», é certo, mas as memórias individuais apoiam-se na memória colectiva: os indivíduos lembram-se graças aos quadros sociais da memória e, até mesmo para evocar episódios do seu próprio passado, precisam apelar para as recordações alheias, reportando-se a marcos que existem fora deles e que são fixados pela ideologia dominante da sociedade em que vivem. Embora não tenha apreendido a função de identificação, talvez porque desconhecesse a noção freudiana de identificação da vítima com o opressor, Halbwachs sublinhou o seu carácter normativo: cada uma das lembranças colectivas é, para o grupo ou a colectividade, um modelo exemplar que dá uma substância concreta aos julgamentos e aos conceitos abstractos que prevalecem na sociedade e que implica uma lição. A história é uma narrativa das coisas dignas de memória, e, nesse sentido, é uma escolha. Os neoliberais fizeram a sua própria escolha, o acontecimento da Queda do Muro de Berlim, em torno do qual elaboraram a sua narrativa histórica: «A maior surpresa do passado recente foi o colapso absolutamente inesperado do comunismo em grande parte do mundo nos finais dos anos 80» (Fukuyama), o qual levou ao estabelecimento de democracias liberais prósperas e estáveis (sic) e ao triunfo absoluto da economia de mercado. Doravante, assim pensaram os neoliberais a-históricos até Agosto de 2007, quando os bancos tiveram de intervir de modo a produzir liquidez para o sistema bancário para evitar a sua estagnação ou mesmo a sua falência, devido à eclosão da bolha do crédito hipotecário de alto risco, não há qualquer razão para ser pessimista quanto ao progresso na história: o optimismo neoliberal - o de Karl Popper, claro! - assenta na crença de que os mercados, incluindo os mercados financeiros, tendem para o equilíbrio. A tese original de Fukuyama afirmava que a democracia capitalista é a descoberta da forma final da liberdade, que conduz a história ao seu fim, no sentido de conhecermos de antemão as soluções para os problemas existentes: o colapso do bloco soviético mostrou "definitivamente", segundo os neoliberais, que o fim da história significa, acima de tudo, o fim do socialismo, que eles identificam fraudulentamente com o fascismo sob a designação geral de totalitarismo. Apesar de ter classificado o estalinismo como uma forma de totalitarismo, Hannah Arendt nunca o colocou ao mesmo nível abjecto do nazismo e do fascismo. O neoliberalismo opera uma dupla-identificação, opondo uma contra a outra, com o objectivo de glorificar o triunfo "definitivo" do capitalismo sobre o socialismo: a identificação entre "comunismo" e fascismo, à qual dão o nome de totalitarismo ou de sociedade fechada, e a identificação entre economia de mercado e liberdade, à qual dão o nome de democracia ou de sociedade aberta. O que choca nestas operações ideológicas que visam a naturalização do modo de produção capitalista não é tanto a falsidade desta memória de classe, mas fundamentalmente o facto da Esquerda em geral ter adoptado a perspectiva dos seus adversários de classe: a ideologia do fundamentalismo de mercado (George Soros). Ao adoptar a narrativa histórica do neoliberalismo, a Esquerda não só abdica da sua própria memória histórica, da sua tradição crítica e heróica, como também capitula perante o pensamento único, o verdadeiro totalitarismo em marcha à escala global. Ora, fora do marxismo, não há verdadeiramente Esquerda e sobretudo oposição de Esquerda: a Esquerda só pode ser renovada se retomar a crítica marxista do capitalismo e se ousar continuar a sonhar um mundo melhor sem pretender concluir a história. Como demonstrou Ernst Bloch, o marxismo é uma teoria aberta, não-concluída e não-terminada: a abertura é precisamente o que distingue a dialéctica marxista da dialéctica hegeliana, e hoje sabemos que nada está garantido de uma vez para sempre. A dialéctica marxista recusa a sua imobilização em sistema.

