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quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Os Bantos e a Homossexualidade
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quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Casais do mesmo sexo
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Adopção e famílias homoparentais. As famílias com filhos de pais gay ou mães lésbicas já existem na sociedade portuguesa, embora não se conheça o seu número. A maioria das crianças de lares homoparentais é fruto de relações heterossexuais anteriores, mas, com as novas técnicas de reprodução assistida e a possibilidade da adopção de crianças, o número de casais homossexuais que decidem ser pais conjuntamente - ou individualmente - começa a aumentar, sendo necessário conhecer melhor as famílias homoparentais e as famílias monoparentais. Largas centenas de estudos científicos demonstraram que as crianças adoptadas ou criadas por pais do mesmo sexo apresentam funcionamento emocional, cognitivo, social e sexual tão bom quanto as crianças criadas por pais heterossexuais (Perrin, 2002; Lambert, 2005; Navarro et al., 2004). A American Academy of Pediatrics reconheceu esse facto científico: os casais homossexuais são tão bons quanto os casais heterossexuais a amar as suas crianças e, por isso, podem adoptar e cuidar de crianças (Pawelski et al., 2006), porque o desenvolvimento saudável das crianças é mais influenciado pela qualidade e pela natureza das relações e das interacções dentro da família do que pela forma estrutural familiar. A parentalidade é um processo complexo que implica algo mais do que um pai e uma mãe: o papel de pai ou de mãe é proporcionar à criança um meio seguro e estável, garantir as suas necessidades nutricionais, oferecer amor e apoio e favorecer interacções de natureza positiva. A qualidade da parentalidade não depende do tipo de estrutura familiar onde a criança vive, mas sim dos comportamentos, interacções e ensinamentos dos pais. Os estudos (Patterson, 1997; Golombock et al., 1983; Green et al., 1986; Bailey et al., 1995; Golombock & Tasker, 1996) mostraram que os pais heterossexuais e os pais homossexuais criam os seus filhos de modo muito similar, o que levou a American Psychological Association (1976), a American Psychiatric Association (2000), a American Academy of Pediatrics (2002), e a American Psychoanalytic Association (2002), a apoiarem a adopção de crianças pelos indivíduos homossexuais, destacando a competência parental dos pais gay e das mães lésbicas.
J Francisco Saraiva de Sousa
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quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Cultura de Esquerda na Blogosfera
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segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Contra a Homofobia na Blogosfera
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O que é verdadeiramente insólito nestes dois blogues não é esta associação que podemos estabelecer entre o grau elevado de homofobia exibida pelos seus autores e o conteúdo ideológico dos seus posts, mas o link que une um "blogue de gaja" e o "blogue de um gajo" que construiu uma genealogia do pensamento filosófico que parte de Hegel - o antepassado dos antepassados - e de Marx e vai até ao desconstrutivismo de Derrida e de Foucault, passando pela misoginia de Nietzsche, responsabilizado pela irrupção dos feminismos, e pela Escola de Frankfurt, de modo a identificar toda essa cultura de esquerda com a cultura gay e o seu suposto sistema - o gayzismo. Para o autor homófobo do blogue de gajo que chama "panascas" a todos os que lutam contra a homofobia, incluindo José Sócrates, o pensamento filosófico contemporâneo é gayzista. A palavra gayzismo reconduz-nos de modo intencionalmente ambíguo a nazismo, isto é, a uma espécie de sistema totalitário que mina a dominação masculina e o heterosexismo que lhe é subjacente. Encarnando a figura do pensamento "politicamente correcto", o gayzismo é encarado pelo autor homófobo assumido como um conjunto de procedimentos e de dispositivos que impõem a todos os membros da sociedade maneiras de sentir, pensar e agir que violentam a suposta natureza das coisas: o gayzismo é, nesta perspectiva homofóbica, violência cometida contra a ordem natural das coisas. O ódio homofóbico dirigido contra Hegel e Marx ganha agora um contorno ideológico claro: o facto de terem mostrado que todas as instituições sociais são cristalizações da acção e do trabalho dos homens de carne e osso implica a noção crítica de que podem ser transformadas. Aquilo que era concebido ideológica e tomisticamente como uma ordem natural regulada por leis imutáveis e naturais foi submetido à crítica da ideologia - o marxismo cultural do escriba homófobo - que visa