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quinta-feira, 28 de março de 2013

Revista Desenredos: Ernst Bloch, Ontologia da Possibilidade

Porto: Passeio dos Clérigos
A Revista Desenredos - editada pelos meus amigos Wanderson Lima e Adriano Lobão Aragão - publicou o meu artigo - Ernst Bloch: Ontologia da Possibilidade. Trata-se de um pequeno artigo que posteriormente foi desenvolvido num artigo mais extenso e profundo. Admiro imenso a obra filosófica de Ernst Bloch e lamento o facto de não estar traduzida para a língua portuguesa. Porém, a minha filosofia começa a distanciar-se da Utopia Concreta de Ernst Bloch: o seu optimismo militante é-me absolutamente estranho. Por isso, em escritos anteriores procurei elaborar uma metateoria da História que, retendo o núcleo essencial do materialismo histórico, se desembaraça do comunismo como algo que é anterior ao marxismo. Deste modo, evito todos os discursos e narrativas do fim da História e da Filosofia. O meu objectivo é deixar a tradição aberta a novas actualizações a partir da finitude radical do ser humano. De momento a minha preocupação fundamental reside no futuro da Civilização Ocidental. Em vez da desconstrução da metafísica, quase sou levado a propor a Reconstrução da Filosofia, mas de uma filosofia sem ilusões. (John Dewey escreveu uma obra com o mesmo título!) Eis o meu desafio que tentarei levar a cabo definindo a filosofia nas suas relações essenciais com a ciência e a política. Daí que rejeite categoricamente o primado da democracia sobre a Filosofia. Um tempo indigente como o nosso exige coragem filosófica.  Chegou a hora de despedir a "filosofia" pós-estruturalista e pós-analítica, as quais entraram no jogo da chamada revolução conservadora advogada pelos pensadores da Alemanha Nazi!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Podemos ser marxistas sem ser comunistas?

Porto e Douro River
A questão é puramente retórica: Eu sou marxista e, no entanto, nunca acreditei na possibilidade de realização real de uma sociedade comunista, e o próprio Marx já era comunista antes de ser marxista. O comunismo não é uma invenção marxista: ele tem, portanto, uma arqueologia atrás de si. A Filosofia tem elaborado ao longo da sua história diversas utopias que lhe permitiram criticar a ordem estabelecida, de modo a operar transformações significativas do mundo: o comunismo foi uma dessas utopias sociais. Não nego o papel histórico desempenhado pelo comunismo: ele serviu de bandeira à luta de classes dos trabalhadores contra a exploração económica e a opressão política. No entanto, qualquer tentativa séria de realizar o comunismo esbarra contra determinadas estruturas da natureza humana. Considero que tentar moldar a própria natureza humana é uma tarefa perigosa, porque ela produz um acréscimo de dominação em vez de um acréscimo de liberdade. A actualização do marxismo que preconizo implica o abandono do projecto comunista e a sua substituição por um novo projecto político. Já cheguei a defender uma utopia mínima: uma sociedade não-regulamentada. Porém, o meu realismo político leva-me a desconfiar da possibilidade efectiva de uma sociedade de indivíduos autónomos: a dialéctica confronta-se em cada conjuntura política com os limites que a natureza humana impõe à sua imaginação. A história é um processo aberto: qualquer tentativa para o concluir produz mais dominação do que libertação. E a dialéctica está condenada a oscilar entre a dominação e a libertação se quiser ser a figura da própria abertura. A ideia de uma sociedade desalienada não é dialéctica.

Ando muito preocupado com a ausência de estudos económicos marxistas: a teoria filosófica só pode criticar a sociedade estabelecida em função de alternativas económicas propostas por economistas marxistas. Com a emergência do estruturalismo, pelo menos no espaço francófono, a Filosofia não só recusou a História como também abandonou a crítica da economia política. O estruturalismo entregou o destino do mundo nas mãos dos tecnocratas e dos seus modelos neoliberais. O estruturalismo foi provavelmente a filosofia mais nociva produzida nas últimas décadas do século XX: todas as outras filosofias que dele emergiram mais não são do que capitulações da Filosofia perante a economia neoliberal. Ora, como demonstra a crise de 2008, os economistas não são as figuras mais adequadas para gerir os destinos do mundo. A economia tal como a conhecemos mais não é do que a tentativa de moldar o mundo em função dos interesses de determinadas camadas da classe capitalista. Os manuais de texto da economia devem ser queimados na praça pública, porque não queremos ser governados por homens que odeiam a cultura superior. Ser economista é sinónimo de malvado. António Sérgio lamentava a aversão dos portugueses pelos estudos económicos, sem no entanto ter explicado essa aversão: as escolas de economia que entretanto surgiram em Portugal são escolas de ladrões: os seus membros sonham desde cedo com o seu próprio enriquecimento pessoal à custa dos empobrecimento dos portugueses. Os economistas e os gestores não geram riqueza; pelo contrário, eles geram pobreza planeada. O mundo regrediu desde que os economistas e os gestores capturaram o poder económico e o poder político. A crise em que vivemos é também a crise desta ideologia económica

J Francisco Saraiva de Sousa

Uma comunidade marxista virtual?

Porto: Ribeira
A actualização do marxismo exige a formação de uma comunidade marxista virtual. Apelo, portanto, a todos os marxistas que adiram a este projecto de formar um grupo de trabalho, dotado de uma agenda teórica e política, para debater a situação do marxismo num mundo cada vez mais global. Há muitos blogues marxistas, cujos autores podem unir esforços para revitalizar o marxismo. Tenho trabalhado sozinho nesse projecto, mas reconheço ser necessário aliar-me a todos aqueles que consideram que a solução para os problemas sociais se encontra esboçada na obra de Karl Marx: o cibermarxismo preconiza a luta de classes em todos os nichos da Internet. Aguardo a vossa adesão e as vossas sugestões.

Portugal é a "pátria" da indigência cognitiva e cultural. Já tentei criar um grupo real de trabalho com o objectivo de formar a Escola do Porto, dotada de um centro de pesquisa social e filosófica e de uma revista. Porém, as pessoas que aderiram ao projecto careciam de real formação científica e filosófica, encarando-o mais como uma oportunidade de emprego do que como um grupo activo de intelectuais comprometidos na luta pela construção de um mundo melhor. Além disso, os banqueiros e os empresários portugueses são muito conservadores e reaccionários para financiar um projecto que visa a transformação qualitativa do mundo. Aquilo que não consegui realizar no mundo real pode talvez ser realizado no mundo virtual que ultrapassa as barreiras físicas e psicológicas de Portugal; pelo menos, esta é a minha derradeira esperança.

