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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Marx e a Filosofia

Numa carta dirigida a Ruge, datada de Setembro de 1843, Marx escreveu: «Não sou de modo algum favorável a que ergamos a nossa própria bandeira dogmática. Muito pelo contrário... Não enfrentamos o mundo de modo doutrinário, com um novo princípio, dizendo: aqui está a verdade, curve-se diante dela. Desenvolvemos novos princípios para o mundo a partir dos seus próprios princípios já existentes... Podemos resumir a visão do nosso Jornal (Deutsch, Französische Jahrbücher) numa única frase: o autoconhecimento (filosofia crítica) da época nas suas lutas e objectivos. Esta é uma tarefa para o mundo e para nós mesmos». (Karl Marx)
Em 1937, durante a década da Depressão e do New Deal de Roosevelt, da Guerra Civil Espanhola e da aproximação do conflito com os Estados Fascistas, Talcott Parsons publicou The Structure of Social Action. Esta obra de sociologia desvia-se da preocupação com a crise económica e política do seu tempo e interpreta as ideias de alguns pensadores europeus mais antigos, donde extrai um esquema de pensamento sociológico muito abstracto e geral. Parsons examina quatro pensadores, Alfred Marshall, Pareto, Durkheim e Weber, cujos estilos de pensamento constituem um movimento importante na estrutura do pensamento teórico sobre os problemas do homem e da sociedade, deixando de lado pensadores tais como Marx e Freud, Bonald e de Maistre, Saint Simon e Tocqueville ou mesmo Herbert Spencer. A teoria da acção social de Parsons é claramente sistémica e funcionalista. Mas, com esta referência histórica, não pretendo examinar a teoria da acção social de Parsons, mas apontar noutra direcção: a necessidade de regressar a Marx, o autor ignorado por Parsons, de resto mais preocupado em promover a manutenção da ordem social capitalista do que em contribuir para a construção de um "mundo melhor" (Bloch), que nos permite repensar outro modelo alternativo de sociedade. De facto, até mesmo uma leitura superficial da sua obra mostra-nos que a teoria de Marx se opõe frontalmente à teoria funcionalista que, apesar de caduca e ferida de morte pela actual crise financeira, ainda sobrevive nos modelos de equilíbrio ou de consenso predominantes, nomeadamente na sua última versão sociológica de cariz sistémico, a de Niklas Luhmann. Onde o funcionalismo destaca a harmonia social, o marxismo destaca o conflito; onde o funcionalismo dirige a sua atenção para a estabilidade e a persistência das formas sociais, o marxismo é radicalmente histórico na sua perspectiva e destaca a estrutura mutável da sociedade; onde o funcionalismo se concentra sobre a regulamentação da vida social por valores e normais gerais, o marxismo acentua a divergência de interesses e valores dentro de cada sociedade e o papel da força no sentido de manter, por um período maior ou menor de tempo, uma determinada ordem social. Dahrendorf foi um dos primeiros autores a fazer o contraste entre modelos de equilíbrio e modelos de conflito da sociedade. Apesar de Engels ter falado de "socialismo científico", numa cedência inadmíssivel ao positivismo predominante no seu tempo, o de Comte, Dahrendorf ou Popper acusam o marxismo de ser utópico, propondo uma nova reorientação da análise sociológica. O abandono da utopia significa abraçar a ideologia que glorifica a ordem social estabelecida: a ideologia de mercado (Ricoeur) transformada em pensamento unidimensional (Marcuse) ou único. No tempo em que Marx escreveu O Capital, as classes dirigentes não distribuíam pão pelas grandes populações urbanas, mas desde a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial, graças às autoridades políticas e à sua intervenção na economia, os exploradores escravizam as massas com homenagem, subsistência (consumo) e hospitalidade (Cf. Stanislaw Ossowski), ao mesmo tempo que aparentam suavizar o uso da violência física através da acção contínua dos aparelhos ideológicos de Estado, não tanto a escola como pensava Althusser, mas sobretudo as "indústrias da consciência". O discurso do fim das ideologias defendido por D. Bell e R. Aron preparou o terreno para o triunfo do neoliberalismo a partir dos anos 80: o consenso repressivo em torno da economia de mercado perspectivada em função do modelo do equilíbrio, recentemente desmentido pela crise financeira (G. Soros), e da democracia liberal.
Vivemos actualmente a segunda maior crise do capitalismo e, tal como Parsons ou mesmo Heidegger que escrevia sobre Hölderlin enquanto os judeus eram mortos nos campos de concentração, nós precisamos ignorar as obras publicadas nas últimas décadas dominadas pelo neoliberalismo, porque a pós-modernidade mais não é do que a versão filosófica (Lyotard), artística (Charles Jencks) e literária (Cf. Jameson) da ideologia fatalista de mercado global das finanças e da comunicação, e retomar pensadores verdadeiramente criativos e profundos, entre os quais Marx. Porém, retomar Marx exige espírito crítico, precisamente a atitude que percorre toda a sua obra e que possibilita a sua actualização sem dogmatismo doutrinário. Embora a teoria de Marx tenha sido apropriada de modo positivista pelas ciências sociais, como mostrou Hannah Arendt, voltar a Marx significa retomar uma concepção enfática da razão, capaz de mostrar que as ciências sociais fracassaram na sua missão crítica e de submeter o positivismo ao tribunal da razão. Neste sentido, o regresso de Marx pode ser encarado como destruição das ciências sociais, emergência da Filosofia na sua concepção imperial que visa resgatar o Ocidente, denúncia da ciência como ideologia e crítica radical do positivismo e das suas versões envergonhadas. Isto significa que a Filosofia não se conforma com o papel que lhe foi atribuído por Habermas, o de guardador de lugar e de intérprete, no seio da multiplicidade das vozes da razão. Kant, Hegel e Marx continuam a constituir a trilogia astral da Filosofia, a única capaz de iluminar o momento presente de ofuscamento sombrio.
Concepção Ostensiva de Filosofia. Kant distinguiu entre o conceito escolástico e o conceito do mundo de Filosofia, definindo-a, neste último sentido, como "a ciência da relação de todo o conhecimento e de todo o uso da razão com o fim último da razão humana, ao qual, enquanto fim supremo, todos os outros fins estão subordinados, e no qual estes têm que se reunir de modo a constituir uma unidade". Assim, o domínio da Filosofia, neste sentido cosmopolita (in sensu cosmico), "deixa-se reduzir às seguintes questões: 1) O que posso saber?, 2) O que devo fazer?, 3) O que me é lícito esperar?, (e) 4) O que é o homem?. À primeira questão responde a Metafísica; à segunda, a Moral; à terceira, a Religião; e à quarta, a Antropologia. Mas, no fundo, poderíamos atribuir todas essas (questões) à Antropologia, porque as três primeiras questões remetem à última". Ernst Bloch, Herbert Marcuse ou Lucien Goldmann, entre outros, assumiram este conceito kantiano ostensivo de Filosofia, segundo o qual a filosofia é, em última análise, antropologia, ou, como prefiro dizer, conhecimento antropo-orientado. Defendê-lo novamente implica a destruição das ciências sociais que, ao abrigo do positivismo, se apoderaram de territórios da filosofia, convertendo-os em meras positividades colocadas ao serviço do fortalecimento musculado da burocracia estatal e do lucro privado, a denúncia da ciência como ideologia colocada ao serviço da dominação da natureza externa e interna (a crítica da racionalidade instrumental de Horkheimer & Adorno), enfim a crítica radical do positivismo e das suas versões envergonhadas (Albrecht Wellmer), entre as quais temos a filosofia analítica e a análise formal e informal de argumentos que abdicam do pensamento crítico e atrofiam a imaginação política.
Crítica Radical do Positivismo. Assumir este conceito ostensivo de Filosofia, exige necessariamente uma crítica do positivismo e do seu predecessor, o empirismo inglês. Marcuse analisou o papel determinante da dialéctica hegeliana nesta luta contra o positivismo: "O idealismo alemão defendia a filosofia dos ataques do empirismo inglês, e a luta entre as duas escolas não significava simplesmente o choque entre duas filosofias diferentes, mas uma luta em que estava em jogo a filosofia como tal". Hegel soube defender a filosofia como tal contra os ataques empiristas: a sua filosofia "é, na verdade, aquilo de que foi acusada pelos seus opositores imediatos: uma filosofia negativa, (...) motivada pela convicção de que os factos que aparecem ao senso comum como indícios positivos da verdade são, na realidade, a negação da verdade, tanto que esta só pode ser estabelecida pela destruição daqueles. (...) A dialéctica está inteiramente ligada à ideia de que todas as formas de ser são perpassadas por uma negatividade essencial e que esta negatividade determina o seu conteúdo e movimento. A dialéctica constitui a oposição rigorosa a qualquer forma de positivismo. De Hume aos positivistas lógicos (e analíticos) da actualidade (Moritz Schlick, Carl G. Hempel, Rudolf Carnap, Hans Hahn, Otto Neurath, A. J. Ayer, C. L. Stevenson, Frank P. Ramsey, Gilbert Ryle, Friedrich Waismann, B. Russell), o princípio de uma tal filosofia tem sido o prestígio definitivo do facto, e o seu método fundamental de verificação, a observação do dado imediato. O positivismo assumiu, em meados do século XIX, e principalmente em resposta às tendências destrutivas do racionalismo, a forma de uma "filosofia positiva" que englobaria todo o saber e que iria substituir a metafísica tradicional. As figuras mais eminentes deste positivismo acentuaram com muito vigor a atitude conservadora e acrítica da sua filosofia: o pensamento era por ela induzido a contentar-se com os factos, a renunciar a transgredi-los e a submeter-se à situação (social) vigente. Para Hegel, os factos enquanto factos não têm autoridade. Eles são "propostos" (gesetzt) pelo sujeito, que os mediatiza pelo processo de compreensão do seu desenvolvimento. A verificação repousa, em última análise, neste processo, ao qual se relacionam todos os factos e que lhes determina o conteúdo. Tudo o que é dado tem de justificar-se perante a razão; esta nada mais é do que a totalidade das capacidades da natureza e do homem".
A dialéctica hegeliana conclui que a história atingiu a realidade da razão, isto é, a reconciliação da ideia com a realidade. Isto significa que a filosofia atingiu a sua meta: Hegel acredita ter formulado a visão do mundo no qual se realiza a razão e, com a Revolução Francesa, o pensamento deixa de referir-se ao ideal. A dialéctica está concluída e o apogeu da filosofia é, ao mesmo tempo, a sua renúncia. Liberta da preocupação com o ideal, a filosofia deixa de fazer oposição à realidade estabelecida e de ser filosofia. Ora, Marx não chegou a escrever as 20 páginas sobre a dialéctica, mas os seus textos revelam claramente que a sua dialéctica é um processo aberto, portanto, não-concluído. Com Marx o pensamento crítico não cessa e assume uma nova forma: os esforços da razão denunciam o princípio de identidade estipulado por Hegel e dirigem-se para a teoria social e para a praxis política: "no sistema de Hegel todas as categorias acabam por se aplicar à ordem existente, enquanto no sistema de Marx elas se referem à negação desta ordem. (As categorias de Marx) visam uma nova ordem da sociedade, mesmo quando descrevem a forma corrente da sociedade. Elas dirigem-se essencialmente a uma verdade que está para vir através da abolição da sociedade civil. A teoria de Marx é uma "crítica", no sentido de que todos os seus conceitos são uma acusação da totalidade da ordem existente" (Marcuse).
Destruição das Ciências Sociais. A luta contra o positivismo e suas versões travestidas é uma luta interna à Filosofia, porque o positivismo é uma mera filosofia. Porém, esta luta tem efeitos exteriores à filosofia, efeitos nas suas relações com as ciências e as artes e, sobretudo, com a política. Nesta luta contra o positivismo, a dialéctica não está sozinha: Husserl, Heidegger, Gadamer, Arendt, Davidson, Ricoeur, Hans Jonas, Lévinas e Derrida, entre outros, deram também inicio à destruição das ciências sociais e da ciência como ideologia. As ciências sociais têm ajudado a manter e a legitimar a ordem estabelecida: são meras "técnicas de adaptação social" (Althusser). Marx sabia que a "sociologia", a economia, o direito ou a demografia eram meras armas ideológicas usadas pela burguesia para justificar ideologicamente a conservação da ordem estabelecida e a sua dominação, apresentando-a como uma "ordem natural". Estamos diante de uma das operações utilizadas frequentemente pela "ideologia dominante" para apresentar a sociedade estabelecida como um sistema incontornável, acima da "vontade humana" e da história, portanto, como uma "fatalidade". Deste modo, a ideologia dominante, o neoliberalismo, deturpa e encobre tudo, não só as possibilidades históricas de mudança social, como também o espírito da própria ciência social, como se esta tivesse por missão descobrir as "leis naturais" da sociedade, à semelhança do que fazem as "ciências naturais" (crítica do naturalismo). Positivismo e glorificação (ideológica) da ordem social dominante são a mesma coisa: Francis Fukuyama anunciou o fim da História, alcançado com o estabelecimento derradeiro da economia de mercado e da democracia liberal. A actual crise financeira refuta o liberalismo económico e coloca novamente a análise marxista do capitalismo na agenda política e filosófica. A crítica da ideologia aplicada aos discursos produzidos pelas ciências sociais e à organização social da ciência continua a ser pertinente e também aqui Marx é absolutamente actual. Só mediante a crítica da ideologia podemos libertar a imaginação política e procurar vislumbrar novas alternativas sociais capazes de salvaguardar a aventura ocidental: a tarefa prática da filosofia é iluminar a praxis que visa a transformação qualitativa do mundo.
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Thomas S. Kuhn: A Estrutura das Revoluções Científicas