orientar a praxis de transformação dos oprimidos, humilhados e ofendidos. As instituições estabelecidas provocam mal-estar e esta experiência de mal-estar (Foucault) leva as vítimas a estudá-las e a decifrar os seus fundamentos históricos. Como têm uma história, as instituições são produtos da acção histórica e, por isso, não são imutáveis e naturais, podendo ser transformadas por novas acções políticas de libertação. A acção política de libertação da opressão social, racial e sexual exige um trabalho teórico que pressupõe uma crítica radical das formas de pensamento que suportam subterraneamente as instituições. Marx e Engels elogiaram a burguesia pelo papel revolucionário que desempenhou na demolição da velha ordem social: "O que distingue a época burguesa de todas as precedentes é a alteração incessante da produção, o derrubamento contínuo de todas as instituições sociais, em suma, a permanência da instabilidade e do movimento. Todas as relações sociais imobilizadas na tradição, com o seu cotejo de concepções e de ideias, fixas e veneráveis, se dissolvem; aquelas que as substituem caducam antes mesmo de cristalizarem. Tudo o que tinha solidez e perdurabilidade esvai-se em fumo, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são forçados, finalmente, a encarar com olhos desiludidos as suas condições de existência e as suas relações mútuas". A condenação homofóbica da filosofia contemporânea implica a rejeição de toda a modernidade social e reflexiva e de todos os seus movimentos de libertação: sexo, género, classe e raça constituem as categorias estigmatizadas que o escriba homofóbico articula numa única matriz doutrinal para a qual reserva - devido à sua homofobia assumida - este nome de baptismo brasileiro - gayzismo. A libertação das mulheres, a libertação das minorias eróticas, a libertação das etnias e das raças exploradas, a alteração das subjectividades de sexo, enfim, todos os movimentos sociais que visam derrubar a sociedade patriarcal, abolindo a heterossexualidade compulsiva (Judith Butler), são consideradas manifestações contra-natura, porque rejeitam em bloco o heterosexismo supostamente natural e as suas construções sociais - não naturais - de género e de sexo que determinam as posições sociais daqueles que sempre foram objecto de opressão sexual, racial e social: as mulheres, os homossexuais e as raças "inferiores". O ataque cerrado que o homófobo assumido dirige contra estes três grupos de pessoas revela, no fundo, três aspectos da sua personalidade autoritária (Adorno) que o levam a abraçar o nazismo sob a cobertura de um tomismo perverso: misoginia, homofobia e xenofobia.
A contrapartida ao gayzismo estabelecido é, segundo este autor homófobo, o nazismo. O escriba homófobo socorre-se da autoridade de um homossexual chamado Marco Aurélio para definir o sentido político da sua intervenção na blogosfera: «Ser como o promontório, contra o qual incessantemente as ondas se quebram. Ele ergue-se a prumo, e o furor das vagas vai abrandando em torno». A escolha de Marco Aurélio é infeliz, porque o filósofo viveu aventuras homossexuais escaldantes, mas a ideia do promontório adquire aos olhos do homófobo a significação fálica de resistência contra o gayzismo (derivado da sua homofobia), o feminismo (derivado da sua misoginia) e o multiculturalismo (derivado da sua xenofobia e do seu racismo). Paradoxalmente, o escriba homófobo é muito pouco criativo, usando as armas do chamado marxismo cultural para combater a sua cultura (marxista) da resistência contra o fascismo e o totalitarismo nazi. No entanto, a sua cultura homofóbica da resistência implica um elemento falocrático - o promontório erguido a prumo, a sua fantasia sexual reprimida - de violência retrógrada que não se ultrapassa no sentido do futuro humano: o incitamento à matança dos homossexuais, à misoginia e à xenofobia. A violência retrógrada procura opor resistência ao projecto de construção de um mundo melhor - a utopia concreta (E. Bloch) e não a utopia negativa que atribui erradamente ao marxismo -, bloqueando o futuro liberto da humanidade num mundo global. A experiência do Holocausto e das mortes nos campos de concentração nazis marcou fortemente o marxismo ocidental e a Filosofia: a questão do sentido da vida foi desacreditada pelo horror brutal da morte planeada daqueles que ousaram confrontar e combater o sistema totalitário. Bruno Bettelheim descreveu a experiência dos prisioneiros - condição que define a clandestinidade dos homossexuais numa sociedade heterosexista intolerante - nos campos de concentração de Dachau e de Buchenwald não só em termos de confinamento, mas também e sobretudo em termos de extrema ruptura das formas habituais da vida quotidiana, causada pelas condições brutalizadas de existência, pela ameaça sempre