quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Rollo May: Psiquiatria Existencial

«Pode-se demonstrar identicamente a eternidade do homem pela impotência do desespero em destruir o eu, por esta atroz contradição do desespero. Sem a eternidade em nós próprios não poderíamos desesperar; mas caso ele pudesse destruir o eu, também não haveria desespero. /Assim é o desespero, essa enfermidade do eu, "a Doença Mortal". O desesperado é um doente de morte. Mais do que em nenhuma outra enfermidade, é o mais nobre do eu que nele é atacado pelo mal; mas o homem não pode morrer dela. A morte não é neste caso o termo da enfermidade: é um termo interminável. Salvar-nos dessa doença, nem a morte o pode pois aqui a doença, com o seu sofrimento e... a morte, é não poder morrer. /É esse o estado de desespero.» (Sören Kierkegaard)
«Uma geração pode aprender muito de uma outra, mas o que é propriamente humano, nenhuma o aprende da que a precedeu. Deste ponto de vista, cada geração recomeça como se fosse a primeira, nenhuma tem uma tarefa nova além da tarefa da anterior, e não chega mais longe, a menos que haja atraiçoado a sua obra, que se haja enganado a si própria. Aquilo a que chamo propriamente humano é a paixão, através da qual cada geração compreende inteiramente a outra e se compreende a si própria». (Sören Kierkegaard)
Quando foi atingido por tuberculose antes da descoberta do seu tratamento, Rollo May passou dois anos acamado no sanatório de Saranac sem saber se ia sobreviver ou morrer. Nesta incerteza de quem espera a morte, May leu diversas obras sobre ansiedade, entre as quais a de Freud e a de Kierkegaard, sentindo-se muito próximo da perspectiva de Kierkegaard segundo a qual a ansiedade - a angústia - é a luta de uma pessoa viva contra o não-ser. Destaco este episódio da história de vida de May para evidenciar que, nos momentos cruciais em que sentimos a proximidade da morte, recorremos à filosofia e não à ciência em busca de algum tipo de resposta ao enigma da existência ou de consolação: a Filosofia funciona nestas situações de penumbra como uma terapia do espírito, ligando-se de tal modo à medicina que pode ser definida como medicina da alma humana na sua relação problemática com o mundo. Marcuse definiu esta tarefa terapêutica da Filosofia como uma tarefa política: mostrar a realidade como aquilo que realmente é e mostrar aquilo que esta realidade estabelecida impede de ser - uma realidade não-mutilada, uma vida sem angústia. Geralmente, as abordagens filosóficas da psicopatologia são censuradas pela sua esterilidade prática, mas a acusação carece de fundamento: Karl Jaspers, L. Binswanger, Weigert, Rollo May, Ephren Ramirez, Victor Frankl e Ronald Laing - entre outros - elaboraram não só a abordagem existencial da psicologia da pessoa normal, como também a psicopatologia e a psicoterapia existenciais, cujos princípios básicos vamos analisar a partir da obra de Rollo May.
1. A Vontade. A filosofia da existência procurou reagir contra o conformismo predominante nas sociedades capitalistas tardias, desafiando o homem a influir na sua relação com o mundo e o seu destino nesse mundo que tende a reduzi-lo a um zombie. O homem é dotado de um poder poderoso no qual emerge como ser livre: o poder de tomar uma decisão e, como escreveu Paul Tillich, «o homem só se torna verdadeiramente humano no momento da decisão». Segundo May, o núcleo central da neurose do homem moderno reside na destruição da sua experiência de si mesmo enquanto ser responsável, da sua vontade e do seu poder de decisão. A defesa da vontade contradiz a noção freudiana segundo a qual vastos campos da actividade psíquica do homem são determinados por pulsões inconscientes. Sem negar a acção das forças inconscientes, May propõe a redescoberta da vontade e da decisão: o paciente deve começar por tomar consciência do seu próprio poder de decisão, de modo a tornar-se cada vez mais consciente de que o vasto conjunto de experiências constitui a sua experiência. Ao assumir todo o campo das experiências como a sua experiência, o paciente redescobre gradualmente o elemento de decisão que a sociedade moderna lhe roubou ou lhe vedou. Para reconciliar a vontade com o desejo no sentido freudiano, May utiliza o conceito de decisão para designar o acto humano que unifica a vontade e o desejo: a decisão leva em conta a experiência de todos os desejos, transformando-os em um modo de agir escolhido de forma consciente. Vontade, desejo e decisão inserem-se num nó de relações complexas, do qual o homem depende não só para conquistar sucesso na sua vida, mas também para dotar de sentido a sua própria existência.