Thomas S. Kuhn partilha com o seu tempo (P. Duhem, A. Koyré, G. Bachelard, G. Canguilhem ou mesmo Karl Popper) a ideia de que a história da ciência não é acumulativa, mas, pelo contrário, descontínua: o crescimento do conhecimento científico não consiste na acumulação de dados e de observações, mas numa sequência descontínua, não-cumulativa, de paradigmas científicos que, tal como sucede na história das instituições sociais e políticas, se realiza através de rupturas a que chama revoluções científicas. O esquema do desenvolvimento científico que Kuhn elabora revela, no entanto, uma outra referência fundamental não-nomeada: a teoria da história de Karl Marx, isto é, a teoria da sucessão "descontínua" dos modos de produção e das revoluções sociais, adaptada criativamente à história da ciência. A concepção positivista e neopositivista da ciência, bem como os seus derivados, incluindo o racionalismo crítico de Karl Popper, é completamente desmistificada e arrasada, e, com o recurso à sociologia do conhecimento (Max Scheler, Karl Mannheim e Robert K. Merton), Kuhn tende a converter a "epistemologia" em sociologia da ciência: a ciência é reconduzida àquilo que é, ou seja, um empreendimento humano colectivo, uma actividade social, cuja meta é, como diz John Ziman, "um consenso de opinião racional sobre o campo mais amplo possível" do mundo. Ora, uma tal concepção de ciência deixa de lado a doutrina ingénua segundo a qual toda a ciência é necessariamente verdadeira e todo o conhecimento verdadeiro é necessariamente científico: o cientismo, a doença infantil da ciência ou a ideologia espontânea dos cientistas (Althusser). Doravante, a filosofia da ciência deve levar em conta o princípio do consenso que conduz à sociologia interna da comunidade científica, inserida no contexto mais vasto da sociedade e da economia de mercado, em articulação com as novas tecnologias.
Um paradigma científico designa, numa primeira aproximação, uma teoria pré-estabelecida que orienta e guia a selecção, a reunião e a explicação dos "factos", garantindo a existência de uma solução estável e segura de determinados problemas, e que é partilhada durante um determinado período de tempo por todos os membros de uma determinada comunidade científica. Basicamente, um paradigma científico é um padrão teórico completo aceite por consenso pela comunidade científica que garante de antemão solução para um conjunto de problemas. O paradigma dominante numa determinada ciência está geralmente exposto nos manuais de texto, pelos quais os mais jovens são iniciados ou socializados nessa área do conhecimento: "Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade científica partilham e, inversamente, uma comunidade científica é formada por homens que partilham um paradigma" (Kuhn). Este conceito de paradigma está intimamente relacionado com outro conceito: a ciência normal que, como actividade do dia-a-dia da comunidade científica, consiste em solucionar problemas à luz do paradigma dominante. Kuhn chama enigmas aos problemas cuja solução é dada de antemão ou prevista pelo paradigma que orienta a actividade científica. A actividade da ciência normal é uma actividade de rotina e extremamente ultraconservadora, isto é, avessa à inovação: a ciência normal procura sempre resolver os seus problemas em função das soluções estáveis fornecidas e garantidas pelo paradigma que ilumina a sua actividade diária. Por vezes, a comunidade científica pode ser surpreendida por um problema que não é esclarecido previamente pelo paradigma reinante. Porém, esse problema não-solucionado pelo paradigma não o leva imediatamente à crise, tendendo a ser ignorado até que outras anomalias ou contra-exemplos surjam e suscitem algum cepticismo ou mesmo um "sentimento de crise" na comunidade científica. A acumulação de anomalias, isto é, de problemas para os quais o paradigma reinante não tem ou não garante solução, ou a sua pertinência, acabam por levar o paradigma à crise: "o teste de um paradigma ocorre somente depois que o fracasso persistente na resolução de um enigma importante dá origem a uma crise" (Kuhn).
A crise do paradigma não significa a crise da ciência: releva apenas o reconhecimento das anomalias que recusam ser assimiladas aos "modelos" existentes disponibilizados pelo paradigma reinante que, por isso, se torna incapaz de fornecer a todos os fenómenos um lugar determinado pela teoria no campo visual dos cientistas. Durante o período em que o paradigma é confrontado com problemas que não consegue resolver, alguns cientistas, sobretudo os mais jovens, que, por estarem menos familiarizados com os manuais de texto, não têm nada a perder com uma mudança de paradigmas, dedicam-se intensamente à tarefa de solucionar essas anomalias ou mesmo à procura de novos paradigmas alternativos. No seu caso, a crise do paradigma revela-se na substituição da ciência normal pela ciência revolucionária ou extraordinária: a busca de novos paradigmas. Ora, podem surgir durante este período revolucionário de prática científica extraordinária diversos paradigmas rivais ou paradigmas em competição e, neste caso, a comunidade científica precisa de escolher um deles em detrimento dos outros: "Na escolha de um paradigma, como nas revoluções políticas, não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante" (Kuhn). Kuhn discute diversos critérios de selecção, levando em conta tanto o impacto da natureza e da lógica como "as técnicas de argumentação persuasiva que são eficazes no interior dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas". Em princípio, o novo paradigma candidato a substituir o paradigma reinante deve ser capaz de resolver os problemas que conduziram o paradigma antigo à crise, garantido solução para os problemas que já eram resolvidos pelo anterior (1), prever ou fazer predições de fenómenos totalmente insuspeitados pela prática orientada pelo paradigma anterior (2), ser apropriado ou estético, no sentido de ser "mais claro", "mais adequado" ou "mais simples" que o anterior (3), levar os cientistas a ter "fé" nas suas capacidades para resolver os grandes problemas com que se confrontam (4) e, fundamentalmente, conquistar alguns "adeptos iniciais" que irão aperfeiçoar o paradigma, explorando as suas possibilidades e mostrando "o que seria pertencer a uma comunidade guiada" pelo novo paradigma (5). Isto significa que o novo candidato a paradigma não é "avaliado" apenas em termos lógicos ou pela sua habilidade teórica e experimental para resolver problemas, mas sobretudo pela capacidade competente dos adeptos iniciais para elaborarem "argumentos", experiências, instrumentos, artigos e livros, capazes de persuadir a maior parte dos membros da comunidade científica, conquistando finalmente a sua adesão. Deste modo, um número cada vez maior e crescente de cientistas, convencidos da fecundidade da nova concepção, vai adoptando a nova maneira de praticar a ciência normal, até que restam muitíssimo poucos opositores: "o homem que continua a resistir após a conversão de toda a sua profissão deixou ipso facto de ser um cientista" (Kuhn).
Quando a tarefa da ciência extraordinária é bem sucedida, os membros da comunidade científica acabam por aderir ou dar o seu assentimento ao novo paradigma que, deste modo, toma o lugar do paradigma anterior, passando a guiar a ciência normal. Kuhn chama revoluções científicas a estes "episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo (paradigma), incompatível com o anterior". A mudança de paradigmas constitui ou implica uma conversão, porque os proponentes de paradigmas rivais "praticam os seus ofícios em mundos diferentes": "Por exercerem a sua profissão em mundos diferentes, os dois grupos de cientistas vêem coisas diferentes quando olham de um mesmo ponto para a mesma direcção. Isto não significa que possam ver o que lhes aprouver. Ambos olham para o mundo e o que olham não mudou. Mas em algumas áreas vêem coisas diferentes, que são visualizadas mantendo relações diferentes entre si" (Kuhn). Para estabelecerem uma comunicação entre si, os dois grupos de cientistas devem experimentar a conversão: a mudança de paradigmas é "uma transição entre incomensuráveis", que não pode ser feita a par e passo, mediante a imposição da lógica e de experiências neutras, mas de modo súbito. Isto significa que a mudança de paradigmas implica uma mudança de mundo, porque, por um lado, guiados por um novo paradigma, os cientistas adoptam novos instrumentos e orientam o seu olhar em novas direcções, e, por outro lado, durante as revoluções, vêem coisas novas e diferentes quando, usando instrumentos familiares, olham para os mesmos aspectos do mundo já examinados anteriormente: a comunidade profissional é subitamente transportada para "um novo planeta, onde objectos familiares são vistos sob uma luz diferente", aos quais se ligam objectos desconhecidos. Portanto, ao mudar de paradigmas, os cientistas reagem a um mundo diferente, com novos esquemas interpretativos e novas áreas de experiência determinadas pelo novo paradigma: "em períodos de revolução, quando a tradição científica normal muda, a percepção que o cientista tem do seu ambiente deve ser reeducada, deve aprender a ver uma nova forma (Gestalt) em algumas situações com as quais já está familiarizado".
Deixei transparecer que a teoria do desenvolvimento científico de Kuhn se distancia do racionalismo crítico de Popper, sobretudo quando fala da invisibilidade das revoluções científicas, ao mesmo tempo que apreende a nova organização social da ciência e da investigação científica. Porém, há um outro aspecto subjacente à sua noção de ciência que aponta na direcção da existência de muitas espécies de ciências. Em resposta ao desafio que lhe foi dirigido por Imre Lakatos, Paul Feyerabend levou mais longe esta tendência plural e democrática das ciências, forjando uma nova abordagem, o anarquismo teórico, visto como "um excelente tratamento médico para a epistemologia e para a filosofia da ciência": "a ciência deve ser ensinada como uma maneira de ver entre outras e não como a única via que leva à verdade e à realidade", porque mais não é do que uma tradição entre muitas outras tradições inconscientes do seu enraizamento histórico. Nem a ciência precisa da filosofia racionalista ou outra, nem a filosofia precisa da ciência: "Uma teoria da ciência que define modelos e elementos estruturais para todas as actividades científicas e os legitima por referência à «Razão» ou à «Racionalidade» é susceptível de impressionar os leigos, mas afigura-se um instrumento excessivamente grosseiro aos que estão por dentro das coisas, ou seja, para os cientistas que se confrontam com um problema de investigação concreto". Dizer "adeus à razão" é, nesta perspectiva, dizer sim à proliferação das teorias: a uniformidade congelada do "racionalismo" enfraquece o poder crítico da ciência e coloca em perigo o livre desenvolvimento individual, ao mesmo tempo que aterroriza as pessoas menos familiarizadas com a sua prática. Porém, hoje em dia o jogo de poder que domina a ciência impôs-lhe uma organização burocrática e empresarial que a transforma em "algo" que não conhecemos, embora se manifeste na busca de fama e de lucro, no espírito de negócio que orienta a pesquisa científica, subordinando-a aos imperativos do desenvolvimento tecnológico e económico, como já tinha confessado James Watson.
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Joseph Schumpeter e o Fim do Capitalismo