presente ou pela realidade da violência dos guardas prisionais, e pela escassez de alimentos e de outras provisões alimentares para a manutenção da vida. A experiência totalitária dos campos de concentração - retomada pelo escriba homófobo para combater o "politicamente correcto" na sua genealogia da cueca - mostrou como "a psique humana pode ser destruída mesmo sem a destruição física do homem" (Arendt): arrancados brutalmente aos contextos práticos da sua vida quotidiana e à vida familiar, quando ingressavam nos campos de aniquilação, os prisioneiros procuravam de início distanciar-se psicologicamente das pavorosas pressões de uma vida em espaço confinado, tentando conservar os modos de comportamento normais, mas, sob pressão da Gestapo e da violência dos guardas prisionais, acabavam por perder a sua autonomia, adoptando comportamentos infantis, deixando de cuidar da sua própria higiene pessoal e perdendo o sentido de futuro, o senso do tempo e a capacidade de antever. Vivendo numa situação de insegurança ontológica radical, muitos prisioneiros tornaram-se cadáveres ambulantes (Muselmänner), rendendo-se fatalmente a tudo o que o futuro pudesse reservar-lhes. Porém, como mostrou H. Arendt, esta fabricação em série de cadáveres foi precedida pela preparação, histórica e politicamente inteligível, de cadáveres vivos: antes de roubar a própria morte aos prisioneiros, o domínio total - o heterosexismo racista do escriba homófobo - começou por matar a sua pessoa jurídica (morte jurídica), depois a sua pessoa moral (morte moral) e, finalmente, a sua identidade única de pessoa humana (morte psicológica). Este planeamento gradual da morte mostra que o totalitarismo dispensa os homens, tornando-os seres supérfluos e transformando-os em animais. De facto, a natureza humana só pode ser verdadeiramente humana se for dada ao homem a possibilidade de se tornar algo não-natural, o homem humanizado, de resto uma possibilidade que lhe é negada pela actual sociedade hipercapitalista de consumo, bem como pelo escriba homófobo movido pela retaliação e pelo espírito de vingança típico daqueles que negam os seus impulsos sexuais mais genuínos.
Se todas as explicações económicas e psicológicas de uma doutrina são verdadeiras, "já que o pensador pensa sempre a partir daquilo que ele é", como escreveu Merleau-Ponty, então a homofobia assumida pelo autor do blogue de gajo revela a sua insegurança sexual e a sua tentativa desesperada de querer controlar a sexualidade dos outros. De acordo com os estudos empíricos, em vez de assumir o gay que há em si, o homem homófobo procura domesticá-lo, atacando preferencialmente os homens homossexuais que vivem a sua vida em conformidade com a sua orientação sexual genuína. O homem homófobo não tolera a diferença - a dos outros e a que o habita, e, por causa disso, abraça a violência e incentiva a "matança de homossexuais", transferindo para os outros os seus próprios problemas pessoais de identidade sexual e comportando-se como um inquisidor formado na escola de Joseph de Maistre. Deste modo, não só foge de si mesmo e dos seus fantasmas eróticos, como também confunde entre homofilia e homossexualidade, como se verifica na identificação operada maldosamente entre cultura de esquerda e cultura gay. Em vez de cuidar da sua própria vida sexual e de controlar as erecções do seu pénis, o homem homófobo quer controlar a sexualidade dos outros. O pensamento de que os outros possam ter uma vida sexual saudável atormenta-o. Ao contrário dos homossexuais que não atacam os heterossexuais, chamando-lhes heterozistas ou coisas do género, o homem homófobo preocupa-se com a homossexualidade, porque sente uma atracção erótica compulsiva por pessoas do mesmo sexo, atracção que quer negar eliminando os alvos que despertam esse desejo secreto e não-assumido. O seu "pénis" deseja aquilo que o superego lhe nega e, como não consegue reprimir o seu despertar desencadeado pelos estímulos sexuais do mesmo sexo, quer eliminá-los fisicamente - a tal matança de homossexuais. A homofobia é uma doença. Só uma mente mórbida e insana (Williams James) pode confundir entre teoria crítica e supostos regimes "marxistas", tais como Cuba, China e Coreia do Norte, acusando-a de ter conduzido ao "politicamente correcto" - uma invenção americana, e operar uma identificação linear entre cultura de esquerda e cultura gay. A cisão psicológica que o atormenta leva-o a esta situação caricata: projecta para fora o fantasma sexual que ele é e que deseja secretamente consumar. A luta contra uma esquerda que mais não é do que a projecção do seu fantasma sexual não resolvido é, afinal, uma luta que o homófobo trava consigo mesmo. O que leva um indivíduo a insultar os outros que não são como ele - chamando-lhes "panascas" - a não ser um conflito