sábado, 11 de abril de 2009

Meditatio Mortis e Sentido da Vida (5)

«A imortalidade da alma é uma coisa de tal modo importante para nós, toca-nos tão profundamente, que é preciso ter perdido todo o sentimento para ficarmos na indiferença de saber o que ela é. Todas as nossas acções e todos os nossos pensamentos devem seguir rumos tão diferentes, consoante haja ou não a esperar bens eternos, que é impossível dar um passo com sentido e juízo a não ser regulando-nos e tendo os olhos neste ponto, que deve ser o nosso último objectivo. Assim, o nosso primeiro interesse e o nosso primeiro dever consistem em nos esclarecermos a respeito deste assunto, do qual depende toda a nossa conduta». (Blaise Pascal)
5. A pergunta sobre a morte é a pergunta sobre o sujeito da esperança. As pessoas deformadas pela visão anémica do mundo imposta pela ciência instrumental e pela tecnologia que servem os interesses da dominação, e pelo estilo de vida consumista que as reduz à sua mera condição de animal laboral, são actualmente pouco inclinadas a aceitar o pensamento da imortalidade da alma ou da ressurreição dos mortos. Para compreender o predomínio da ciência na mentalidade contemporânea, é necessário recuar até René Descartes e à ruptura radical que operou no pensamento. No início da era da técnica e da manufactura, Descartes separou e dividiu: de um lado, temos o pensamento, o que é próprio do homem, e, do outro lado, a realidade extensa, tudo aquilo que se manifesta no espaço. A suposição básica da ciência instrumental foi assente: a natureza existe por si e é o que pode ser medido e pesado, o jogo das forças, o acontecer material. O seu estudo exige método e não pode admitir que se projecte nela qualquer coisa que seja humana ou divina: a natureza está-aí para ser explorada, dominada, maltratada e devastada. Esta visão mecanicista alargou-se gradualmente a todas as regiões da natureza e do ser e conduziu ao triunfo do materialismo redutor e cadavérico: a ciência tenta explicar e dominar o mundo vivo através das leis da matéria morta e acaba por colonizar finalmente o espírito humano, entregando o ser humano ao jogo das forças cegas do acaso. O monismo vitalista foi substituído pelo monismo mecanicista e materialista: a vida não pode subtrair-se à lei básica e, por isso, é integrada com violência na lei geral do triste fisicalismo. Com a vitória da ontologia da morte universal, a explicação da vida significa negá-la, fazendo dela uma variante das possibilidades do sem-vida. A ciência foi sempre um projecto necrófilo: a redução da vida ao que não tem vida implica a dissolução do particular no geral, do composto no simples e da excepção aparente na regra confirmada. O pensamento científico e secularizado encontra-se, portanto, sob o predomínio ontológico da morte. Se no passado, a fronteira da compreensão era a morte, no nosso tempo, é a vida, porque só na morte deixa o corpo de ser um enigma: o organismo que vive, sente e procura é desmistificado como um ludibrium materiae. A suposta neutralidade da ciência e da técnica é pura ideologia: a razão política estabelecida e a razão técnica são uma só razão histórica que pode ser superada.
A morte coloca ao pensamento a pergunta sobre a possibilidade de realizar definitivamente o sentido da vida, a qual resulta do contraste existencial entre a grandeza e a santidade da vida e a ameaça da morte. A. Camus, para quem a vida era um absurdo, apercebeu-se deste dilema existencial quando se interrogou: Que liberdade pode haver no sentido pleno sem a garantia da eternidade? G. Marcel detectou a incompatibilidade entre a morte radical e o valor da vida pessoal: a morte radical anula o valor da vida e este escândalo faz com que a realidade humana se sinta ferida no seu próprio coração. A antropologia metafísica de J. Marías coloca duas questões radicais: Quem sou eu?, Que será de mim? Se respondermos à segunda questão