«Uma sociedade diz-se capitalista se entregar a condução do seu processo económico à iniciativa privada. Pode dizer-se que isto implica, em primeiro lugar, propriedade privada dos meios de produção não pessoais, como terra, minas, fábricas e equipamentos industriais; em segundo lugar, implica a produção por conta própria, isto é, produção por iniciativa privada para lucro privado. Mas, em terceiro lugar, o crédito bancário é tão essencial ao funcionamento do sistema capitalista que, apesar de não estar estritamente implicado na definição, deve ser acrescentado aos outros dois critérios». (Joseph A. Schumpeter)
Post em construção. Em 1942, no decurso dos anos de guerra, Joseph A. Schumpeter publica a sua célebre obra "Capitalismo, Socialismo e Democracia", onde admite que o socialismo vai instaurar-se no mundo. Schumpeter desenvolveu uma teoria do desenvolvimento económico, analisando as flutuações da economia capitalista no ciclo económico e as tendências observáveis no seu desenvolvimento que apontam para o advento do socialismo. Para se compreender o último aspecto do seu pensamento, é necessário distinguir entre preferência pessoal e prognóstico, de modo a evitar as pessoas prevejam aquilo que desejam. Embora veja a sobrevivência das instituições do capitalismo como desejável, Schumpeter considera que, à luz de uma análise científica, existem tendências observáveis, inerentes ao processo capitalista tal como o conhecemos, que destruirão o capitalismo e produzirão o sistema socialista. Ora, conforme recorda Schumpeter, Marx foi o primeiro a compreender a importância desta distinção e a formular correctamente a questão em termos científicos: ele detectou as tendências objectivas que conduzem inevitavelmente o capitalismo à morte. Quais são as tendências intrínsecas ao capitalismo que o condenam de morte, ao mesmo tempo que apontam para o advento do socialismo? Wassily Leontief mostrou que a actual análise dos ciclos económicos é devedora da obra económica de Marx, cujas teses podem ser interpretadas como prefigurando todas as modernas construções teóricas, incluindo o esquema circular de investimento proposto por Hayek, o mentor económico de Popper. O contributo de Marx foi parcialmente eclipsado pela sua análise das tendências a longo prazo do sistema capitalista, cujo colapso é anunciado pela crescente concentração da riqueza, rápida eliminação de pequenas e médias empresas, limitação progressiva da concorrência, progresso tecnológico incessante acompanhado pela crescente importância dos capitais fixos e pela amplitude e persistência dos ciclos económicos. Diante desta lista de prognósticos, Heimann escreve que "a obra de Marx continua a ser o mais geral e impressionante modelo daquilo que nos compete fazer".
Schumpeter foi seduzido pelo prognóstico do colapso do capitalismo feito por Marx, o qual «justifica» com outras tendências: "Observamos que, à medida que a época capitalista vai passando, a liderança individual do empresário tende a perder importância e a ser crescentemente substituída pelo trabalho mecanizado de uma equipa de empregados especializados dentro de grandes empresas; que as instituições e tradições que albergavam a estrutura do capitalismo tendem a desgastar-se; que o processo capitalista, pelo seu próprio sucesso, dá azo a posições económicas e políticas de grupos que lhe são hostis; e que o próprio estrato capitalista, fundamentalmente devido à decadência dos vínculos da vida familiar, que, em contrapartida, pode atribuir-se à influência «racionalizadora» do processo capitalista, tende a perder a garra e parte das motivações que primeiramente tinha". Aproximando-se ligeiramente do prognóstico de Max Weber, Schumpeter conclui que estes aspectos estabelecem "uma tendência para a deslocação da actividade económica da esfera privada para a pública ou, se quisermos, para a crescente burocratização da vida económica, associada a uma crescente dominância dos interesses do trabalho". Schumpeter usou o termo "socialismo" num sentido puramente económico e formal, para designar "um arranjo institucional que confere a gestão do processo produtivo a uma autoridade pública", sem dizer nada acerca da estrutura e do carácter de uma sociedade socialista. Os economistas marxistas que não se reviam no "modelo soviético", fortemente estatal, burocrático e antidemocrático, reagiram negativamente à reformulação do colapso do capitalismo feita por Schumpeter, opondo-lhe o conceito de capitalismo de Estado.
Porém, visto à distância, Schumpeter mais não fez do que mostrar a enorme admiração que nutria pela obra de Marx: ao retomar a tese do colapso do capitalismo, Schumpeter aceita tacitamente a "superioridade da economia marxista", para usar os termos de Shibata e Oskar Lange, encarando o seu trabalho como uma tentativa de ajudar a economia capitalista a sobreviver. A distinção que faz entre preferência e prognóstico retoma, de certo modo, a distinção marxista entre economia burguesa, mera técnica de adaptação, e a crítica da economia política. Reconhecer que o sistema capitalista está ferido internamente de morte é o mesmo que admitir o carácter ideológico da economia que visa adiar a sua morte. Ora, a actual crise do sistema financeiro capitalista não é uma mera "crise periódica", mas uma "crise sistémica" e, como tal, representa o fim da era neoliberal iniciada nos anos 80. Ela revela claramente o colapso do fundamentalismo de mercado: a economia de mercado entregue a si mesma é autodestrutiva, porque, como dizia Marx, o verdadeiro inimigo mortal da "produção capitalista é o próprio capital". Desde a grande crise de 1929 que a ideia de um desenvolvimento do sistema capitalista, harmonioso e equilibrado, caiu definitivamente em descrédito: o próprio Schumpeter pôs a tónica, tal como Marx, na instabilidade fundamental do sistema capitalista. Para evitar o colapso, sempre que é ameaçado por uma crise, o capitalismo precisa da intervenção do Estado: "O controlo pelo governo dos mercados de trabalho e capital, da política de preços e, por via dos impostos, da distribuição de rendimentos, já está estabelecido e necessita só de ser complementado sistematicamente por iniciativa governamental, indicando as linhas gerais de produção (programas de construção de casas, investimento estrangeiro) de molde a transformar, mesmo sem a nacionalização maciça das indústrias, o capitalismo regulado ou agrilhoado em capitalismo guiado, o qual pode com quase igual justiça ser apelidado de socialismo". (:::)
O capitalismo não mostra o mesmo aspecto em todas as épocas, porque se reveste de formas diversas no tempo e no espaço. Werner Sombart dividiu-o ao longo do seu estudo sobre o capitalismo moderno em três períodos: a juventude (Fruhkapitalismus), a idade madura (Kapitalismus) e a velhice do capitalismo (Spaetkapitalismus). O desenvolvimento do capitalismo compreende, pois, uma série de estádios, ao longo do seu desenvolvimento, cada um dos quais pode ser reconhecido por traços bastante distintos. Porém, apesar dos diversos níveis de maturidade desses estádios, eles obedecem a certos critérios comuns, que Schumpeter reduz a três: a propriedade privada dos meios de produção físicos (1), os lucros privados e a responsabilidade privada de perdas (2), e a criação de meios de pagamento, notas de banco ou depósitos, por bancos privados (3). Schumpeter destacou o papel do empresário como inovador que empurra continuamente a economia em direcção a novos rumos, num turbulento e instável processo de transformação e expansão, e analisou as fases de crescimento económico e a posterior recessão nesse processo, dando especial ênfase aos ciclos de longo prazo de aproximadamente 50 anos de duração. (:::)
Esta noção de capitalismo parece estar muito distante da análise de Marx, na qual a essência do capitalismo não reside no espírito de empresa (Sombart, Weber) ou no uso da moeda para financiar uma série de trocas com o objectivo do lucro, mas num determinado modo de produção: o sistema capitalista é um sistema de acordo com o qual a força de trabalho se transforma numa mercadoria, que se vende e se compra no mercado, como qualquer outro objecto de troca. O seu requisito histórico é, portanto, a concentração da propriedade dos meios de produção nas mãos de uma classe minoritária, a burguesia, e o aparecimento consequente de uma classe destituída de propriedade, a maioria da população trabalhadora, para a qual a única fonte de sobrevivência é a venda da sua mão-de-obra. Este conceito permitiu a Maurice Dobb localizar correctamente o nascimento do capitalismo: O capitalismo nasceu na Inglaterra, não no século XII como sugere Pirenne ou mesmo no século XIV com o seu comércio urbano e as suas ligas artesanais, mas na segunda metade do século XVI e início do século XVII, quando o capital começou a invadir a produção em escala considerável, quer na forma de uma relação amadurecida entre capitalistas e assalariados, quer na forma menos desenvolvida da subordinação dos artesãos domésticos a um capitalista. (:::) (Continua com novo título: "Mercado e Democracia".)
J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 19 de julho de 2008

Economia Sexual e Violência Conjugal

Em Portugal, a violência conjugal é um fenómeno cada vez mais frequente, banal e ubíquo, e, devido à regressão mental e cognitiva e ao atavismo cultural, está normalizada. No entanto, ainda não foi alvo do reconhecimento social e jurídico-político: a violência conjugal constitui um problema social importante. Os portugueses têm esse hábito terrível que é omitir tudo aquilo que os revele na sua verdadeira essência ou fingir que nada de grave se passa com eles. Quando se tomam algumas medidas legislativas, estas são claramente discriminatórias: a violência doméstica é vista como um fenómeno que ocorre unicamente no seio de casais heterossexuais. Portugal silencia as suas "vítimas" para manter o seu auto-retrato de um «país de brandos costumes», apesar dos meios de comunicação social exibirem diariamente imagens e notícias de violência preocupante, incluindo homicídios com contornos muito violentos e macabros.

Apesar das dificuldades teóricas, metodológicas e sociais, já existem muitíssimos estudos (Neilson, 2004; Brand & Kidd, 1986; Burke & Follingstad, 1999; Bryant & Demian, 1994; Gardner, 1989; Bradford, Ryan & Rothblum, 1994; KurdeK, 1994; Marrujo & Kreger, 1996; Merrill, 2001; Miller et al, 2001; Poorman & Seelau, 2001; Renzetti, 1992) que mostraram que os incidentes de violência ocorrem frequentemente tanto nos casais heterossexuais como nos casais homossexuais (11-12%). Estes estudos refutaram a premissa de que a violência é perpetrada somente por homens sobre mulheres heterossexuais e sugerem que a violência doméstica constitui um "abuso de poder" que pode ocorrer em qualquer tipo de relação íntima, independentemente do género ou da orientação sexual (Rohrbaugh, 2006).

Além disso, os tipos de violência, muito sumariamente, o abuso físico, o abuso sexual e o abuso psicológico, entre outros, são similares em todos os casais, excepto no facto das vítimas do mesmo-género sofrerem frequentemente de stress adicional devido ao seu isolamento social e jurídico e ao medo de que o abusador(a) possa expor, de modo hostil, a sua (das vítimas) orientação sexual. Aliás, em Portugal, as vítimas tendem a silenciar os abusos que sofrem nas suas relações íntimas, até mesmo das famílias, talvez porque, neste país, algumas das características extravagantes dos abusadores (infidelidade conjugal, agressividade, falsas imagens de masculinidade, alcoolismo, homofobia suspeita, o ditado segundo o qual "entre marido e mulher não se deve meter a colher", heterosexismo irracional) sejam admiradas e incentivadas publicamente.

As características dos abusadores parecem ser similares em todos os tipos de relações. Geralmente, os abusadores têm uma história de doença mental grave e sofreram abusos sexuais durante a infância. Os abusadores também são emocionalmente dependentes, sentem-se impotentes, tendem a responsabilizar os outros pelos seus problemas e usam a violência como um meio para impor poder, controle e dominação nas suas relações íntimas. É provável que o tipo de violência seja mais suave nos casais do mesmo-género do que nos casais de diferente-género, mas alguns estudos mostraram que a violência do mesmo-género não se reduz somente ao abuso ou terrorismo íntimo, mas abrange igualmente o uso de violência física e psicológica para dominar, controlar, intimidar e degradar o parceiro(a).

Uma meta-análise dos estudos disponíveis mostra claramente que os homens e as mulheres iniciam tais actos de violência íntima na mesma proporção, embora os homens possam causar mais danos graves (Archer, 2000). As ligações entre a actividade sexual e o abuso masculino, feminino ou recíproco, foram estudadas por DeMaris (1997) numa amostra de casais violentos. Embora o sexo fosse relativamente raro durante os episódios de violência, estes casais têm, em geral, mais relações sexuais que os casais não-violentos. Esta elevada frequência de actividade sexual parece reflectir um padrão no qual a vítima pode tentar apaziguar ou aplacar o parceiro violento através da oferta de sexo. DeMaris descobriu uma assimetria nos padrões de apaziguamento sexual: a elevada sexualidade era somente observada nos casos em que o marido era violento. Os casais com mulheres violentas não exibiam elevadas taxas de sexo.
Ora, esta assimetria confirma a teoria da troca social, segundo a qual o sexo é algo que as mulheres oferecem aos homens. Uma vítima feminina de violência pode frequentemente apaziguar ou aplacar o seu marido violento através da oferta de sexo-extra ao seu parceiro. Pelo contrário, uma vítima masculina não pode escapar à violência através da oferta de favores sexuais à sua mulher violenta. Isto significa que, até mesmo neste contexto de violência doméstica, a sexualidade feminina possui um valor para a troca social, enquanto a sexualidade masculina carece de valor.
Dois estudos providenciam duas versões institucionalizadas da troca de sexo para reduzir a vitimização violenta. Quando a Austrália era uma mera colónia penal, o açoite público severo dos condenados era uma forma comum de punição das infracções graves. As mulheres condenadas tinham uma opção: se concordassem permanecer nuas durante a punição, podiam ver reduzidas para metade o número de golpes (Hughes, 1988). Isto pode significar que a exibição dos corpos nus dá prazer aos observadores. Os prisioneiros masculinos não tinham essa opção e, por isso, as suas sentenças não eram apaziguadas ou reduzidas. Actualmente, nos EUA, alguns gangues de jovens iniciam os novos membros através do seu espancamento pelos membros do gangue. Porém, as mulheres têm a opção de ser "sexed in", isto é, de ter relações sexuais com qualquer membro do gangue, em vez do espancamento grupal (Miller, 1998). Neste caso, o sexo é visto como um recurso feminino e os homens não têm outra alternativa a não ser sofrer o espancamento físico, porque não têm nada para oferecer. O valor de troca da sexualidade feminina possibilita às mulheres usar o sexo para reduzir o número de açoites que deviam sofrer. Aliás, em Portugal, muitas mulheres oferecem sexo para obter "cargos universitários" ou outros privilégios profissionais.
Os dados da minha pesquisa de campo revelam uma associação forte entre o abusador e o seu papel sexual preferido: os homens gay sexualmente activos e as lésbicas butch tendem a usar mais a violência física do que os seus parceiros com preferências sexuais complementares às suas. A maior parte dos casais do mesmo-sexo diferenciados sexualmente revela uma assimetria idêntica àquela observada nos casais heterossexuais violentos: elevada frequência de actividade sexual, nudismo e terrorismo íntimo: os parceiros sexualmente atípicos oferecem sexo-extra para apaziguar a agressividade do parceiro violento e, muito frequentemente, são alvo de práticas sexuais humilhantes. Contudo, nos casais homossexuais masculinos, a escalada de violência pode ser muito grave, porque as vítimas tendem a defender-se mais do que as vítimas heterossexuais. O isolamento social é favorecido pelo abusador e a vítima pode ficar completamente isolada no mundo, até mesmo da família e dos amigos, e perder a oportunidade de uma vida profissional segura, com graves efeitos na sua saúde.
Os espaços residenciais deveriam garantir intimidade, segurança psicológica e socialização. «Estar em sua casa» significa dispor de um espaço pessoal que, por um lado, se pode assinalar com a sua marca e que, por outro lado, delimita um território inviolável sobre o qual se exerce um direito. Desta ideia destacam-se dois aspectos funcionais: a protecção contra o mundo exterior (função de protecção) e o apego a um lugar, factor de um sentimento de identidade (função de ancoradouro). No universo doméstico, a vida de cada pessoa não deve ser perturbada de maneira imprevisível, mais ou menos brusca ou violenta, por perigos que transformariam esse espaço numa espécie de lugar estratégico que obrigasse a defender-se permanentemente de tal ou tal ameaça eventual. No entanto, quando se partilha a habitação com outras pessoas, em particular com o companheiro, a vida de cada um pode ser perturbada, de maneira mais ou menos violenta, pelo próprio companheiro e/ou pela intromissão de terceiros. É frequente um dos membros do casal chegar a casa e surpreender o seu companheiro na cama com outro indivíduo ou ser espancado e agredido pelo companheiro. Nestes casos, a habitação deixa de ser um espaço de segurança e transforma-se num espaço de humilhação: os casais homossexuais em que um dos membros não «alinha em esquemas a três», enquanto o outro anda sempre à procura de novas experiências sexuais, tendem a viver num clima de permanente tensão e de agressão.
Apesar da sua inclinação sexual promíscua, muitíssimos homossexuais de ambos os sexos estabelecem uniões estáveis, fechadas ou abertas. Muitos destes casais têm uma vida conjugal normal, semelhante ou mesmo superior à dos casais heterossexuais normais, mas outros vivem em conflito permanente, com episódios regulares de violência doméstica. Os incidentes de violência doméstica ocorrem com a mesma frequência nos casais homossexuais como nos casais heterossexuais. Os tipos de violência doméstica são similares em todos os casais, embora a violência do mesmo género tenda a constituir terrorismo íntimo. As suas vítimas tendem a defender-se das agressões mais vezes do que as vítimas do género oposto e esta elevada reactividade leva frequentemente a uma escalada de violência física (Pitt & Dolan-Soto, 2001).
As avenças conjugais começam quando um membro do casal descobre que o seu companheiro o traí frequentemente ou quando este procura negociar uma relação aberta. Quando após longa negociação concordam em abrir a relação a terceiros, o casal pode comprometer-se num tipo de ligação em que ambos se envolvem sexualmente com terceiros, não devendo nenhum deles fazer sexo sem a participação do outro, ou numa ligação do tipo «cada um por sua conta». Mas, independentemente do tipo negociado de abertura do casal, estas relações abertas tendem a gerar situações de conflito, inveja e ciúme, conduzindo frequentemente à violência psicológica, sexual e física, ao mesmo tempo que desgasta a qualidade do sexo conjugal. A relação torna-se abusiva e um dos membros adquire mais poder e controle sobre o outro, sobretudo quando este está numa situação social vulnerável e precária. Este poder é usado de um modo que prejudica o outro e lhe provoca medo.
Geralmente, os abusadores conseguem isolar o seu companheiro dos amigos, da família e da comunidade gay, tornando-o mais dependente. Este isolamento é acompanhado frequentemente por outros comportamentos de abuso, incluindo agressões físicas graves e destruição do património. Estes padrões de abuso isolam efectivamente a vítima, reduzem a sua auto-estima e geram medo. Com as vítimas isoladas, os abusadores tendem a procurar mais sexo ocasional com múltiplos parceiros e/ou a sair regularmente com «amigos coloridos» e a manter relações paralelas, a que chamam «amizades coloridas». Quando procedem deste modo, os insultos começam a ser acompanhados por agressões físicas de todos os tipos. Paradoxalmente, muitas destas relações violentas não se dissolvem e tendem a durar, através de renegociações que objectivamente não alteram o ciclo de violência doméstica. Os casais que andam juntos no engate agridem-se frequentemente em lugares públicos, por causa da escolha do terceiro elemento e, quando fazem sexo com terceiros, um deles fica sexual e emocionalmente prejudicado. Com a excepção de uns poucos casos de agressões físicas públicas, provavelmente desencadeadas sob o efeito do álcool ou de drogas (cocaína), os abusadores da nossa amostra não revelaram um padrão de associação com o uso de drogas, mas de associação com baixa auto-estima e comportamento sexual compulsivo.
Outros padrões de abuso frequentes são insinuar que o companheiro é gay, incitá-lo e/ou forçá-lo a frequentar os circuitos de engate gay, tentar prostitui-lo, fazer periclitar o seu emprego, destruir os seus bens ou propriedade, insultá-lo com palavrões ofensivos e preconceituosos, fazer sexo de modo a magoá-lo ou feri-lo, fazer "chupões" em zonas do corpo visíveis, culpá-lo por todos os problemas, controlar o seu dinheiro e gastos, enfim usar abusivamente os seus bens.
As vinculações dos casais gay são muito mais fixas e permanentes do que as dos casais de lésbicas, que, pelo menos em Portugal, dissolvem mais rapidamente a relação quando surgem dificuldades, além de serem menos duradouras. Os casais gay resistem ao tempo, com durações observadas de muito mais de 16 anos, e à violência doméstica. Os abusadores justificam-se perante as vítimas, dizendo-lhes «ando com outros mas não te troco por ninguém». Além de revelar mais um aspecto da dissociação entre afectividade e sexualidade, este dado sugere que os abusadores temem perder os seus companheiros.
Numa sociedade homofóbica, as vítimas do mesmo sexo ficam sozinhas, entregues a si mesmas e às agressões do parceiro, social, legal e policialmente isoladas, como os judeus de Arendt. De facto, «a psique humana pode ser destruída mesmo sem a destruição física do homem» e, em muitos casos o terror heterosexista português leva as suas vítimas à morte sem designar tal acto como suicídio. Esta ausência de homofilia (Weinberg, 1977) é um problema preocupante da sociedade portuguesa, que mata jurídica, moral e individualmente os homossexuais. Nenhuma instituição apoia as vítimas do mesmo sexo. Apenas a Internet possibilita o seu desabafo e, se não fosse ela, teríamos negligenciado um dos problemas preocupantes da vida quotidiana dos casais homossexuais.
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Homens e Mulheres perante as Leis

