quinta-feira, 2 de abril de 2009

Meditatio Mortis e Sentido da Vida (2)

«D'une certaine manière pourtant, il n'est peut-être pas défendu de parler de l' "a priori" létal: le mortel, bien avant d'être moribond, est moriturus, c'est-à-dire destiné à mourir; dès l'instant de sa naissance, le vivant est tel qu'il doit mourir; dès l'origine, sa constitution et le rytheme même de son existence, la succession des âges de la vie et les grandes transformations biologiques de l'organisme sont accordés sur la durée limitée impartie à l'espèce humaine». (Jankélévitch)
2. A pergunta sobre a morte é a pergunta sobre o sentido da história. Ao colocar a morte no território exclusivo dos assuntos que dizem respeito aos indivíduos, a tanatologia do marxismo ortodoxo (G. Lukács, M. Verret, G. Mury, G. Martelet, R. Garaudy, A. Schaff) considera que a pergunta sobre a morte é filosoficamente irrelevante, no sentido da morte inevitável não comprometer o próprio sentido da existência humana e da missão histórico-social do homem no mundo. O marxismo é, nas palavras de Merleau-Ponty, "o único humanismo que ousa desenvolver as suas consequências": "O marxismo é, no essencial, essa ideia de que a história tem um sentido, isto é, que a história é inteligível e é orientada, que vai em direcção ao poder do proletariado que é capaz, como factor essencial da produção, de ultrapassar as contradições do capitalismo e de organizar a apropriação humana da natureza, como classe universal, de ultrapassar os antagonismos sociais e nacionais e o conflito do homem com o homem. Ser marxista é pensar que as questões económicas e as questões culturais ou humanas são uma só questão e que o proletariado, tal como a história o fez, detém a solução desse único problema. Para falar uma linguagem moderna, é pensar que a história é uma Gestalt, no sentido que os autores alemães dão a essa palavra, um processo total em movimento para um estado de equilíbrio, a sociedade sem classes, que não pode ser atingida sem esforço e sem a acção dos homens, mas que se manifesta no seio das crises presentes como solução dessas crises, como poder do homem sobre a natureza e reconciliação do homem com o homem" (Merleau-Ponty). Ora, dado a história ser essencialmente luta, luta pelo reconhecimento (Hegel) e luta de classes (Marx), a revolução do humanismo socialista (E. Fromm) protagonizada pelas classes humilhadas e ofendidas "assume e dirige uma violência que a sociedade burguesa tolera no desemprego e na guerra e disfarça sob o nome de fatalidade". As revoluções não derramam mais sangue do que os impérios e a exploração hipercapitalista e, por isso, entre as diversas violências, a violência revolucionária deve ser preferida pelo facto de ser o futuro do humanismo realizado: ao contrário da violência retrógrada, a violência revolucionária tem um sentido, aquele que se supera no futuro humano. No horizonte mais vasto do sentido da história e da luta pela reconciliação universal do homem com o homem e do homem com a natureza, a morte, apesar da sua dureza psicológica, não constitui um problema humano, como defendem as "filosofias burguesas" da existência (G. Lukács, A. Heller, K. Kosic, A. Schaff, G. Petrovic, M. Markovic, S. Stojanovic): a problematicidade da morte é superada na e pela luta a favor da construção de uma sociedade mais justa, uma sociedade que ultrapasse as condições sociais que tornam, nas actuais circunstâncias de alienação e de exploração hipercapitalista, a morte problemática para os mortais (M. Verret).
Para F. Engels, a morte do indivíduo é índice da mortalidade da espécie, isto é, a mortalidade microscópica é um reflexo localizado de uma mortalidade macroscópica que constitui a atmosfera em que se movem e respiram todos os seres vivos. A morte individual deve ser situada no horizonte da "morte total". A filosofia de Marx move-se no horizonte da finitude radical do ser humano e do próprio cosmos. A perspectiva de Engels encontra eco nos Manuscritos de 1844 do Jovem-Marx: "A morte parece ser uma dura vitória do género sobre o indivíduo e contradizer a unidade de ambos; mas o indivíduo determinado é apenas um ser genérico determinado e, enquanto tal, mortal". A recusa de toda a transcendência religiosa implica necessariamente uma interpretação da morte: a problematicidade pessoal da morte está ligada ao actual estado de alienação, mas, quando esse estado da sociedade for substancialmente alterado, a morte perderá o seu sentido negativo. Numa sociedade reconciliada, os indivíduos poderão morrer em paz depois de terem