J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 15 de setembro de 2012

Portugal: Revolta Popular contra o Governo de Passos Coelho

















Portugueses: As manifestações pacíficas não mudam o sistema. À violência das políticas governamentais da austeridade é preciso opor a violência revolucionária: a violência é a parteira das grandes mudanças sociais. Houve muita ingenuidade nas manifestações de hoje: a emotividade deve ceder o seu lugar à Razão Calculadora, à Racionalidade Revolucionária, enfim ao momento de Surpresa! O governo perdeu legitimidade popular para governar, mas, como em Portugal os governantes não têm vergonha na cara, tudo vai permanecer na mesma: o povo unido deve constituir-se em FORÇA POLÍTICA e derrubar o governo. É preciso passar da palavra ou da intenção à acção! O que deve ser feito é simplesmente feito. O Governo de Passos Coelho usa o Estado para enriquecer as empresas à custa dos trabalhadores. Um povo revoltado sem ideologia é inofensivo. Há um nome que assusta o poder neoliberal: Karl Marx. Se tivesse havido cartazes a mostrar o rosto de Marx, eles estavam agora com mais medo! Não queiras ser um povo passivo e pacífico; não vais longe. Algumas figuras públicas, entre as quais jornalistas lacaios do poder estabelecido, dizem que todo o protesto do povo português resultou de uma dificuldade de comunicação do governo: eles estão a tentar desvalorizar as manifestações de hoje contra o governo de Direita. Não deixes reduzir a razão de ser das manifestações a uma dificuldade de comunicação: foca o conteúdo mas de um modo ideologicamente elaborado. Mostra que o povo não quer passar mais fome para alimentar os ricos.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Ditadura da Estupidez

A Europa e o mundo ocidental perderam o juízo. Há muitas formas de totalitarismo e uma delas é a perda do bom-senso. A democracia ocidental produziu nas últimas seis décadas uma sociedade inviável e, o que não deixa de ser sintomático, anti-democrática. A turba pseudo-democrática é totalitária: a ideologia nefasta dos direitos humanos produziu a ditadura da estupidez. Cada elemento da turba de cidadãos anónimos é um inquisidor. Vivemos numa sociedade inquisitorial, a pior sociedade alguma vez produzida pelos homens ao longo da sua história violenta. Platão já sabia que a democracia produz a sua própria destruição: o que ele não sabia é que a democracia banaliza o mal radical. Este é o momento oportuno para introduzir uma inflexão radical: os agentes ideais desta mudança radical devem estar para além da Direita e da Esquerda. Embora não seja um agente secreto, sou suficientemente inteligente para detectar por detrás dos sites mundiais de esquerda a presença de uma ideologia terrorista: as redes sociais são palcos de manobras obscuras, terrivelmente obscuras, algumas das quais abusam do bom nome de Karl Marx para promover o terrorismo. (E onde há x, há também y, o seu arqui-inimigo, que só se unem contra z, neste caso, a Alemanha!) As forças do bem tornaram-se impotentes perante a prepotência das forças do mal que capturaram as redes sociais. O Mal exterior e interior organizou-se para derrubar o ocidente. Se o ocidente não inflectir o seu rumo, será presa fácil das forças exteriores do mal que agem com a cumplicidade de uma população interior envelhecida, egoísta e terrivelmente inculta. Só vejo uma alternativa: a ditadura. E, quando só temos esta alternativa, já não podemos sonhar: o futuro foge do nosso controle. Eu tenho sido sincero quando digo que sou o filósofo da funda meia-noite: não há filosofia sem um público inteligente restrito. As sociedades ocidentais de hoje não são sociedades sem escola; são sociedades sem ensino e sem educação, são sociedades capturadas pela mediocridade, pela inveja e pela maldade. Infelizmente, estamos rodeados de carrascos que elegeram como inimigo a abater o pensamento independente. Uma sociedade envelhecida sem pensamento não tem futuro. O ocidente tal como o conhecemos não tem futuro. (A situação em Portugal é terrivelmente obscura. O povo português é, profundamente, estúpido, invejoso e maldoso; daí a sua incapacidade para produzir uma sociedade civilizada. Infelizmente, o 25 de Abril não produziu o efeito desejado; pelo contrário, banalizou a maldade radical do povo português. Tenho em mente uma geografia da maldade portuguesa, mas esta deixou de ser a minha luta. Portugal não é a pátria de seres inteligentes, Portugal é a pátria dos zombis anti-cognitivos e da sua brutalidade.)

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Porto e o Liberalismo

Mercado Ferreira Borges, Arquitectura do Ferro, Porto
«Lá na leal cidade donde teve
Origem, (como é fama) o nome eterno
de Portugal...» (Camões)