interno? Porque razão a sexualidade dos outros o incomoda tanto a ponto de ser violento física e verbalmente? A homofobia só pode ser entendida como negação da sua própria homossexualidade. As mulheres casadas com homens homofóbicos são forçadas a procurar satisfação sexual fora da relação consagrada por um ritual religioso formal - o casamento na perspectiva estreita do escriba homófobo, porque os maridos agem de modo a controlar a sua sexualidade e a privá-las do prazer sexual. Para o escriba homófobo, as "mulheres corajosas" são aquelas que alinham com a dominação masculina, isto é, heterosexista, que as priva da sua sexualidade e da liberdade sexual. O heterosexismo tem assim uma vertente homofóbica: os castrados mentais querem castrar os outros - mulheres e homens, alegando que a sua sexualidade é contra-natura. (O post termina aqui; o que se segue já tinha sido publicado na série de posts intitulada "Homofobia ou Preconceito Sexual?", de resto criticada pelo autor do blogue "Perspectivas" que já ripostou de modo deselegante e insultuoso a este meu post - veja aqui.)
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Uma perspectiva científica da homofobia. Em 1973, a American Psychiatric Association Board of Directors votou a remoção da homossexualidade do seu Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), declarando que a orientação do mesmo sexo não está inerentemente associada com a psicopatologia. Esta votação foi rectificada, em 1974, pelos membros da Associação, e teve imediatamente fortes repercussões noutros grupos profissionais, tais como a American Psychological Association (APA), e no modo como a medicina e as ciências do comportamento começaram a olhar para a homossexualidade. Contudo, esta mudança radical do discurso sobre a orientação sexual nos USA e no mundo foi claramente preparada por George Weinberg, que elaborou o conceito de homofobia, em 1972, três anos após os tumultos de Stonewall (1969), para forçar a comunidade científica e a sociedade em geral a questionar a legitimidade da hostilidade anti-homossexual e a pensar de modo diferente o "problema da homossexualidade". Mas o termo homofobia já tinha sido forjado antes de 1972 para refutar a concepção predominante de que a homossexualidade era uma patologia. Em 1965, Weinberg usou, talvez pela primeira vez numa reunião social, o termo homofobia para designar uma "fobia" ou "medo dos homossexuais", um "medo de contágio" e um "medo religioso" de tal modo intensos que conduzem os homens a cometer actos de brutalidade contra os homossexuais. E, em 1971, já num artigo, usa o termo homofobia para designar "a aversão (ou temor) de ser alojado (ou de estar em contacto próximo) com os homossexuais e, no caso dos próprios homossexuais, a auto-aversão", isto é, o tédio e o aborrecimento consigo próprio.
Ao descrever as consequências da homofobia, Weinberg destaca a sua ligação estreita com o reforço das normas do género masculino e da masculinidade convencional. O preço mais elevado que se paga pela homofobia é a extensão da inibição a todo o círculo de actos relacionados com a actividade temida: os homens evitam actos que possam manifestar ou insinuar sentimentos homossexuais, privam-se de trocar beijos ou abraços, não expressam o seu afecto recíproco ou o seu mútuo desejo de estar abertamente na companhia uns dos outros, não apreciam e não desfrutam a beleza das formas físicas de outros homens, não se sentam muito próximos uns dos outros enquanto conversam, não olham directa e afectuosamente uns para os outros e os pais evitam beijar ou abraçar carinhosamente os seus filhos do sexo masculino. Enfim, tudo aquilo que as mulheres fazem umas com as outras e com os filhos é evitado pelos homens nas suas relações e interacções uns com os outros e com os próprios filhos. O medo da homossexualidade é-lhes inculcado desde os primeiros anos de vida e o resultado deste processo convencional de socialização de género é a fobia como antagonismo dirigido contra um determinado grupo. A fobia leva-os a menosprezar e a maltratar todos aqueles que fazem parte desse grupo hostilizado: "A fobia em acção é um preconceito, o que significa que podemos compreendê-la melhor se a considerarmos na sua condição de preconceito", cujos motivos encobertos radicam no motivo religioso (judaísmo e cristianismo), no temor secreto de ser homossexual, no desejo reprimido, na ameaça dos valores e na angústia da existência sem uma imortalidade substituta. A repulsa pelos homossexuais é acompanhada pelo desejo de lhes infligir castigos: os heterossexuais atacam os homossexuais, porque estes lhes inspiram um "medo mortal". O que eles condenam é a diferença e, segundo Weinberg, esta atitude de hostilidade exibe todos os atributos básicos de um "preconceito social irracional".