vivido e desfrutado de todas as possibilidades de uma existência humana profunda e sem alienações, incluindo a crença na imortalidade da alma ou da pessoa. O marxismo minimiza, de algum modo, a morte. Ao nível biológico, a morte é vista como um facto fisiológico incontornável: depois de terem cumprido as suas funções e missões, os indivíduos mais velhos e mais gastos devem ser substituídos por novos seres dotados de energia e de dinamismo. E, ao nível humano, dado o homem ser o "conjunto das relações sociais" (Marx), a morte individual deixa de ser morte alienada quando se morre a lutar contra toda a alienação social e económica (morte heróica versus morte trágica), sem alimentar a esperança no paraíso ou na imortalidade pessoal. Lutar por um futuro melhor é a tarefa prioritária do homem (G. Mury).
Garaudy destacou o valor educativo da morte: dado burlar toda a propriedade privada, todos os bens e todas as desigualdades sociais, nivelando todos os mortais, e mostrar a insuficiência do amor em circuito fechado entre dois seres humanos, a morte ensina-nos, respectivamente, que a verdadeira dimensão do homem não reside no ter, possuir e consumir vorazmente, mas sim no ser (1), e que devemos ser receptivos à fraternidade universal (2), a única que sobrevive à morte do indivíduo. O homem deve perpetuar-se na humanidade futura, contribuindo para a realização de uma sociedade liberta da opressão e da miséria, onde cada indivíduo possa ser verdadeiramente homem. Somente realizando "feitos imortais" no sentido da construção de uma sociedade livre e justa pode o homem naturalmente mortal atingir o seu próprio tipo de imortalidade. Entre Marx e Heidegger, H. Arendt opta claramente pela perspectiva do primeiro quando afirma que a questão política fundamental não é a mortalidade, mas sim a natalidade, exorcizando, ao mesmo tempo, a relevância da vida como valor supremo. Em virtude da acção estar intimamente relacionada com a condição humana da natalidade, a categoria central do pensamento político, em contraposição ao pensamento metafísico, é a da natalidade e não a de mortalidade: "o novo começo inerente a cada nascimento pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recém-chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir" (Arendt). Na sua meditação sobre a dimensão pessoal do homem doente e moribundo, J. Moltmann (teólogo) conclui que a vida e a mera sobrevivência, a saúde e a capacidade funcional, não constituem o sentido da vida: a mera vida biológica deve estar ao serviço da humanidade do homem e a saúde, ao serviço do sentido. A medicina não deve, na sua luta contra a doença e a morte prematura, reprimir os sofrimentos e os padecimentos humanos, a arte de morrer e a aflição humana: o sentido da humanidade do homem só pode ser descoberto numa existência vivida plenamente com todos estes padecimentos. O sofrimento e a punição ajudam o homem a crescer de modo saudável e responsável: a própria ideia de uma existência não-repressiva exige a erotização de toda a personalidade e a libertação das sexualidades polimórficas, mas não a abolição dos padecimentos e das aflições humanas. A libertação irrestrita dos instintos reproduz a estrutura repressiva da sociedade estabelecida, sem conduzir a uma existência autêntica; pelo contrário, conduz, como podemos verificar diariamente, "a uma sociedade de maníacos sexuais" (Marcuse) e de agressividade destrutiva.
No entanto, Marx e Engels podem ser lidos à luz de outra chave hermenêutica: Se a finitude do homem singular reflecte e antecipa a finitude do humano, isto é, da humanidade e do mundo humanizado pelo homem, a tarefa de humanizar a natureza e de naturalizar o homem como meta da história e sentido da vida activa humana (Marx) torna-se questionável, sendo constantemente confrontada com a angústia da aproximação do fim (Marcuse): o triunfo da matéria opaca e viscosa sobre a racionalidade dialéctica, mediante a absorção dos restos mortais humanos e a sua incorporação na cadeia trófica. A aventura humana parece estar irremediavelmente condenada ao fracasso: o logos é sempre vencido pela força da matéria. H. Marcuse reconheceu claramente a "morte natural" ou a "necessidade suprema" como emblema da existência humana: a mortalidade inevitável dos homens reside, como viu H. Arendt, no facto da vida individual, dotada de uma história vital identificável desde o nascimento até à morte, provir da vida biológica. O curso rectílineo do movimento da vida individual intercepta o movimento circular da vida biológica: a mortalidade