quarta-feira, 14 de março de 2012

Nicolau Nasoni e o Porto Setecentista

Porto: Igreja e Torre dos Clérigos
«O rei de Portugal - D. João V que dispunha do quinto do ouro e das minas de diamantes do Brasil - é agora, no consenso geral, o monarca mais rico do mundo. Naturalmente uma parte importante dessa levada aurífera, que parecia inesgotável, canalizava-se para Roma, sede da Cristandade. Além das concessões pontifícias, altamente tarifadas, vinham de Itália, objectos e alfaias adestritas ao culto e à ostentação: obras de arte religiosa, paramentos, tapeçarias, impressões ricas, coches, peças de sumptuosa indumentária. Algumas vezes artistas e artífices trasladavam-se com as suas produções ao país que as encomendava. (...) Sem contrato ou convite, muitos súbditos dos diferentes estados italianos vinham também à ventura, tentar fortuna em Espanha, onde Isabel Farnesio e o Cardeal Alberoni desenvolviam as suas intrigas e planos redentoristas, e do país vizinho passavam com frequência ao nosso. (...) Todos esses elementos: os artistas que trabalhavam em Itália para Portugal; os que vieram desse país ao nosso, estabelecendo-se nele temporária ou definitivamente; e os portugueses que foram aprender ou adestrar-se em Roma e noutros centros importantes da península itálica - como Nápoles e Turim - concorreram para a italianização do gosto e da cultura». (Virgílio Correia)

Com esta citação não desejo prestar uma homenagem a Virgílio Correia, um estudioso da arte portuguesa que desprezo, mas destacar e enquadrar o papel de Nicolau Nasoni na italianização do Porto. Doravante, sempre que tentarmos esboçar um quadro portuense, convém autonomizá-lo da história de Portugal, de modo a encarar o Porto como uma Cidade-Estado, cuja história foi feita pelos portuenses em condições "nacionais" adversas. Qualquer quadro portuense deve ser pensado em função da ideia redentora da independência da Cidade Invicta. A elaboração da História da Cidade do Porto é, portanto, um projecto científico e político: a ideia nefasta de história regional que presidiu à feitura da História do Porto dirigida por Oliveira Ramos, subordina a nossa história à chamada história nacional, a história de Portugal, implicando no máximo a defesa do projecto da regionalização. Mas, se olharmos de perto a História do Porto de Oliveira Ramos, verificamos facilmente que ela fica aquém - em termos científicos e políticos - da História da Cidade do Porto dirigida por Damião Peres: o Porto de Oliveira Ramos perde a autonomia e o brilho do Porto de Damião Peres; é um Porto diminuído, subserviente, pálido, anémico, incapaz de se libertar das cadeias da história de Portugal. Como é evidente, não é esta a perspectiva de Oliveira Ramos, que, na Introdução, acusa o envelhecimento da obra de Damião Peres: «(...) é importante vincar que os três volumes da História da Cidade do Porto, concebidos, nos anos cinquenta, por Artur de Magalhães Basto, despontam à volta de 1960 e ficam concluídos em 1965, segundo uma orientação de perfil factual, deveras erudita, cuja expressão maior resulta do saber e da escrita dos seus colaboradores, Magalhães Basto, Damião Peres, António Cruz, e de alguns autores. Trata-se, portanto, de uma obra envelhecida por ulteriores investigações dispersas por um sem-número de livros e revistas, pelo teor do enfoque, pelo limite temporal». Concordo com a crítica de Oliveira Ramos: a obra de Damião Peres é demasiado factual e carece da abrangência temporal da História do Porto. Mas, em vez de acentuar o seu envelhecimento natural, prefiro destacar a sua ousadia política: o quadro factual estabelecido pelos seus autores eruditos permite vislumbrar o velho anseio dos portuenses, não dos portuenses grandes aldeões (Almeida Garrett) que colaboram com Lisboa para oprimir o Porto, mas dos portuenses iluminados que lutam pela sua independência. Na História da Cidade do Porto, os factos apontam tanto mais na direcção do futuro liberto do Porto quanto mais recuam no passado, onde descobrimos os vestígios da Idade Heróica do Porto, o nosso berço. Ora, sempre que somos confrontados com esses vestígios heróicos, respiramos ar novo e fresco, tomando consciência de que Portugal é uma entidade étnico-cultural profundamente estranha ao Porto e ao Norte: o Porto tem uma história própria que não tem nada a ver com a história pardacenta de Portugal. A integração do Porto nessa entidade saloia chamada Portugal é um equívoco histórico, um erro fatal que devemos corrigir, lutando pela nossa autonomia. Portugal é uma maldição da qual nos devemos libertar. Aliando erudição cientificamente informada à tarefa política da luta pela independência, a História da Cidade do Porto constitui ainda o Manifesto da Libertação do Norte, enquanto a História do Porto, destituída de imaginação política, faz o Porto capitular diante da velha Lisboa saloia e provinciana que envergonha os próprios portugueses. De certo modo, uma obra de história nunca envelhece, porque