com um rotundo "Nada", então anulamos a primeira questão: a morte total como aniquilação de mim e do meu mundo anula o sentido da vida e, nesse caso, não vale a pena viver. As antropologias materialistas encaram a morte como a última palavra da existência humana, alegando que a condição corpórea do homem conduz inevitavelmente ao aniquilamento da vida no momento da morte: a ruína do corpo fisiológico é o aniquilamento radical da vida pessoal. Esta negação da imortalidade da alma ou da pessoa humana é dogmática e o recurso à ciência não abona a seu favor, porque, como mostrou L. Tolstoi, "a ciência carece de sentido": a ciência instrumental "não tem resposta para as únicas questões que nos interessam, ou seja, o que devemos fazer e como devemos viver". A insuficiência do materialismo foi reconhecida pela própria filosofia marxista: "a imagem de felicidade é inseparável da de redenção" (Walter Benjamin). Isto significa que, à luz messiânica da redenção, a própria tarefa política da emancipação exige algum tipo de esperança numa vida eterna, isto é, numa vida não sujeita à caducidade do tempo. A fragilidade ontológica do ser finito que é o homem, o ser-para-a-morte (Heidegger), parece privá-lo da esperança, limitando-o à espera de um futuro melhor sobre a Terra. Condenado a ser esperança para os outros, o homem seria, ele próprio, nesta perspectiva, um ser sem esperança própria: as gerações passadas e intermediárias estariam irremediavelmente perdidas e sacrificadas no altar de um futuro que tarda a chegar. Objecto de esperança alheia, o homem singular não teria esperança própria. A perspectiva da redenção é mais exigente e, quando reclamada no seio de uma filosofia materialista, retoma a ideia cristã da ressurreição dos mortos (Adorno) e da natureza (Marx): o eu singular que conjuga o verbo esperar fá-lo, porque, apesar da sua mortalidade e da caducidade do mundo, espera o cumprimento da promessa veraz de vida eterna. Quando luta contra a dominação, a alienação, a reificação e as moradas da escravidão e do sofrimento gratuito, o materialismo consequente anula-se antes mesmo de se superar: a verdade do materialismo reside apenas na sua negação.
A imortalidade não é certamente um objecto de conhecimento, dado situar-se além de toda a refutação e de toda a prova, tal como a epistemologia do conhecimento científico as define, mas é seguramente uma ideia de conhecimento (Kant) tão antiga quanto a própria humanidade. Desde que o homem começou a sepultar os seus mortos, inicialmente numa posição fetal que nos reconduz à noção de sobrevivência e de um novo renascimento, a importância interior do sentido da imortalidade e a ressonância que provoca em nós constituem a única base que nos permite retomar a problema da imortalidade num tempo indigente como o nosso. As criaturas metabolicamente reduzidas procuram apenas uma das duas modalidades da imortalidade empírica: a imortalidade da fama, tal como foi clarificada por David Hume na filosofia moderna, em detrimento da imortalidade da acção. A noção de imortalidade da fama ou do nome é grega e foi muito admirada na Antiguidade Clássica ou mesmo na Idade Média. A imortalidade da fama era vista como uma justa recompensa pelos nobres feitos visíveis, isto é, públicos, realizados por homens corajosos, que, tal como Hume, eram motivados e movidos pela busca da fama. A visibilidade e a publicidade destes feitos imortais facilitavam a sua percepção e a sua lembrança por parte dos membros da comunidade. A sobrevivência na imortalidade da fama era alcançada unicamente na esfera da comunidade política: a fama imortal era a permanência das honras públicas. Como desejo de prolongamento na fama póstuma, o desejo de fama assenta na confiança depositada na opinião pública, nomeadamente na sua perspicácia no presente, na sua fidelidade no futuro e na sua própria continuidade e sobrevivência sem limites. Esta confiança