é, portanto, "mover-se ao longo de uma linha recta num universo em que tudo o que se move o faz num sentido cíclico" (Arendt). Na luta entre Eros e o instinto de morte (metapsicologia freudiana), o fluxo do tempo é, segundo Marcuse, o maior aliado natural da sociedade repressiva na manutenção da Lei e da Ordem: "O facto brutal da morte nega completamente a realidade de uma existência não-repressiva" e, neste aspecto, "a morte é a negatividade final do tempo". A previsão do "fim inevitável", presente a cada instante da vida individual, introduz um elemento repressivo nas relações libidinais, tornando o próprio prazer doloroso e forçando o homem à prática metódica da resignação. Esta frustração primária na estrutura instintiva do homem alimenta todas as outras frustrações e, na sua efectividade social repressiva, relega a liberdade para os domínios de uma "perpétua utopia": "o fluxo do tempo ajuda os homens a esquecer o que foi e o que pode ser", isto é, "fá-los esquecer o melhor passado e o melhor futuro".
Como disse Adorno numa carta dirigida a Walter Benjamin: a reificação é esquecimento. Valendo-se de Hegel, Nietzsche e Marx, Marcuse explicita a concepção adorniana da reificação, encarando a capacidade de esquecer como a faculdade mental que sustenta a submissão e a renúncia e que, ao mesmo tempo, perdoa o que não deveria ser perdoado numa situação de prevalecimento da justiça e da liberdade, sarando e cicatrizando as feridas que contêm e reproduzem o veneno, sem no entanto derrotar as forças que as causam. Para Marcuse, bem como para Benjamin, somente a recordação investida nos seus direitos pode ser o "veículo da libertação". Como tarefa nobre do pensamento, a memória deve ser liberta dos deveres, da má-consciência, da culpa e do pecado, convertendo-se em recordação do seu conteúdo reprimido: a recuperação do temps perdu (Proust), o tempo da gratificação e da plena realização, da felicidade e da liberdade. Deste modo, Eros penetra na consciência e, movido pela recordação, "protesta contra a ordem da renúncia", derrotando "o tempo num mundo dominado pelo tempo". O temps retrouvé resgata a alegria passada e propicia a sua duração: "O tempo perde o seu poder quando a recordação redime o passado". Porém, esta derrota artística do tempo deve ser traduzida em acção histórica: a luta contra o tempo deve ser luta contra a dominação e a corrupção. A aliança entre o tempo e a ordem estabelecida deve ser dissolvida, de modo a impossibilitar que a infelicidade social organizada se apoie sobre a infelicidade privada natural e que a morte seja usada como um instrumento de repressão.
De acordo com Marcuse, a hipótese do instinto de morte possibilita lutar pela "preservação do tempo no tempo", isto é, paralisar o tempo e conquistar a morte. O recurso a esta hipótese para resolver, no plano da acção histórica, o problema da morte dolorosa é, de certo modo, paradoxal. O organismo desenvolve-se sob a acção de dois instintos básicos: os instintos de vida que tendem para a criação e a composição da substância da vida em unidades cada vez maiores, e o instinto de morte que luta pela regressão ao estado isento de necessidades e de dor anterior ao nascimento, impelindo para a destruição da vida e para o regresso à matéria inorgânica. Dotado de uma estrutural pulsional antagónica, o organismo encontra-se num ambiente hostil à satisfação imediata dos impulsos da vida: a luta de Eros pela vida sob o princípio do prazer é constantemente frustrada pelo mundo ambiente que procura modificar os instintos, desviando-os das suas finalidades originais. Os instintos de vida são subjugados pelos instintos de morte e a satisfação é recalcada, adiada e substituída. Às três forças básicas da dinâmica psíquica (Eros, instinto de morte e mundo exterior) correspondem os três princípios fundamentais que determinam, segundo Freud, a estrutura psíquica: o princípio do prazer, o princípio do Nirvana e o princípio da realidade. O princípio do prazer exige a satisfação ilimitada dos impulsos de vida, o princípio do Nirvana impele para a regressão ao estado indolor pré-natal e o princípio da realidade refere-se à totalidade das modificações dos instintos logradas pelo mundo exterior. Por detrás desta tríade, opera a luta entre Eros e Tanatos, os quais partilham uma natureza conservadora comum que define a própria vida. Operando segundo o princípio do Nirvana, o instinto da morte tende para um estado de gratificação constante, isto é, para um estado sem carências e sem tensões e, neste sentido, aproxima-se de Eros: ambos