Neste post, pretendo apresentar um estudo realizado por Sandfort, Melendez & Diaz (2007), de modo a explicitar melhor o conceito de homofobia à luz da experiência portuguesa. A amostra deste estudo era constituída por homens gay e bissexuais latinos radicados nos USA e recrutados em três grandes cidades americanas: New York (309), Miami (302) e Los Angeles (301). Os participantes fazem parte de minorias étnicas e, por isso, são alvo de uma dupla-discriminação: sexual, por não serem homens heterossexuais, e étnica, por serem latinos.
Quanto à não-conformidade de género, isto é, à expressão de características que são social e culturalmente associadas com os membros do sexo oposto (Bailey & Zucker, 1995), os homens gay e bissexuais latinos que não exibem conformidade de género, adoptando traços do sexo oposto, relataram mais abuso sexual infantil, disseram ter sido verbal e fisicamente abusados e violados por familiares e/ou amantes com muita frequência e relataram maior número de experiências em que foram alvo da homofobia. Deste grupo aqueles que se consideram efeminados mostraram elevados níveis de ansiedade mental e baixa auto-estima (Harry, 1983). Quanto maior o grau de conformidade de género exibida pelos homens gay e bissexuais, maior parece ser a homofobia interiorizada dirigida contra os mais efeminados. Por isso, estes últimos estão sujeitos a vir a sofrer maior número de problemas de saúde, bem como os efeitos nefastos da solidão, e muitos deles podem tentar o suicídio (Savin-Williams & Ream, 2003).
A homofobia medeia a ligação entre a não-conformidade de género e a ansiedade mental. Ela resulta não só das interacções estabelecidas com homens e mulheres heterossexuais, mas também com membros da comunidade gay que, de certo modo, interiorizaram a homofobia. A idealização da masculinidade, por vezes muito caricatural, e a rejeição gay da feminilidade, muitas vezes chamada "sissyphobia", constituem factores que fomentam o desenvolvimento, no seio da comunidade gay, de atitudes e de reacções negativas em relação aos homens gay efeminados, bem como a sua rejeição como potenciais parceiros sexuais (Altman, 1982; Gough, 1989; Levine, 1992, 1998; Bergling, 2001).
Todos estes problemas confrontados pelos homens gay e bissexuais agravam-se ainda mais quando eles são latinos, porque as culturas latinas são caracterizadas por divisões dos papéis de género muito rígidas, acompanhadas pela ênfase das relações familiares e dos cuidados com as crianças e pela ênfase dada ao respeito e à hierarquia nas relações sociais (Raffaelli & Ontai, 2004). A maioria dos homens homossexuais na sociedade portuguesa, mesmo quando eles se aceitam como tais, transporta em si um conflito existencial permanente: a homofobia interiorizada não tem fim e ressurge, sob diversas formas, ao longo de todo o ciclo vital. A homofobia interiorizada complica a percepção que o homossexual tem de si mesmo e dos outros e colora todas as suas relações interpessoais, bem como o seu projecto de vida e a sua visão do mundo. Constitui provavelmente a diferença subjectiva mais importante entre homossexuais e heterossexuais. A palavra «homofobia» significa medo ou rejeição da homossexualidade e os próprios homossexuais definem-na nesses termos: «Medo, ódio ou repulsa da homossexualidade ou de pessoas homossexuais», que se manifesta em opiniões, actos violentos ou mesmo em negar direitos a pessoas que vivem juntas apenas por serem do mesmo sexo.» Este medo pode parecer instintivo, como o medo do fogo ou das cobras, mas não o é: constitui antes um fenómeno cultural que, longe de ser universal, reveste diferentes formas e significações segundo o contexto. Nas sociedades pré-modernas, as pessoas não eram classificadas segundo os seus comportamentos sexuais: não havia, pois, rejeição da homossexualidade como tal. Nos nossos dias, em determinados países, a homofobia aplica-se apenas aos homens e não às lésbicas, ou apenas aos homens que são penetrados e não aos que penetram, ou então apenas aos homens que são educados como mulheres. Isto significa que não há uma definição única de homofobia: a sua significação