No sentido rigoroso do termo, nunca houve liberalismo em Portugal: o Porto foi a única cidade portuguesa a ensaiar uma experiência liberal, da qual Lisboa se apropriou para a converter na eterna mentira nacional. Se consultarmos uma obra sobre a história do liberalismo português, verificamos que os seus autores têm dificuldade em definir o conceito de liberalismo. Portugal não gerou filósofos liberais: os únicos ideólogos liberais que surgiram em Portugal foram os próprios protagonistas da revolução portuense de 1820. É muito difícil para um filósofo crítico carregar sobre os ombros esse enorme estigma que é Portugal: a Filosofia que protagonizo consegue resgatar a História da Cidade do Porto, mas quando a insere no contexto nacional fica de tal modo paralisada que o seu primeiro impulso é fugir de Portugal, deixando-o entregue ao seu primitivismo mental. Onde há portugueses não há Filosofia: os cérebros dos portugueses são redes confusas e caóticas de ligações neuronais quebradas que não se prestam à parasitagem das ideias filosóficas. A miséria neuronal dita a miséria mental e cognitiva dos portugueses. No entanto, apesar deste deserto humano, deste caos cerebral, existe um oásis cognitivo no território português: a Cidade do Porto que, num gesto de generosidade extrema, talvez de generosidade masoquista, se privou do seu estatuto superior de Cidade-Estado - a minha divergência justa com a hipótese de António de Sousa Machado! - para forjar Portugal e, mais tarde, para ajudar o Brasil a conquistar a sua independência, tendo dado nome a muitas cidades brasileiras. Hoje, num mundo cada vez mais global, profundamente avesso ao triste e feio espírito lusitano promovido e divulgado por Lisboa, a História de Portugal só pode ser resgatada regressando ao seu berço: a Cidade do Porto, a cidade aberta ao mundo e amada pelo mundo. A marca Portugal - a marca genuína e autêntica, a única marca de prestígio mundial - está no Porto, o berço de Portugal. A tarefa de resgatar a História de Portugal a partir do seu berço originário - Portucale - assume assim um cariz político: a necessidade urgente de reinventar Portugal. Do Porto partiu a iniciativa de conquistar Lisboa, libertando-a do domínio mouro. Porém, dado o fracasso histórico de Lisboa como capital de Portugal, o movimento de reinvenção de Portugal exige uma mudança radical de direcção: a via do desenvolvimento económico e cultural de Portugal inscreve-se no movimento para o Norte; o movimento para o Sul mergulhou Portugal num beco sem saída. Não pretendo elaborar esta tese singular, apresentando um conjunto de factos cruciais para a confirmar. Para a evidenciar, basta referir todos os ilustres portuenses que, tendo trocado o Porto por Lisboa, se corromperam à chama da luxúria da capital: a revolução liberal que se iniciou no Porto foi adulterada quando chegou a Lisboa. Fernandes Tomás e Almeida Garrett são dois nomes que exemplificam a acção de corrupção exercida por Lisboa sobre os cérebros nacionais. O motor de desenvolvimento de Portugal é o Porto: o Porto inova e antecipa, Lisboa bloqueia e corrompe, eis o sentido degradado da História de Portugal. Para restituir a História de Portugal ao seu lugar de província de sentido do Ocidente, é necessário refazê-la à luz da experiência de autonomia portuense. Só podemos resgatar a História de Portugal resgatando o Porto, o berço, o solo mental e a jóia da civilização portuguesa. Toda a vocação portuguesa resume-se numa única palavra, aquela que nomeia a cidade mais portuguesa de Portugal: o Porto. Reinventar Portugal, colocando-o novamente no palco da história universal, é reinventar - mental e materialmente - o Porto. O Porto é sempre-já uma cidade zelosa da sua autonomia, um espaço de liberdade e de diferença, cuja história remonta à Idade do Bronze: Salústio (século I A.C.), Mela (século I), Sérvio (século IV) e sobretudo Vóssio (século VI?), para já não referir Virgílio, Plínio, Possidónio, Apiano (século II), Ptolomeu ou mesmo Estrabão, foram os primeiros a fixar-lhe a memória histórica. Revisitar a polémica entre Mendes Correia e Sousa Machado, com a mediação de Alexandre Herculano e Leite de Vasconcelos, está fora do âmbito deste texto: o que importa reter é que o Itinerário de Antonino (século IV?) não foi o primeiro documento a referir-se a Cale (Porto) como uma estação da via romana, localizada na margem direita do Rio Douro: os escritores antigos podem ter-se enganado num ou noutro aspecto, mas a correcção introduzida por Vóssio à corografia de Mela mostra que todos eles sabiam da existência de uma cidade Cale junto do Durius (Douro): «Os escritores da Idade Média distinguem confusamente Portugal da Lusitânia e certamente aquele porto Calle ou Cale que deu o nome a Portugal fica fora da Lusitânia. (...) Com efeito esta fortaleza é antiquíssima e não duvido de que dela vem o nome dos Galaicos. Com efeito, outrora, os Galaicos estendiam-se até ao rio Douro embora agora não vá além do Minho. No entanto, a cidade Portucalense menciona-se, repetidas vezes, nos concílios hispânicos e nos escritores latino-bárbaros» (Vóssio). Adriaen Blanchet estabeleceu o significado de Cale, termo que, se não é ibérico, pode pertencer a uma camada linguística anterior: abrigo, habitação. Ora, se Cale significa abrigo, tem o mesmo significado que porto. Quando os romanos chegaram ao local do Porto, antepuseram ao seu nome originário - Cale - a palavra com o sentido correspondente na sua língua - Portus, formando a palavra Portuscale ou Portucale. Enquanto cidade-fortaleza-abrigo, o Porto não se fecha em si mesmo: o abrigo que é desde tempos remotos abre-se ao mundo, ao mesmo tempo que lhe dá abrigo. Porto significa, portanto, abertura ao mundo, isto é, a cidade dos homens que se abre ao mundo, abrigando-o: eis a sua vocação essencial. O Porto é - todo ele - uma imensa Filosofia da abertura ao mundo que, a partir da explicitação da essência do homem como ser-sem-abrigo ou, se quiserem, como peregrino na terra, dá abrigo e acolhimento a todos os homens que vão ao seu encontro para conquistar a sua liberdade: abertura ao mundo significa liberdade e o Porto, enquanto fortaleza da liberdade, é a cidade dos homens livres, mais precisamente do Homem Livre. De certo modo, o Porto é a primeira filosofia da globalização da liberdade.

Em Portugal, a experiência liberal está circunscrita à Cidade do Porto: o Porto Oitocentista foi profundamente liberal, embora não tenha produzido - em estado teórico e sistemático - uma filosofia liberal. A minha tese é a de que o Porto Burguês foi mais uma prática do que uma teoria do liberalismo: «Não foi certamente por acaso que a revolução (liberal) nasceu e se gerou no Porto, notável centro de actividade comercial» (Soares de Azevedo). Ora, a prática liberal é quase uma constante na História da Cidade do Porto, pelo menos desde o século XII, que nunca foi objecto de uma elaboração teórica sistemática, devido ao facto dos intelectuais serem predominantemente religiosos. Quando nos finais do século XVIII e, sobretudo, no século XIX os cérebros portuenses - Lobo de Moura, Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges e José da Silva Carvalho, todos homens de leis que formavam a Junta do Porto (o Sinédrio constituiu-se em Janeiro de 1818) - começaram a tematizar a teoria dessa prática liberal, eles tenderam a divergir entre si, embora se declarassem anti-clericais, o que os ligava a todos os partidos liberais da Europa do seu tempo. A revolução de 1820 foi talvez a revolução social mais importante na História de Portugal e, como todos os outros grandes acontecimentos da nossa história, nasceu no Porto. Mas afinal o que se entende por liberalismo? Victor de Sá definiu o liberalismo como «a doutrina que preconiza a liberdade individual, quer no domínio político, quer no domínio económico. É, por excelência, a filosofia da burguesia. Os fundamentos do liberalismo económico assentam no pressuposto de uma ordem natural que tende a estabelecer-se espontaneamente. O papel dos indivíduos deve limitar-se à descoberta das leis económicas que conduzem o sistema económico para o estado de equilíbrio, tal como acontece no mundo mecânico ou físico. A realização da ordem económica natural resultaria da harmonização dos interesses individuais com o interesse geral da sociedade. Por isso, o indivíduo é, no conceito liberal, o agente económico por excelência, a quem deve atribuir-se o máximo de liberdade. A livre-concorrência e a não-intervenção do Estado são, constantemente, indispensáveis ao bom funcionamento dos mecanismos económicos». 

Em construção. J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Prós e Contras: Cortes e Greve Geral

O Primeiro-Ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, foi recentemente peremptório quando afirmou que toda a sua política geral consiste em empobrecer Portugal para consolidar o orçamento do Estado. Manuel Carvalho da Silva (CGTP) sacou desta afirmação o elogio dos cortes, do desemprego galopante e das políticas recessivas. O debate Prós e Contras (22 de Novembro) debruçou-se basicamente sobre o mercado do trabalho, tendo como pano de fundo a greve geral que vai realizar-se no próximo dia 24 de Novembro. As associações sindicais - Carvalho da Silva (CGTP) e João Proença (UGT) - e patronais - António Saraiva (CIP) e Pedro Ferraz da Costa (Fórum para a Competitividade) - reconheceram a falência da concertação social, pela qual responsabilizaram o actual governo de Direita, e, sobretudo através da voz de Ferraz da Costa, acusaram o governo de não ter uma linha política de rumo definido, ideia que foi reforçada por António Saraiva para mostrar que, sem uma perspectiva de futuro, os portugueses não compreendem a gravidade dos sacrifícios que lhes são exigidos pelo plano acordado entre o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, sem a participação dos restantes membros do governo. Ninguém está satisfeito com as políticas de empobrecimento do governo chefiado por Passos Coelho e quase todos pensam que elas vão mergulhar rapidamente o país na recessão e no caos. Além disso, foram unânimes a condenar a troika: João Proença lembrou que a troika falhou redondamente na Grécia, o que demonstra que as políticas de consolidação orçamental - políticas de cortes - não conduzem a nada. Para Carvalho da Silva, a troika é o governo dos agiotas e dos credores de Portugal, e, para António Saraiva, a fórmula macro-económica da troika não se adapta à realidade micro-económica das empresas portuguesas. Todos os convidados de Fátima Campos Ferreira condenaram a ideia proposta pela troika de cortar os salários no sector privado. Com as políticas recessivas que o governo está a implementar, indo para além da troika, Portugal não vai crescer nos próximos anos. Jorge Bacelar Gouveia que não é um homem de esquerda, vai fazer greve no dia 24 de Novembro, colocando-se ao lado das duas confederações sindicais portuguesas. De resto, o debate foi monótono e repetitivo, sem acrescentar nada de novo ao que já todos sabemos. Ferraz da Costa propôs um outro debate para discutir a tal "linha de fundo para a competitividade", mas esqueceu que a sociedade portuguesa não está estruturalmente organizada para promover o mérito e a competitividade. O mal português é radical e, sem a ajuda inteligente de uma série de catástrofes naturais selectivas, não vejo futuro para Portugal. Os portugueses têm o que merecem: a inutilidade humana dos portugueses evidencia-se na sua incapacidade de resolver os problemas, virando a página. Discutir os mesmos problemas, ano após ano, não abona a favor da inteligência dos portugueses. Comentar a eterna repetição dos mesmos problemas empobrece a mente de um ser inteligente. Portugal não tem futuro e suspeito que a situação portuguesa seja equivalente à situação grega. Um povo que nunca produziu uma Filosofia não pode ter futuro: o Portugal Real é-nos mostrado diariamente na Secret Story 2 ou Casa dos Segredos (TVI). O resto é um bando horrível de Duarte's Lima's!