Os homens têm controlado as leis ao longo dos tempos e as leis podem ser usadas para regular o sexo. Se o propósito do controle masculino fosse sufocar a sexualidade feminina, os homens poderiam ter usado o sistema legal para regular e punir a sexualidade feminina. A questão que se coloca é, portanto, a seguinte: Os homens usaram e usam o seu poder jurídico-político para restringir ou suprimir a sexualidade feminina? A resposta a esta questão é muito mais relevante para a teoria do controle masculino do que para a teoria do controle feminino da sexualidade das mulheres. Muitas leis parecem apontar na direcção do controle masculino e as teorias feministas tendem a apresentar as mulheres como vítimas do domínio dos homens, esquecendo que o sistema prisional é muito mais duro e pesado para os homens do que para as mulheres.
1. As leis relativas à sexualidade adolescente parecem proteger mais as adolescentes femininas do que os adolescentes masculinos. A promiscuidade sexual tem sido usada pela polícia e pelos tribunais como um sinal de delinquência sexual e este comportamento é mais atribuído às raparigas adolescentes do que aos rapazes adolescentes. Porém, estes esforços para controlar a sexualidade feminina adolescente têm sido realizados por instituições que visam prevenir a gravidez e a promiscuidade entre as mulheres adolescentes. As agências governamentais dirigidas para o controle da sexualidade feminina tendem a ser lideradas ou apoiadas por mulheres e, em Portugal, as ordens religiosas femininas cumprem essa missão.
2. As leis relativas ao adultério parecem confirmar completamente o modelo do controle masculino da sexualidade feminina. Com efeito, ao longo da história do Ocidente, a infidelidade feminina tem sido mais severamente punida do que a infidelidade masculina. Neste aspecto, não podemos negar o controle masculino: a figura do "homem enganado" pela mulher é alvo de escárnio e de desprezo. Nos léxicos eróticos heterossexuais, o campo lexical do adultério ocupa uma posição de relevo, não tanto pela sua frequência, mas sobretudo pelos estereótipos sociais associados às infidelidades: 3,59% e 15% respectivamente num léxico português e num léxico brasileiro.
3. As leis relativas ao controle do nascimento e ao aborto podem ser interpretadas como contributos masculinos para a supressão da sexualidade feminina. O controle de nascimentos e o aborto permitem às mulheres envolver-se facilmente em actividades sexuais, sem correr o risco de alternar períodos de gravidez e períodos de disponibilidade sexual. Para assegurar as gravidezes, as leis são feitas de modo a ter efeitos indirectos sobre o comportamento sexual feminino e estes efeitos tendem a restringir a sexualidade feminina.
4. As leis sexuais, isto é, aquelas leis que punem os chamados crimes sexuais, concentram a sua atenção mais sobre os homens do que sobre as mulheres. Deixando de lado as leis homofóbicas e a violência conjugal, três categorias de leis sexuais merecem especial atenção, porque mostram claramente que o sistema legal procura regular a sexualidade masculina: a coerção sexual (violação), a prostituição e o vício comercializado, e as ofensas sexuais.
4.1. Coerção Sexual. A violação sexual é praticada predominantemente pelos homens (99%) e, por isso, os homens são mais frequentemente punidos e presos do que as mulheres. As leis procuram controlar o comportamento coercitivo dos homens. Porém, alguns estudos mostraram que 22% das mulheres e 16% dos homens disseram ter estado envolvidos em sexo contra a sua vontade. Estes dados não alteram o padrão anterior: os homens são presos por terem praticado violação com recurso à força.
4.2. Prostituição e Vício Comercializado. A prostituição é fundamentalmente uma actividade feminina e, por isso, são predominantemente as mulheres que constituem os alvos das leis. Porém, a prostituição é mais combatida pelas mulheres do que pelos homens. Os homens são geralmente apoiantes activos da prostituição, cuja supressão está mais presente na agenda feminina do que na agenda masculina.
4.3. Ofensas Sexuais. Os homens (92%) envolvem-se muito mais em comportamentos sexuais ofensivos do que as mulheres (8%). Por isso, as leis sexuais são mais dirigidas para os comportamentos masculinos do que para os comportamentos femininos. Convém levar em conta que esta categoria é a que está mais sujeita às construções sociais dos actos sexuais inaceitáveis: a base sexista destas construções revela que a sexualidade masculina está sob forte vigilância legal.
A evidência empírica disponível parece contrariar seriamente a ideia de que os homens têm usado agressivamente o sistema legal como meio para suprimir a sexualidade feminina, embora o tenham historicamente controlado. É certo que algumas leis pontuais e específicas foram e são usadas para regular a sexualidade feminina, mas a maior parte das leis relativas ao sexo sugerem uma "clara indiferença" em relação ao comportamento sexual das mulheres: as leis são mais usadas para controlar a sexualidade masculina do que a sexualidade feminina. O conceito de que os homens usam o seu poder político-jurídico para fazer leis que restringem as mulheres, deixando os homens livres, é refutado pelos dados relativos às "prisões sexuais". Isto significa que os homens fazem leis sexuais para regular o comportamento dos outros homens e este mecanismo intramasculino pode ser integrado na teoria do controle feminino: ambos os géneros controlam o sexo através da regulação do comportamento sexual dos membros do seu próprio género. As mulheres utilizam a reputação, a bisbilhotice e outros controles para regular o comportamento de outras mulheres, e os homens recorrem às leis e a outras forças para restringir o comportamento de outros homens.
J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 12 de julho de 2008

Supressão da Sexualidade Feminina e Prostituição

Montaigne insurgiu-se contra a violência praticada contra a castidade das mulheres e, dirigindo-se a «um sábio autor» parisiense da sua época (século XVI), escreveu: «Aborrece-me que ele não tenha sabido, para acrescentar às suas histórias, da anedota que me contaram em Toulouse, de uma mulher que passara pelas mãos de alguns soldados: "Deus seja louvado, dizia ela, que, pelo menos uma vez na vida, eu me fartei sem pecado!"».
As teorias feministas elaboraram o conceito de "patriarcado" para definir a sociedade feita por homens e para os homens. Numa sociedade patriarcal, as prioridades dos homens são procurar controlar as mulheres e usá-las para satisfazer os propósitos masculinos. Isto significa que as instituições sociais reflectem a "vitimização" e opressão das mulheres por parte dos homens. A análise feminista compreende a perspectiva da mulher violada pelos soldados da Reforma, alegando em sua defesa o suposto facto de que, naquele tempo, as mulheres eram muito oprimidas em termos de expressão sócio-sexual e que eram obrigadas a manter-se castas até ao casamento: "fornicar" antes era "pecado", sobretudo quando um tal comportamento era desejado conscientemente por elas. Contudo, esta mulher tinha saciado os seus desejos sexuais "reprimidos" "sem pecado", dado a violação ser um acto não-consentido, portanto, forçado com recurso à força. Neste caso, os "vilãos" são os homens, esses seres que se entusiasmam com a perspectiva da violação e que gostam de controlar e dominar sexualmente as mulheres.
Recentemente, foi formulada a teoria da supressão da sexualidade feminina, segundo a qual esta supressão é um padrão de influência cultural, através do qual as raparigas e as mulheres são induzidas a evitar sentir desejo sexual e a refrear ou reduzir o seu comportamento sexual. No âmbito desta teoria destacam-se duas hipóteses: a teoria do controle masculino e a teoria do controle feminino. A primeira afirma que os homens têm sido a principal fonte de controle da sexualidade feminina, enquanto a segunda defende que as mulheres são a principal fonte da supressão da sexualidade feminina. As teorias feministas adoptam invariavelmente a hipótese do controlo masculino da sexualidade feminina.
A teoria da supressão da sexualidade feminina baseia-se na teoria da troca social, que analisa o comportamento humano em termos de custos e benefícios e encara as interacções sociais como trocas, no decurso das quais as partes oferecem umas às outras recompensas em troca de coisas desejadas. Nesta perspectiva, o sexo é visto como uma fonte que os homens desejam e que as mulheres possuem. Em troca de sexo, os homens oferecem às mulheres outros recursos desejados por elas, tais como dinheiro, compromissos, segurança, atenção ou respeito. O sexo é essencialmente um recurso feminino: os homens querem sexo das mulheres e as mulheres recebem outros bens valiosos em troca dos seus favores sexuais. Isto significa que a sexualidade masculina não pode ser trocada por outros bens. No mercado sexual, as mulheres oferecem sexo e os homens compram sexo.
Montaigne parece ter optado pela teoria do controle masculino: os homens estão interessados em suprimir a sexualidade feminina, porque temem ser traídos pelas suas mulheres ("cornudos") e cuidar de filhos que possam não ser seus ("bastardos"). Os homens suprimem a sexualidade feminina, com o objectivo de controlar as mulheres, garantir paz e ordem na sociedade e reduzir o risco de infidelidade das esposas, de modo a garantir a paternidade. Contudo, diversos estudos contemporâneos concluem que a evidência empírica favorece a teoria do controle feminino: as próprias mulheres "cooperam" e rivalizam entre si para restringir a sexualidade umas das outras, de modo a garantir que a troca de sexo por outros recursos fornecidos pelos homens possa ocorrer de um modo favorável às mulheres.
A prostituição é deveras interessante para a teoria da troca social, porque torna explícita a troca de sexo por recursos. Marx e Engels já tinham observado que a prostituição era a forma mais explícita de troca que caracteriza as relações de género em geral. Aliás, eles descreveram o casamento como «prostituição legalizada», no qual as mulheres trocam sexo pelo dinheiro dos seus maridos, embora de uma maneira mais subtil do que na prostituição propriamente dita. Ora, a prostituição como forma explícita de troca e a pornografia permitem testar empiricamente estas duas hipóteses. A prostituição e a pornografia são inegavelmente duas indústrias sexuais dominadas pelos homens, nas quais as mulheres satisfazem as necessidades dos homens. Ambas oferecem aos homens fontes alternativas de gratificação sexual, ameaçando a capacidade das mulheres de exercer controle sobre os homens e de obter recursos dos homens, mediante a regulação do acesso masculino à gratificação sexual. Dado ampliarem as oportunidades de satisfação sexual masculina, estas fontes podem reduzir o poder de regateio das mulheres e ser vistas como uma chave de competição económica barata, que poderá potencialmente dificultar o monopólio feminino de acesso ao sexo. Por isso, a teoria do controle feminino prevê que as mulheres sejam desfavoráveis em relação à prostituição e à pornografia. Diversos estudos mostraram que as mulheres, além de serem mais negativas em relação à homossexualidade do seu próprio género, se opõem consistentemente à prostituição e à pornografia, e que os movimentos sociais "puritanos" foram populares entre mulheres, embora tivessem alguns lideres masculinos (clérigos). E, por sua vez, as prostitutas foram muito críticas em relação à "revolução sexual" e ao "free sex", isto é, o sexo de baixo-custo ou custo zero, que é pouco benéfico para as mulheres, uma vez que desvaloriza o valor dos seus próprios recursos. A prostituição e a pornografia não são directamente relevantes para a teoria do controle masculino, mas são muito relevantes para a teoria do controle feminino, porque, se as mulheres fossem tolerantes nestas matérias, a teoria seria seriamente contrariada. A oposição feminina à prostituição e à pornografia é consistente com a teoria da troca social.
A prostituição masculina pode ser usada para tentar contrariar a teoria da troca social. Contudo, convém ter em conta que a maioria das prostitutas são mulheres e a vastíssima maioria dos clientes são homens. É certo que existem prostitutos masculinos, muitos dos quais toxicodependentes e jovens que recorrem à prostituição ocasional para aumentar os seus rendimentos, mas os seus clientes são quase exclusivamente homens. Isto significa que as mulheres raramente pagam aos homens para ter sexo. Um desses raros casos é o de algumas mulheres canadianas que viajam até à República Dominicana, para ter "sexual affairs" com "beach boys" nativos. No turismo sexual que flui dos países ricos para os países pobres, os homens dos países ricos viajam frequentemente para os países pobres, tais como Cuba e países asiáticos, em busca de "sexo de baixo-custo". Com excepção de uns poucos casos, a indústria da prostituição, incluindo a prostituição homossexual, reflecte o princípio fundamental da teoria da troca social: os homens oferecem recursos financeiros às mulheres em troca de sexo. E, mesmo nos casos contrários de prostituição masculina, a sexualidade masculina vale, no mercado sexual, muitíssimo menos do que a sexualidade feminina: as mulheres que frequentam gigolos são muito menos propensas a oferecer grandes quantias de dinheiro do que os homens, em troca de favores sexuais.
J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Sexo na e através da Internet