ela própria faz parte integrante da história que relata: Oliveira Ramos condena a fantasia em nome do "presente", isto é, sacrifica a utopia no altar da ideologia que recusa aos portuenses a restituição integral da sua própria história, citando uma frase conhecida de Sampaio Bruno: «Julgou-se que a história do passado anunciaria o futuro, o que era um conceito absurdo, porque não há, nunca houve, nunca haverá na história um facto que integralmente se repita. Disse-se que o passado era lição do presente. Quando o presente é que é a lição do passado. Quer dizer que eu, pela história antiga, não fico habilitado a entender a história moderna. Ao contrário, pela história moderna é que me habilito a entender a história antiga» (1906). Sampaio Bruno foi um ilustre pensador portuense, considerado pela maior parte dos portugueses como o pai do pensamento filosófico português. Os portugueses não se enganam quando o enaltecem, porque Sampaio Bruno não foi suficientemente corajoso para lutar pela autonomia do Porto, mesmo quando tomou consciência do desastre a que Lisboa conduzia o país. Há, pelo menos, dois registos a reter neste dito - mal-pensado! - de Sampaio Bruno: um é legítimo, o outro é equívoco quando interpretado como conceito de tempo histórico. O dito de Sampaio Bruno é de tal modo confuso que Oliveira Ramos o interpretou como necessidade urgente de "descobrir um futuro para o passado", a partir do momento presente, o que, de certo modo, contraria o seu sentido. A ideia essencial de Bruno pode ser identificada nesta frase de Marx: «A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco». A ideia de repetição factual mina completamente o primeiro enunciado de Sampaio Bruno, sem ter qualquer relação com a ideia de que o passado anuncia o futuro: o primeiro enunciado deve ser rasurado. Resta apenas o conceito de que, para entender o passado, precisamos conhecer o presente, quando destituído da sua carga moral. É o que Marx parece dizer quando afirma que só podemos conhecer os signos denunciadores de uma forma superior de vida, quando essa forma superior é já conhecida. Ou na linguagem de Sampaio Bruno: o conhecimento da forma superior habilita-me a entender os seus vestígios passados, bem como as formas inferiores. Mas afirmar que compreendemos o passado à luz do presente não implica que o presente seja a lição do passado. Com efeito, as duas ideias são distintas, sendo a primeira compatível com o conceito de que o passado está prenhe de futuro. A ideia de progresso opera nas duas afirmações, tanto na de Marx como na de Sampaio Bruno: o tempo forte, o grande atractor, é o futuro. Marx e Bruno, cada qual à sua maneira, são revolucionários. Romper com a ideia de progresso que alimenta o optimismo militante soa a cedência ao pensamento conservador. Não admira que Jürgen Habermas tenha chamado conservador ao marxismo de Walter Benjamin, para quem a história é catástrofe. Mas hoje o progresso é a própria figura da catástrofe, da qual devemos salvar o passado, de modo a garantir a continuidade da aventura humana. A dialéctica é muito mais complexa do que pensavam os seus mentores, Hegel e Marx: nada está a salvo da destruição. A missão da grande política já não é construir um paraíso terrestre, ideia que já repugna a todos, mas adiar o colapso do mundo. A rememoração do passado ajuda a consolidar identidades e a manter o seu eterno confronto: a globalização - a caricatura do progresso triunfante - combate-se conservando as nossas identidades locais em luta permanente. A lógica do progresso é totalitária, e a dialéctica, sempre que tenta reconciliar os contrários numa síntese superior, cava o seu próprio túmulo, contribuindo para a vitória da anti-dialéctica. Num mundo ontologicamente avesso à garantia definitiva, a dialéctica só pode ser negativa, abdicando da síntese. A política é luta e não consenso: lá onde há consenso a política está morta. Spengler via o presente como o tempo da decisão e, de modo superficial, Oliveira Ramos aproxima-se desta problemática quando, a partir das recomendações do Conselho da Europa (1975), defende a necessidade de dar um futuro ao passado. Ora, dar um futuro ao passado é salvá-lo do esquecimento: as hipóteses de trabalho desenhadas para isso são resultado da fantasia que resgata e nos restitui o passado. O resgate do passado tornou-se a utopia do nosso tempo indigente. O passado até pode não nos dar uma lição, mas une-nos na luta contra a opressão. A libertação - sendo uma tarefa das cidades - envolve hoje um trabalho complexo nas três frentes da temporalidade: passado, presente e futuro. Para nós portuenses, o resgate do nosso passado alimenta a luta contra a opressão portuguesa, ao mesmo tempo que indica o caminho a seguir: reconquistar a nossa autonomia e redefinir a nossa abertura ao mundo sem a mediação corruptora de Lisboa. Queremos ser aquilo que somos: Portuenses leais à nossa cidade e não portugueses leais a uma capital que nos empobrece!