J Francisco Saraiva de Sousa 

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Uma questão do avaliador consigo mesmo ou...

Marginal do Porto
... Da actividade paranormal de mamãs-coruja

Na minha Escola, a Avaliação docente revelou a existência de uma comunidade científica, pedagógica e cultural que eu desconhecia totalmente, mas o problema será meu, que já faço parte da mobília, ficando muito feliz, pois (aqui integrado) posso aprender muito. Como disse um dia Agustina, «a cidade em que vivemos é a que pior conhecemos». As línguas da sogra (que más as há sempre) dizem que se distribuiu a excelência por todos, mas agora já sou eu a dizer: num concurso entre relatores mamãs-coruja a ver qual deles dizia melhor da sua «linda» cria. Outros colegas usaram (por outras palavras) metáforas de um banquete de leões famintos, outros (por outras) de um concurso de Cantares provincianos, em que ganham sempre os filhos da terra, outros (ainda por mais outras) de um torneio de chicos espertos, jogando ao burro.

Pesoalmente, gostaria mais de ver citado o poema de Mário Cesariny

"Pastelaria":


Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.

Decerto haverá outras Escolas de excelência, como a minha, em que notas de 9,5 (num tecto de 10) fizeram cair em Bom o avaliando, o que nos deveria a todos entristecer, pois trata-se de um «professor de referência» (na minha escola, há cerca de 50 professores desta categoria ímpar, mais os outros que não tiveram aulas assistidas, entendida aquela restritivamente num jogo de pares, de mim para ti). Uma vez mais, admito que o problema seja meu, pois não acredito freudianamente na excelência da classe (como se sabe para Freud, havia três impossibilidades: a de Pai, e os outros iguais: professor e presidente, salvo erro). Acho que todos nós somos humanos e nos devemos sempre cultivar, estabelecendo obras novas e abertas com os alunos, que nos vão sendo diferentes. Embora cada vez mais o meu maior prazer vá de mim para com os livros que a mim tornam. Coisas da idade...

Esta avaliação, no terreno, revelou aquilo que há de mais profundamente nosso, nesta adaptação livre do grego, da fábula da águia e da coruja de Esopo. Dispensando a águia, esta avaliação relevar-se-ia uma questão do relator consigo mesmo, dependente do seu livre arbítrio de mamã-coruja, de uma cegueira da razão (total, nalguns casos de avaliação em 10 ou valor aproximado, assim se demitindo de avaliar). Uma demissão seguida de outra, já que a comissão de avaliação de desempenho também se demitira do seu papel, sem fazer o trabalho de casa: não regulamentou a montante, apenas podendo, a jusante, cumprir uma espécie de lava-mãos de Pilatos, no Evangelho de S. Mateus.

Justiça cega, sem orientação no meio do caos que permitiu instalado.

Vitorino Almeida Ventura (Professor e autor do texto que publico a seu pedido.)

sábado, 15 de outubro de 2011

Crise e Colapso do Capitalismo?

Supernova resultante de um Colapso Gravitacional
Os blogues de Esquerda ex-comunista já cantam triunfo: depositam tanta confiança no movimento Occupy Wall Street e nos movimentos de indignados que acreditam na iminência do colapso do capitalismo, escolhendo Slavoj Zizek - a mediocridade em pessoa - como figura filosófica do movimento. Estes saudosistas de um passado fracassado esquecem que estes movimentos de protesto nunca produzem mudanças sociais qualitativas, como o demonstrou Maio de 68. Os jovens revoltosos não têm alternativa ao capitalismo: o que eles querem é simplesmente conquistar um lugar ao sol, de preferência um lugar que não exija esforço e trabalho. Mais uma vez a Esquerda - fruto do capitalismo de bolsa - dá um tiro no seu próprio pé. Se já não acredita no sonho comunista, como afirma, então qual é a alternativa que opõe ao sistema capitalista? Ora, esta mesma Esquerda teve muito tempo - algumas décadas - para pensar novas alternativas, mas não as pensou, preferindo alimentar-se nas praças da alimentação. Agora que o capitalismo sofre uma das suas maiores crises a Esquerda vai beber um copo de cerveja com os manifestantes... Em nome da verdadeira Esquerda, rogo uma maldição à esquerda da treta: a que se presta a ser usada por todos aqueles que lutam apenas pela melhoria do seu nível de vida e que, quando alcançam esse objectivo egoísta, a trocam pela Direita conservadora. Luta económica não é luta política! Perante estas manadas de indivíduos mental e cognitivamente indigentes, fruto do free sex, os conceitos políticos clássicos - tais como liberdade, igualdade, justiça, solidariedade - perderam sentido. A própria vida humana está a perder valor. E, se o mundo desenvolvido entrar em processo de revolução, percam a esperança de um mundo melhor. Aliás, neste momento, já nem sabemos definir um mundo melhor. Para mim, um mundo melhor seria aquele que me libertasse do convívio de atrasados mentais.