2. A Angústia. Segundo Jacques Lacan, Kierkegaard foi o primeiro filósofo que ousou atribuir à angústia o alcance de um conceito, indicando a orientação das análises fenomenológicas de Heidegger e de Jean-Paul Sartre. Kierkegaard e Heidegger partilham uma ideia fundamental: a angústia é o fundo permanente dos nossos sentimentos. A angústia é o sentimento fundamental que desempenha na filosofia da existência o mesmo papel que o respeito assumia na filosofia de Kant. Para Kierkegaard, a ausência de angústia é ainda um sinal de angústia: o homem que permanece nessa ausência de angústia esconde a sua angústia a si próprio, por sentir angústia perante a angústia. Na perspectiva da filosofia da existência, a angústia não é o temor - ou medo - desencadeado por um perigo real, mas sim o sentimento de ter sido lançado no mundo sem o ter escolhido, constrangido a fazer opções das quais não compreende todas as consequências e que não sabe justificar. O homem é aquele ser que é chamado a justificar as coisas e, por essa mesma razão, é injustificável. Em Sartre, a angústia deriva do facto de nós nunca decidirmos só por nós próprios, mas ao mesmo tempo para todos os outros: angústia acompanhada pelo sentimento da náusea, decisão, compromisso e responsabilidade articulam-se na filosofia de Sartre. O medo e o temor dirigem-se sempre às coisas particulares, enquanto na angústia é o mundo no seu conjunto que nos angustia: o que angustia o homem não é qualquer coisa em particular, mas o ente em geral. May estudou a ansiedade de jovens solteiras grávidas numa instituição de acolhimento em New York. O facto de estarem grávidas sem ser casadas coloca todas as jovens da amostra numa situação ansiogénica, mas nem todas exibiram o mesmo nível de ansiedade. As raparigas provenientes de Harlem e dos bairros pobres do leste de New York exibiram ansiedade em menor grau do que as raparigas oriundas da classe média. Ora, o que distinguia estes dois grupos de jovens grávidas era o facto das raparigas criadas nos bairros pobres terem sido rejeitadas pelas suas mães. May concluiu que o choque - ou, segundo Otto Rank, o trauma do nascimento que Freud aceitou como uma parte da angústia neurótica - que está na origem da ansiedade não é a rejeição maternal, mas a rejeição dissimulada. As mães da classe média mentiram, porque diziam que amavam as filhas quando na verdade as rejeitavam, enquanto as mães dos meios mais pobres rejeitaram as suas filhas sem mentir. As filhas rejeitadas frontalmente pelas mães foram para a rua e encontraram parceiros: o seu mundo era claro e conhecido, o que lhes permitia orientar-se nele. Além da rejeição, a angústia tem um outro motivo que May retoma directamente da filosofia da existência: o ser humano não pode conhecer o mundo onde está lançado e não pode orientar-se na sua própria existência.
3. A Morte. A nossa civilização moderna oculta a morte, fazendo dela um fetiche que, tal como a percepção extra-sensorial, foi banido da psicologia. Ora, segundo May, o problema da morte é o único facto absoluto da vida: a morte individualiza o homem, já que ninguém pode morrer por mim. A morte é a única coisa que sou obrigado a fazer sozinho. A negação da morte é a perda da vida, porque recusar a morte é negar a realidade da existência do homem. Aqueles que no nosso mundo ocidental recusam a morte sofrem de apatia. O homem precisa saber fazer frente à morte. May recorre ao testemunho da sua própria experiência e à concepção de angústia desenvolvida por Kierkegaard. Na experiência de ansiedade, o temor não deriva da ameaça da morte enquanto tal, mas do conflito ambivalente face à ameaça. O homem angustiado é tentado a ceder frente à ameaça da morte, não porque a morte enquanto tal o amedronte, mas porque possui em si tendências nos dois campos. Segundo Kierkegaard, a angústia é um desejo que tememos e que, como um poder estranho, se apodera de nós sem nos deixar escapar do seu poder. Ao afrontar de frente o problema da morte, o homem é capaz de superar duas falsas maneiras de abordar a morte: a atitude negligente (1) que consiste em negar o temor da morte, expressando um modo de ser exageradamente alegre, despreocupado e frívolo, e o abandono desesperado (2) que se revela nos indivíduos deprimidos, apáticos, sem reacção e sem nenhuma possibilidade. O facto de encarar de frente a morte implica uma mudança radical na relação do indivíduo com o tempo: afrontar a morte no interior da sua própria consciência ajuda o indivíduo a fazer a sua própria escolha para o tempo de vida que lhe resta, lutando contra esse adversário que ganha sempre. O homem deve aceitar a sua mortalidade essencial - o ser-para-a-morte - e viver plenamente cada dia da sua vida.