Nicolau Nasoni, filho legítimo de José Nasoni e Margarida Rozy, nasceu no dia 2 de Junho de 1691 na terra de San Giovanni Valdarno de Cima do Priorado de S. Lourenço, dos Estados do Grão Duque de Toscana (Itália). A escassez de documentos a respeito da vida de Nicolau Nasoni não permite esboçar uma biografia integral deste insigne pintor e arquitecto do Porto. Mas já podemos alinhavar uma determinada sequência de acontecimentos, dando-lhes uma ordem cronológica. O Cabido da Sé-Catedral do Porto mandou executar obras na Catedral nos primeiros anos da Sé-Vaga de 1717-1741, quando o bispo D. Tomás de Almeida foi elevado ao patriarcado de Lisboa, deixando vaga a Sé portuense. Sabemos que a iniciativa da vinda de Nasoni para o Porto partiu do colégio capitular da Sé, tendo como missão trabalhar nas obras da Catedral, mas não conhecemos o ano da sua chegada ao Porto. Em 1717, já se faziam obras de certa importância na Catedral ou nas suas dependências, embora a Restauração da Sé só tenha começado em 1722. O nome de Nasoni só aparece nos papéis de pagamento da Mitra em 1734. Porém, Nasoni já estava a viver no Porto em 1729. Com efeito, no dia 28 de Agosto desse ano, Nasoni esteve na Rua Chã, nas Casas Nobres de Vandoma, morada do Reverendo D. Jerónimo de Távora e Noronha e Leme Sernache, Deão da Sé-Catedral do Porto, onde um tabelião de notas lavrou uma solene escritura. Os outorgantes dessa escritura foram o italiano Bras Castriotto, morador na Rua de São Miguel, em nome e como procurador do seu pai, Carlos Alexandre Castriotto Ricardi (ou Rixaral), e da sua mãe, Paula Francisca, moradores nesta cidade do Porto, e Nicolau Nasoni e a sua mulher Isabel Castriotto Ricardi, moradora nesta cidade do Porto, à frente do chafariz de S. Domingos. A escritura foi celebrada publicamente para garantir uma promessa anterior: os pais de Isabel Castriotto Ricardi tinham prometido um dote de 400$000 reis a Nasoni quando este se casou com a filha em 31 de Julho de 1729, na Sé-Catedral, tendo como testemunhas o D. Jerónimo Távora e Noronha e Miguel Francisco da Silva, morador no Paço Episcopal e Mestre das obras de talha que se realizavam na Sé. Isabel Castriotto, natural da freguesia de S. João Maior da cidade de Nápoles, presenteou o marido, um ano mais tarde, no dia 8 de Julho de 1730, com um filho, que foi baptizado logo no dia 11 com o nome de José, na Capela de Vandoma, tendo como padrinhos D. Manuel de Noronha e Meneses, arcediago da Sé, por procuração do seu irmão D. Luís de Noronha e Meneses, abade da Cumieira, e o Reverendo Deão D. Jerónimo de Távora e Noronha, por procuração da sua mãe D. Micaela Antónia Freire. Dezassete dias depois do nascimento do filho morreu Isabel Castriotto, conforme notifica o termo descoberto nos arquivos da freguesia da Sé: «Isabel Nasoni, mulher de Nicolau Nasoni, pintor e morador na Rua Chã, faleceu com todos os sacramentos e não fez testamento. Morreu em 25 de Julho de setecentos e trinta, e foi sepultar à Sé». Nicolau Nasoni casou-se em segundas núpcias logo no dia 3 de Setembro de 1730 com Antónia Mascarenhas Malafaia, de 24 anos, que residia desde os 20 anos na casa de D. Micaela Antónia Freire, mãe do Deão D. Jerónimo de Távora e Noronha. Este segundo casamento de Nasoni realizou-se na Capela de Nossa Senhora de Vandoma, anexa às Casas Nobres de Vandoma, que pertenciam a D. Micaela Freire, tendo como uma das testemunhas ou padrinhos D. Jerónimo. Natural da freguesia de Santa Eulália de Lamelas (antigo Concelho de Refoios de Riba d'Ave, Santo Tirso), Antónia Mascarenhas Malafaia - filha de António Mascarenhas Malafaia e de Isabel da Silva - foi baptizada no dia 28 de Dezembro de 1706 na Igreja matriz da sua freguesia, tendo como padrinhos Antónia Monteira e Luís Brandão Pereira de S. Payo. Os opulentos e nobilíssimos