J Francisco Saraiva de Sousa

Marx e o Direito Desigual

Ponte D Luís I, Porto
Infelizmente, em Portugal, nunca houve uma Filosofia do Direito ou mesmo uma Cultura Jurídica Democrática: o sistema judicial tal como se estruturou depois do 25 de Abril é o grande monstro da III República que bloqueia o desenvolvimento económico e cultural de Portugal. Mas não é sobre este aborto judicial que pretendo falar: a sua mera existência viola qualquer tipo de sabedoria jurídica e democrática. Magistrados que usam a sua "autonomia" para realizar o seu desejo tirânico não merecem figurar na história do pensamento jurídico, porque eles são a negação viva de todos os princípios democráticos e humanistas pensados pela Filosofia do Direito e do Estado de Direito. Em Portugal, os papéis inverteram-se: os "criminosos" perseguem os "inocentes", como se predominasse a Lei do Crime. A irracionalidade do sistema judicial envergonha a democracia portuguesa: a loucura judicial reina impunemente, fazendo dos portugueses meros espectadores passivos de um filme de terror judiciário. O pensamento marxista produziu algumas filosofias do Direito que devem ser redescobertas e estudadas. Hoje, quando lia uma obra dedicada a Rousseau, deparei-me com uma frase de Marx, extraída da Crítica do Programa de Gotha e comentada por Lenine na sua obra Estado e Revolução. Eis a frase de Marx:


«O "direito igual" temo-lo efectivamente aqui, mas é ainda o "direito burguês", que, como todo o direito, pressupõe a desigualdade. Todo o direito consiste na aplicação de uma única norma a pessoas diversas, a pessoas que não são na realidade nem idênticas nem iguais. O "direito igual" equivale portanto a uma violação da igualdade e é uma injustiça. Com efeito, cada qual recebe, por parte igual de trabalho social fornecido, uma parte igual de produto social (...). Ora, os indivíduos não são de facto iguais: um é mais forte, um outro é mais fraco (...). Em paridade de trabalho e, portanto, em paridade de participação no fundo social de consumo, um recebe pois, efectivamente, mais que o outro, um é mais rico que o outro, etc. Para evitar todas estas desigualdades, o direito deveria ser não igual mas desigual». E, mais adiante, acrescenta: «Este direito igual é um direito desigual para um trabalho desigual (...). O direito, por sua natureza, só pode consistir no emprego de uma mesma unidade de medida, mas os indivíduos desiguais (e não seriam indivíduos distintos se não fossem desiguais) não são mensuráveis segundo uma unidade comum a não ser na medida em que sejam considerados de um mesmo ponto de vista e examinados somente sob um aspecto determinado; por exemplo, no caso presente, quando forem considerados apenas como trabalhadores e nada mais e se fizer abstracção de tudo o resto».


Um direito desigual para ajudar a combater as desigualdades sociais efectivas! A minha teoria da natureza humana, isto é, a minha antropologia fundamental, não me permite abraçar o projecto marxista de construção de uma sociedade comunista. Hoje, para sermos filósofos marxistas, somos forçados a abandonar o comunismo e a substituí-lo por um novo projecto político, para a elaboração do qual Marx tem ainda uma palavra importante a dizer. Marx é um dos maiores filósofos de todos os tempos: a sua genialidade traduz-se nesta oposição entre direito igual e direito desigual, cuja pertinência ultrapassa o domínio jurídico, funcionando desde logo como uma crítica dialéctica do conceito e da sua ambição totalitária. Porém, a filosofia que denuncia o conceito não abdica dele: Marx introduz a diferença no seio do próprio conceito. O conceito de direito desigual traz a marca deste escândalo - usar o conceito contra o próprio conceito! - que visa evitar que o totalitarismo subjacente ao conceito se converta em prática totalitária, iludindo a diferença lá onde ela efectivamente existe: na realidade efectiva de uma sociedade antagónica e injusta. A dialéctica é a filosofia do conceito que recusa fechar-se num sistema, sendo por isso tão aberta quanto o próprio mundo, cujo devir pretende orientar no sentido da construção de um mundo melhor. A defesa da igualdade formal gera o seu oposto: a desigualdade social que a orientação política do conceito pretende abolir. A Esquerda tradicional não tem as mãos limpas: ela também é responsável pela crise do Ocidente. O que estou a propor é a redescoberta do Marx oculto, cujo pensamento profundo permite superar o pensamento burguês e as suas antinomias, abrindo o horizonte ao pensamento pós-burguês e - escândalo dos escândalos! - ao pensamento pós-proletário. A dialéctica é luta permanente contra o princípio de identidade, que o pensamento burguês converteu em princípio da igualdade: os princípios da revolução burguesa não podem figurar - mesmo que remodelados! - num pensamento político de Esquerda. Lá onde o pensamento burguês descobre uma igualdade nós descobrimos uma terrível desigualdade efectiva: o desafio é converter a própria desigualdade em princípio estruturante do pensamento político de Esquerda


J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Que é feito da Política em Portugal?

Desde que o PSD venceu as últimas eleições legislativas e formou governo de coligação com o CDS, a política - a Grande Política - desapareceu do espaço público: os que ontem iam para a televisão fazer política da má-língua, acusando o anterior governo de asfixiar a democracia, hoje fazem parte de um rebanho silencioso de animais auto-amordaçados. A situação de Portugal continua a agravar-se, sobretudo com esta última escalada dos impostos, mas já ninguém protesta: os portugueses são pobres em tudo, até mesmo no domínio da política, onde a qualidade dos políticos se degrada a um ritmo alucinante, eleições após eleições. Em vez de "atacar" a agência de notação Moody's que baixou - com razão - o rating da dívida pública portuguesa, fazendo de Portugal lixo, os portugueses deviam atar uma corda ao pescoço e enforcarem-se: o verdadeiro lixo de Portugal são os próprios portugueses - autênticos zombies incapazes de pensar! Há povos que não nasceram para desempenhar um papel criador na história do mundo e o povo português é um desses povos parasitários, destituídos de génio político e esquecidos por Deus quando criou o mundo! Meus amigos, o coro não é amigo da mudança qualitativa!

J Francisco Saraiva de Sousa 

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ao São Francisco Portuense

A minha amiga Letícia Valle Cavalcante, a Florbela Espanca do Brasil, dedicou-me este poema, com a seguinte nota prévia: «Ô São Francisco, Francisco Sousa! Vão para ti uns versos de privilégio. Decidi-me por fazê-los após tua ideia do S. João. Veio-me inspiração hoje de manhã. Please, não te surpreendas comigo, ri, porque esse é inédito! Só para ti.» E, depois do poema, a Letícia termina com estas palavras dignas de uma poetisa: «Porque tu não precisas que Apolo te venha e diga a célebre frase Tu Vate Eris. Foi o que o Arthur Rimbaud sonhou, e a partir daí tornou-se poeta. Eu não sonhei assim, mas por ser apaixonada por ele, peguei. Bom dia!»

"Ao São Francisco Portuense

São Francisco,
O poeta que canta
E vê o Porto
Com mais maestria.
O som de Portugal tem melodia,
E a nenhum se assemelha.

Ó meu São Francisco,
Diz-me quem nesse país
Tem mais amor
Pela Cidade Invicta!"

Ontem, na véspera da noite de São João, a Letícia tinha dedicado uma quadra ao santo padroeiro da Cidade Invicta:

"João pregou tanto
Que virou santo.
Ó João,
Torna-me São (Francisco)!"

Muito obrigado, Letícia - "Mensageira da primavera, rouxinol de voz de encantar" (Safo)! Continua a fazer poesia, porque herdaste a veia poética de Rimbaud e, dado seres mulher, da divina Safo, cujos versos Te dizem:

"Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho". (Um jardim)

"As estrelas, em volta da formosa Lua,
de novo ocultam a sua vista esplendente,
quando a Lua cheia brilha mais, argêntea,
sobre toda a terra". (A Lua)

Mas, quando escreveu estes outros versos, Safo sonhou-me e selou o meu destino:

"Quando morreres, hás-de jazer sem que haja no futuro
memória de ti nem saudade. É que não tiveste parte
nas rosas de Piéria. Invisível, andarás a esvoaçar
no Hades, entre os mortos impotentes". (A glória literária)

(Photo: Ribeira, OPorto.)