A conceptualização da homofobia de Weinberg vacila entre dois conceitos: o da homofobia como fobia e o da homofobia como preconceito social irracional. Isto significa que as duas teorias elaboradas para explicar a hostilidade dos heterossexuais em relação aos homossexuais coexistem nas suas formulações teóricas. Apesar desta ambiguidade essencial, o termo homofobia foi bem acolhido pelas comunidades científica e académica, pelos activistas gay e pelo público em geral, sendo rapidamente integrado na língua inglesa e nos seus dicionários. O seu sucesso deve-se fundamentalmente ao facto de cristalizar as experiências de rejeição, hostilidade e invisibilidade que os homens e as mulheres homossexuais viveram durante as suas vidas na primeira metade do século XX, mostrando que o problema da homossexualidade não residia nas pessoas homossexuais e na sua orientação sexual, mas sim nos heterossexuais que não toleravam os homossexuais, pelo facto da sua presença questionar os papéis de género socialmente construídos e atribuídos, especialmente o modo como eram definidos e aplicados aos homens.
O modelo da homofobia foi usado para conceptualizar uma diversidade de atitudes negativas ligadas à sexualidade e ao género: lesbofobia (Kitzinger, 1986), bifobia (Ochs & Deihl, 1992), transfobia (Norton, 1997), effeminophobia (Sedgwick, 1993) e heterofobia (Kitzinger & Perkins, 1993) emergiram como categorias da hostilidade dirigida contra as lésbicas, os bissexuais, os transgéneros, os homens efeminados e os heterossexuais, respectivamente. O'Donnell et al. (1987) criaram o termo AIDS-fobia para caracterizar o estigma associado ao HIV. A sissyfobia (Green) é particularmente terrível, porque o alvo da hostilidade são crianças do sexo masculino que exibem desde cedo traços de género atípicos: os meninos efeminados são não só rejeitados pelos pais, como também maltratados e abusados pelos seus pares na escola. A agressão infantil pode ser mais cruel do que a agressão infligida pelos adultos e os seus efeitos sobre o desenvolvimento podem ser irreversíveis. Outro conceito que partilha algumas similaridades com o de homofobia é o de xenofobia, usado para designar a hostilidade cultural e individual dirigida contra os estranhos ou os estrangeiros. A compreensão da construção de todas estas fobias exige, conforme mostrou Erving Goffman no seu excelente estudo sobre o estigma, a sua localização no respectivo contexto histórico. A nossa época pode ser definida como a era dos medos, incluindo o medo do medo ou medofobia. De certo modo, as pessoas começam a estar "cansadas da humanidade", para usar esta expressão de Nietzsche, e esse "cansaço" pode traduzir-se na emergência de novas fobias, entre as quais o medo da humanidade ou dos homens. A actual crise financeira e económica pode gerar uma atmosfera de grande ansiedade, favorável ao aparecimento de fobias insuspeitas. Etimologicamente, a homofobia é um termo ambíguo, por causa do prefixo homo: na sua significação latina podemos traduzi-lo literalmente por "medo dos homens" ou mesmo "medo da humanidade", e na sua significação grega, por "medo do mesmo ou do similar". Weinberg utiliza o termo homofobia na sua significação grega para referir o "medo dos homossexuais de ambos os sexos". A proposta de Boswell (1980) para substituir o termo homofobia por homosexofobia não clarifica o conceito, porque o prefixo homo é usado como termo derrogatório para designar os indivíduos homossexuais: as pessoas comuns sabem perfeitamente que o homo de homofobia se refere aos indivíduos que sentem atracção erótica por outros indivíduos do mesmo sexo e que a homofobia é "medo dos homos". 