anseiam pela neutralização e pela eternização do prazer, resistindo contra a perda de equilíbrio e o aparecimento de tensões. A tendência do impulso de morte para a ausência de tensão implica, segundo Marcuse, a redução gradual das suas manifestações destrutivas. À medida que o impulso de morte se aproxima desse estado, o conflito entre a vida e a morte torna-se cada vez mais reduzido, até que a vida se aproxima do estado de gratificação. A convergência do princípio do prazer e do princípio do Nirvana alcançada nesse estado de gratificação reforça Eros, libertando-o da sobre-repressão e levando-o a absorver o objectivo destrutivo de Tanatos. O retrocesso do sofrimento e da carência permite reconciliar o princípio do Nirvana e o princípio da realidade: os instintos procuram e alcançam a sua realização numa ordem não-repressiva, na qual a regressão ao estado indolor pré-natal pode ser neutralizada pela desejabilidade do estado de vida atingido e os instintos podem repousar num "presente realizado na sua plenitude". Apesar de continuar a ser um "facto" ou uma "necessidade suprema", a morte deixará de ser, na nova ordem não-repressiva (novo princípio de realidade), uma finalidade dos instintos.
Deste modo, embora de modo não tão radical quanto E. Bloch, Marcuse distancia-se claramente das teologias e das filosofias que celebram a morte como uma categoria existencial. A conversão perversa de um "facto biológico" numa essência ontológica é denunciada como uma traição da promessa de utopia e, portanto, como uma capitulação do pensamento filosófico diante da culpa da humanidade. Fiel à teoria de Marx, a filosofia negativa de Marcuse reage ao facto da morte com a Grande Recusa: a recusa de Orfeu, o libertador. Em vez de ser um instrumento de repressão, a morte pode tornar-se um "símbolo de liberdade", no sentido da "necessidade de morte" não refutar a "possibilidade de libertação final". A distinção entre "sucumbir à doença" e "morrer de uma morte natural depois de uma vida plenamente realizada" permite a Marcuse usar o morrer em agonia e dor como arma política da luta pela libertação da opressão, da corrupção e da exploração: "Não os que morrem, mas os que morrem antes de querer e dever morrer, os que morrem em agonia e dor, são a grande acusação lavrada contra a civilização repressiva". Tal como a usa Marcuse, a noção de morte natural não refere uma morte que sobrevém em seres humanos medicamente vigiados, sãos e de idade avançada, a morte medicalizada e hospitalar, cuja história é a história da medicalização da luta contra a morte. Marcuse sabe que o "acordo profissional" a propósito da morte e da doença é expressão do instinto de morte e da sua utilidade social numa ordem repressiva: a morte clínica é, nesta sociedade promotora da abdicação e da submissão, manifestação da profunda ligação entre o instinto de morte e o sentimento de culpa. A sociedade estabelecida e os seus poderes vigentes têm profundas afinidades com a morte: a noção de morte como "símbolo de escravidão e de derrota" reconduz, de certo modo, ao carácter necrófilo, tal como foi tematizado por E. Fromm. No sentido caracteriológico, a necrofilia é usada para descrever "a apaixonante atracção por tudo o que é morto, pútrido, doentio, a paixão de transformar o que é vivo em algo sem vida e de destruir pelo prazer de destruir, o interesse exclusivo em tudo o que seja puramente mecânico, enfim a paixão de despedaçar estruturas vivas". O tráfico de cadáveres, de órgãos e de seres humanos, bem como a "doação involuntária" dos corpos e dos órgãos e a estetização da morte, é a manifestação mais visível da sociedade necrófila, a qual prolonga criminosamente a vida dos ricos à custa do assassinato planeado dos pobres e da apropriação ilícita dos seus cadáveres. Em Marcuse, a morte natural é sinónimo de suicídio (não-depressivo) e de eutanásia. Tal como as outras necessidades, a morte pode tornar-se racional e indolor: "Os homens podem morrer sem angústia se souberem que o que eles amam está protegido contra a miséria e o esquecimento. Após uma vida bem cumprida, podem chamar a si a incumbência da morte, num momento da sua própria escolha". Marcuse é muito menos radical do que Benjamin e Bloch, os quais pretendem resgatar e redimir todos os sofrimentos passados: o advento do reino da liberdade não redime aqueles que morreram em dor. A sua recordação e a culpa acumulada devem levar-nos a lutar contra a actual opressão e corrupção. (CONTINUA com o título "Meditatio Mortis e Sentido da Vida 3".)
J Francisco Saraiva de Sousa