muda segundo a época e o lugar. Assim, recentemente surgiram três palavras associadas: bifobia, lesbofobia e transfobia. Contudo, a homofobia designa não só o medo ou a rejeição da homossexualidade, mas também o medo ou a recusa da confusão dos géneros. Os homossexuais tendem a usar a palavra transfobia para designar a «aversão a pessoas que não se enquadram nos papéis sociais pré-concebidos de género ou discriminação desfavorável a estas mesmas pessoas». Com efeito, nas sociedades da América Latina, o homem que penetra outro homem não é considerado como homossexual, mas o homem que é penetrado por outro homem é considerado como homossexual, dado que se comporta «como uma mulher». Do mesmo modo, não é tanto o lesbianismo que é reprovado, mas o facto de que uma mulher possa comportar-se «como um homem». Até mesmo na pornografia gay das últimas três décadas, a homossexualidade deve respeitar os géneros para ser admitida: os protagonistas são sempre homens que exibem a sua mais robusta virilidade e não homens efeminados, que aparecem frequentemente como personagens ridículas e risíveis nas comédias para o grande público. Nos filmes pornográficos heterossexuais, as relações sexuais entre mulheres são perfeitamente toleradas desde que elas sejam femininas: as protagonistas são de uma feminilidade exagerada e não lésbicas de aparência masculina. Daqui resulta que o medo da homossexualidade recobre um outro medo — o da confusão dos géneros, que, ao contrário do primeiro, é mais arcaico e universal. Este medo de que um homem possa cessar de ser homem e uma mulher possa cessar de ser mulher tem provavelmente raízes muito profundas na cultura humana, tanto individual como colectiva. Por isso, é necessário fazer a distinção entre a rejeição da homossexualidade e o medo da confusão dos géneros, porquanto muitos preconceitos sexuais derivam mais do último que do primeiro elemento. De facto, quando acabam de conhecer um homossexual, os heterossexuais dizem frequentemente: «É curioso, eu pensava que eram todos efeminados, mas este tem um aspecto totalmente masculino», ou, quando se referem a uma lésbica: «Mas ela é muito bonita, como uma verdadeira mulher!» Tais comentários levam-nos a reafirmar que a homossexualidade não tem nada a ver com o sexo biológico e não o afecta de nenhuma maneira. Sexo e género não são bem a mesma coisa: o sexo refere-se a determinadas características biológicas: nasce-se macho ou fêmea, com os atributos físicos correspondentes, enquanto o género compreende todo um conjunto de atitudes, ideias, sentimentos e comportamentos que se aprendem desde a infância e que constituem a identidade e o papel masculino ou feminino. Um homem pode ser masculino ou não, mas é sempre um homem, e uma mulher, mesmo quando é masculina, continua a ser uma mulher. Assim, um homem que prefira ser penetrado por outro homem pode ser considerado — e considerar-se a si mesmo — como "menos masculino", sem no entanto deixar de ser um homem. Do mesmo modo, uma mulher que ame mulheres pode ser percebida como "masculina", sem por isso deixar de ser mulher. Este facto é particularmente importante para os homossexuais que manifestam frequentemente uma auto-estima baixa precisamente porque se consideram menos homens ou menos mulheres. Todas estas ideias e todos estes preconceitos constituem o que actualmente se chama homofobia, a qual não está limitada aos heterossexuais. Com efeito, os próprios homossexuais são expostos a estas ideias desde a sua mais terna infância, antes mesmo de ter consciência da sua orientação sexual. Toda a cultura é percorrida pela homofobia, desde os filmes e os livros até às anedotas, passando pelos anúncios publicitários. Qualquer pessoa exposta desde sempre à homofobia acaba por a interiorizar, apropriando-se dela como se fosse sua, de modo que a homofobia se torna «natural»: um valor implícito e não questionado, gerando reacções imediatas, automáticas e aparentemente instintivas. A homofobia cumpre diversas funções importantes para os heterossexuais: legitima a sua própria orientação sexual, fá-los sentir que os seus valores morais e os seus