4. A Psicoterapia Existencial. A psicoterapia existencial lança o conceito de paciente como ser-no-mundo: a tarefa do psiquiatra é ajudar o paciente a descobrir - ele próprio - o seu ser, afundado e enredado em «complicações e bloqueios que desembocam nos sintomas». O ser humano é sempre ser-no-mundo e cada um de nós pode descobrir o seu próprio ser-no-mundo em três mundos simultâneos: o meio ambiente ou Umwelt (1), o mundo do nosso próximo ou Mitwelt (2) e o nosso mundo próprio ou Eigenwelt (3). O paciente deve ser descoberto enquanto ser humano, isto é, enquanto ser-no-mundo, e não como mera projecção das nossas teorias prévias. E para o descobrir o psiquiatra deve levá-lo a responder às seguintes questões: Quem sou eu enquanto ser-no-mundo?, Qual é a minha identidade?, De onde venho?, Como posso encontrar-me ou aceitar-me? (Anne Ancelin-Schützenberger). A vida é um processo dinâmico que se move entre o que foi - o passado - e o que está em vias de vir a ser e, sendo assim, o homem não pode ser visto como produto acabado de acontecimentos determinantes do passado: o homem é, ele próprio, um processo aberto que só pode ser compreendido caminhando na direcção do futuro. Embora não menospreze o passado, a filosofia da existência considera que ele só tem significação à luz do uso que dele fazem as pessoas no presente e no futuro.
A concepção existencial dos mecanismos subjacentes às perturbações psicopatológicas é sui generis. O recalcamento tem sido relacionado com o respeito aos códigos morais da burguesia, em particular aos códigos da família burguesa, a fim do indivíduo conservar uma imagem de si aceitável. Porém, May encara isso mais como um sintoma do que como uma causa, sendo levado a procurar alguma coisa mais profunda: a resposta à questão de saber por que o paciente aceita ou recusa a sua própria liberdade na escolha dos seus próprios códigos morais e políticos. A psiquiatria existencial procura compreender as razões que levam umas pessoas a conformar-se com a moral burguesa e outras a rejeitá-la, com o objectivo de preparar o paciente para a tomada de consciência do seu próprio poder de decisão e para o seu exercício em plena liberdade. No mundo moderno, os pacientes perderam o seu próprio mundo no qual se sentiam em casa. Para o recuperar, é necessário que todos se descubram juntos - uns com os outros - no mesmo mundo: a solidão, o isolamento e a alienação reflectem problemas da nossa sociedade, na qual todos nós vivemos a angústia do isolamento e da alienação. Abraham Maslow identificou correctamente o "normal" com a "psicopatologia da média", de resto uma noção descoberta por Espinoza e tematizada posteriormente como patologia da normalidade: a psiquiatria existencial convida-nos a descobrir na existência humana mergulhada em ilusões e no medo uma doença amplamente partilhada por todos os membros das sociedades modernas. (Continua com o título Defesa de uma Psiquiatria Dialéctica.)