grega na imortalidade da fama foi minada pela destruição benjaminiana da "história dos vencedores": a história narra os feitos dos vencedores, esquecendo e excluindo os feitos da maioria das pessoas, isto é, dos vencidos, cuja voz foi sempre-já silenciada. Não podemos acreditar na "selecção" realizada por uma tal historiografia das classes dominantes, sobretudo no contexto ofuscante da nossa própria sociedade, onde as reputações são fabricadas, a fama é inventada, a opinião pública é manipulada e a narração dos acontecimentos é falsificada sob pressão dos interesses instalados no poder. Nesta nossa era da corrupção universal da palavra, dominada pela disciplina partidária e pelas técnicas publicitárias, o discurso público é mais o discurso da mentira (a palavra aparente) do que da verdade, o que confirma a suspeita generalizada de que a fábula que relata à posteridade como as coisas aconteceram é uma mera invenção de um grupo minoritário corrupto constituído pelos grandes malfeitores da humanidade. A imortalidade da acção procura fazer justiça ao ser humano bom que, sem ansiar pela imortalidade do nome, própria do vaidoso, fica satisfeito com a continuação anónima da sua obra, traduzindo assim a esperança viva dos esforços sérios realizados ao serviço de um fim mais elevado.
Ora, estes dois conceitos de imortalidade empírica não resistem à extinção do tempo: o mortal não pode funcionar como meio de preservação da imortalidade. As sociedades e as culturas humanas são efémeras e passageiras e a própria sobrevivência da humanidade está em risco. A caducidade do mundo e das coisas humanas trabalham contra a imortalidade empírica e, quando a continuidade biológica da espécie humana está ameaçada de morte, torna-se problemático ligar o sentido da vida a um futuro que não é garantido: o êxito da aventura humana não está garantido e o fracasso é possível. Tanto o marxismo, pelo menos na sua versão mais ortodoxa e brutalmente materialista e economicista, como o existencialismo, lançaram-nos nas águas da mortalidade sem a segurança de um salva-vidas escondido, obrigando-nos a ocupar a nossa posição solitária no tempo entre dois nadas: o passado que já-não-é e o futuro que ainda-não-é. A questão da imortalidade foi varrida e banida do horizonte espiritual da nossa época: a descoberta da historicidade do homem (Hegel, Marx) e a elaboração ontológica da temporalidade do seu ser (Heidegger) levaram-nos a tomar consciência de que o tempo, longe de ser uma mera forma dos fenómenos, pertence à nossa essência mais íntima e que a nossa finitude é condição fundamental para que a nossa existência possa possuir autenticidade. O homem já não nega a sua mortalidade essencial; pelo contrário, parece reivindicar a sua condição efémera, breve e passageira, confrontando-se com o nada e convivendo com o nada.
O cepticismo moderno em relação à existência de Deus e à imortalidade da alma mina a própria realidade da superação pessoal da morte. A existência humana move-se unicamente na esfera histórica: nasce da história, desenvolve-se na história e descobre o seu sentido completo no âmbito da história. Para Hegel, a liberdade humana só se realiza como história: o homem é um ser livre na medida em que é um ser histórico e, como só há história onde há liberdade, a liberdade revolucionária negadora pressupõe a morte. Isto significa que somente um ser mortal pode ser verdadeiramente histórico. A morte constitui o fundamento último e o primeiro móbil da história: «A história é o movimento dialéctico da força que mantém no Ser o nada que é o homem. Esta força realiza-se e manifesta-se como acção negadora ou criadora: acção negadora do dado que é o próprio homem, ou acção da luta que cria o homem histórico; e acção negadora do dado que é o mundo natural onde vive o animal, ou acção do trabalho que cria o mundo cultural, fora do qual o homem é puro nada, e onde ele não