costumes sexuais são naturais e mesmo superiores e permite-lhes sentir seguros e orgulhosos da sua masculinidade ou feminilidade. Independentemente de serem felizes ou não nas suas relações amorosas ou de experimentarem ou não satisfação na sua vida sexual, os heterossexuais têm, pelo menos, a satisfação de se sentirem «normais». Em suma, a homofobia tem, portanto, como função primordial «normalizar» a heterossexualidade e dar-lhe um verniz de superioridade moral que não teria de nenhuma outra forma. Além disso, a homofobia permite ao heterossexual negar em si próprio todo o desejo homoerótico, apesar de todos poderem ter tendências nesse sentido. Como sucede com todos os desejos interditos pela sociedade, este é igualmente projectado para fora e depositado na chamada «minoria homossexual». A projecção é um mecanismo de defesa inconsciente pelo qual nós atribuímos às outras pessoas os traços, as emoções ou os pensamentos que não podemos aceitar em nós mesmos porque são incompatíveis com os nossos valores morais ou com a nossa auto-imagem. Por conseguinte, em vez de os reconhecer em nós, projectamo-los para fora, neste caso investimos os outros das nossas tendências ou desejos homossexuais que não podemos ou queremos ver em nós próprios. Assim, a projecção homofóbica faz com que os homossexuais sejam sempre os outros e, deste modo, salva e liberta o heterossexual da homossexualidade. Este mecanismo explica também o fenómeno colectivo do bode expiatório, pelo qual a sociedade atribui determinados traços que não aceita em si mesma a uma pessoa ou a um grupo de pessoas. É assim que funciona a homofobia ao nível social: os homossexuais, sobretudo quando são muito visíveis, servem de bodes expiatórios à sociedade heterosexista maioritária. Isto também explica que a libertação gay seja sistematicamente acompanhada por uma reacção em sentido contrário. Um paradoxo e um dilema deste movimento é precisamente que, à medida que os homossexuais se tornam mais visíveis, eles se tornam também um alvo cada vez mais reparável para a projecção homofóbica. Isto explica, em parte, que, nos Estados Unidos, a libertação gay seja acompanhada por uma homofobia cada vez mais explícita, organizada e militante, bem patente em diversos sites ou páginas, muitos dos quais ligados a grupos religiosos. (Recomendo a leitura deste excelente post de um amigo do Porto que escreve a partir de uma zona muito bela de Moçambique: Pemba.) J Francisco Saraiva de Sousa
Quanto à não-conformidade de género, isto é, à expressão de características que são social e culturalmente associadas com os membros do sexo oposto (Bailey & Zucker, 1995), os homens gay e bissexuais latinos que não exibem conformidade de género, adoptando traços do sexo oposto, relataram mais abuso sexual infantil, disseram ter sido verbal e fisicamente abusados e violados por familiares e/ou amantes com muita frequência e relataram maior número de experiências em que foram alvo da homofobia. Deste grupo aqueles que se consideram efeminados mostraram elevados níveis de ansiedade mental e baixa auto-estima (Harry, 1983). Quanto maior o grau de conformidade de género exibida pelos homens gay e bissexuais, maior parece ser a homofobia interiorizada dirigida contra os mais efeminados. Por isso, estes últimos estão sujeitos a vir a sofrer maior número de problemas de saúde, bem como os efeitos nefastos da solidão, e muitos deles podem tentar o suicídio (Savin-Williams & Ream, 2003).
A homofobia medeia a ligação entre a não-conformidade de género e a ansiedade mental. Ela resulta não só das interacções estabelecidas com homens e mulheres heterossexuais, mas também com membros da comunidade gay que, de certo modo, interiorizaram a homofobia. A idealização da masculinidade, por vezes muito caricatural, e a rejeição gay da feminilidade, muitas vezes chamada "sissyphobia", constituem factores que fomentam o desenvolvimento, no seio da comunidade gay, de atitudes e de reacções negativas em relação aos homens gay efeminados, bem como a sua rejeição como potenciais parceiros sexuais (Altman, 1982; Gough, 1989; Levine, 1992, 1998; Bergling, 2001).