J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 29 de maio de 2011

Ainda sobre a Língua Portuguesa

«A autora do livro “Por uma vida melhor”, que foi distribuído pelo MEC recentemente, quer abolir o que ela chama de “preconceito linguístico”. Para tal, ela imagina que o melhor método é dizer que ninguém mais escreve errado, ou seja, que o “certo” e o “errado” devem ser abolidos da escola, em se tratando do uso de nossa língua. A intenção da autora é boa, mas o caminho que ela pega não é útil. E a sua inutilidade vem do uso pouco aconselhável que ela faz do termo “preconceito”.» (Paulo Ghiraldelli Jr)

Paulo Ghiraldelli Jr escreveu este texto sobre O Tal do Preconceito Linguístico, um tema que parece estar a dividir os brasileiros e que já tinha sido tratado neste texto: A Corrupção também na Língua Portuguesa. Como não conheço o livro Por uma Vida Melhor, distribuído pelo MEC do Brasil, devolvo a palavra aos brasileiros que o leram e o criticaram. Partilho a defesa da "pureza" da língua portuguesa, mas não acompanho de perto a argumentação que Paulo Ghiraldelli Jr dirige contra o livro: o texto de Paulo Ghiraldelli Jr vale mais pela defesa da integridade da língua portuguesa - a norma culta da língua - do que pela crítica do livro em questão. O preconceito linguístico que a autora do livro pretende abolir por decreto acaba por entrar na própria argumentação de Paulo Ghiraldelli Jr, contaminando-a e tornando-a opaca em termos de inteligibilidade: o preconceito como pré-conceito não é o mesmo que preconceito social. (Pré-conceito é todo o stock de conhecimentos prévios que possuo e que me permite apropriar toda a tradição, através do método da pergunta e da resposta. Ora, não vejo como pessoas destituídas de esquemas linguístico-cognitivos possam ler e travar um diálogo produtivo com a tradição: uma língua(gem) pobre não pode apropriar-se da riqueza daquilo que foi dito numa língua complexa e rica.) Se a autora do livro os baralha e os confunde - estes dois sentidos do preconceito, claro!, Paulo Ghiraldelli Jr não consegue livrar-se dessa rede conceptual e politicamente confusa, ficando demasiado "pegado" ao termo, como se a ideia da autora fosse efectivamente "boa" - o pré-conceito politicamente defeituoso não tematizado e não problematizado pelo filósofo brasileiro. Por isso, prefiro o texto apresentado anteriormente: ele abre o horizonte linguisticamente alargado que o texto de Paulo Ghiraldelli Jr fecha. Daí que tenha escolhido esta estrutura do Parque da Cidade do Porto para ilustrar este post: os brasileiros são co-responsáveis pela integridade da língua portuguesa. Ai, Ai, tanta "pega" inútil! Afinal, o tal (do) preconceito linguístico é, ele próprio, um preconceito não tematizado: aprender a falar e a escrever correctamente a língua portuguesa não é preconceito; preconceito é dizer aos oprimidos que falam e escrevem bem, quando na verdade eles revelam um fraco desempenho linguístico, conservando-os assim presos na teia da ignorância. Como é que pessoas com baixo desempenho linguístico podem aprender filosofia, lógica, matemática e ciências? A autora do livro e todos aqueles que a seguem fazem o jogo dos opressores internos e externos. Com uma tal pedagogia da abolição do esforço e do rigor, o Brasil corre o sério risco de não conseguir acompanhar os países desenvolvidos.

J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Café Marx (1)

... e a Revolução Árabe.

Com este quadro de Edward Hopper - Sunlight in a Cafeteria, 1958, inauguramos um novo espaço virtual: O Café Marx. O objectivo deste novo espaço de intervenção não é tanto gerar o debate mas sobretudo partilhar alguns pensamentos de Karl Marx e dos seus seguidores mais ilustres. Hoje debati-me com a necessidade de refazer a filosofia política marxista, de modo a redefinir novas políticas marxistas - uma das quais continua a ser a teoria do proletariado -, capazes de dar resposta aos desafios do mundo global. A revolução árabe em andamento constitui um desses desafios e, nesta área da política civilizacional, o marxismo é, ao mesmo tempo, conservador e revolucionário. Conservador no sentido de não abdicar da emancipação e da cultura ocidental, e revolucionário no sentido de depositar alguma esperança nas revoltas que emergem no mundo árabe. Porém, se não forem esclarecidas e orientadas pelo conhecimento redentor, as revoltas árabes podem converter-se em vingança contra o Ocidente, cujo desabrochar civilizacional sufocou a alma mágica. A Europa decadente e corrupta é uma velha cadela que já não consegue fechar as pernas aos invasores externos: os muçulmanos morrem em nome do Islão, os ocidentais abrem as pernas para não morrer; os muçulmanos ainda não perderam o vigor capaz de dar expressão a uma civilização, os ocidentais já perderam a força e a ligação com a sua tradição. Se quiserem contribuir para o desabrochamento da alma mágica, os rebeldes muçulmanos não devem escutar os ocidentais: os direitos humanos e a democracia liberal - colonialismo serôdio sem vigor! - são produtos tóxicos que o Ocidente tenta exportar para adiar o inevitável: a sua própria morte. A América está a gerar os coveiros da Europa e do Ocidente, e o terrorismo que inventou - desde que julgou ter o mundo aos seus pés - ameaça bani-la do palco mundial. Mas, quando falamos da América, estamos a identificar o inimigo: o capitalismo de Wall Street. A história segue o mau caminho que conduz a uma guerra entre o Islão e o Ocidente: o responsável por este rumo catastrófico é o capitalismo americano, isto é, o neoliberalismo. Há, portanto, uma maneira de evitar esse cenário terrível: globalizar a resistência e a luta contra o capitalismo. Os jovens e os deserdados europeus - as vítimas da crise financeira e económica, os desempregados - deviam desafiar o poder vigente nas ruas e nas praças, tal como estão a fazer os seus pares árabes. A solidariedade - assim exibida - entre jovens e deserdados europeus e árabes ajudaria os últimos a tomar consciência do inimigo comum: o capitalismo que lhes nega o futuro para garantir uma vida longa e fácil aos velhos - a geriatria no poder! - que dominam a Europa, o Ocidente, o Oriente e o Mundo. O conflito intergeracional pode evitar a Grande Guerra Mundial e o retrocesso civilizacional. Os jovens de todo o mundo devem rejeitar o diálogo e optar pela luta revolucionária contra o status quo que os infantiliza para lhes roubar a possibilidade de um projecto de vida autónoma: a segurança de vida das gerações grisalhas é conquistada e garantida à custa do sacrifício das gerações mais novas.