1. Homofobia como Medo. O aspecto mais problemático do termo homofobia não reside tanto no prefixo homo, mas sobretudo no sufixo phobia: fobia não é simplesmente sinónimo de medo. De acordo com o DSM-IV-R, uma fobia é "o medo claro e persistente de situações ou objectos circunscritos": a exposição ao estímulo fóbico provoca quase sempre uma resposta ansiosa imediata nas pessoas com esta perturbação. Embora possam reconhecer que o seu medo é excessivo ou irracional, estas pessoas evitam a todo o custo o estímulo fóbico e, quando o enfrentam, fazem-no com muito sofrimento. O diagnóstico é apropriado "somente se o evitamento, medo ou antecipação ansiosa do confronto com o estímulo fóbico interferir significativamente com a rotina diária da pessoa, funcionamento ocupacional, vida social ou se a pessoa estiver claramente perturbada por ter a fobia". As perturbações fóbicas constituem uma das categorias principais das perturbações de ansiedade, sendo a outra categoria a dos estados de ansiedade. Estas duas categorias de perturbações diferem em termos do grau no qual a ansiedade é localizada ou difusa: no caso das fobias, a ansiedade é localizada e associada a um objecto ou situação particulares, enquanto, nos estados de ansiedade, ela é difusa, não está relacionada a algo específico e é experienciada como omnipresente ou livremente flutuante. Weinberg procurou representar a homofobia como uma espécie de categoria de diagnóstico, idêntica à agorafobia e a outras fobias específicas, até porque diz claramente que só considera saudável um "paciente que tenha superado o seu preconceito contra a homossexualidade", preconceito que, no caso do paciente ser homossexual (homofobia interiorizada), o impede de "expressar livremente os seus próprios desejos". Weinberg trata-a como uma fobia, embora a identifique logo a seguir com o preconceito, de acordo com a psicologia do preconceito de Gordon Allport. Alguns estudos não apoiam a noção de que as atitudes antigay possam ser representadas como uma verdadeira fobia (Bernat et al., 2001; Ernulf & Innala, 1987; Herek, 1994): as respostas emocionais negativas dos heterossexuais em relação à homossexualidade envolvem ira e aversão. Isto significa que há uma descontinuidade emocional entre a homofobia e as verdadeiras fobias: a componente emocional de uma fobia é a ansiedade, enquanto a componente emocional da homofobia parece ser a raiva. Haaga (1991) apontou outras quatro descontinuidades: 1) o indivíduo fóbico sabe que o seu medo é excessivo e irracional, apesar de não conseguir deixar de ficar com medo quando enfrenta o estímulo fóbico, enquanto os homófobos pensam que a sua raiva é justificada; 2) o comportamento disfuncional associado a uma fobia é a aversão, enquanto na homofobia é a agressão; 3) a homofobia está ligada a uma agenda política, enquanto as fobias não o estão; e 4) os indivíduos fóbicos estão, eles próprios, motivados para mudar a sua condição, enquanto os indivíduos com homofobia recebem o ímpeto para mudar de fora, em especial dos alvos das suas atitudes negativas. No entanto, os adeptos da teoria da homofobia não ficaram desarmados e, em vez de abandonar o conceito, submeteram-no a uma revisão. Hudson & Ricketts (1980) afirmaram que o significado do termo homofobia tinha sido diluído, por causa da sua difusão na literatura, onde inclui qualquer atitude, crença ou acção dirigida contra a homossexualidade, e, a seguir, criticaram os estudos que não fazem a distinção entre as atitudes cognitivas em relação à homossexualidade (homonegativismo) e as respostas afectivas e pessoais provocadas pelos indivíduos homossexuais (homofobia). As definições devem ser claras e operacionais e, para clarificar esta distinção conceptual, Hudson & Ricketts (1980) definiram o homonegativismo como um construção multidimensional que inclui juízos a respeito da moralidade da homossexualidade, decisões sobre relações pessoais ou sociais, e todas as respostas referentes a crenças, preferências, legalidade, desejabilidade social ou respostas cognitivas similares. Por outro lado, definiram a homofobia como uma resposta afectiva ou emocional, incluindo medo, ansiedade, ira, desconforto, e aversão, que um indivíduo experiencia quando interage com indivíduos gay, a qual pode ou não envolver uma componente cognitiva. Assim, por exemplo, a homossexualidade ego-distónica ou acentuada angústia com a sua própria orientação sexual pode constituir um tipo de homonegativismo, mas não implica necessariamente homofobia. Esta clarificação é consistente com a definição de homofobia de Weinberg. Contra o argumento de que o termo homofobia pode não ser apropriado, por não