15 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou metido em sarilhos: como explicitar as teorias sem prolongar muito o post? Sou capaz de ser forçado a dividir novamente o post... :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Optei pela subdivisão do post para não prolongar este que está a ser escrito. Mesmo assim, vai ficar longo, porque o ponto 3 merece alguma atenção. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Concluo amanhã! Os mestres são brilhantes e, infelizmente, a genialidade está no passado. Hoje é o tempo da criatura metabolicamente reduzida: os frangos de aviário querem ser alimentados, mas recusam ser mortos! O aviário humano está doente, histriónico e agressivo, enfim malcriado! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vou começar a usar o termo hipercapitalismo para designar o modelo de sociedade que conduziu à actual crise financeira e económica. :)

André LF disse...

Olá, Francisco! Vc tem feito uma bela análise da Meditatio Mortis. Nossa sociedade hipócrita faz de tudo para escamotear o problema da morte, e acaba mergulhando cada vez mais numa existência artificial e inautêntica.

São sempre atuais os versos de Píndaro Odes, Oitava pítica):

Criaturas de um dia, o que é o homem? O que não é?/ É sonho de uma sombra. Mas quando chove/ o esplendor, dádiva do deus,/ uma luz fúlgida e uma vida doce/ estende-se sobre os homens.

André LF disse...

Sêneca, Cartas a Lucílio:
"Nisto erramos: em ver a morte à nossa frente como um acontecimento futuro, enquanto grande parte dela já ficou para trás. Cada hora do nosso passado"
"in hoc enim fallimur, quod mortem prospicimus: magna pars eius iam praeteriit. Quidquid aetatis retro es mors tenet"

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá André

Sim, a filosofia antiga tb tem muito a dizer sobre estes temas, mas mesmo circunscritos ao mundo moderno estão a dar muito trabalho: é preciso omitir muitas coisas. A poesia grega é formidável!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A concepção de Séneca é curiosa, porque destaca a noção de morte contínua, apesar da morte própria estar no futuro. As temporalidades das mortes (1ª, 2ª e 3ª pessoas) são diferentes. Mas ele destaca essa noção fundamental: desde que nascemos estamos sempre a morrer... Somos morte adiada. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Finalmente, o post está concluído.