Este tema tem sido muito estudado em todo o mundo, excepto em Portugal, onde ainda, segundo algumas vozes de outro mundo, constitui «assunto tabu».
Contudo, não penso assim e, por isso, realizei o estudo sobre os usos sexuais da Internet. Esta cyberpesquisa desenrolou-se desde 2000 até 2007. Os resultados provisórios foram publicados no blogue «CyberPhilosophy», mas pode lê-los aqui:
GaySex on the Internet e Vidas Electrónicas .
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Interaccionismo Simbólico e Comunicação

LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E INTERACÇÃO SIMBÓLICA



O interaccionismo simbólico, formulação teórica oriunda principalmente do campo da sociologia, é a mais ampla perspectiva sobre o papel da comunicação na sociedade, fornecendo um excelente ponto de partida para muitas outras teorias da interacção social. De facto, os proponentes do interaccionismo simbólico sustentam que muitas das teorias da comunicação, linguagem e socialização estão realmente incluídas nesse quadro de referência mais amplo. Na realidade, o interaccionismo simbólico não é uma teoria mas antes uma problemática teórica que pode englobar numerosas teorias específicas. As teorias inter-relacionam-se, sobrepõem-se e inserem-se em padrões teóricos e, frequentemente, é difícil saber onde termina uma teoria e começa outra. No entanto, todas essas teorias aceitam o princípio fundamental do interaccionismo simbólico, a saber: A comunicação é primordialmente um processo de interacção simbólica.

PREMISSAS COMUNS. O interaccionismo simbólico baseia-se num núcleo de premissas comuns sobre comunicação e sociedade. Manis e Meltzer isolaram seis proposições teóricas básicas do interaccionismo simbólico:

· A primeira premissa diz que a mente, o eu e a sociedade não são estruturas distintas mas processos de interacção pessoal e interpessoal.
· Em segundo lugar, a interacção simbólica é um ponto de vista que enfatiza a linguagem como o mecanismo primário que culmina na mente e no eu do indivíduo.
· Em terceiro lugar, a mente é concebida como a interiorização de processos sociais no indivíduo.
· Em quarto lugar, os interaccionistas simbólicos defendem que os comportamentos são construídos pela pessoa no decurso da sua acção. O comportamento não é puramente reactivo, de um modo mecanicista.
· Em quinto lugar, o veículo primário para o comportamento humano é a definição da situação dada pelo actor social.
· Finalmente, o eu é constituído, na perspectiva da maioria dos interaccionistas, por definições tanto sociais como pessoais (de natureza única). Nesse sentido, a pessoa contém a sociedade em si mesma, sem, no entanto, ser apenas um espelho dos outros significativos.

BREVE HISTÓRIA. Cronologicamente, Manford Kuhn dividiu o desenvolvimento do interaccionismo simbólico em duas etapas principais:

· A primeira, a que deu o nome de tradição oral, foi o período inicial durante o qual se elaboraram os fundamentos primários da interacção simbólica.
· Depois da publicação póstuma de Mind, Self and Society, da autoria de George Mead, floresceu o segundo período, que pode ser designado como a idade da indagação.

Obviamente, o conceito de interacção simbólica não surgiu da noite para o dia na mente de algum pensador solitário. Ele pode ter a sua origem remota na psicologia de William James. Os principais interaccionistas na tradição primitiva foram Charles Cooley, John Dewey, I. A. Thomas e George Herbert Mead. Antes da publicação final das ideias de Mead sobre comunicação, a perspectiva interaccionista foi principalmente animada e sustentada através da transmissão oral, especialmente nas aulas de Mead. Embora Mead não tivesse publicado as suas ideias em vida, ele é considerado o grande instigador do interaccionismo simbólico.

TRADIÇÃO ORAL. Foi durante esse primeiro período meadino que se desenvolveram as mais importantes ideias e conceitos da teoria. Mead e outros interaccionistas separaram-se das perspectivas sociológicas primitivas que distinguiam conceptualmente entre a pessoa e a sociedade: Mead via os seres humanos e a sociedade como inseparáveis e interdependentes. O interaccionismo desse primeiro período destacava a importância do desenvolvimento social, bem como dos factores biológicos inatos. Além disso, os primeiros interaccionistas simbólicos estavam menos interessados no modo como as pessoas comunicavam entre si do que no impacto dessa comunicação sobre a sociedade e os indivíduos. Sobretudo, os primeiros interaccionistas enfatizaram o papel do símbolo e do significado compartilhado como factor aglutinante na sociedade. Finalmente, eles preocupavam-se sobremodo com a necessidade de estudar a relação dos seres humanos com a situação social. Sustentavam que o comportamento da pessoa não podia ser estudado independentemente do contexto em que o comportamento ocorria e da percepção que ela tinha do seu meio ambiente. Um resultado dessa preocupação foi o facto de favorecerem vigorosamente as histórias de casos como método de pesquisa.

IDADE DA INDAGAÇÃO. Nos anos que se seguiram à publicação de Mind, Self and Society, durante a idade da indagação, duas escolas divergentes começaram a desenvolver-se no âmbito do interaccionismo simbólico. As formulações originais de Mead não eram inteiramente coerentes e deram margem, definitivamente, a interpretações e a extensões divergentes. Surgiram assim as escolas de Chicago e de Iowa.
A Escola de Chicago, liderada por Herbert Blumer, deu continuidade à tradição humanista iniciada por Mead. Blumer acredita, sobretudo, que o estudo dos seres humanos não pode ser conduzido da mesma forma que o estudo das coisas. As metas do pesquisador devem ser estas: empatizar com o sujeito, penetrar no seu domínio de experiência e tentar entender o valor ímpar da pessoa. Blumer e os seus seguidores detestavam as abordagens quantitativa e científica no estudo do comportamento humano. Em vez disso, destacavam as biografias, autobiografias, estudos de casos individuais, diários, cartas e entrevistas não-dirigidas. Blumer realçou particularmente a importância da observação participante no estudo da comunicação.
Além disso, na tradição de Chicago, o homem é visto como um ser criativo, inovador e livre para definir cada situação de um modo único e imprevisível. O eu e a sociedade são considerados um processo, não uma estrutura. Imobilizar o processo seria perder a essência das relações homem-sociedade.
A Escola de Iowa adoptou uma abordagem mais científica do estudo da interacção. Manford Kuhn, o principal progenitor da tradição de Iowa, acreditava que os conceitos interaccionistas podem ser operacionalizados. Embora admitisse a natureza de processo do comportamento, Kuhn defendeu que a abordagem estrutural objectiva é mais fecunda para a investigação do que os métodos “soft” usados por Blumer. Kuhn foi responsável por uma das principais técnicas de mensuração usadas na pesquisa da interacção simbólica.
Largamente como resultado dessa divisão básica na tentativa de resolver algumas das ambiguidades deixadas por Mead, numerosos temas desenvolveram-se nos últimos 30 anos. Kuhn enumerou seis subáreas principais: teoria do papel social, teoria do grupo de referência, percepção social e percepção pessoal, teoria do eu, teoria interpessoal e linguagem e cultura. Resta ver se todos esses teóricos prestam obediência ao interaccionismo simbólico, mas é provável que todas essas áreas tenham sido imensamente influenciadas pelos escritos dos principais interaccionistas simbólicos.

OS FUNDAMENTOS: GEORGE HERBERT MEAD. Embora seja um equívoco atribuir todas as ideias básicas subentendidas no interaccionismo simbólico a uma única pessoa, George Herbert Mead foi, indubitavelmente, o gerador primordial do movimento. Nesse sentido, Mead pode ser muito bem chamado o “pai” do interaccionismo simbólico. Como quase todos os teóricos, Mead foi um produto do seu tempo. No período pós-darwiniano, nos começos do século XX, Mead acompanhou outros no tipo de pensamento necessário nesse ponto da história das ideias. Mead era simultaneamente pragmático, psicólogo social e behaviorista. Entretanto, em aspectos fundamentais, afastou-se dos seus predecessores e contribuiu para muitas ideias deles.
Depois da teoria da evolução biológica de Darwin, filósofos em diversas disciplinas afins voltaram o seu pensamento para a perspectiva evolucionista. Passou a ser tarefa do pragmático conjugar ideias da biologia, psicologia e sociologia, a fim de estudar a pessoa como um ser evolucionário. Mead era, desde longa data, um colaborador de John Dewey, um dos principais pragmáticos norte-americanos. Depois de se conhecerem na Universidade de Michigan, Dewey e Mead tornaram-se, social e profissionalmente, grandes amigos. Leccionaram juntos na Universidade de Michigan e depois na de Chicago. Como todos os pragmáticos, Mead não se deixava iludir pela conduta humana. Tentou explicar o indivíduo e a sociedade em termos significativos e, em última instância, observáveis.

PSICÓLOGO SOCIAL. Profissionalmente, Mead considerava-se um psicólogo social. Não era primordialmente um pesquisador, pois não considerava tarefa sua colectar novos dados. Preferiu trabalhar com as provas facilmente acessíveis à sua volta para formular explicações da conduta em questões humanas. As suas obras estão repletas de ilustrações comuns, não para provar mas para demonstrar. As concepções de Mead eram compatíveis com as de outros interaccionistas do seu tempo, mas criticou-os por não desenvolverem os conceitos de mente e eu como produto da interacção social. Como psicólogo social, Mead não evitou os factores biológicos na sua teoria; de facto, ele considerou o potencial biológico herdado de uma pessoa um antecedente para o processo inteiro de socialização que culmina no eu e na mente.

BEHAVIORISTA. Mead também era um behaviorista. Mas, ao usarmos este termo, devemos ser cuidadosos na especificação do sentido em que Mead aceitava o behaviorismo social. Tal como os behavioristas psicológicos do seu tempo, nomeadamente Watson, Mead respeitava a importância de se investigar a real conduta humana. Entretanto, Mead estava disposto a ultrapassar os níveis infrahumanos que preocupavam os behavioristas watsonianos. Para Mead, o organismo entre estímulo e resposta, a pequena caixa negra, não era inatingível. Por conseguinte, a psicologia de Mead era distintamente humana, e ele usou o acto social como unidade básica de análise. Esse acto social, como veremos, inclui uma área manifesta ou pública, e um domínio encoberto ou privado.
Mead rompeu com o behaviorismo mais rígido e limitado ao proclamar que o comportamento humano é qualitativamente diferente do comportamento sub-humano. Ao contrário do que acontece com o rato num labirinto, a conduta humana deve ser basicamente explicada em termos sociais. Outra manifestação do behaviorismo de Mead foi a sua convicção de que o mundo físico estudado pela ciência é sempre mediado pela experiência humana. Os objectos só se tornam objectos por causa da percepção e experiência deles por uma pessoa.

As obras de Mead foram compiladas e editadas após a sua morte em 1931. Em consequência, os livros de Mead parecem episódicos, em certos trechos, e nem sempre bem organizados. De facto, o seu mais conhecido livro, Mind, Self and Society, foi compilado a partir de apontamentos feitos pelos seus alunos. The Philosophy of the Present, publicado em 1932, é um conjunto de lições sobre filosofia da história. Mind, Self and Society, a “bíblia” do interaccionismo simbólico, foi editado em 1934. Movements of Thought in the 19th century, conferências sobre a história das ideias, veio a lume em 1936. E, em 1938, publicou-se Philosophy of the Act.