difere do nada a não ser por certo tempo». Isto significa que o sentido da vida se encontra no futuro histórico, mesmo que esse futuro seja pensado como um fim da história. G. Mury defendeu, no seio do marxismo, esta tese de que o sentido da nossa existência se encontra no interior da história: "Posso dar um sentido à minha vida se a identifico com o projecto universal da espécie que, desde a sua origem, se empenhou em construir, graças ao trabalho social, um mundo fraternal em que o domínio do homem sobre o seu meio material possa ser radicalmente assegurado. Salvo-me ou condeno-me neste mundo, na medida em que cumpro ou deixo de cumprir a vocação da humanidade global encarnada nos combates presentes, levados a cabo pelo proletariado na sua luta pela libertação geral de todos os homens". A perspectiva de Mury assenta em três pressupostos questionáveis: a humanidade, como espécie biológica, continuará a existir indeterminadamente sobre a Terra (1); o advento de uma sociedade sem exploração do homem pelo homem e sem alienações parece estar assegurado (2); e esse advento constitui uma resposta total e exaustiva ao sentido da existência pessoal (3). Porém, nenhum destes pressupostos está garantido. A imortalidade da espécie não é certa, conforme o demonstra a problemática biológica da extinção das espécies. Por isso, torna-se problemático ligar o sentido da actividade presente a um futuro não garantido, e, mesmo que realizássemos esse sonho diurno de uma sociedade justa, a morte não deixaria de ser problemática, como mostrou Bloch ou mesmo Marcuse. A história como resposta à necessidade de sentido na vida humana pressupõe a mortalidade radical do homem, excluindo a priori a imortalidade da pessoa e negando a dimensão meta-histórica das aspirações humanas, como se o sentido imanente fosse suficiente para garantir a grandeza da aventura humana. Mury rejeita cabalmente a hipótese de que o desaparecimento do homem possa privar retrospectivamente a aventura humana de sentido, mas, como vimos, Benjamin, Adorno, Horkheimer e Bloch acabaram por abrir o marxismo à transcendência.
Com esta abertura à transcendência e ao inteiramente Outro, podemos dar expressão conceptual ao sentimento de que a temporalidade não pode ser a última palavra. No ser humano, manifesta-se a qualidade íntima de auto-superação, cujo sinal criptográfico reside na nossa ideia de eternidade. A prova tradicional da imortalidade afirma que a espiritualidade do homem não desaparece com a decomposição do organismo biológico, porque a alma espiritual do homem, não sendo composta como a matéria, não pode ser aniquilada por causa de um processo biológico. A morte separa o homem da comunicação sensível e tira-o do nosso mundo comum, mas esta invisibilidade da pessoa humana não implica, como mostrou Max Scheler, que o homem tenha deixado de existir pessoalmente: "O facto de não a vermos depois da morte significa muito pouco, dado que nunca a podemos ver de um ponto de vista sensível. O facto de não existirem fenómenos expressivos depois da morte é somente um motivo para aceitarmos que eu já não posso compreender a pessoa; mas não é motivo para aceitar a sua não existência. Por isso, a pessoa pode factualmente deixar de existir quando faltam elementos expressivos para a compreender. Não está escrito em parte alguma que as pessoas devam durar sempre; mas, na ausência destes fenómenos expressivos, não há nenhum motivo para afirmar que elas não sobrevivem" (Scheler). Retomando o argumento de Platão e de S. Tomás de Aquino, C. Tresmontant evita pensar a morte como aniquilação: a alma não é uma composição e, por isso, não pode decompor-se, tal como sucede com o corpo. O ónus da prova, o onus probandi, cabe àquele que nega a eternidade do espírito (Tresmontant) ou a sobrevivência da pessoa (Scheler). (CONTINUA com o título "Meditatio Mortis e Sentido da Vida 6".)
J Francisco Saraiva de Sousa