fidalgos da Casa de Vandoma tinham uma grande estima por Nasoni, permitindo-lhe desenvolver uma intensa actividade artística nos primeiros tempos de casado. Em 1731, Nasoni apresentou à Irmandade dos Clérigos o seu primeiro projecto para a construção da Igreja dos Clérigos. Ora, o Presidente da Irmandade era precisamente o Deão D. Jerónimo de Távora: o nome de Nicolau Nasoni aparece sempre - nos papéis da Irmandade - precedido pelo título de Dom e acompanhado pelos qualificativos de insigne pintor e de arquitecto. A segunda mulher de Nasoni deu-lhe, pelo menos, cinco filhos. Todos os filhos de Nasoni, tanto o do primeiro casamento como os do segundo casamento, tiveram presentes nas suas cerimónias de baptismo ou mesmo de casamento membros nobres e ricos da Casa de Vandoma e da Casa da Prelada, como padrinhos ou como testemunhas. Assim, por exemplo, D. Micaela Antónia Freire foi madrinha de quatro filhos de Nasoni.

Como não lhe faltava trabalho, Nasoni prosperou rapidamente na vida. O primeiro sinal dessa prosperidade foi a compra, logo em 1732, de uma pequena propriedade na freguesia da naturalidade da sua mulher. No ano seguinte (1733), Nasoni passou procuração a dois indivíduos, um dos quais era assistente em casa de D. Jerónimo de Távora, concedendo-lhes poderes para, em nome dele e da mulher, intentarem demandas, arrecadarem dívidas e outras tarefas na comarca de Refoios. Em 1737, o casal Nasoni passou nova procuração geral a D. Jerónimo de Távora, conferindo-lhe plenos poderes para todos os assuntos forenses. Entre os anos de 1738 e 1748, surgem nos registos portuenses muitas escrituras lavradas de empréstimos de dinheiro a juros, nas quais figura o nome de Nasoni como aquele que empresta dinheiro a juros aos outros: Nasoni emprestou - segundo uma dessas escrituras - a quantia de 800$000 reis a António de Sousa Correia Montenegro, talvez a quantia de dinheiro mais elevada emprestada pelo artista toscano. Em 1758, Nasoni é designado numa escritura como "homem de negócios". Como dispunha de capitais, Nasoni fez figura de capitalista portuense no Porto Setecentista. No entanto, não conhecemos todos os pormenores da aquisição desses capitais. Uma parte da fortuna de Nasoni adveio pelos casamentos: o dote de Isabel Castriotto foi de 400$000 reis. Da escritura desse dote consta que faltava entregar-lhe 82$000 reis, sendo a parte restante representada por uma longa lista de valiosas peças de vestuário da noiva, jóias do seu uso pessoal e roupas de casa. O dote de Antónia Mascarenhas Malafaia não é conhecido, mas pelas procurações do casal já referidas infere-se que estava ligado com propriedades que possuía no Concelho de Refoios. A maior parte do dinheiro que Nasoni emprestava a juros deve ter sido adquirida através do seu trabalho como pintor e arquitecto. Além da Igreja, Enfermaria e Torre dos Clérigos (1731-73), foram-lhe atribuídas o Paço Episcopal (1734); a galeria setentrional (galilé) da Sé-Catedral do Porto (1725-39); o Palácio do Freixo e seus jardins (1742-54); a casa da Quinta da Prelada e seus jardins (1743-58); a Fonte das Lágrimas (1745); a Casa do Despacho da Ordem Terceira de São Francisco (1746-49); a frontaria da Igreja da Misericórdia (1749); dois projectos para a Cadeia e Tribunal da Relação e Jardim da Cordoaria (1750-51); o Palácio de São João Novo, mandado construir por Pedro da Costa Lima em data desconhecida; o Chafariz de São Miguel ou do Anjo, junto da Sé do Porto (1737); a Casa da Quinta de Ramalde, da família de Leite Pereira (1746); e trabalhos de restauro nas Sés do Porto, Lamego e Braga. A Igreja do Carmo, pelo menos a fachada, também é da sua autoria (1754-60), bem como a traça da Casa Nobre, do Cónego Domingos Barbosa, construída na Rua de D. Hugo, por volta de 1740, onde hoje se encontra instalada a Casa-Museu