J Francisco Saraiva de Sousa

22 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Acho imensa graça ao programa que selecciona os anúncios. No meu domínio, depois de ter iniciado a secção dedicada à morte, surgiu logo o anúncio Como vais Morrer? Ah, não sei, mas espero ou desejo morrer rapidamente sem sofrimento. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Além disso, hoje apetece-me morrer, aliás desde madrugada que fui tomado por este desejo. Daí que tenha pensado em May... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, também estou preocupado com o desemprego, porque nunca vi as pessoas do Porto tão desesperadas. Acho que este desespero é contagioso e sinto-me impotente, sem saber o que possa escrever sobre esse assunto. Vou trancar-me na minha torre de marfim e sondar o self na sua profundidade. Depois vou dormir. Aliás, este pensamento de fundo que não consigo silenciar confronta-me com as fragilidades da psiquiatria existencial e com a noção de desespero de Kierkegaard, porque as pessoas estão desesperadas com o mundo e o homem é ser-no-mundo - não encontram lugar no mundo e tudo isso por causa da irracionalidade do capitalismo que se apropria do mundo desapropriando os seus habitantes que usa como mão-de-obra e como consumidores. Hoje ser pessoa é ser consumidor, porque quem não consome não é ninguém. Vivemos numa sociedade doente e da merda, mas a apatia devora as pessoas e o seu eu lutador.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O capitalismo global é a nossa doença mortal!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A publicidade, o cinema, a televisão, tudo isso que se produz e difunde como se fossem bens culturais ou mensagens, são alienações que atrofiam a imaginação e fazem as pessoas perder o sentido da realidade. Domina a ansiedade neurótica entre os cidadãos reduzidos a consumidores. Os que não podem consumir são excluídos e perdem o status de humanidade - são coisas, são pobres, são sem-abrigo, etc., todos esses conceitos terríveis.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bem, devo um esclarecimento sobre o modo como uso a negação determinada, porque nem sempre o faço como os meus mestres frankfurtianos. Em vez de demolir imanentemente as teorias que analiso, prefiro utilizar umas enzimas que me ajudam a modificar internamente essas teorias ou objectos, de modo a recuperá-las/los para a Grande Recusa: a luta pela transformação qualitativa do mundo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, até agora evitei distinguir entre psiquiatria existencial, fenomenológica e existencialista, mas irei fazê-lo mais tarde. Em sentido exacto, a psiquiatria e a psicoterapia de May é existencialista, mas como recorre a Tllich posso usar o termo existencial demarcando-o da abordagem fenomenológica que atribuo a outros psiquiatras. Bem, este é um assunto muito técnico, mas sei o que faço. E se alguém protestar estou pronto para o apunhalar com argumentos sofisticados e técnicos. A dialéctica nunca abandonou completamente a sua aspiração à exclusividade e, neste aspecto, sou fiel a Hegel, apesar de ser pluralista. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, este post de psiquiatria que dá continuidade a outros já publicados deriva da necessidade de encarar os homófobos como indivíduos doentes que necessitam de ajuda psiquiátrica. Isso é demasiado evidente: basta ler os posts que editam na blogosfera! São doentes!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou a ficar cada vez mais dragão: ando a picar os portistas contra os jornalistas desportivos que esquecem por má-fé que a selecção nacional vai ao mundial graças aos golos portistas e os 10 anos de glória deve-os a estrutura portista. Viva o FCPorto!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Curiosamente, se fosse eu a fazer uma recuperação de Kierkegaard, seguia outro caminho: há um aspecto na filosofia de Kierkegaard que May não leva em conta, a não ser na atitude negativa de abandono desesperado. Vou pensar sobre isso!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, e há outra dificuldade: Quando afronta a morte, o tempo mestre transforma-se em presente. Precisava de estudos empíricos profundos realizados com diversos tipos de doentes hospitalizados para tomar uma posição teórica. Para mim, pessoalmente, o tempo camisa de força seria a morte! Não o suportaria! Mas também é verdade que muitos doentes - incluindo aqueles que são terminais - assume essa mudança. Há aqui outro factor, mas não posso explicitar neste post porque está fora do seu objectivo.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Enfim, a concepção existencial da morte precisa ser substancialmente revista, sem a abandonarmos de todo. O desespero é o mal que termina com a morte: a aniquilação do eu, nada para além da morte. Ora, os estudos mostram que as pessoas religiosas, além de recuperarem melhor da doença, têm outra atitude face à morte que paira no ar. Há aqui outro mecanismo com uma componente cognitiva.