Todos estes problemas confrontados pelos homens gay e bissexuais agravam-se ainda mais quando eles são latinos, porque as culturas latinas são caracterizadas por divisões dos papéis de género muito rígidas, acompanhadas pela ênfase das relações familiares e dos cuidados com as crianças e pela ênfase dada ao respeito e à hierarquia nas relações sociais (Raffaelli & Ontai, 2004). A maioria dos homens homossexuais na sociedade portuguesa, mesmo quando eles se aceitam como tais, transporta em si um conflito existencial permanente: a homofobia interiorizada não tem fim e ressurge, sob diversas formas, ao longo de todo o ciclo vital. A homofobia interiorizada complica a percepção que o homossexual tem de si mesmo e dos outros e colora todas as suas relações interpessoais, bem como o seu projecto de vida e a sua visão do mundo. Constitui provavelmente a diferença subjectiva mais importante entre homossexuais e heterossexuais. A palavra «homofobia» significa medo ou rejeição da homossexualidade e os próprios homossexuais definem-na nesses termos: «Medo, ódio ou repulsa da homossexualidade ou de pessoas homossexuais», que se manifesta em opiniões, actos violentos ou mesmo em negar direitos a pessoas que vivem juntas apenas por serem do mesmo sexo.» Este medo pode parecer instintivo, como o medo do fogo ou das cobras, mas não o é: constitui antes um fenómeno cultural que, longe de ser universal, reveste diferentes formas e significações segundo o contexto. Nas sociedades pré-modernas, as pessoas não eram classificadas segundo os seus comportamentos sexuais: não havia, pois, rejeição da homossexualidade como tal. Nos nossos dias, em determinados países, a homofobia aplica-se apenas aos homens e não às lésbicas, ou apenas aos homens que são penetrados e não aos que penetram, ou então apenas aos homens que são educados como mulheres. Isto significa que não há uma definição única de homofobia: a sua significação muda segundo a época e o lugar. Assim, recentemente surgiram três palavras associadas: bifobia, lesbofobia e transfobia. Contudo, a homofobia designa não só o medo ou a rejeição da homossexualidade, mas também o medo ou a recusa da confusão dos géneros. Os homossexuais tendem a usar a palavra transfobia para designar a «aversão a pessoas que não se enquadram nos papéis sociais pré-concebidos de género ou discriminação desfavorável a estas mesmas pessoas». Com efeito, nas sociedades da América Latina, o homem que penetra outro homem não é considerado como homossexual, mas o homem que é penetrado por outro homem é considerado como homossexual, dado que se comporta «como uma mulher». Do mesmo modo, não é tanto o lesbianismo que é reprovado, mas o facto de que uma mulher possa comportar-se «como um homem». Até mesmo na pornografia gay das últimas três décadas, a homossexualidade deve respeitar os géneros para ser admitida: os protagonistas são sempre homens que exibem a sua mais robusta virilidade e não homens efeminados, que aparecem frequentemente como personagens ridículas e risíveis nas comédias para o grande público. Nos filmes pornográficos heterossexuais, as relações sexuais entre mulheres são perfeitamente toleradas desde que elas sejam femininas: as protagonistas são de uma feminilidade exagerada e não lésbicas de aparência masculina. Daqui resulta que o medo da homossexualidade recobre um outro medo — o da confusão dos géneros, que, ao contrário do primeiro, é mais arcaico e universal. Este medo de que um homem possa cessar de ser homem e uma mulher possa cessar de ser mulher tem provavelmente raízes muito profundas na cultura humana, tanto individual como colectiva. Por isso, é necessário fazer a distinção entre a rejeição da homossexualidade e o medo da confusão dos géneros, porquanto muitos preconceitos sexuais derivam mais do último que do primeiro elemento. De facto, quando acabam de conhecer um homossexual, os heterossexuais dizem frequentemente: «É curioso, eu pensava que eram todos efeminados, mas este tem um aspecto totalmente masculino», ou, quando se referem a uma lésbica: «Mas ela é muito bonita, como uma verdadeira mulher!» Tais comentários levam-nos a reafirmar que a homossexualidade não tem nada a ver com o sexo biológico e não o afecta de nenhuma maneira. Sexo e género não são bem a mesma coisa: o sexo refere-se a determinadas características biológicas: nasce-se macho ou fêmea, com os atributos físicos correspondentes, enquanto o género compreende todo um conjunto de atitudes, ideias, sentimentos e comportamentos que se aprendem desde a infância e que constituem a identidade e o papel masculino ou feminino. Um homem pode ser masculino ou não, mas é sempre um homem, e uma mulher, mesmo quando é masculina, continua a ser uma mulher. Assim, um homem que prefira ser penetrado por outro homem pode ser considerado — e considerar-se a si mesmo — como "menos masculino", sem no entanto deixar de ser um homem. Do mesmo modo, uma mulher que ame mulheres