de Guerra Junqueiro. Na cidade do Porto temos ainda a Igreja do Recolhimento dos Órfãos de Nossa Senhora da Esperança e Jardim de São Lázaro (1746-58); a Capela da Casa dos Maias (1746-63); a reconstrução da Casa de Vandoma, situada na Rua de D. Hugo (1750); a Casa Barroso-Pereira (1750); a Igreja da Ordem do Terço (1756-59); a Capela de Nossa Senhora do Pinheiro (1757), e o belo Palácio de Bonjóia (1759). Além disso, Nasoni desenvolveu uma enorme actividade artística no Norte de Portugal: as obras de arquitectura na Quinta de Santa Cruz do Bispo (Matosinhos, 1737), o Chafariz e a escadaria do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios (Lamego, 1738), a fachada da Igreja do Senhor Bom Jesus (Matosinhos, 1743-47), o restauro da Igreja de Santa Marinha (Gaia, 1745), a Igreja de Santiago de Bougado (Trofa, 1748-54), as obras de arquitectura e de escultura na Quinta dos Cónegos (Maia, 1727-37), a Casa e a Capela da Quinta de Fafiães (Leça do Balio, Matosinhos, 1733-35), o corpo central do Palácio de Mateus (Vila Real, 1740-43), a Casa da Quinta de Chantre (Matosinhos, 1743-46), a Capela da Quinta da Conceição (Leça da Palmeira, Matosinhos, 1743-47), a fachada lateral da Igreja do Convento de Corpus Christi (Gaia, 1745), a Casa e os jardins da Quinta do Viso (Senhora da Hora, Matosinhos, 1746-58), e o risco da obra de arquitectura e decoração dos jardins da Quinta do Alão (Matosinhos, 1760). Existem muitos documentos que comprovam a enorme actividade artística de Nasoni no Porto e arredores: alguns deles indicam os pagamentos efectuados a Nasoni pelos seus trabalhos artísticos. Assim, por exemplo, pela planta que fez para o Palácio Episcopal recebeu 40$000 reis, pela planta da Igreja da Misericórdia recebeu 24$000 reis, e pelas duas plantas da nova Igreja de Santa Marinha recebeu 19$260 reis. Algumas destas plantas - os seus originais - foram conservadas e, tanto quanto sei, a planta da Igreja da Misericórdia pode ser vista. É certo que existem lacunas temporais e omissões nos arquivos, como por exemplo a escassez de documentos entre 1734 e 1740, mas os que existem são suficientes para reconstituir, pelo menos em termos probabilísticos, o montante da fortuna acumulada por Nasoni. Por volta de 1747 Nasoni já não morava na Rua Chã, mas no sítio do Corpo da Guarda. O ano mais memorável da sua vida foi o ano de 1750, quando apresentou à Mesa da Irmandade dos Clérigos o magistral projecto da construção da imponente Torre dos Clérigos, no dia 8 de Fevereiro. Dos documentos posteriores a 1758 retenho de momento aqueles que ajudam a clarificar a biografia de Nasoni: dois deles mostram-no transformado em homem de negócios, passando letras para o Brasil e cuidando de cobrar dinheiro que lhe deviam. Mas subitamente - depois de um terrível episódio que deixarei para o próximo parágrafo - os últimos documentos revelam um Nasoni "pobre", já viúvo, vivendo com a sua filha Margarida, numa casa de viela, muito extra-muros da cidade do Porto. Dez anos depois de concluída a Torre dos Clérigos que imortalizou o seu nome e a cidade do Porto, Nasoni morreu no dia 30 de Agosto de 1773. Dois documentos registam a sua morte, um dos Livros do Cartório da Irmandade dos Clérigos, o outro o registo do óbito que diz textualmente estas palavras: «Nicolau Nasoni, viúvo que ficou de Antónia Mascarenhas Malafaia já defunta, morador na viela do Mendes, Rua do Paraíso, desta freguesia de Santo Ildefonso do Porto; faleceu com todos os sacramentos nos trinta dias do mês de Agosto do ano de mil e setecentos e setenta e três anos, fez testamento, ficou sua testamenteira sua filha Margarida, solteira, moradora na dita Rua e Casa, e foi sepultado na Igreja dos Clérigos pobres, de sua Irmandade desta freguesia de Santo Ildefonso; de que fiz este assento que assinei (...)».