haver evidência de que os indivíduos homófobos exibam aversão pelos indivíduos homossexuais (Bernstein, 1994; Rowan, 1994), MacDonald (1976) arguiu que o único critério necessário para categorizar uma fobia é que o estímulo fóbico produza ansiedade, a qual depende frequentemente da natureza do estímulo e das circunstâncias ambientais: a homofobia pode assim ser definida como ansiedade ou ansiedade antecipada desencadeada pelos indivíduos homossexuais. Esta definição está, como observaram O'Donahue & Caselles (1993), em conformidade com os critérios de diagnóstico exigidos pelo DSM-IV. O'Donahue & Caselles (1993) desenvolveram um modelo tripartido da homofobia, o qual integra componentes cognitivos, afectivos e comportamentais, que interagem de modo diferencial com variadas situações associadas com a homossexualidade. A ideia da homofobia como um fenómeno de ansiedade foi retomada por diversas explicações psicanalíticas, uma das quais, como veremos mais adiante, destaca a ansiedade provocada pela possibilidade de um indivíduo ser ou vir a ser um homossexual, de resto já prevista pela teoria de Weinberg. 2. Homofobia como Patologia. Weinberg apresenta o seu livro revolucionário como uma análise prévia da "doença chamada homofobia, uma atitude que se observa em muitas pessoas não homossexuais, e talvez na maioria dos homossexuais, nos países em que existe discriminação contra eles". Como psicoterapeuta, o seu objectivo é ajudar essas pessoas não homossexuais a "superar esta atitude" e sobretudo ajudar os homens e as mulheres homossexuais a converter-se em "homossexuais saudáveis", isto é, a aceitar-se a si próprios e a considerar apropriados os seus próprios desejos homossexuais. A linguagem da psicopatologia foi abraçada por diversos clínicos (Kantor, 1998; Jones & Sullivan, 2002), para os quais a homofobia constitui uma categoria clínica válida aplicável a alguns indivíduos. Porém, a noção de que a homofobia é uma patologia pode ser tão infundada quanto a noção de que a homossexualidade era uma doença. Ambas as noções usam a linguagem clínica para patologizar um padrão de pensamento e de comportamento, estigmatizando-o e estabelecendo subrepticiamente uma equivalência identitária entre o "doente" e o "moralmente mau". Quem foi educado na crítica da fabricação social da loucura realizada por Thomas S. Szasz e pelo movimento da antipsiquiatria desconfia destas tentativas infundadas ou precipitadas de tratar certos comportamentos como indicadores de "doença mental", mas a denúncia do abuso da linguagem da doença não impediu que o modelo da homofobia fosse usado para conceptualizar uma diversidade de atitudes negativas ligadas à sexualidade e ao género. A hostilidade institucional e individual e a discriminação contra os indivíduos homossexuais está factualmente bem documentada (Berrill, 1990; Herek, 1989): Mais de 90% dos homens gay e das lésbicas relataram terem sido alvo de maus tratos e de abuso verbal e mais de um terço relatou ter sido alvo de violência ligada à sua orientação sexual (Fassinger, 1991). Diante desta hostilidade heterossexual contra os homossexuais, nem mesmo Goffman resiste a dizer que "o preconceito contra um grupo estigmatizado pode ser uma forma de doença". A patologia social de E. Lemert (1951) e o estudo clássico de H. Becker (1963) sobre os "outsiders" suportam esta afirmação, bem como a sua extensão às perturbações iatrogénicas causadas pelo trabalho realizado pelos médicos, entre as quais Weinberg incluiu a psicanálise e outras terapias que ajudaram a popularizar a concepção de que a homossexualidade é um fenómeno de saúde mental. Assim, como escreveu Weinberg, "quando uma pessoa não se prejudica a si mesma nem prejudica as outras pessoas, a afirmação de que está psicologicamente doente carece de sentido", mas, quando se prejudica a si e prejudica os outros, como sucede no caso da homofobia, justifica-se a utilização de uma categoria de diagnóstico: a homofobia responsável pela hostilidade constitui, neste sentido, uma categoria de diagnóstico, uma vez que os homófobos não só estreitam o seu círculo de actividades relacionadas com o estímulo fóbico, como também são levados a cometer hate crimes contra os homossexuais, negando assim a diferença. A psicopatologia de Weinberg funda-se na premissa de que, na nossa sociedade global, há espaço para todos aqueles que não lesionem ou danifiquem os direitos dos demais seres humanos. 