TEORIA DE MEAD. Os três conceitos cardeais na teoria de Mead, expressos no título da sua obra mais célebre, são sociedade, eu e mente. Entretanto, mostraremos que essas categorias não são distintas. Pelo contrário, são ênfases diferentes sobre o mesmo processo geral: o acto social. Básica no pensamento de Mead é a noção de que o homem é um actor e não um reactor. O acto social é um conceito abrangente sob o qual podem abrigar-se quase todos os outros processos psicológicos e sociais. O acto é uma unidade completa de conduta, uma Gestalt, a qual não pode ser analisada em subpartes específicas. Um acto humano pode ser breve, como amarrar um sapato, ou pode ser a realização de um plano de vida. Os actos inter-relacionam-se e estruturam-se uns sobre os outros, em forma hierárquica, ao longo da vida da pessoa.
Os actos começam com um impulso; envolvem percepção e, atribuição de significado, repetição mental e ponderação de alternativas na cabeça da pessoa, e consumação final. Em sua mais básica forma, um acto social é uma relação triádica que consiste num gesto inicial de um indivíduo, uma resposta a esse gesto por outro indivíduo (encoberta ou abertamente), e uma resultante do acto, a qual é percebida ou imaginada por ambas as partes na interacção. Num assalto à mão armada, por exemplo, o assaltante indica à vítima o que pretende fazer. A vítima responde entregando dinheiro e, no gesto inicial e na resposta, ocorreu a resultante definida (um assalto).

SOCIEDADE. Com essa noção básica em mente, examinemos mais de perto a primeira faceta da análise meadiana: a sociedade. Basicamente, a sociedade ou vida em grupo é um aglomerado de comportamentos cooperativos exibidos por parte dos seus membros. Os animais inferiores também têm sociedades, mas estas diferem da sociedade humana em certos aspectos fundamentais. Sociedades animais como as da abelha baseiam-se na necessidade biológica. Elas são fisiologicamente determinadas. Logo, uma sociedade animal comporta-se o tempo todo de maneira previsível, estável e inalterada. O que é que distingue, pois, o comportamento cooperativo humano?
Existem duas importantes funções na cooperação humana.
  • Em primeiro lugar, uma pessoa deve chegar a entender as intenções do outro comunicador.
  • Ela deve perceber as acções do outro, mas, num sentido mais importante, deve imaginar o que o outro pretende fazer no futuro. Uma vez que «reflectir mentalmente» ou pensar é um processo de imaginar que acções serão empreendidas pela pessoa no futuro próximo ou distante, parte do processo de «sondar» o outro consiste em tentar avaliar como o outro planeia responder a seguir. Assim, a cooperação consiste em «ler» as acções e intenções da outra pessoa e em responder de um modo apropriado. Isso é a essência da comunicação interpessoal, e essa noção de resposta mútua com o uso da linguagem faz do interaccionismo simbólico uma teoria vital da comunicação.

Ora, os animais podem comunicar-se mediante processos elementares; mas é esse comportamento único do uso de símbolos que distingue a comunicação do homem em sociedade. Diz-se que as espécies sub-humanas realizam uma conversação de gestos. Mas esses gestos são apenas sinais, pois evocam respostas instintivas programadas e previsíveis. Por exemplo, uma galinha pode cacarejar e os seus pintos correrão para ela. Ou um cão rosnará e arreganhará o focinho quando deparar com outro cão hostil. Mas não existe um significado interno nesses actos para os animais em questão. Os animais não atribuem um significado consciente aos gestos; eles não «reflectem» sobre as suas respostas. Esse tipo de comunicação de sinais nas espécies infra-humanas realiza-se rapidamente, sem interrupção.
Por outro lado, os seres humanos fazem uso de símbolos na sua comunicação. As pessoas levam a efeito conscientemente um processo de manipulação mental, demorando a resposta e atribuindo significado aos gestos de outras. O símbolo é interpretado pelo receptor.
Vejamos um exemplo: Suponhamos, por um momento, que dois homens estão sentados lado a lado em bancos de um bar. O primeiro homem, acidentalmente, apanha a bebida errada. O outro homem enfurece-se; fecha o punho, leva o braço ligeiramente atrás e diz: — Eh, você... —. O primeiro homem percebe o gesto. Em sua imaginação, calcula a intenção do outro: dar-lhe um soco no nariz. Interpreta os símbolos, atribui-lhes um significado e planeia a sua própria resposta. Num momento, responde: — Oh, não me agrida. Foi um acidente —. A sua explicação ao outro, nesse momento, evita uma experiência sumamente embaraçosa e, diga-se de passagem, dolorosa. É claro, isso é um exemplo muito simples de um acto social, mas ilustra a natureza cooperativa, adaptativa e receptiva do comportamento consciente que recorre ao uso de símbolos. Se os nossos dois personagens fossem cães e um tivesse violado o território do outro, o desfecho teria sido muito mais previsível.
Há outro aspecto importante nessa ideia da sociedade como uma série de interacções cooperativas, fundadas no uso de símbolos. Os símbolos usados devem possuir um significado compartilhado pelos indivíduos na sociedade. Na terminologia meadiana, um gesto com significado compartilhado é um símbolo significante. Em suma, a sociedade nasce nos símbolos significantes do grupo. Em virtude da nossa capacidade para vocalizar símbolos significantes, podemos literalmente ouvir-nos e, assim, responder a nós próprios como os outros nos respondem. Podemos imaginar o que é ser o receptor das nossas próprias mensagens, empatizando assim com o ouvinte e assumindo o papel de ouvinte, completando a resposta do outro nas nossas próprias cabeças. Essa interacção entre responder a outros e responder ao eu é uma concepção extremamente importante na teoria de Mead e fornece uma excelente transição para o segundo membro da tríade: o eu.
EU. Afirmar que uma pessoa tem um eu sugere que o indivíduo pode actuar em relação a si mesmo, tal como pode actuar em relação aos outros. Uma pessoa pode reagir favoravelmente a si mesma, pode sentir-se orgulhosa, feliz, encorajada; ou ficar furiosa consigo mesma, punitiva ou revoltada. O modo primário como um homem passa a ver-se tal como os outros o vêem (isto é, possui um conceito de eu) é a adopção de um papel. Evidentemente, isso seria impossível sem linguagem (símbolos significantes), visto que, através da linguagem, a criança aprende as respostas, intenções e definições dos outros, incluindo as definições que eles lhe atribuem.
Mead descreveu duas fases explícitas de desenvolvimento do eu e uma fase inicial implícita, ou seja, três estágios através dos quais uma pessoa aprende a desempenhar papéis adultos:

  • O primeiro estágio é o preparatório (1-3 anos). Nele, a criança pequena imita as pessoas à sua volta, reproduzindo os gestos delas de um modo desprovido de significado. Durante este estágio, a criança imita o comportamento adulto, sem entender realmente o que está a fazer, como quando a menina abraça a boneca e depois usa-a como um bastão para bater no irmão. O bebé pode apanhar um jornal ou calçar os sapatos do papá, ou espetar um pedaço de carne com um pequeno garfo. Isso é uma fase puramente preliminar, em que a criança não possui significados para os actos que imita.
  • Mais tarde, porém, no estágio teatral ou de actuação (3-4 anos), a criança representa literalmente o papel de outros significativos no seu meio ambiente. Ao representar mamã e papá, ou o doutor, ou o bombeiro, uma criança no estágio teatral fingirá ser outra pessoa e actuará em relação a um receptor que, na realidade, é ela própria. O estágio teatral desenrola-se em sequência, na medida em que cada papel é adoptado separadamente, à semelhança de um actor representando papéis prescritos. É marcado pela desorganização e pelo movimento esporádico de um papel para outro. Não se mantém um ponto de vista unitário e, assim, a criança não desenvolve uma concepção singular de si mesma. Embora tenham um certo entendimento do comportamento, as crianças passam de um papel para outro erraticamente. Num dado momento, o menino é um construtor, empilhando blocos, e, no momento seguinte, já é um astronauta.
  • Finalmente, vem o estágio de jogo ou da actuação de acordo com as regras do jogo (4-5 ou mais anos), quando o comportamento de papel se torna coerente e deliberado, com uma habilidade para perceber o papel dos demais jogadores. O indivíduo passa a responder simultaneamente, de um modo generalizado, a muitos outros, mais precisamente ao outro generalizado que é, no fundo, a própria sociedade. Mead forneceu a analogia do jogo de beisebol, em que cada jogador deve possuir uma visão simultânea de todos os nove papéis e adaptar-se (responder) em conformidade com eles, ou seja, precisa interiorizar o seu próprio papel, bem como o dos demais jogadores. O que ocorre nesse estágio é que a pessoa deve generalizar um papel compósito das definições dela por todos os outros. Assim, através da brincadeira infantil, a pessoa desenvolve a habilidade para ver o seu próprio comportamento na sua relação com os outros e sentir a reacção das pessoas envolvidas.

Uma das principais contribuições de Mead é, portanto, o conceito do outro generalizado. É através desta consciência dos papéis, sentimentos e valores dos outros que toma forma nas nossas mentes o outro generalizado. Este é aproximadamente equacionado com os padrões ou valores da comunidade. O outro generalizado é o papel unificado em decorrência do qual o indivíduo passa a ver-se a si mesmo. É a percepção do indivíduo do modo global como os outros o vêem. O conceito de eu será finalmente organizado e unificado através da internalização desse outro generalizado. Tomando repetidamente o papel de outro generalizado, uma pessoa desenvolve o conceito do eu — da espécie de pessoa que é —, ao mesmo tempo que aplica repetidamente os julgamentos deste outro generalizado às suas próprias acções. A falha em desenvolver esta capacidade para adoptar o ponto de vista de outrem — ou assumir o papel de outrem — parece fazer claudicar o desenvolvimento da personalidade.
Vejamos um exemplo simples: Suponha o leitor que se vê a si mesmo como uma pessoa industriosa e criativa. Esse outro generalizado é o seu conceito unificado de como os outros, em geral, percebem o leitor. Tal conceito foi aprendido ao longo dos anos de interacção simbólica com outras pessoas na sua vida.
O eu possui duas facetas, cada uma delas servindo uma função vital na vida do ser humano. Mead designou-as por eu-mesmo e mim.

  • O eu-mesmo ou si mesmo é a parte única, impulsiva, espontânea, desorganizada, não-dirigida e imprevisível da pessoa.
  • O mim é o outro generalizado, composto de padrões organizados e consistentes compartilhados com outros.
  • Todo acto principia com um impulso proveniente do eu-mesmo e que passa rapidamente a ser controlado pelo mim. O eu-mesmo é a força impulsora em acção, enquanto o mim fornece direcção e orientação. Mead usou o conceito de mim para explicar o comportamento socialmente aceitável e adaptativo, e o eu-mesmo para explicar os impulsos criativos e imprevisíveis dentro da pessoa.

MENTE. O eu, ou a capacidade de actuar em relação ao eu, cria uma situação que não é encontrada nos animais inferiores. A capacidade de usar símbolos significativos para respondermos a nós mesmos leva à possibilidade de experiências interiores e de pensamentos que podem ou não ser consumados na conduta manifesta. É esta última ênfase que constitui a terceira parte da teoria de Mead: a mente.
A mente pode ser definida como o processo de interacção da pessoa com o seu próprio eu. Essa capacidade, que se desenvolve simultaneamente com o eu, é crucial para a vida humana, pois é parte importante de todo e qualquer acto. Reflectir envolve hesitação (protelar a acção aberta) enquanto a pessoa interpreta conscientemente, atribui significado aos estímulos. A reflexão ocorre em torno de situações problemáticas em que o indivíduo deve ponderar o futuro. A pessoa imagina vários resultados na sua cabeça, selecciona e examina possíveis acções alternativas.
O motivo pelo qual a reflexão mental é tão importante para Mead é que ela fornece o fundamento lógico para ver a pessoa como um actor e não como um reactor passivo. Os seres humanos constróem literalmente o acto antes de o consumarem. O rato num labirinto passa por um longo e demorado processo de ensaio-e-erro, mas, nos seres humanos, esse ensaio-e-erro pode ocorrer de forma encoberta, na mente da pessoa, antes de ela começar sequer a movimentar-se. Isso constitui, necessariamente, um processo de imaginação, reflexão e pensamento.
Normalmente, no mundo animal, o organismo é bombardeado por estímulos provenientes do meio ambiente, mas, na vida humana, o organismo faz objectos a partir dos estímulos. Como as pessoas possuem símbolos significantes que lhes permitem dar nomes aos seus conceitos, elas podem transformar meros estímulos em objectos reais. Os objectos não existem independentemente das pessoas. O objecto é sempre definido pelo indivíduo em termos das espécies de actos que uma pessoa pode executar em relação ao objeto. Um lápis é um lápis se posso escrever com ele. Uma paisagem marinha é uma paisagem marinha quando dou valor ao acto de contemplá-la. Uma garrafa de uísque é uma bebida quando formulo a ideia de a beber (ou não beber, conforme o caso). Os objectos tornam-se os objectos que são através do processo de reflexão simbólica do indivíduo e, quando o indivíduo imagina acções novas ou diferentes em relação a um objecto, este é transformado para ele.
Em suma, Mead viu a pessoa como um organismo biologicamente avançado, com um cérebro capaz de pensamento racional. Através do uso de gestos significativos e da adopção de papéis, a pessoa torna-se um objecto para si mesma, isto é, ela vê-se como os outros a vêem. A pessoa internaliza essa visão geral do eu e comporta-se coerentemente com tal visão. Através do processo de reflexão mental, a pessoa planeia e repete mentalmente o comportamento simbólico, preparando-se para a subsequente interacção com os outros.