pode ser percebida como "masculina", sem por isso deixar de ser mulher. Este facto é particularmente importante para os homossexuais que manifestam frequentemente uma auto-estima baixa precisamente porque se consideram menos homens ou menos mulheres. Todas estas ideias e todos estes preconceitos constituem o que actualmente se chama homofobia, a qual não está limitada aos heterossexuais. Com efeito, os próprios homossexuais são expostos a estas ideias desde a sua mais terna infância, antes mesmo de ter consciência da sua orientação sexual. Toda a cultura é percorrida pela homofobia, desde os filmes e os livros até às anedotas, passando pelos anúncios publicitários. Qualquer pessoa exposta desde sempre à homofobia acaba por a interiorizar, apropriando-se dela como se fosse sua, de modo que a homofobia se torna «natural»: um valor implícito e não questionado, gerando reacções imediatas, automáticas e aparentemente instintivas. A homofobia cumpre diversas funções importantes para os heterossexuais: legitima a sua própria orientação sexual, fá-los sentir que os seus valores morais e os seus costumes sexuais são naturais e mesmo superiores e permite-lhes sentir seguros e orgulhosos da sua masculinidade ou feminilidade. Independentemente de serem felizes ou não nas suas relações amorosas ou de experimentarem ou não satisfação na sua vida sexual, os heterossexuais têm, pelo menos, a satisfação de se sentirem «normais». Em suma, a homofobia tem, portanto, como função primordial «normalizar» a heterossexualidade e dar-lhe um verniz de superioridade moral que não teria de nenhuma outra forma. Além disso, a homofobia permite ao heterossexual negar em si próprio todo o desejo homoerótico, apesar de todos poderem ter tendências nesse sentido. Como sucede com todos os desejos interditos pela sociedade, este é igualmente projectado para fora e depositado na chamada «minoria homossexual». A projecção é um mecanismo de defesa inconsciente pelo qual nós atribuímos às outras pessoas os traços, as emoções ou os pensamentos que não podemos aceitar em nós mesmos porque são incompatíveis com os nossos valores morais ou com a nossa auto-imagem. Por conseguinte, em vez de os reconhecer em nós, projectamo-los para fora, neste caso investimos os outros das nossas tendências ou desejos homossexuais que não podemos ou queremos ver em nós próprios. Assim, a projecção homofóbica faz com que os homossexuais sejam sempre os outros e, deste modo, salva e liberta o heterossexual da homossexualidade. Este mecanismo explica também o fenómeno colectivo do bode expiatório, pelo qual a sociedade atribui determinados traços que não aceita em si mesma a uma pessoa ou a um grupo de pessoas. É assim que funciona a homofobia ao nível social: os homossexuais, sobretudo quando são muito visíveis, servem de bodes expiatórios à sociedade heterosexista maioritária. Isto também explica que a libertação gay seja sistematicamente acompanhada por uma reacção em sentido contrário. Um paradoxo e um dilema deste movimento é precisamente que, à medida que os homossexuais se tornam mais visíveis, eles se tornam também um alvo cada vez mais reparável para a projecção homofóbica. Isto explica, em parte, que, nos Estados Unidos, a libertação gay seja acompanhada por uma homofobia cada vez mais explícita, organizada e militante, bem patente em diversos sites ou páginas, muitos dos quais ligados a grupos religiosos. (Recomendo a leitura deste excelente post de um amigo do Porto que escreve a partir de uma zona muito bela de Moçambique: Pemba.) J Francisco Saraiva de Sousa
9 comentários:
Uma observação: Os homens gay latinos tendem a identificar-se muito com a definição social de "maricas": muito efeminados e, como diria Egas Moniz, e próximos da figura da prostituta. Este aspecto foi confirmado por diversos estudos, embora mereça mais atenção.
Caro Francisco, enquanto os neurónios me ajudarem, quero ser uma eterna aprendiz; por isso, cá vim ler o seu post. Li-o de fio a pavio. Com interesse.
Minudência: presumo que onde escrever «terna idade» queria ter escrito «tenra idade»
Com todo o respeito pelo longo texto que escreveu, proponho-lhe 5 desafios:
1. Descubra em que parte(s) deste excerto é que me apetece implicar consigo:-)
«Um homem pode ser masculino ou não, mas é sempre um homem, e uma mulher, mesmo quando é masculina, continua a ser uma mulher. Assim, um homem que prefira ser penetrado por outro homem pode ser considerado — e considerar-se a si mesmo — como "menos masculino", sem no entanto deixar de ser um homem. Do mesmo modo, uma mulher que ame mulheres pode ser percebida como "masculina", sem por isso deixar de ser mulher.»
2. Disserte sobre a tendência a evitar o termo «homossexual» para designar uma mulher que ama outra mulher. (não acredito que seja por as pessoas pensarem que homo possa vir de homem kkk)
3. Confesse: alguma vez disse a alguém qualquer coisa do tipo
3.1 «Sabias que fulano é heterossexual?»