2008: A crise financeira veio mostrar que o capitalismo permanece sempre igual a si mesmo, na sua essencial lógica imanente descoberta por Marx, apesar de simular ser muito maleável e capaz de axiomatizar todas as diferenças e oposições. Durante o período da Guerra Fria, o capitalismo conseguiu melhorar o nível de vida das classes trabalhadoras, através de reformas sociais hábeis, e desencadeou alguns «progressos» significativos, com o objectivo de integrar social e culturalmente as forças sociais revolucionárias no próprio sistema capitalista. Porém, quando foi confrontado com a revolta estudantil, simbolizada em Maio de 68, recorreu à violência para reprimir o movimento estudantil que acabou por naufragar a partir de 1970: os anos 70 foram marcados pelo refluxo das ideologias revolucionárias, sendo por isso os anos das grandes desilusões. Os economistas reaccionários, tais como por exemplo Jean Fourastié, François Perroux e Raymond Aron, retomaram o velho discurso do fim das ideologias (Daniel Bell) para mostrar a "superioridade" do capitalismo e da economia de mercado sobre as economias planificadas do Leste: A Grande Esperança do Século XX de Fourastié e Defesa da Europa Decadente de Aron explicam a sua época a partir da análise do progresso técnico que, ao aumentar a produtividade, possibilitou melhorar o nível de vida dos cidadãos do chamado mundo livre. A teoria da produtividade de Fourastié faz algumas concessões ao pensamento económico de Marx, mas há uma grande diferença entre ambos que diz respeito à «confiança inabalável de Marx na técnica» (Kostas Axelos). Quando afirma que, para Marx, «a técnica produtiva desencadeada (está) encarregada de resolver praticamente todas as questões e todos os enigmas no seu devir», Axelos subestima a natureza dialéctica da teoria marxista: as forças produtivas arriscam-se, segundo Marx, desde as suas obras de juventude até aos Grundrisse, a transformar-se em forças destrutivas se as relações de produção capitalista não forem derrubadas. Só com a mudança das relações sociais de produção é que as revoluções tecnológicas posteriores serão guiadas por verdadeiras opções da humanidade "socialista", onde a vontade de assegurar um desenvolvimento integral e multilateral do homem levará vantagem sobre a vã tentação de querer acumular sem cessar uma quantidade superior de coisas. Nível de vida e qualidade de vida são duas coisas diferentes: o capitalismo pode elevar o nível de vida mas nunca conseguirá garantir qualidade de vida. A história do neoliberalismo é sempre a história das eternas mentiras do capitalismo: antes do fim da Guerra Fria, os neoliberais apregoavam a superioridade do capitalismo sobre o chamado socialismo real, elogiando a sua prosperidade e abundância (Galbraith), como se não houvesse pobreza no "mundo livre", e, depois do fim da Guerra Fria, sem mudar substancialmente de registo, glorificaram o triunfo "definitivo" do capitalismo como fim da história, precipitando a sua globalização irracional. Porém, o mundo global anunciado e promovido violentamente pelo recente neoliberalismo, através de guerras, além de ter agravado a pobreza e as desigualdades sociais e regionais que, ele próprio, gera em todas as regiões do mundo, como mostrou a crise financeira de 2008, é mais unidimensional e totalitário - o pensamento único é, por definição, totalitário e, portanto, anti-democrático! - do que o mundo capitalista denunciado por Herbert Marcuse há mais de 30 anos: a tecnocracia capitalista continua a ser autoritária, provavelmente mais autoritária e mais irresponsável do que foi outrora, e incapaz de garantir a felicidade da maior parte da humanidade; as suas crises favorecem a volta do fascismo - entenda-se: o fim da democracia! - e até mesmo de formas mal disfarçadas de nacional-socialismo. O neoliberalismo é o ópio dos políticos, gestores e economistas corruptos e a cegueira dos homens subnutridos mental e cognitivamente: uns e outros unem-se numa estranha e negra aliança que prepara o terreno para a eclosão do fascismo, em nome dos direitos humanos, a velha ideologia burguesa da Revolução Francesa que ontem foi grande e revolucionária e que hoje é pequena e reaccionária. Como já vimos num texto dedicado à crítica do anti-historicismo de Popper, os neoliberais odeiam o historicismo que atribuem a Marx: Fukuyama retoma a herança dos "hegelianos de direita" para reformular a concepção hegeliana do fim da história como triunfo "definitivo" do capitalismo e, portanto, derrota "definitiva" do socialismo. Usando abusivamente Hegel contra Marx e os "hegelianos de esquerda", Fukuyama aceita a história desde que ela termine com o triunfo do capitalismo e não do socialismo, convertendo assim o hegelianismo marxiano do primeiro Kojève em hegelianismo de direita autoritária, tal como já tinha sucedido na época em que Hitler conquistou o poder. As afinidades estruturais existentes entre o neoliberalismo e o pensamento fascista italiano são de tal modo evidentes que podemos considerá-lo como neofascismo: ambas as formas de pensamento, bem como o nazismo e o revisionismo da esquerda reformista (Bernstein), repudiam a dialéctica enquanto totalidade em marcha - para a frente - dentro da qual a negação e a destruição do existente aparecem em cada um dos seus conceitos. Enquanto os teóricos do Terceiro Reich - Carl Schmitt, Alfred Rosenberg, E. Krieck, Franz Böhm e Hans Hayse - rejeitaram completamente a teoria hegeliana do Estado, substituindo a sua dicotomia entre Estado e sociedade civil pela tríade do Estado, movimento (o Partido) e povo (Volk), de modo a superar o Estado pelo movimento (sem programa) e pela sua liderança, os ideólogos do movimento fascista italiano - Sergio Panuncio, Spaventa, Croce e, sobretudo, Gentile - retomaram o idealismo hegeliano