Porto: Ribeira |
A Queda do Muro de Berlim gerou um retrocesso civilizacional. Os ideólogos neoliberais entoaram cânticos de triunfo: o marxismo podia ser finalmente enterrado. Porém, a crise de 2008 converteu o triunfo em derrota do neoliberalismo. O marxismo volta a estar na ordem do dia num mundo em que o Ocidente já não está sozinho. A globalização promovida pelo neoliberalismo virou-se contra ele e, o que é mais preocupante, contra o Ocidente. O neoliberalismo ameaça os próprios fundamentos da civilização ocidental: a sua expansão implica um retrocesso intolerável da cultura. A natureza e a cultura revoltam-se contra o capitalismo em todos os cantos do mundo, o qual gera os seus próprios coveiros à medida que se globaliza, como o demonstra o ódio que o mundo global nutre pelos Estados Unidos. Marx tinha razão quando previa que o capitalismo só entraria em colapso depois de se ter globalizado; no entanto, a globalização do capitalismo tem gerado contradições sociais não previstas pela teoria marxista. A dialéctica é obrigada a globalizar-se e, ao se globalizar, defronta-se com uma realidade-outra que lhe é estranha: o conceito filosófico de história da humanidade deve ser completamente revisto ou mesmo abandonado. A globalização do capitalismo já não é a globalização do domínio ocidental.
Surgiram diversos modelos dialécticos sem que nenhum deles tenha sido sistematizado de forma formal-abstracta. Geralmente, alega-se que a dialéctica está inscrita na própria realidade sem a qual não pode ser exposta. Sem conteúdos não há dialéctica. O marxismo ocidental produziu algumas figuras dialécticas notáveis. Georg Lukács praticou a dialéctica da auto-consciência histórica ou dialéctica sujeito-objecto; António Gramsci destacou as contradições teoria-praxis; Herbert Marcuse exerceu a dialéctica essência-existência e Colletti a dialéctica aparência-realidade. Todas estas figuras dialécticas derivam de Hegel. Walter Benjamin viu na dialéctica a descontinuidade e o aspecto catastrófico da História. Ernst Bloch concebeu a dialéctica como fantasia objectiva. Para Sartre, a dialéctica está enraizada na inteligibilidade da actividade ou praxis totalizante do próprio indivíduo. Em Henri Lefèbvre, a dialéctica aponta para o objectivo da humanidade desalienada. A dialéctica de Della Volpe consiste num pensamento não-rígido, não-hipostasiado, enquanto a dialéctica de Althusser representa a complexidade, a pré-formação ou a sobredeterminação das totalidades. As dialécticas de Della Volpe e de Althusser são claramente anti-hegelianas, sendo a de Althusser marcada pelas distinções de Mao Tsé-Tung e pelo desenvolvimento desigual de Lenine. Theodor W. Adorno destaca a crítica imanente e o pensamento de não-identidade: a sua dialéctica negativa ainda não foi bem-compreendida. Às figuras dialécticas do marxismo ocidental devemos acrescentar as figuras dialécticas elaboradas pelo marxismo soviético ou mesmo por outros dirigentes comunistas, tais como Mao Tsé-Tung e Che Guevara. A dialéctica de Lenine é extremamente complexa e, pela sua abertura a Hegel, merece um estudo mais detalhado. Cada uma destas figuras dialécticas tentou articular a dialéctica e o materialismo. Alguns autores pensam que essa articulação é impossível: o materialismo dialéctico é, para eles, impensável. É estranho como consideram ser impossível aquilo que foi realizado por todas estas figuras dialécticas. Tanto a dialéctica essência-aparência de Marcuse como a dialéctica negativa de Adorno realizaram essa articulação entre materialismo e dialéctica. Infelizmente, as obras destes filósofos deixaram de estar disponíveis em boas traduções. Hoje as livrarias estão repletas de merda: qualquer tolinho político escreve o seu livro e as manadas tendem a comprá-lo, não para o ler mas só por comprar. O ofuscamento está de tal modo generalizado que já não tenho vontade de partilhar nada com ninguém. Só o pensamento da aniquilação total da sociedade estabelecida conforta o meu espírito. A dialéctica é aniquilação: lá onde morre um homem ou centenas de milhares de homens há dialéctica.
J Francisco Saraiva de Sousa