HERBERT BLUMER E A ESCOLA DE CHICAGO. Herbert Blumer foi, sem dúvida, o mais destacado apóstolo de Mead. De facto, o próprio Mead nunca usou a expressão interaccionismo simbólico. Foi Blumer quem criou o termo em 1937. Blumer referiu-se a esse rótulo «como um neologismo algo bárbaro que cunhei de um modo improvisado. [...] Seja como for, o termo agradou e tornou-se popular». Embora Blumer tivesse publicado artigos dispersos ao longo da sua carreira, somente após a sua publicação em 1969 de Symbolic Interactionism: perspective and method é que se tornou acessível uma visão unificada do seu pensamento. No primeiro capítulo desse livro, Blumer afirmou claramente a sua dívida para com Mead e a sua dedicação à ampliação e aperfeiçoamento da perspectiva interaccionista. As formulações de Blumer foram inteiramente coerentes com as do seu mentor, mas ele não se limitou a repetir meramente Mead: «Fui compelido a devolver a minha própria versão, tratando explicitamente de muitas questões cruciais que estavam somente implícitas no pensamento de Mead e outros, e cobrindo tópicos críticos pelos quais eles não estavam interessados».
Blumer iniciou o seu pensamento sobre interacção simbólica com três importantes premissas:

(1) «Os seres humanos agem em relação às coisas na base dos significados que as coisas têm para eles»;
(2) «[...] o significado de tais coisas deriva, ou decorre, da interacção social que um indivíduo tem com os seus semelhantes»;
(3) «[...] esses significados são manipulados e modificados através de um processo interpretativo usado pela pessoa no trato com as coisas com que se defronta».

Como veremos, Blumer criticava em numerosos aspectos a principal corrente da ciência social e um desses aspectos era o tratamento do significado. Blumer mostrou como a maioria das teorias da ciência do comportamento depreciava a importância do conceito de significado. Muitas teorias ignoram completamente o significado e outras colocam-no na categoria subordinada geral de factores antecedentes. Mas, no interaccionismo simbólico, o significado assume um papel central no próprio processo social.
Segundo Blumer, o significado pode ser encarado de três pontos de vista.

  • O primeiro é ver o significado como inerente ao objecto. Esta perspectiva provém do realismo, uma abordagem mais sobre a natureza do que sobre a sociedade.
  • A segunda teoria de significado atribui-o ao «acrescentamento psíquico». Sob este paradigma, o significado surge como resultado de certas orientações psicológicas internas da pessoa.
  • Mas a terceira perspectiva, nitidamente interaccionista, identifica o significado como produto da vida social. Seja qual for o significado que uma pessoa tem para uma coisa é sempre o resultado dos modos como outras pessoas agiram em relação a ela, a respeito da coisa que está sendo definida. Uma pessoa não pode ter significado para alguma coisa independentemente da interacção com outros seres humanos.

O que distingue a concepção interaccionista do significado é a sua ênfase sobre a interpretação consciente. Um objecto passa a ter significado para a pessoa no momento em que o indivíduo considera conscientemente, reflecte e pensa sobre o objecto, ou o interpreta. Esse processo de tratamento de significados converte-se numa conversação interna — ou discurso interior — dentro da pessoa: «O actor selecciona, confere, suspende, reagrupa e transforma os significados à luz da situação em que está colocado e da direcção que imprimiu à sua acção». Esse processo interno, recorde-se, é idêntico ao conceito de Mead de reflexão mental (mind).
Blumer sublinhou a importância dessa noção de significado para toda a perspectiva de interacção simbólica. Essas três premissas sobre significado são o esqueleto para o pensamento de Blumer e a carne é fornecido pelo que ele chamou as suas «imagens radicais» (root images). Essas imagens cobrem os tópicos da vida em grupo, interacção social, natureza dos objectos, pessoas como actores, natureza da acção humana e interligações das acções individuais na sociedade. Examinemos, um por um, cada um desses tópicos.

SOCIEDADE E INTERACÇÃO SOCIAL. Blumer reiterou o ponto de vista de Mead de que a sociedade nasce das interacções individuais. Nenhuma acção humana existe separada da interacção. Quase tudo o que uma pessoa é e faz é formado no processo de interactuar simbolicamente com outras pessoas. A interacção consiste num mútuo levarem-em-conta e responder, e a sociedade resulta de cada pessoa coordenar a sua própria conduta como a dos outros. Mas a vida em grupo e a conduta individual modelam-se através do processo em curso de interacção simbólica.

OBJECTOS. O mundo da pessoa consiste em objectos. Blumer tratou os objectos de um modo essencialmente idêntico ao de Mead. Para Blumer, os objectos eram de três tipos: físicos (coisas), sociais (pessoas) e abstractos (ideias). Os objectos adquirem significado através da interacção simbólica. Os objectos podem ter significados diferentes para pessoas diferentes, dependendo da natureza das acções dos outros em relação à pessoa, no que tange ao objecto definido. Um agente policial em Watts (bairro negro de Los Angeles) pode significar algo muito diferente para os cidadãos dessa área do que um agente policial significa para os cidadãos de Beverly Hills, por causa das diferentes espécies de interacções entre os residentes dessas duas áreas geográficas imensamente diferentes.

PESSOA E ACÇÃO HUMANA. O tratamento da acção por Blumer foi essencialmente o mesmo de Mead. Blumer viu o homem como actor, não reactor. O homem é capaz de actuar porque possui um eu, e, reiterando a concepção meadiana, o homem tem capacidade para actuar em relação a si mesmo como um objecto. Ao assumir imaginativamente os papéis de outros à sua volta, uma pessoa vê-se como os outros a vêem. Essa capacidade para actuar implica que o indivíduo pode lidar com situações problemáticas: «Em vez de ser meramente um organismo que responde ao jogo de factores sobre ou através dele, o ser humano é visto como um organismo que tem de lidar com aquilo que observa».
Ora, essa relação entre acção e eu é a característica distintiva da vida humana. A pessoa defronta-se com uma situação após outra, fornecendo de cada vez indicações a si mesma acerca das contingências na sua percepção consciente. Ela deve avaliar e interpretar a situação, e planejar uma resposta apropriada. Como disse Blumer: «A pessoa poderá realizar um trabalho deplorável na construção da sua acção, mas tem de construí-la». O que é visto como acção social ou de grupo é meramente o processo ampliado de muitos indivíduos de ajustamento das suas acções mútuas.

ACÇÃO SOCIAL. Uma das áreas primárias em que Blumer ampliou o pensamento de Mead foi a acção de grupo ou social. Blumer reconheceu a importância da «acção grupal» e adoptou medidas concretas para a definir. Uma acção conjunta de um grupo de pessoas consiste na interligação das suas respectivas acções separadas. Mas a acção grupal é distinta. Não é a mera soma das acções individuais que a constitui. Instituições tais como o casamento, o comércio, a guerra e o culto religioso são acções conjuntas. Entretanto, Blumer deu importante destaque ao perigo potencial no estudo da actividade grupal. Embora a acção de grupo seja uma Gestalt em si mesma, ela baseia-se, entretanto, em actos individuais e é erróneo considerar a conduta grupal independentemente das acções individuais dos participantes: «Os participantes ainda têm de guiar os seus respectivos actos, mediante a formação e uso de significados».

Blumer formulou três observações básicas acerca das interligações ou interacções.

  • Em primeiro lugar, assinalou que a maior porção da acção de grupo numa sociedade avançada consiste em padrões altamente estáveis e recorrentes. Essas instituições numa sociedade possuem significados comuns e preestabelecidos. Em virtude da alta frequência de tais padrões, a tendência dos estudiosos é para tratá-los como estruturas ou entidades. Contudo, Blumer advertiu-nos que não esquecêssemos que as novas situações decorrem sempre de problemas presentes que requerem ajustamento e redefinição. Mesmo no caso de padrões grupais altamente repetitivos, nada é permanente. Cada caso deve começar de novo com a acção individual. Por mais sólida que uma acção grupal pareça ser, ela permanece ainda enraizada no eu de cada ser humano: «É o processo social na vida grupal que cria e sustenta as regras; não são as regras que criam e sustentam a vida grupal».
  • A segunda observação feita por Blumer acerca de grupos é a natureza profunda e ampla de algumas das interligações. As acções individuais podem ser ligadas através de complicadas cadeias. Actores distantes podem, em última instância, ser interligados de diversas maneiras, mas, ao invés do pensamento sociológico popular, «uma cadeia ou uma instituição não funciona automaticamente por causa de alguma dinâmica interna ou requisitos sistémicos; ela funciona porque as pessoas, em diferentes pontos, fazem algo e o que fazem é um resultado de como elas definem a situação em que são chamadas a actuar».
  • A terceira observação vincula as primeiras duas. Com a compreensão de que os macrogrupos numa sociedade se baseiam na interacção simbólica individual, podemos perceber agora que os antecedentes e a formação básica dos indivíduos são de suma importância para definir a espécie de interacção que irá adquirir existência. O ponto principal, repetidamente descrito por Blumer, é que os grupos e instituições na sociedade não são organismos ou estruturas per se. Em primeiro lugar, e acima de tudo, são interligações de interacções simbólicas humanas básicas.

METODOLOGIA. A segunda ampla área em que Blumer foi mais além de Mead é a metodologia. Como a metodologia constitui a diferença primordial e notável entre as escolas de Chicago e Iowa, é especialmente importante analisar as ideias de Blumer sobre método. É impossível ler qualquer trecho mais extenso do livro de Blumer sem nos apercebermos de como esse tópico era vital para ele. Embora Mead não enfatizasse o método, Blumer sustentou que a própria natureza do interaccionismo simbólico está contida no seu método. Blumer tinha algumas opiniões vigorosas sobre esse tópico, mas, depois de lermos alguns dos trabalhos de Kuhn, percebemos que o ponto de vista metodológico, no âmbito do interaccionismo simbólico, não é tão singular quanto Blumer nos induzia a crer.
O fundamento mais básico para a ciência do comportamento, segundo Blumer, deve ser o mundo empírico: «Esse mundo empírico deve ser sempre o ponto central de interesse. É o ponto de partida e o ponto de regresso no caso da ciência empírica». Entretanto, não podemos subestimar o papel do observador na verificação empírica. Coerente com a perspectiva interaccionista simbólica, a realidade só existe através da experiência humana. Nas palavras de Blumer, «é impossível citar um único caso de caracterização do “mundo da realidade” que não seja vazado na forma de imagens mentais humanas».
Nesse contexto, existem dois perigos potenciais para a pesquisa. O primeiro é a concepção de que a realidade no mundo empírico é imutável e existe para ser «descoberta» pela ciência. Outro perigo afim é a convicção de que a realidade é melhor consubstanciada em termos da física. Ambas essas concepções já espalharam a devastação no campo da pesquisa da ciência social: «Forçar todo o mundo empírico a ajustar-se a um esquema que foi criado para determinado segmento desse mundo é dogmatismo filosófico e não representa a abordagem da genuína ciência empírica».
A investigação, na sua forma ideal, deve envolver seis aspectos principais.

  • Em primeiro lugar, o pesquisador deve possuir e fazer uso de algum quadro de referência ou modelo do mundo empírico. A pesquisa não pode ser abordada em níveis abstractos que não incluem um quadro prévio do mundo tal como realmente é.
  • Em segundo lugar, o pesquisador precisa formular interrogações sobre o mundo, as quais devem, em última instância, ser equacionadas como problemas.
  • Em terceiro lugar, deve existir uma determinação da espécie de dados a procurar, e uma avaliação dos métodos pelos quais os dados podem ser obtidos.
  • Em quarto lugar, o pesquisador precisa determinar padrões de relações entre os dados colectados.
  • Em quinto lugar, é necessária a interpretação dos resultados obtidos e,
  • finalmente, o investigador deve conceituar o que foi descoberto.

Foi nesse ponto que Blumer desfechou as suas críticas mordazes à corrente principal do método da ciência social:

«A esmagadora maioria do que hoje passa por ser metodologia é composta de preocupações tais como as seguintes: criar e usar sofisticadas técnicas de pesquisa, usualmente de um carácter estatístico avançado; construir modelos lógicos e matemáticos, guiados com excessiva frequência pelo critério de elegância; elaborar esquemas formais sobre como construir conceitos e teorias; aplicar com valentia esquemas importados, como a análise de input-output, a análise de sistemas e a análise estocástica; conformismo estudioso aos cânones do plano de pesquisa; e promoção de um procedimento particular, como a pesquisa sistemática, como o método do estudo científico. Espanta-me a suprema confiança com que essas preocupações são proclamadas a substância da metodologia. Muitas dessas preocupações [...] são grosseiramente inadequadas, na simples base de que lidam somente com um aspecto limitado do acto pleno de investigação científica, ignorando questões tais como premissas, problemas, conceitos, etc. Mais sério é o seu fracasso quase universal em enfrentar a tarefa de descrever os princípios de como esquemas, problemas, dados, conexões, conceitos e interpretações deverão ser construídos, à luz da natureza do mundo empírico sob estudo».

Através de todos esses métodos tradicionais, quatro procedimentos generalizados são seguidos, de acordo com Blumer. Essas abordagens fracassam como métodos realistas para validação empírica. São eles: «(a) a adesão a um protocolo científico, (b) a reprodução de estudos de pesquisa, (c) a confiança na verificação de hipóteses, e (d) o emprego dos chamados procedimentos operacionais».
Se os meios usuais de pesquisa são inadequados, o que foi que Blumer propôs como alternativa? Sustentou ele que os pesquisadores devem desenvolver o conhecimento participativo em primeira mão dos fenómenos investigados. O cientista poderá chamar “soft” à observação participativa, mas, na realidade, é um processo rigoroso de descoberta da verdadeira natureza do mundo. Esse tipo de método consiste em dois estágios:

O primeiro estágio é o que Blumer chamou exploração. A exploração é uma técnica de sondagem minuciosa e altamente flexível em que o investigador usa qualquer método ético de obtenção de informações. No estágio de exploração, o investigador deve avançar de técnica para técnica, de maneira flexível e confortável, a fim de obter um quadro amplo e realista da área sob investigação. As técnicas podem ir desde a observação directa à entrevista, desde «escutar» conversações até à análise de biografias, desde a leitura de cartas e diários até à consulta de registros públicos. Não existem directrizes formais a serem obedecidas, e quaisquer procedimentos usados têm de se adaptar à situação.

O segundo estágio é mais focalizado. Depois de se determinar a natureza geral do fenómeno, o pesquisador inicia a inspecção. A diferença primordial entre exploração e inspecção é profundidade e foco. Segundo Blumer, a inspecção «é um exame concentrado e intensivo». Esse exame deve ser feito no contexto da área que está a ser investigada.