para o converter em actualismo, absolutamente indiferente à razão e inteiramente anti-racionalista: as identificações que Gentile opera entre pensamento e acção e entre realidade e espírito visam evitar que o pensamento tome uma posição contrária à realidade estabelecida. O actualismo de Gentile é puro positivismo, na medida em que exige a rendição do pensamento aos "factos" e à ordem vigente: "verum et fieri convertuntur", isto é, o conceito de verdade coincide com o conceito de facto. A verdade é assim o que está em execução e o que está em execução é precisamente o movimento antidemocrático promovido pelo capitalismo financeiro na sua aliança fatal com o fascismo: «as verdadeiras decisões do Duce são aquelas que, uma vez formuladas, são ao mesmo tempo executadas» (Gentile). Tal como Gentile, Lawrence Dennis renuncia ao pensamento quando advoga um «método científico e lógico», assente no princípio director de que «os factos são normativos, isto é, os factos determinam regras, sendo superiores às regras. Uma regra que contradiz um facto é um contra-senso». O culto do sucesso - a exaltação da acção independentemente dos fins - é o culto do capitalismo de casino: o neoliberalismo recorre a todos os modos de operação - modus operandi - da ideologia para naturalizar o capitalismo, legitimando a sua dominação através da racionalização, universalização e narrativização (1), dissimulando e ocultando as suas relações de dominação, através do deslocamento, eufemização e tropo (2), unificando e interligando os indivíduos numa identidade colectiva, através da padronização e da simbolização da unidade (3), fragmentando e segmentando os indivíduos e os grupos que possam desafiar os grupos dominantes, através da diferenciação e do expurgo do outro (4), e reificando a actual situação histórica e transitória, como se ela fosse permanente, natural e atemporal, através da naturalização, eternização e nominalização /passivização (5). O recurso a todos estes procedimentos ideológicos e a sua mobilização em articulações teóricas variáveis, cuja análise fina está fora dos objectivos deste estudo, fazem do neoliberalismo aquilo que ele sempre foi: pura ideologia, falsa consciência, que glorifica a eternização do capitalismo, resumindo todo o processo na sugestiva afirmação de que, no dia em que o Muro de Berlim foi derrubado, o marxismo morreu. A dialéctica é assim imobilizada por decreto neoliberal em apologia do capitalismo, o seu arqui-inimigo. A tese do colapso geral do capitalismo, defendida por Marx e aceite por Schumpeter, não foi corroborada ou refutada, nem pela Revolução de Outubro de 1917, nem pelo colapso do bloco soviético, pela simples razão da Rússia não ser um país capitalista plenamente desenvolvido, o que obrigou as lideranças soviéticas a improvisar programas económicos de recuperação do atraso estrutural sem saber lidar com a questão do mercado. A história da humanidade é uma sucessão descontínua de modos de produção e de formações sociais e o capitalismo quando alcançar o seu máximo desenvolvimento à escala global não escapará ao mesmo destino dos outros modos de produção: o cemitério da história. Se ontem era demasiado cedo para derrubar um capitalismo ainda demasiado jovem, hoje, com a eclosão da crise financeira de 2008 num mundo capitalista já amadurecido, o seu derrube começa a estar na ordem do dia. A crise financeira e económica actualiza o marxismo e mobiliza novamente a dialéctica contra o capitalismo. Porém, num mundo cada vez mais global e imprevisível, a dialéctica - ela própria devir-mundo e devir-conhecimento - é forçada a abrir-se completamente ao devir-mundo, abandonando de vez a ideia de concluir e de fechar a história: a dialéctica marxista abdica do "comunismo", opondo-se ao discurso neoliberal do fim da história, e vacila entre a tarefa de derrubar o capitalismo e a tarefa de defender o Ocidente, em função das conjunturas mundiais e dos jogos de poder na arena mundial. A célebre controvérsia científica entre historiadores marxistas - Paul Sweezy, Maurice Dobb, H. K. Takahashi, Rodney Hilton e Christopher Hill - a propósito do período de transição do feudalismo para o capitalismo ajuda a compreender melhor qualquer outro processo de transição, na medida em que clarifica o papel desempenhado pelos factores internos e pelos factores externos nesse processo social. A dialéctica marxista sempre privilegiou mais as contradições internas do que as contradições externas, que, neste nosso mundo global, só podem ser extra-ocidentais e/ou naturais (catástrofes naturais, por exemplo). Ora, um derrubamento externo do capitalismo seria, num só e mesmo movimento, a liquidação da Civilização Ocidental e, por isso, um retrocesso histórico. Para evitar essa regressão histórica total, a dialéctica que floresceu no Ocidente - a Civilização da Liberdade - retoma de Hegel a exclusividade: o saber-mundo que rejeita a sua cristalização em sistema fechado não suporta os saberes e as práticas totalitárias, contra os quais trava uma luta de vida ou de morte. (Há uma ideia fundamental que utilizei sem a explicitar: O Welfare State Keynesiano que se estabeleceu no mundo ocidental depois da II Guerra Mundial foi questionado em meados dos anos 70, com a política de preços da OPEP, o final da détente e a ascensão ao poder de Reagan e de Thatcher. A Direita foi a primeira a reconhecer que os princípios do Estado Social eram incompatíveis com o sistema de mercado capitalista, na medida em que ele morde a mão que o alimenta: a tensão entre o mercado e as políticas sociais leva à incompatibilidade da economia de mercado e da democracia de massas e, nesse sentido, vejo, na agenda neoliberal, o programa de destruição da democracia, através da aliança negra entre o capitalismo financeiro e o fascismo.)