O texto de Marx - sacado de A Sagrada Família - que partilho hoje define claramente o núcleo duro da política marxista, perfeitamente adaptável às tarefas do nosso mundo global, bastando substituir o termo proletariado por jovens rebeldes e deserdados do mundo e da vida: a abolição do capitalismo e da miséria que gera une sem atrito todos os indivíduos do mundo, sem destacar as suas identidades religiosas ou culturais, de resto atiçadas pelo capitalismo americano:

«Quando os autores socialistas atribuem ao proletariado este papel histórico, não é de maneira alguma por considerarem os proletários como deuses, ao contrário do que a Crítica crítica parece crer. Antes pelo contrário, no proletariado plenamente desenvolvido encontra-se consumada a abstracção de toda a humanidade, até da aparência de humanidade; nas condições de vida do proletariado encontram-se condensadas todas as condições de vida da sociedade actual no que elas podem ter de mais inumano. Com efeito, no proletariado o homem perdeu-se a si mesmo, mas adquiriu ao mesmo tempo a consciência teórica desta perda; além disso, a miséria que ele já não pode evitar nem mascarar, a miséria que se lhe impõe inelutavelmente - expressão prática da necessidade - obriga-o directamente a revoltar-se contra tal inumanidade; é por isso que o proletariado pode e deve libertar-se a si mesmo. Ora, ele não se pode libertar sem abolir as suas próprias condições de vida. Não pode abolir as suas próprias condições de vida sem abolir todas as condições de vida inumana da sociedade actual, o que resume a sua própria situação. Não é em vão que ele passa pela rude mas fortificante escola do trabalho».

J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Prós e Contras: Ordem dos Advogados - A Decisão

Prós e Contras (16 de Novembro) promoveu um debate entre os três candidatos à Ordem dos Advogados: Marinho Pinto, o actual bastonário da Ordem que se recandidata, Fernando Fragoso Marques e Luís Filipe Carvalho, comentador na SIC. A fotografia de Erwin Olaf - Chessmen XI - dá uma ideia do que foram os três últimos anos da vida de Marinho Pinto à frente da Ordem dos Advogados: carregar o peso e a oposição antidemocrática dos representantes das grandes empresas de advogados de Lisboa. Os dois adversários de Marinho Pinto acusaram-no de denunciar a injustiça e a corrupção que predominam em Portugal: eles prometeram permanecer silenciosos. Marinho Pinto prometeu continuar a falar, Fernando Marques vai ficar calado e Luís Filipe Carvalho pretende desaparecer. Dar ou não dar voz ao sofrimento das vítimas do regime vigente: eis o que distingue os três candidatos. Conforme demonstrou Marinho Pinto, estar calado rende muito e dá vantagens a quem silencia a sua voz e, ao mesmo tempo, a voz dos portugueses. E, para quem assistiu a este debate guerreiro moderado por Fátima Campos Ferreira, ajuda a compreender os interesses corporativistas instalados que movem as candidaturas dos adversários de Marinho Pinto: silenciar a injustiça e a corrupção é um crime contra Portugal e foi esse silêncio corporativista dos anteriores bastonários que engordou o polvo mafioso que nos mergulhou na bancarrota.

A cultura do silêncio preconizada pelos inimigos públicos de Marinho Pinto é activamente cúmplice do estado de corrupção generalizada e impune que predomina em Portugal: acusar Marinho Pinto de ter um projecto político (Fernando Marques) ou de ser populista (Luís Carvalho) é um "argumento" que pode e deve ser usado contra os próprios acusadores, através da impugnação da sua concepção do direito e da advocacia: o direito não é uma ciência, mas sim uma ideologia que é utilizada pelas actuais classes dirigentes - sediadas em Lisboa - como instrumento de dominação de classe. Ora, a ideologia jurídica nunca reconhece o seu carácter ideológico: ela tende a recorrer ao positivismo para afirmar a sua suposta neutralidade política. Fernando Fragoso Marques socorreu-se da noção ideológica de direito de reserva para justificar o seu silêncio perante a actual crise portuguesa: a sua apoiante defendeu a reconciliação, não a reconciliação justa do sistema de justiça com os cidadãos portugueses, mas sim a reconciliação entre magistrados e advogados. Embalado na e pela agressividade discursiva de Fernando Marques, Luís Carvalho colocou-se "à parte" e contra a "antítese": a sua candidatura não é contra Marinho Pinto, como a de Fernando Marques, mas uma candidatura em prole dos velhos tempos, quando a Ordem dos Advogados era submissa ao poder dos magistrados que degradou o sistema de justiça em Portugal. A neutralidade defendida por estes positivistas do sistema vigente é profundamente ideológica: o seu silêncio é a apologia descarada do regime vigente de corrupção que, nas últimas décadas, facilitou a "acumulação de fortunas" (Marinho Pinto) obscenas por parte de certos indivíduos no exercício de cargos públicos. As grandes empresas lisboetas de advocacia querem silenciar a voz de Marinho Pinto que denuncia diariamente a irracionalidade do sistema de (in)justiça e as assimetrias salariais: a advocacia que exercem está ao serviço da rede de corrupção nacional. Os grandes advogados defendem os grandes corruptos, e os magistrados, em vez de condenar a criminalidade de colarinho-branco, punem os membros do povo indefeso e miserável que roubam algum produto alimentar numa mercearia para saciar a fome. Em Portugal, o direito é um instrumento repressivo de dominação: as leis são feitas no Parlamento por deputados-advogados que continuam a servir os interesses privados das grandes empresas e dos grandes bancos do "regime".

A cultura do silêncio fomentada pelas grandes empresas lisboetas de advocacia - que exploram descaradamente a força de trabalho dos jovens advogados - é profundamente antidialéctica e antidemocrática: silenciar a voz da cidadania - a voz de Marinho Pinto - é renunciar à razão que pressupõe a liberdade, isto é, o poder de agir em conformidade com o conhecimento da verdade e de ajustar a realidade às potencialidades objectivamente dialécticas. Os programas ideológicos de Fernando Marques e de Luís Carvalho estão desligados do destino da humanidade dos cidadãos portugueses: o ódio que exibiram contra os conceitos e as ideias gerais confina-os aos limites da realidade "dada": o "regime" estabelecido, nomeado abertamente por Luís Filipe Carvalho. O ataque à política - à grande política preconizada por Marinho Pinto - é uma ataque às condições da liberdade dos cidadãos portugueses, isto é, ao direito que assiste à razão de dirigir a experiência e de operar a mudança qualitativa do sistema de justiça. O positivismo jurídico dos inimigos públicos de Marinho Pinto contenta-se com os "factos" e, por isso, renuncia a transgredi-los: a submissão à situação de corrupção vigente descredibiliza a Ordem dos Advogados e a autoridade da verdadeira justiça que luta pela construção de um mundo melhor. O termo populismo utilizado por Fernando Marques e Luís Carvalho contra Marinho Pinto revela aquilo que eles pretendem silenciar: o divórcio entre o sistema de justiça e os cidadãos portugueses. De facto, o discurso público de Marinho Pinto é claramente avesso ao discurso corporativista do silêncio dos seus adversários: a Ordem dos Advogados viveu três anos de mudança e de reformas que lhe valeram o reconhecimento público. O inconformismo de Marinho Pinto aproximou os cidadãos portugueses dos problemas estruturais do sistema nacional de justiça: ao dar voz às vítimas inocentes do sistema de justiça vigente e ao denunciar os seus vícios estruturais, Marinho Pinto credibilizou o exercício da advocacia, transferindo a realização do ideal de uma justiça plena para a força real da cidadania comprometida na construção de um mundo melhor e mais justo. O espírito de contradição é a mola propulsora da praxis inconformista que recusa capitular perante o poder das trevas corporativistas que capturou o poder político português. Votar em Marinho Pinto é votar na mudança qualitativa da sociedade portuguesa, contra as forças conservadoras e oportunistas que conspiram pela manutenção do sistema de injustiça vigente.