ERVING GOFFMAN E A AUTO-APRESENTAÇÃO. É impossível apresentar em algumas linhas tudo o que se ordene em sociologia sob o termo de «interaccionismo», de Blumer ao grupo de Palo Alto, passando por Goffman... Não são os papéis, as normas e os valores que comandam a acção social, mas as relações cara a cara nas quais os actores põem em prática estratagemas e competências que fixam as suas identidades e realizam as de outrem. Ainda aí as noções de sociedade e de indivíduo estão longe de serem fundamentais, porque aquilo a que se chama as «realidades sociais» é tão-só o produto dessas interacções.
Sob reserva de se considerar a interacção como um nível microssociológico no qual se movem os mecanismos centrais do sistema, o que não é, falando com rigor, um interaccionismo, o objecto do interaccionismo é considerado como uma realidade independente e criadora que não reclama a ideia de sistema social. É o que muito bem diz Goffman: «Eu não me ocupo da estrutura da vida social, mas da estrutura da experiência individual da vida social. Pessoalmente dou prioridade à sociedade e considero os empenhamentos de um indivíduo como secundários: este trabalho não trata pois senão daquilo que é secundário». Maneira elegante de dizer que o actor e o sistema estão separados e que o indivíduo não é definido pela interiorização do social; na verdade, é o sistema que não tem «importância».
O actor de Goffman é definido pela interacção na qual está empenhado; todavia, ele não tem em vista nem as normas nem os valores derradeiros da sociedade, mas simplesmente o sucesso que lhe permite ser reconhecido por outrem. O sucesso assenta, não em critérios objectivos globais, mas na capacidade de manter a interacção e de fazer com que seja nela aceite com proveito seu. É, por outro lado, esta necessidade de manter a própria interacção que reclama estratégias de evitação e de civilidade. O problema maior do actor é, pois, o da «face», da encenação de si no seio de uma vida quotidiana que funciona ela própria como uma encenação. Esta face não é a expressão do indivíduo clássico e do seu Ego, porque nada há por detrás da face, e o leitor de Goffman move-se num mundo sem «motivações», sem «interioridade». Prosseguindo nas metáforas de que Goffman gosta, digamos que não há pessoa por detrás da personagem, nada para além do «exterior» dos encontros. As interacções não resultam de acções já organizadas que se cruzam e se harmonizam, elas desenrolam-se no seu tempo próprio e num espaço de apresentações de si que não tem outra finalidade que não seja o reconhecimento de outrem. O indivíduo surge como um «empreendimento de papéis» que tem por finalidade que ele seja credível para os outros. A interiorização dos papéis só é efectiva na medida em que é necessária a credibilidade; de outro modo, o actor representaria em falso. A acção não é a unidade primeira, porque ela só existe na interacção que lhe fixa os limites e aquilo que está em jogo. «A natureza mais profunda das relações entre as pessoas está à flor da pele, é a pele dos outros. [...] O Ego é o que podemos dizer do indivíduo quando interpretamos o lugar que ele ocupa na organização de uma actividade social, interpretação confirmada pelo seu comportamento expressivo».
Compreende-se facilmente por que razão a teoria de Goffman pode ser vista como cínica: «Eis uma pintura da sociedade na qual existem cenas, mas não intrigas. Do mesmo modo que não há nem intriga nem história nesta sociologia, tão-pouco há nela “caracteres” (no sentido teatral do termo): as acções das personagens nada mudam na vida delas. Há somente uma série sem fim de adaptações». Lapeyronnie sublinha, no entanto, que existe um segundo Goffman, o dos Asiles, para o qual a instituição total destrói a individualidade. Quando a interacção estigmatiza, ela não destrói somente o «exterior» do indivíduo, ela atinge aquilo a que há que, de facto, chamar o seu «Ego». O poder mobilizado por uns e a resistência manifestada por outros conduziriam então a «ressocializar» a imagem goffmaniana do actor. Mas é forçoso verificar que não se trata de uma corrente central de uma obra sem indivíduo e sem sociedade, pelo menos no sentido dado a estes conceitos pela sociologia clássica.
Um dos mais prolíficos sociólogos dos nossos dias é Erving Goffman. Como interaccionista simbólico da tradição dramatúrgica, ele analisa o comportamento humano como uma metáfora teatral. O contexto habitual de interacção é um palco. As pessoas são actores, estruturando os seus desempenhos para impressionar a "plateia". Segundo Goffman, a comunicação interpessoal é uma representação através da qual são projectados vários aspectos do eu. As análises de Goffman nos seus vários livros são microanálises em seu âmbito e extremamente detalhadas. Seria impossível apresentar aqui todos os seus conceitos. Optamos por examinar as suas principais ideias e premissas.
As observações de Goffman de quase 20 anos estão disseminadas nos seus numerosos livros, tornando a síntese muito difícil. Felizmente, o próprio Goffman forneceu um quadro de referência teórico que descreve, em linhas gerais, a sua abordagem global do estudo do comportamento humano. Depois de recapitularmos esse conjunto inicial de premissas, retomaremos a algum material que está especificamente relacionado com a comunicação interpessoal.
Goffman iniciou a sua argumentação com o pressuposto de que a pessoa, ao defrontar-se com determinada situação, deve atribuir, de algum modo, um nexo ou organizar os eventos percebidos. O que emerge como um acontecimento organizado para o indivíduo converte-se na realidade do momento para essa pessoa. Isso é uma premissa fenomenológica, a qual afirma que o que é real para uma pessoa resulta da definição da situação nessa pessoa. (Isso constitui um desenvolvimento de um dos conceitos fundamentais do interaccionismo simbólico.)
Uma reacção típica de uma pessoa a uma nova situação é a interrogação: “O que está a acontecer aqui?” A definição da situação pela pessoa fornece uma resposta. Com frequência, a primeira definição não é adequada e poderá fazer-se necessária uma segunda leitura, como no caso de um trote, um equívoco ou uma interpretação errada. Esta última noção é importante para Goffman porque ele observou sermos frequentemente ludibriados e enganarmo-nos uns aos outros nas nossas relações.
Vários termos elucidam essa abordagem geral. Uma faixa (strip) é qualquer sequência arbitrária de actividade. Uma estrutura (frame) é um elemento básico de organização usado na definição de uma situação. A análise de estrutura (frame analysis) consiste, pois, no exame dos processos pelos quais a experiência é organizada para o indivíduo. O que a estrutura (ou quadro de referência) faz é permitir à pessoa identificar e entender o que, de outro modo, são eventos desprovidos de sentido; confere significado às actividades correntes da vida. Uma estrutura natural é um evento não-guiado da natureza, com o qual o indivíduo deve enfrentar-se. Uma estrutura social, por outro lado, é vista como guiada e controlável por alguma inteligência. Assim, os seres humanos possuem algum sentido de controle quando ingressam na estrutura social. É claro, esses dois tipos de estruturas primárias inter-relacionam-se, uma vez que os seres sociais agem sobre a ordem natural e são, por sua vez, influenciados por ela. A importância das estruturas primárias para a cultura é demonstrada no seguinte excerto:

«Consideradas no seu conjunto, as estruturas primárias de determinado grupo social constituem um elemento central da sua cultura, especialmente na medida em que emergem entendimentos a respeito das classes principais de esquemas, as relações mútuas dessas classes e a soma total de forças e agentes que esses propósitos interpretativos reconhecem estar à solta no mundo».

Este ponto de vista de que uma cultura é definida, em parte, por suas definições de situações é compatível não só com as ideias centrais do interaccionismo simbólico mas também com muitas teorias de significado.
O quadro de referência primário é a unidade básica da vida social. Goffman assinalou minuciosamente os vários modos como as estruturas primárias podem ser transformadas ou alteradas para que diferentes fins sejam satisfeitos por princípios organizacionais semelhantes. Um jogo, por exemplo, tem por modelo um combate, mas a sua finalidade é muito diferente. Assim, uma grande parte dos nossos quadros de referência não são absolutamente primários, embora tenham por modelo eventos primários. Os exemplos incluem os jogos, o teatro, os ardis (bons e maus), as experiências e outras invenções. Com efeito, o que acontece na comunicação interpessoal comum envolve com frequência essa espécie de actividade secundária, incluindo representações teatrais, invenções e embustes.
E agora, tendo como base essa abordagem teórica geral, chegamos às ideias centrais de Goffman sobre comunicação. As actividades de comunicação, como todas as actividades, devem ser consideradas no contexto da análise de estrutura. Começaremos com o conceito de interacção face-a-face (face engagement). Uma interacção face-a-face ou encontro ocorre quando as pessoas se entregam a uma interacção focalizada. As pessoas numa interacção face-a-face têm um único foco de atenção e uma só actividade mútua percebida. Na interacção não-focalizada, as pessoas em locais públicos reconhecem a presença umas das outras sem prestar atenção mútua. Nessa situação não-focalizada, o indivíduo é normalmente acessível ao encontro com os outros. Uma vez iniciada a interacção, existe um contrato mútuo para continuar a interacção até alguma espécie de término. Durante esse tempo, desenvolve-se e é mutuamente sustentada uma relação. As interacções face-a-face são verbais e não-verbais, e as pistas resultantes de um encontro são importantes tanto para significar a natureza da relação como para a definição mútua da situação.
As pessoas em interacção face-a-face falam cada uma por seu turno, representando pequenas cenas teatrais uma à outra. Contar histórias, que usualmente é a narração de eventos passados, consiste principalmente numa questão de impressionar o ouvinte mediante uma representação dramática. Conforme sugere Goffman:

«[...] frequentemente, o que os faladores se empenham em fazer não é dar informação a um ouvinte mas representar pequenas peças de teatro para uma plateia. Na verdade, parece que consumimos a maior parte do nosso tempo empenhados não em dar informações mas em oferecer shows. E observe-se que essa teatralidade não se baseia em meras exibições de sentimentos ou falsas demonstrações de espontaneidade ou qualquer outra coisa a que pudéssemos chamar depreciativamente uma encenação teatral. O paralelo entre o palco e a conversação é muito mais profundo do que isso. A questão é que, ordinariamente, quando um indivíduo diz alguma coisa, não a diz como uma declaração franca e desassombrada de um facto baseado na sua própria convicção e em seu nome pessoal. Ele está simplesmente recitando. Percorre toda uma faixa de eventos já determinados, para encantar ou cativar os seus ouvintes».

Ao cativar outras pessoas, o locutor representa determinado personagem diante do público. A pessoa divide-se em certo número de papéis e, tal como o actor no palco, representa este ou aquele personagem em determinado papel de interacção. Assim, na conversação comum, existe o actor e o personagem, ou o animador e a animação, e o ouvinte está perfeitamente disposto a envolver-se na caracterização que lhe está a ser apresentada.
Existem, é claro, outras situações de contacto à parte a conversação, em que o indivíduo também tem a oportunidade de apresentar o eu. Mesmo na interacção não-focalizada, pequenas cenas são apresentadas aos outros. Goffman acredita que o eu é literalmente determinado por essas dramatizações. Eis como Goffman explicou o eu:

«Uma cena correctamente encenada e representada leva o público a atribuir um eu a um personagem interpretado, mas essa atribuição — esse eu — é um produto de uma cena que se representa e não uma causa dela. O eu, portanto, como personagem representado, não é uma coisa orgânica que possui uma localização específica, cujo destino fundamental será nascer, amadurecer e morrer; é, outrossim, um efeito dramático que decorre difusamente de uma cena que é representada, e a questão característica, o problema crucial, é se ela será apreciada ou depreciada».

Ao tentar definir a situação, a pessoa passa por um processo em duas partes. Primeiro, a pessoa necessita de informação sobre as outras pessoas na situação. Segundo, ela precisa dar informações sobre si mesma. Esse processo de troca de informação habilita as pessoas a saberem o que se espera delas. Usualmente, essa troca ocorre indirectamente, mediante a observação do comportamento de outros e a estruturação do comportamento próprio de modo a suscitar certas impressões nos outros. A auto-apresentação é, em boa parte, uma questão de administração de impressões. A pessoa chega a influenciar a definição da situação projectando determinada impressão: «Ela pode desejar que os outros pensem muito bem dela, ou que pensem que ela pensa muito bem deles, ou que percebam o que, de facto, ela sente a respeito deles, ou que não obtenham qualquer impressão clara; a pessoa pode desejar assegurar suficiente harmonia, a fim de que a interacção possa ser mantida, ou defraudar, livrar-se, confundir, ludibriar ou insultar os outros».
Como todos os participantes numa situação projectam imagens, emerge uma definição global da situação. Normalmente, essa definição geral é bastante unificada. Uma vez fixada a definição, ocorre uma grande pressão moral no sentido de mantê-la, suprimindo contradições e dúvidas. Uma pessoa pode ampliar as suas projecções mas nunca contradizer a imagem inicialmente estabelecida. A própria organização da sociedade baseia-se nesse princípio.

«Por consequência, quando um indivíduo projecta uma definição da situação e dessa maneira formula uma pretensão implícita ou explícita a ser uma pessoa de um tipo particular, ele exerce automaticamente uma imposição aos outros, obrigando-os a apreciá-lo e a tratá-lo da maneira que as pessoas desse tipo têm o direito de esperar que as tratem. Também renuncia implicitamente a todas as pretensões a ser coisas que ele não parece ser e, por conseguinte, abre mão do tratamento que seria apropriado para tais indivíduos. Os outros descobrem, pois, que o indivíduo os informou sobre o que é e sobre o que eles devem ver o “é”».

Se a representação vacila ou é contraditada por outras cenas ulteriores, a consequência para o indivíduo e para a estrutura social pode ser grave. Goffman usou essa postura básica nas suas detalhadas análises da vida pública. Ele mostrou como essa noção de auto-apresentação ocorre no comportamento verbal e não-verbal de todos os contextos públicos. Para nós, Goffman demonstra a importância da auto-apresentação para a comunicação interpessoal.


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(Seminário dedicado ao Interaccionismo Simbólico)
J Francisco Saraiva de Sousa