Francisco Ribeiro da Silva abordou toda a problemática social do Porto Setecentista num capítulo intitulado Tempos Modernos da História do Porto dirigida por Oliveira Ramos, mas ao homem que moldou arquitectonicamente a cidade do Porto, sendo responsável pelos signos arquitectónicos mais emblemáticos da cidade, os autores do capítulo intitulado O Porto Oitocentista dedicaram apenas um magro e miserável parágrafo: «Paralelamente, na arquitectura religiosa persistirá, ao longo da segunda metade do século XVIII, uma forte adesão à linguagem barroca, evoluindo para a exuberância rocaille (rococó), sobretudo na talha dourada dos interiores, que reflecte não só o gosto, mas também a riqueza da Igreja portuense. Refira-se, de resto, que algumas congregações, como a do Oratório ou dos Lóios, para não falar no Cabido, fundam grande parte da sua riqueza nos réditos do vinho do Porto. A arquitectura religiosa tem no arquitecto florentino Nicolau Nasoni o seu mais conceituado representante. Autor de edifícios religiosos marcantes, como a Torre dos Clérigos (1757-1763) ou a fachada da Igreja da Misericórdia (1749-50), Nasoni não deixará ainda de impor o seu estilo a alguns edifícios particulares, como o Palácio do Freixo, dos Leme Cernache». Maria do Carmo Serén e Gaspar Martins Pereira comportam-se como os empedernidos historiadores da arte portuguesa que condenam a chamada linguagem barroca, sem terem lido e assimilado a estética do barroco, tal como foi elaborada pelos grandes historiadores e filósofos alemães do barroco. Doravante, para fazer justiça ao arquitecto que veio de Itália para o Porto, o século XVIII portuense será conhecido como o século de Nicolau Nasoni. Os malditos portugueses dizem desprezar, talvez por inveja, aquilo que os nórdicos - em especial alemães, noruegueses, suecos, dinamarqueses, holandeses e ingleses - mais amam no Porto: a sua arquitectura barroca, não só a arquitectura religiosa mas também a arquitectura civil. Mas há uma outra razão que leva as criaturas das trevas - os portugueses, claro! - a tentar omitir o nome de Nicolau Nasoni, atribuindo a sua obra a nativos portuenses ou portugueses: o seu ódio-inveja pelo estrangeiro e pelo distinto, um ódio que devia ser erradicado da cidade do Porto, cuja cultura é, como já vimos noutro lugar, uma cultura de abertura ao mundo. Porém, quando tentam apropriar-se da obra alheia, como se fossem ladrões, são obrigados a reconhecer que Nicolau Nasoni - o mais ilustre dos portuenses - fez escola: a primeira grande escola de arquitectura do Porto está ligada ao nome de Nasoni, cuja biografia sofre agora uma nova modificação para tentar explicar a miséria em que morreu em 1773. Nascido nas terras de Toscana, Nasoni veio para o Porto, onde viveu, construiu, edificou, moldou o espaço e amou até à sua morte. Mas, antes de se fixar definitivamente no Porto, Nasoni fez a sua própria cronologia numa outra geografia e numa outra sociedade. Convém, portanto, recuperar a memória dessa outra localização social e geográfica de Nasoni. Nasoni viveu em Sienna, onde aprendeu pintura, artes decorativas e arquitectura, tendo como mestres Giuseppe Nicola Nasini (pintor) e Franchim e Vicenzo Ferrati (arquitecto). Em 1712, quando se realizaram as cerimónias fúnebres de Fernando III de Médici, Nasoni era responsável pelo cadafalso para a Catedral de Sienna. Quando ingressou na Academia de Artes - Istituto dei Rozzi, para aperfeiçoar os seus conhecimentos, os seus colegas deram-lhe a alcunha