J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 22 de junho de 2010

Prós e Contras: Visões do Futuro

Prós e Contras debateu hoje (21 de Junho) o futuro da Europa e de Portugal. Mário Soares, António Vitorino, Ângelo Correia e Boaventura Sousa Santos protagonizaram visões diferentes neste debate moderado por Fátima Campos Ferreira, mas partilharam o mesmo desígnio: esclarecer os portugueses e travar a grande batalha do futuro de Portugal no seio de uma Europa refundada. Fátima Campos Ferreira colocou duas questões: O que vai acontecer à Europa?, O que vai acontecer a Portugal?. Estas duas questões estão intimamente ligadas entre si, porque nenhum dos participantes concebe o futuro de Portugal fora do quadro da União Europeia. Como disse António Vitorino, o ponto de equilíbrio só pode ser alcançado ao nível europeu: quer dizer que não há soluções nacionais para a crise profunda em que vivemos, uma crise desencadeada pelo triunfo do neoliberalismo e do capitalismo financeiro. Engels captou a temporalidade predominante do capitalismo a partir da sua lógica da busca de lucros imediatos: a perspectiva da lucro imediato priva o capitalismo de uma visão de futuro. O capitalismo não tem futuro: a noção de eternidade - o eterno presente - que se instalou nas sociedades europeias com o triunfo do neoliberalismo mostra a aversão natural do capitalismo pelo futuro. A economia de mercado é incapaz de pensar o futuro novo ou mesmo de respeitar o passado e o seu legado, sacrificando-os no altar de um eterno presente autodestrutivo: a grande política é aquela que supera o imediatismo fatalista da economia e ousa sonhar o futuro novo.
A Europa. A questão europeia não foi completamente consensual, não tanto por causa da visão de futuro para a Europa, mas sobretudo por causa do diagnóstico da própria crise europeia. Embora todos tenham reconhecido que a Europa está a atravessar uma crise profunda (Mário Soares), houve algumas divergências ou clivagens quanto às razões que conduziram a esta crise. Mário Soares denunciou o mau comportamento da Alemanha que, ao entrar tarde e ao decidir tarde, gerou a actual crise europeia. Boaventura Santos responsabilizou a Alemanha pela crise europeia, advogando que os países do sul não devem pagar as suas dívidas públicas. Mas esta solução não foi aceite por Ângelo Correia e António Vitorino. Para Ângelo Correia, ir buscar dinheiro ao estrangeiro, em especial à Alemanha, para consumir aquilo que não se produz internamente, não é solução. A Europa encontra-se no meio da ponte (Ângelo Correia): ou avança para o futuro novo ou recua para os nacionalismos bárbaros. A solução construtiva e produtiva só pode ser refundar a Europa (Ângelo Correia, Mário Soares): a união política da Europa é fundamental para a união económica e monetária. Porém, o desacordo surgiu quando os participantes foram confrontados com a questão dos agentes da mudança: a crise das lideranças europeias bloqueia o futuro. Como podemos sonhar e realizar o futuro novo com estas elites medíocres? Mário Soares acredita que vai haver gente para refundar a Europa: as lideranças fortes aparecem nos momentos de dificuldade, como testemunha a história recente, mas Boaventura Santos não acredita que as novas elites possam surgir no vazio. A história mostra que as elites surgem a partir de movimentos sociais. Ora, a Europa que foi construída sem a participação das pessoas (Ângelo Correia) adormeceu nestas últimas décadas, pensando que o Terceiro Mundo era lá fora (Boaventura Santos), quando na verdade ele está, neste mundo global - entregue à imprevisibilidade dos mercados financeiros, aqui mesmo na Europa, na medida em que o neoliberalismo procura destruir o nosso modelo social europeu. Ser europeísta é ser contra o controle dos mercados financeiros. Mário Soares defende o desaparecimento do capitalismo financeiro. A política não pode ser refém da economia e os políticos devem libertar-se da sua dependência da economia. Mas esta não é realmente a perspectiva de Mário Soares: ao negar que a política - isto é, a imaginação política - está efectivamente refém da economia, Mário Soares esquece que o neoliberalismo é precisamente a política refém da economia. A escolha entre ser um museu ou projectar um futuro novo - com base na ciência, na tecnologia e na cultura - proposta por Ângelo Correia está mais de acordo com o espírito que move a Esquerda genuína. A Europa que foi construída até aqui sem a participação dos cidadãos europeus deve ser refundada e reinventada escutando a voz da cidadania europeia silenciada pelos eurocratas.
Portugal. Mário Soares recordou que, depois da descolonização, a Europa era o único destino para Portugal. A decisão de entrar na União Europeia e na zona Euro foi, portanto, uma decisão histórica de futuro: Somos um país europeu, estamos na Europa e queremos ser Europa, como disse António Vitorino. Mas, para garantir o nosso futuro europeu, precisamos resolver a nossa própria crise estrutural, agravada pela crise mundial, porque, como frisou Ângelo Correia, a nossa crise não foi inteiramente exportada do estrangeiro (Mário Soares). Portugal precisa elaborar uma visão de futuro: o ajustamento das contas públicas não é suficiente para nos livrar da crise e nos garantir um mundo melhor. Não há crescimento económico sem acesso ao crédito, o que acarreta o aumento galopante do nosso endividamento, mas como na actual situação este acesso vai ser cada vez mais difícil, torna-se necessário definir prioridades (António Vitorino), tendo como pano de fundo um acordo estratégico sobre o sentido geral do país que envolva todos os portugueses, governantes e governados. O optimismo militante de Mário Soares leva-o a negar algumas evidências: o facto de Portugal ser um país pequeno - em termos de território e em termos demográficos - e relativamente atrasado, sobretudo no plano cultural. Aquilo que Mário Soares diz que já somos é aquilo que pretendemos ser num futuro próximo: fazer do futuro almejado o já presente realizado é fechar as portas ao futuro novo. O optimismo de Mário Soares - lamento dizê-lo - cheira-me a conservadorismo - a apologia do instituído e a conservadorismo de legado próprio: o 25 de Abril só pode ser legitimamente nomeado para iluminar a acção que visa transformar qualitativamente a sociedade portuguesa, reinventando-a constantemente. Para alcançar o aumento da produtividade e das exportações e o fortalecimento do mercado interno (António Vitorino), precisamos reinventar a sociedade portuguesa, mudando de métodos e de comportamentos (Ângelo Correia). Só a reinvenção da sociedade portuguesa - a partir de um imaginário radical instituinte - pode garantir e fortalecer a nossa ancora na Europa e, ao mesmo tempo, alargar os nossos braços até às Américas - em especial ao Brasil e aos USA, à África - Angola e Moçambique, ou mesmo à Ásia - China. Descobrir mundo é o único meio que dispomos para influenciar a Europa: a nossa grandeza reside - e sempre residiu - no descobrimento do mundo: cultivar a lusofonia é uma prioridade portuguesa (Mário Soares).
J Francisco Saraiva de Sousa