3.2 «Sabias que fulano é homossexual?»
4. Tem ideia de qual a percentagem (mínima) de rapazes que NUNCA tiveram um «jogo» homossexual?
5. Na sua opinião, porque tendem as pessoas a confundir pedofilia com homossexualidade masculina e, simultaneamente, a ignorar a pedofilia heterossexual (e, ainda mais, a pedofilia homossexual feminina)?
Cumprimentos
The Joker
Sim, era "tenra idade".
1. Reconheço que a frase em questão é polémica, mas, no fundo, era só para acentuar a diferença biológica. Com efeito, existe um núcleo cujo tamanho não varia entre homens homo e hetero; só os transexuais macho-para-fêmea têm tamanho pequeno, abaixo do padrão feminino. Esse núcleo está ligado à identidade de género.
2. Uso geralmente lésbica ou mulher homossexual. (Isso tb pode criar confusão em torno da homofobia, se o homo for grego ou latim.)
3. Sim, várias vezes esse assunto é abordado nas conversas.
4. Só tenho dados estrangeiros, em especial americanos. Refere-se às brincadeiras (sexuais) dos rapazes? Sim, brincam muito nesse sentido. Mas nem sempre indicam "homossexualidade"! É preciso ter cuidado com este assunto numa época em que se rouba a infância (no sentido de ter tudo controlado).
5. Egas Moniz fala da pedofilia praticada pelas lésbicas. Só há um estudo que trata desse assunto. Talvez um dia destes fale sobre esse estudo. O facto de haver essa associação entre homossexualidade masculina e pedofilia revela até que ponto a sociedade é heterosexista e homofóbica. Como disse, a homossexualidade feminina sempre foi mais tolerada. Cientificamente, as pedofilias são distinguidas e tratadas de igual modo.
Parece que estou a melhorar: desta vez, quase que me fiz entender :-)
O que me fez sorrir, na passagem que transcrevi, foi a forma diferente como, na segunda parte, se referiu à homossexualidade masculina e feminina; a ver se me faço entender:
num caso, refere «um homem que prefira ser penetrado por outro homem... pode ser considerado — e considerar-se a si mesmo — como "menos masculino"...»; no outro caso «uma mulher que ame mulheres pode ser percebida como "masculina"».
Aproximando, um pouco mais: no caso masculino, há um sublinhar daquilo a que, por vezes, se designa como sujeito passivo - devo concluir que, na sua perspectiva, se o homem gostar de penetrar outro homem não se sente nem é encarado como menos masculino? E se o homem gostar de ser penetrado por uma mulher? (o Francisco especificou «penetrado por outro homem»)-É homo, hetero, bi, indeciso ou imaginativo? :-)
No caso masculino, ainda, trata-se de «ser menos masculino«» e estão em causa a visão do próprio e a dos outros.
No caso feminino, não coloca a questão activa/passiva mas não há uma redução de feminilidade: há a perda desta (pode ser percebida como «masculina», diz o Francisco; e parece deixar de contar a imagem que a própria tem de si - é a visão dos outros («percebida como») que é referida.
quando coloquei a pergunta sobre o uso da designação «homossexual» não me estava a referir ao Francisco mas às pessoas, de uma forma geral. A sexualidade é «recusada» à mulher, até nesse plano. Sáfica, remete para Sapho, a poetisa - que, alegadamente, amou homens e mulheres. Lésbica, remete para a ilha de Lesbos, onde Sapho criou essa comunidade que colocava as artes em primeiro plano...
Nada de sexo, portanto...
A homossexualidade feminina tem, parece-me, menos visibilidade e não creio que seja só por as manifestações públicas de afecto serem aceites, na nossa cultura, quando entre mulheres.
Acredito que seja, mesmo, por se achar que o prazer sexual não é coisa feminina.
Pois eu tenho a confessar-lhe que não me lembro de alguma vez ter dito « sabias que fulano é heterossexual?»; mas certamente já disse alguma coisa parecida com «sabias que fulano é homossexual?» percebe o que quero dizer? percebe a minha auto-crítica? Concede que seja mais «típico» o meu comportamento do que o seu? É que, além do mais, não me lembro de ter alguma vez ouvido dizer, a terceiros «sabias que fulano é heterossexual?»...
Talvez nos meios homo isso possa acontecer...