23 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Amigos/as

Boa Páscoa! :)))

Pulsante disse...

A morte é um facto que se transformou num conceito inacreditável.
Parabéns pelo blog. Muito bom.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Pulsante

Obrigado! Sim, a morte é um facto, de resto um facto que humilha a pretensão do homem humano, desde que este começou a sepultar os seus mortos, enterrados em posição fetal: renascimento para uma nova vida, vida eterna!

André

O FCPorto venceu novamente e agora prepara-se para afastar de vez o Manchester. Que Deus escute a minha oração! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, precisamos de uma televisão no Porto, em representação do Norte em luta pela sua redenção. O centralismo televisivo está a sufocar o desenvolvimento nacional: a tv centralista é uma mentira. Precisamos de autonomia total: a capital faliu e está muito gorda e corrupta, como sempre. É uma anaconda feia e gorda. :(((

André LF disse...

Francisco, estou a torcer pelo Fc Porto!
Um abraço!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, preciso fazer um esclarecimento: a Filosofia é um assunto sério, demasiado sério. Quando me acusam de ser platónico, a minha resposta só pode ser esta: sou herdeiro de Platão, a filosofia é herdeira de Platão. Considerar que a linguagem platónica não teve o efeito da linguagem científica é não ter compreendido nada da herança: o discurso filosófico não pretende ter eficácia, porque não é insturmental, mas tem efeitos práticos no domínio da política. Platão é o fundador da tradição política ocidental: os seus efeitos são demasiado evidentes e materiais. Mas há mais: o discurso filosófico é o único que pode dizer a verdade. A ciência não se situa no domínio da verdade, mas da eficácia e da manipulação: a linguagem que usa de modo ilegítimo roubou-a à filosofia, mas não é a sua linguagem adequada. Basta pensar que sempre que tenta dar orientações práticas destrói tudo: a ciência é um instrumento, não um conjunto de verdades. A minha dupla-formação permite-me afirmar isto com absoluta segurança.

Fräulein Else disse...

Olá F.!

Sim, aos cientistas falta-lhes formação filosófica ou, pelo menos, uma noção mais límpida do domínio da ciência e do da filosofia. Acusá-lo de "platónico", como uma espécie de sintoma obsoleto, só revela ignorância. Aos filósofos pretensamente profissionais, também lhes falta conhecimentos científicos. Daí que nesta sociedade "funcionalmente diferenciada" - à Luhmann, a sua "dupla-formação" é um ponto de vista muito previlegiado. Por isso o venho visitar, mau grado umas patetices, como difamar a cidade de Lx. lol

:p

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Hoje estou com dores de cabeça, mas vou tentar alinhavar o post. Confronto a dificuldade de ser sintético quando, neste post, seria necessário fazer um levantamento global da filosofia desde a Grécia. Muitas noções e ainda não clarifiquei mentalmente a estrutura deste post.

Mas não tenho tempo para isso, nomeadamente usar Kant com pormenor!

Refiro-me à corrupção e à mentira quando condeno a capital
!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ou melhor, sou forçado a introduzir dois conceitos de imortalidade: um empírico que deve ser superado e outro mais metafísico. Hummm... já tenho a estrutura! :)

E. A. disse...

Buongiorno Francesco!

Já soube deste congresso:
http://www.hegel-marx2009.ul.pt/index.html

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Vi agora! Parece ser uma reunião em língua estrangeira! De facto, não temos boas traduções dos dois pensadores dialécticos, nem sociedades temos... A língua portuguesa sofre um empobrecimento devido ao facto das obras não serem traduzidas e bem traduzidas. A cultura de um país não se desenvolve quando se fecha na sua mediocridade interna: o conjunto das obras traduzidas é um bom critério de avaliação do estado da cultura portuguesa.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ou seja, a cultura e a língua portuguesas não são auto-suficientes, em termos filosóficos, científicos e técnicos. Tudo o que é bom não está traduzido e, quando está, não é de boa qualidade. Este é um estado intencional: a mediocridade do ensino e dos seus coveiros (os profs) assim o exige. Não ao esforço, sim à facilidade e à vulgaridade! Não há rigor e brio: apenas mediocridade. Mas esse parece ser o nosso destino: não brilhar!