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E eis que fui caçado pela própria dialéctica que pratico: o meu marxismo pertence à tradição estupidamente chamada marxismo burguês, no sentido de ser crítico do comunismo como utopia e defensor da democracia pluralista. Ora, neste post no caso da morte, devo meditar a reificação do futuro, precisamente a crítica que dirijo contra a utopia comunista e a paragem do tempo. Mas não posso resolver tudo num post: ttenho todo o tempo para o fazer, até porque não penso morrer tão cedo. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Porém, a minha preocupação de fundo é política: defender uma política socialista que resista à reificação e à antidialéctica.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou lento porque penso numa crítica radical à sociedade portuguesa que se instalou depois do 25 de Abril: antes era a ditadura da qual não podemos esperar nada de bom, mas a questão é diferente depois de instituída a democracia. Até aqui tenho procurado evitar uma crítica da própra democracia, mas ela permite excessos intoleráveis que se tornam perigosos numa sociedade capitalista. Porém, não vejo vantagem numa mudança semântica - não vale a pena inventar novas palavras para designar a mesma coisa e a coisa não tem melhorado, pelo contrário, está cada vez pior. Mas penso estar a trilha certa... só o tempo pode dar-me a resposta...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Nós filósofos por natureza - nascidos para pensar sem grande esforço - não acreditamos verdadeiramente no homem. Por isso, criamos sonhos para manter a aventura humana que sabemos estar condenada. É este realismo que nos leva a ficar em silêncio diante do uso da violência quando esta pode servir um objectivo mais elevado - não uma sociedade perfeita mas apenas uma pequena melhoria, porque depois vem novamente a corrupção. Sempre podemos pensar que o erro é nosso - não estamos a cumprir a nossa missão, criando uma teoria mais unificada. Porém, mesmo detendo o conhecimento necessário, falta-nos uns alicerces susceptíveis de manter as grandes conexões teóricas: a isto chama-se angústia instalada no seio da teoria - ver a coisa sem a poder cativar no pensamento discursivo. Não é um fracasso, é angústia teórica - e antropológica - profunda: o homem não está à altura daquilo que lhe exigimos. A filosofia não pode avançar sem essa confiança: qualquer avanço é uma mentira!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, como não tenho medo, até vou confessar a razão de ser destes comentários: é uma preocupação genética. Temo que nalguns casos estejamos a atribuir funções a determinados genes sem segurança teórica ou mesmo alguma honestidade. Sinto que a ciência possa estar em crise, não uma crise científica, mas uma crise do projecto científico determinada pela própria organização social do trabalho científico. E certa filosofia tem a sua responsabilidade...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sim, por isso, estou a entrar no domínio da patologia da consciência e da normalidade. É preciso introduzir uma fractura total se quisermos deixar a vida continuar a sua aventura.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Meu Deus, meu escudo protector, auto-envolvi-me numa tarefa imensa que me desafia agora. E só vejo um caminho: a célebre frase de Marx segundo a qual é o ser social que determina a consciência foi interpretada de modo errado, porque o ser social, a existência, não é aquilo que alguns pensaram ser. É outra coisa que permite ver uma psicologia sofisticada em acção em Marx: Marx antecipou o conceito fundamental da psiquiatria e Kierkegaard acrecentou a angústia. A história que nos contam é falsa: o mundo poderia ser diferente daquilo que é. Tou optimista mas não vou partilhar o segredo, pelo menos de forma clara e decifrada. Tb tou mauzinho hoje... :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, tb tenho o coração dilacerado: há um impulso necrófilo na utopia de Marcuse que pode ser contornado teoricamente, usando alguma violência hermenêutica. Reich iludiu-o abolindo tanatos, mas a orientação necrofila é inseparável do capitalismo tardio e preciso proteger Marcuse dessa "responsabilidade". O conhecimento é complexo e não é avesso às filiações afectivas: todo ele é colorido de afectos. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hummmmmm... Afinal, pensar compensa. Quando criei os blogues tinha uma ideia - periférica na minha área de interesses mas central na articulação dos blogues: desenvolver uma teoria médica. Neste momento, já tenho toda a problemática desenhada na minha configuração neuromental: uma medicina marxista definida em oposição à medicina darwinista, o que retoma o carácter político que sempre imprimi aos posts que abordam temas afins. O projecto tem uma dimensão prática: clínicas de medicina marxista. De certo modo, dou corpo a ideia já presente em Platão com todo o arsenal das ciências biomédicas. Metaforicamente, vou casar Platão - filosofia - e Hipócrates - medicina. Uma dupla mudança, uma única unificação! A doença dos deuses inspira-me! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O primeiro parágrafo foi finalmente concluído: omiti informação que será tratada noutro post. :)