Ora bem, referia-me a essas brincadeiras, sim senhor! Isto para lhe dizer que é complicado estabelecer uma fronteira... Tanto que a maior parte dos rapazes não assume ter tido a ditas, a não ser em círculos muito restritos...talvez receiem que fossem manifestações embrionárias de homossexualidade :-)
Diz-me que, científicamente, as pedofilias são tratadas de igual modo; pois não me resta outro remédio senão acreditar - mas não é essa a aparência. Por outro lado, o que me incomoda, mesmo, é a identificação de homossexualidade com pedofilia. Pelo menos uma diferença me parece haver - e que diferença: num caso é (excepto os casos de violação) por consentimento mútuo; no outro há uma imposição; normalmente trata-se de uma decisão unilateral. A criança até pode consentir mas não tem a iniciativa, ou seja, consente por ser aliciada.
Mas mudemos de assunto, que este é-me demasiado revoltante, sobretudo face à hipocrisia vigente.
E está na hora da janta :-)
p.s. credo! eu não estava a querer privar as crianças desses jogos!
Joker
Quanto ao ponto 3, agora as coisas mudaram um pouco. É certo que a sociedade estabelecida interpela todos como heterossexuais; por isso, torna-se mais fácil nomear a diferença, neste caso aqueles que não são heterossexuais, estigmatizando-os. Mas actualmente são muitos(as) tidas por homossexuais e revelam-se como heterossexuais. Isto é comum no universo feminino. Por isso, já se ouve dizer "fulano ou fulana é heterossexual" e não apenas nos meios gay.
nem que fosse de propósito: recebi um mail de uma alemã que, em tempos, me deu explicações de alemão e de quem há muito não tinha notícias. Ela é o que eu designaria como «feminista-homossexual-militante». Descendente de pai da américa do sul, tem (tinha) longos cabelos negros, gestos elegantes, voz doce. Meiga no trato, muito dedicada a múltiplas artes (musicais e plásticas), usava quase sempre colares, pulseiras, brincos, anéis. Os vestidos- usados com mais frequência que as calças- eram decotados, esvoaçantes e deixavam adivinhar as formas de um corpo que, à luz da estética actual, se diria «bem feito». Sempre lhe vi flores em casa. As cartas que me enviava, antes desta malfadada invenção do correio electrónico, vinham sempre perfumadas, decoradas com traços de cores suaves e, não raro, ao abrir o envelope, escapavam-se-lhe pétalas de flores.
Um dia, durante a explicação, fez referência à namorada. Pensei que eu entendera mal, devido ao meu fraco conhecimento da língua. Mas não, ela estava, realmente, a falar-me da sua namorada (da altura).
Depois fui percebendo que o seu discurso, relativamente aos homens, era sempre depreciativo.
Um verão, fui visitá-la, na Alemanha. Entre nós, falávamos uma mistura de português e alemão; quando havia terceiros usávamos o inglês pois as outras pessoas não tinham muita paciência para esperar que eu encontrasse a declinação certa :-)
Um dia, apareceram duas amigas dela, para a visitar. Ela apresentou-me, em inglês e começámos a falar logo inglês; as raparigas, um casal, não sabiam que eu entendia alemão. A certa altura, uma delas perguntou, em alemão, à anfitriã, se eu era homossexual. Perante a resposta negativa, fez um esgar de repugnância. Pois é: senti-me discriminada pela minha heterossexualidade!
Tudo isto, para lhe dizer, no fundo, esta situação é equivalente à que eu afirmara ainda não ter vivido; por outro lado, para lhe dizer que a segunda vez em que a fui visitar foi logo a seguir a ela ter tido... o primeiro filho!
Digo primeiro porque houve um segundo. Esta mulher, parece-me, não se enquadra em nenhum dos seus estereótipos...
Quanto ao ouvir-se hoje dizer mais facilmente «fulano é heterossexual»... enfim, não possuo dados científicos - nem empíricos - para o contestar, mas não é essa a minha sensibilidade; penso que homem e mulher, conquistaram, actualmente, mais margem de manobra para assumir atitudes, profissões, costumes que antigamente eram exclusivas do sexo oposto, o que leva a que mais dificilmente se tenda a catalogar alguém erroneamente como homossexual, contrariamente ao que acontecia quando eu era adolescente. Quanto muito, diz-se que é «metrossexual», com um sorrisinho...
boa noite
Obrigado pela visita, também pela referência e um abraço até ao Porto.
Gotaelbr
Obrigado pela sua visita.
The Joker
É a vida no seu devir enigmático!
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