Fräulein Else disse...

Sim, é quase tudo italiano, mas também Hegel e Marx aqui em Portugal deve-se estudar em sociologia e economia, porque em Filosofia, só muito ao de leve.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Comecei a ficar ansioso, por causa do jogo, mas o FCPorto vai confrontar o Manchester de frente, sem medo, e derrotá-lo, a ele e à arrogância destes clubes esbanjadores. O Lucho tem razão: os outros não são melhores que os jogadores do Porto.

Sim, estuda-se superficialmente na sociologia, na economia muito na perspectiva do ataque: são pensadores difíceis, sobretudo Hegel, e a sua compreensão exige muito estofo intelectual e probidade. De resto, duas características que falham no nosso país!

... disse...

Hoje encontrei um paralelo ao seu post "James Burnham e a silenciosa revolução dos executivos:

"As meta-máquinas sociais estatais econômicas às quais nós, seres-humanos, estamos conectados como próteses, estão dominadas por automatismos conscientes e inconscientes. As meta-máquinas são gerenciadas por um tipo particular de trabalho cognitivo que é o trabalho político administrativo gerencial, o qual projeta, organiza, controla em vasta escala, uma forma de general intellect que nunca consideramos no passado, cujo príncipe é uma figura que aparece em cena na segunda metade do século dezenove: o gerente ou manager.

Como lembra Bifo, citando Orwell em seu ensaio O totalitarismo Tecno-administrativo de Burnham a Bush, no mundo pós-democrático (ou, se preferirem, no império) são os gerentes que assumiram o comando: "O capitalismo está desaparecendo, mas o socialismo não o substitui. O que está nascendo é um novo tipo de sociedade planificada e centralizada que não será nem capitalista nem democrática. Os governantes serão aqueles que controlam efetivamente os meios de produção, isto é, os executivos, os técnicos, os burocratas e os militares, unidos sob a categoria de gerentes, administradores ou managers. Eles eliminarão a velha classe proprietária, esmagarão a classe operária e organizarão a sociedade de modo a manter em suas mãos o privilégio econômico. Os direitos de propriedade privada serão abolidos, mas não por isso será estabelecida a propriedade comum. Não existirão mais pequenos estados independentes, mas grandes super-estados concentrados em torno dos centros industriais da Europa, Ásia e América, e esses super-estados combaterão entre si. Essas sociedades serão fortemente hierárquicas com uma aristocracia do talento no vértice e uma massa de semi-escravos na base." (George Orwell, Second Thoughts on James Burnham, 1946). (5)

Citamos no início as duas inteligências que se enfrentam no mundo e as formas nas quais se manifestam. A multidão funciona como uma máquina porque se reduziu a um esquema, a um software social, concebido para a exploração de suas energias e de suas idéias. Assim, os tecno-gerentes ou tecno-managers (públicos, privados e militares) são aqueles que, inconscientemente ou não, projetam e controlam máquinas feitas de seres humanos ‘assemblados’ uns aos outros. O general intellect gera monstros."

aqui: http://www.rizoma.net/interna.php?id=183&secao=mutacao

- estas perspectivas, associadas a outros factos que aqui não importa agora referir, deixam-me um pouco perplexo, no mesmo dia em que, a propósito da pirataria ao largo da Somália, se referiu publicamente, com o aval E.U.A., a possibilidade de companhias privadas poderem vir a recorrer a armamento, de defesa por pressupuesto...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, o mundo não é o que aparenta ser e aqui em Portugal já temos esses tecno-manangers instalados nas diversas esferas do poder. O pior é que as pessoas, por causa das ilusões de uma vida farta, não se apercebem que estão a ser, elas próprias, exploradas no seu metabolismo. Comem tanto que se esqueceram da cabeça para pensar! O mundo está muito estranho, já para não falar da indústria da morte: nem os cadáveres são respeitados na sua integridade: os seus órgãos valem muito dinheiro e os ricos precisam deles. Uma sociedade necrófila, corrupta, cleptocrática e decadente... :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Há tanta coisa terrível e macabra que acontece e que é abafada e silenciada e muitas pessoas são cúmplices no seu silêncio! Que fazer? Era preciso coragem, determinação e solidariedade! Este modelo de sociedade conduz-nos ao cenário mostrado por certos filmes de ficção, muitos dos quais parecem irreais..., mas não são...