Embora tenha dedicado mais espaço a Marcuse, fui obrigado a omitir muitos aspectos da sua antropologia negativa e dialéctica. Porém, ao explicitar a sua hipótese do instinto de morte, procurei introduzir alguns elementos da antropologia médica, de modo a problematizar a sua concepção. Seria necessário fazer novas distinções conceptuais, mas isso está fora dos objectivos deste post. O optimismo marxista leva-o a aceitar a utopia do prolongamento da vida, sem prévia análise. Há nas utopias médicas elementos contrários à vida na sua fecundidade e criatividade. Tudo isso merece atenção acrescida! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, fotograr é um acto necrófilo: os tolinhos que sacam constantemente a máquina fotográfica ou o telemóvel para tirar fotos são necrófilos. :(

Fräulein Else disse...

ahahah...
porque diz isso? anda a (re)ler Barthes?

Por acaso eu n gosto de andar sempre a tirar fotos, porque prefiro previligiar a memória e a imaginação. Mas há sempre tentação de capturar, de tornar cativa uma visão ou uma emoção...



«Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada.» S. Mateus 10:34

Ontem vi o "Evangelho segundo S. Mateus" do Pasolini e, entretanto, esta frase tem ecoado em mim. Com isso quer dizer que é dever tomarmos uma posição; a indecisão ou a pusilanimidade são demoníacas. E percebemos que estas palavras são actuais: urge decidirmo-nos, comprometermo-nos, fazermos frente ao que nos rodeia.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Usar a espada deve ser nosso lema no seio desta sociedade tão corrupta. Até estou chocado, sobretudo devido à visibilidade da "coisa" e à falta de vergonha d'alguns corruptos ou candidatos a tal... :(

Não foi Barthes mas Fromm que me inspirou na necrofilia...

Fräulein Else disse...

Pois, mas a tese de Barthes no Câmara Clara é bastante famosa, por isso supus q fosse a ele q se referisse.

Sim, a corrupção no nosso país é um flagelo...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, gosto de Barthes!

Já estou descansado: O Porto venceu o Guimarães. :))))

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou a pensar fazer um elogio do FCPorto, porque estive a escutar os comentadores desportivos.

Um da SICNotícias apresenta estas noções bizarras:

1. A propósito do Tribunal de Gaia ter libertado Pinto da Costa da "cabala encarnada", o homem suspeita de um conflito entre magistrados do Norte e do Sul. O bairrismo do Norte defendeu o seu homem! O curioso aqui é o bairrismo ser atribuído ao Norte e não ao Sul: a magistrada de Lisboa é "universalista", a do Porto é "bairrista". Isto é ridículo e, face à cabala lisboeta, devemos aqui no Norte ser unidos e não aceitar as arbitrariedades encarnadas e corruptas de Lisboa. Bairrismo é reduzir o país a Lisboa: uma causa estrutural do atraso nacional. Ele(s) desejavam ver Pinto da Costa condenado independentemente de não haver provas. Ele(s) querem credibilizar as acusações de uma pessoa cujo juízo foi corrompido pela ganância e pelo ódio! Ele(s) baralham este caso do Apito com a corrupção política! Misturam tudo na sua ânsia feroz pela irracionalidade! Carecem de credibilidade e de saúde cognitiva para analisar os factos!

2. Depois justifica os comentários do presidente do Benfica! Daqui infere-se que o Apito Dourado foi uma mentira conspirada de modo encarnado. Desconfiar dos magistrados judiciais a favor da falsa justiça desportiva é sintomático de corrupção do juízo. Tribunal desportivo não garante, neste contexto de fúria encarnada, verdade desportiva: a verdade é que o Benfica foi eliminado da Taça da UEFA. Isto sim é verdade desportiva. Confundir verdade e convicção clubista irracional é falsificar a realidade desportiva.

3. Defender um tribunal desportivo, como foi dito na RPTN, não implica verdade desportiva, como demonstra o caso do castigo aplicado ao Lisandro: a verdade desportiva é aquela que se joga no campo sem interferência de "estranhos". (Curiosamente, Paulo Bento tb não ficou satisfeito com este castigo aplicado ao Lisandro.) Podemos desconfiar do Ministério Público, mas ainda não temos razão para desconfiar dos magistrados judiciais. A justiça da Liga está inquinada: é encarnada e claramente contra o FCPorto. O futebol morre no dia em que for entregue aos "estranhos", jornalistas, comentadores e dirigentes frustrados.

Estranho é nada ser feito para modificar estes humanos incapazes de mérito!