3. Homofobia e Androcentrismo. A análise da teoria da homofobia tem estado centrada nas supostas limitações da homofobia: duas delas já foram superadas, mas é na terceira limitação que a teoria revela a sua força preditiva. Muitos estudos mostraram que os homens heterossexuais são mais hostis em relação aos homens gay do que as mulheres heterossexuais, e, de modo diferente, são menos hostis em relação às lésbicas do que as mulheres heterossexuais. Isto pode significar que as atitudes heterossexuais em relação às lésbicas têm uma organização psicológica diferente da que têm em relação aos homens gay (Herek, 2002; Herek & Capitanio, 1999). Kitzinger (1987), Pellegrini (1992) e Rich (1980) sugeriram, numa perspectiva feminista lésbica, que a opressão das lésbicas é qualitativamente diferente da opressão dos homens homossexuais. Alguns psicanalistas menos ortodoxos (West, 1977; Kuyper, 1993) defenderam que a homofobia é o resultado de uma homossexualidade reprimida ou de uma homossexualidade latente. Definida como uma excitação homossexual que o indivíduo nega ou da qual não é consciente, a homossexualidade latente permite explicar a doença emocional e as atitudes irracionais exibidas por alguns indivíduos que sentem culpa pelos seus interesses eróticos encobertos e que se esforçam por os negar ou reprimir. Ora, quando colocados numa situação susceptível de excitar os seus próprios pensamentos homossexuais não-desejados, estes indivíduos reagem com pânico e fúria (Slaby, 1994). A ansiedade derivada da homossexualidade não ocorre nos indivíduos que são orientados pelo mesmo sexo, mas envolve frequentemente indivíduos que são ostentivamente heterossexuais e que têm muita dificuldade em integrar os seus sentimentos homossexuais. Portanto, estas teorias psicanalíticas prevêem que os homens homofóbicos exibem mais excitação sexual quando enfrentam estímulos homossexuais do que os homens não homofóbicos. Adams, Wright & Lohr (1996) testaram esta previsão, realizando um estudo com dois grupos de participantes: homens homofóbicos e homens não-homofóbicos, avaliados e classificados previamente pelo Index of Homophobia (Hudson & Ricketts, 1980). Os participantes foram depois expostos a estímulos eróticos sexualmente explícitos: videotapes de cenas homossexuais, heterossexuais e lésbicas, e a excitação sexual peniana foi monitorizada. Os dois grupos de homens reagiram com aumento da excitação sexual peniana aos filmes heterossexuais e lésbicos: apenas o grupo homofóbico reagiu eroticamente aos filmes homossexuais. Estes resultados sugerem que a homofobia está associada à excitação homossexual. Isto significa que os homens homofóbicos são provavelmente "homossexuais dissimulados" ou em processo de negação da sua própria homossexualidade, o que pode explicar a sua agressividade dirigida mais contra os homens gay do que contra as lésbicas, até porque os homens heterossexuais toleram a homossexualidade feminina e se excitam com ela, como mostra a indústria masculina dos filmes pornográficos. Realizado em função da teoria da homofobia, lida à luz de certas teorias psicanalíticas, este estudo confirma, pelo menos, duas previsões da teoria de Weinberg: o preconceito "é mais frequente entre os homens do que entre as mulheres", no sentido dos homens heterossexuais serem mais hostis em relação aos homens gay e menos hostis em relação às lésbicas do que as mulheres heterossexuais, e isso talvez porque alguns homens ostensivamente heterossexuais tenham "o temor secreto de ser homossexuais", a homossexualidade latente dos freudianos, sentindo-se, por isso, "ameaçados pela presença dos homossexuais que, (além de os excitar sexualmente,) parecem desprezar as normas básicas da masculinidade", embora não sejam necessariamente mais agressivos do que os homens não homofóbicos. J Francisco Saraiva de Sousa
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