Treasureseeker disse...

Olá,Francisco,

A compartimentação algo estanque,em que se encontra o panorama científico nacional,neste caso,não é o mais propício,a meu ver,para uma verdadeira reformulação da área científica,uma vez que uma miríade de conceitos pré-estabelecidos teimam em manter-se;assim,uma hipotética "humanização" ou "espiritualização" do método científico,no sentido mais amplo,encontra ainda muitas resistências.

A ideia de "salvação",teria que ser retirada do contexto meramente religioso,pois não seria coerente,face à natureza inóspita do mundo actual,oferecê-la simplesmente assim,aos indivíduos.É necessário que o ser humano volte a tomar consciência não só das sus fragilidades,como também das suas motivações e reais capacidades.Marx aparece profetizando um modelo idealista,sem dúvida,onde,à semelhança dos humanistas renascentistas,quer que se tome o Homem como "medida de todas as coisas",estilo "alfa" e "ómega" social;agora,o que se passa,é que,sendo o Homem,também,"Homo Oeconomicus",com tudo o que isso implica no processo social e de propriedade,levará a um inevitável confronto geral,no tocante às questões de posse e propriedade.
Penso que o edifício que começou a ser construído por Descartes,na sua estrutura básica,explicaria muitos dos fenómenos e acharia para eles uma solução,ou uma tentativa de solução racional e equilibrada.Nem era preciso ir buscar Husserl,com o seu esquema fenomenológico,de apreensão da realidade circundante.O caminho não seria por aí.Mas isto sou eu a falar!Quem sou eu?

Cumprimentos aí para a Invicta,e já agora,"break a leg",para o FCP!...
Vivo em Lisboa há uns anitos,mas sou leiriense.Tive que trocar,por motivos académicos,a minha "small town"(já não é tanto...)pela metrópole,e ainda por cima tenho uma filha alfacinha de gema!

Até logo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Treasureseeker

Precisamos ter esperança e, dado o egoísmo predominante, não podemos esperar pelos outros para agir e pensar de modo diferente. A Internet possibilita-nos criar uma onda de mudança e agregar a oposição responsável ao esquema estabelecido. Quem sabe se não iremos conseguir introduzir a mudança a partir de fora, extraterritorialmente? As nossas universidades são decadentes e idosas: gente cinzenta que ocupa o lugar por ocupar! Criticar sem tréguas: eis a nossa tarefa!

A Escola de Frankfurt tentou recuperar o conceito de salvação, em novos moldes. A vida precisa de algum encanto... E a ciência não pode decretar a morte dessa dimensão, porque ela não nos ajuda a resolver essas questões últimas, além de não ter "provas". Começo a ser mais receptivo ao regresso da metafísica, num quadro empírico, sem mistificações!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Quanto ao FCPorto, obrigado! Devemos, podemos e vamos vencer o Mnchester: esse é o meu desejo! O nosso desejo! E o desejo do belo povo de Timor que é portista! Saudações para Timor! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, afinal perdemos e o Manchester venceu! Paciência!

Fräulein Else disse...

Sim, paciência! Uma boa notícia invés: fim do sigilo bancário!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Oi Else

Bem, se for para combater a corrupção, aceita-se o fim do sigilo bancário, embora não deva ser público.

Bem, este post está concluído e as suas lacunas serão corrigidas no próximo post.