Por fim, vou destacar algumas obras dos grandes filósofos marxistas do século XX, de preferência em tradução portuguesa, começando pelos dois fundadores do chamado marxismo ocidental: Karl Korsch e Georg Lukács. I. M. Bochenski escreveu uma obra interessante sobre a filosofia europeia contemporânea, onde analisou o materialismo dialéctico como uma filosofia da matéria. A sua visão da dialéctica marxista é chocante: em vez de analisar a pluralidade de filosofias marxistas, Bochenski preferiu adoptar a visão esclerosada do marxismo soviético - a dialéctica como uma concepção geral do mundo depurada das contradições sociais antagónicas, de modo a poder associá-la ao neopositivismo lógico. Bochenski soube defender a ontologia fundamental de Heidegger das investidas patéticas de Carnap, mas, apesar de conhecer a obra de Lukács, não conseguiu - ou não quis - ver o marxismo ocidental como uma reacção profunda contra o positivismo, preferindo analisar os meandros e os labirintos interiores da subjectividade fetichizada da burguesia decadente, na era do imperialismo, tal como foram explicitados por Bergson, Dilthey, Husserl, Scheler, Heidegger, Sartre, Marcel, Jaspers, Croce, Hartmann e pelos neotomistas. Bochenski omitiu a crítica que Lukács, Bloch e Adorno fizeram da filosofia da existência e do seu jargão da autenticidade: a falta total de perspectivas e de futuro da classe burguesa foi tematizada pelos filósofos da existência - herdeiros de Kierkegaard e também de Nietzsche - como uma nova decadência do Ocidente, depois da decadência orgânica profetizada por Spengler, ou seja, o medo, a angústia, o nada, o desespero, enfim a falta de pontos de apoio da burguesia decadente foram universalizados, como se todas essas suas vivências fossem traços estruturais da natureza humana. Os filósofos marxistas mostraram que a descrição de todas essas marionetas descerebralizadas do capitalismo - os actuais zombies de Daniel Dennett - mais não era do que o reflexo da própria situação social e cultural da burguesia na época do imperialismo e da sua ausência de perspectiva do dia de amanhã. Em vez de divagarem e intoxicarem-se nos meandros onanistas da subjectividade vazia da pequena-burguesia, os filósofos devem seguir o exemplo de Marx e tentar dar respostas aos problemas reais colocados pela nossa época: a exaltação da subjectividade fetichista é feita à custa do seu auto-sacrifício no altar do dinheiro - essa entidade abstracta! - e da exploração desenfreada do corpo nas suas relações metabólicas com a natureza e os outros. O capitalismo inventou uma série de novas indústrias para colonizar as consciências e para explorar o metabolismo humano: a sua lógica necrófila e auto-destrutiva está em andamento acelerado e, se nada for feito para a travar, dentro de pouco tempo não haverá humanidade e natureza para salvar. Todo o discurso do fim da história, incluindo o de Kojève e o de Fukuyama, implica o desaparecimento do Homem: o que resta é o animal metabolicamente reduzido que, abdicando da sua humanidade, se entrega "livremente" à exploração capitalista, comportando-se como os cães de Pavlov e reagindo «por reflexos condicionados a sinais sonoros ou mímicos» (Kojève). A abertura da dialéctica marxista é um compromisso com a humanidade do Homem, e este compromisso já não é compatível com o discurso do "comunismo" ou da "democracia liberal" como fim da história: a dialéctica é história e a história é revolução permanente sem desfecho previsível a não ser a catástrofe global.

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J Francisco Saraiva de Sousa