de Il Piangollegio. Em 1715, a Academia de Artes escolheu Nasoni para realizar os trabalhos artísticos da recepção do novo arcebispo de Sienna, sobrinho do Papa Alexandre III. Mais tarde Nasoni trabalhou no Carro de Marte que desfilou no cortejo das comemorações em honra da eleição do novo grão-mestre da Ordem de Malta. A sua participação regular nestas celebrações chamou a atenção do Conde Francisco Picolomini, amigo de D. António Manuel Vilhena, futuro grão-mestre da Ordem de Malta. Desta sua arte efémera nada resta. De Sienna Nasoni foi para Roma e, mais tarde, para Malta, onde pintou um tecto do Palácio de Valeta, em 1724. Ora, esta obra foi dirigida por D. António Manuel de Vilhena, o grão-mestre português da Ordem de Malta: a conexão com o Porto estava estabelecida. Na Ilha de Malta, Nasoni teve contactos com fidalgos e figuras da Igreja Católica, entre as quais D. Roque Távora e Noronha, irmão do Deão da Sé-Catedral do Porto, D. Jerónimo Távora e Noronha, que, por sua recomendação, convidou Nasoni a deixar Malta para vir para a cidade do Porto, o palco rico e próspero de uma grandiosa revolução artística. A data da sua chegada ao Porto é desconhecida: os trabalhos de pintura na Sé-Catedral do Porto - o magnífico edifício de matriz românica - iniciaram-se em Novembro de 1725. O comércio com o Brasil e o vinho do Porto contribuíram para a prosperidade do Porto Setecentista, que não passou despercebida a Nasoni: o Porto era não só o palco de uma imensa revolução artística como também o palco da riqueza. Qualquer artista digno deste nome apaixona-se facilmente pelo Porto e Nasoni não escapou a esta atracção artística quando trocou definitivamente a sua terra natal pelo Porto, onde se fez artista-homem de negócios portuense. Porém, como já vimos, os últimos documentos posteriores a 1758 dão-nos Nasoni "como pobre". Magalhães Basto descobriu uma Acta da Vereação da Câmara do Porto, realizada em 27 de Fevereiro de 1762, na qual foi nomeado determinado indivíduo - Inácio José Xavier de Meireles - para exercer o cargo de Escrivão de Almotaçaria, por desistência que desse cargo fizera António Mascarenhas Nasoni, «o qual se acha degredado por toda a vida para os Estados da Índia». António Mascarenhas que tinha assumido aquelas funções em 10 de Maio de 1749, era filho de Nasoni. Tendo sido envolvido num "caso de corrupção", ele foi degredado para a Índia. Ora, esta tragédia deve ter ensombrado a velhice de Nasoni, levando-o à miséria, provavelmente com a ajuda de pessoas muito invejosas, capazes de mentir para obter benefícios privados. De uma coisa estou certo: os portugueses são capazes de fabricar mentiras para prejudicar o próximo, em benefício próprio. A glória artística de Nasoni criou certamente muitos inimigos, mas desses inúmeros malfeitores portugueses não há memória digna de mérito: os verdugos não têm rosto, nem história; eles pertencem a todos os tempos. Como escreveu Pitigrilli: «O tempo fica, não é verdade que passe. Fica nas coisas, a fim de que um pouco de nós sobreviva ao desaparecimento. As casas decrépitas e os móveis antigos têm uma alma feita de emanações do passado; conservam os séculos no seu gesso e nas suas fibras; são acumuladores de tempo, de ternura, de sentimentos estratificados, que se volatilizam, oferecendo-nos quotidianamente sem que demos por isso - transformando assim o túmulo da história em poesia taciturna». Nicolau Nasoni não "morreu", pelo menos a sua obra artística continua viva; ele vive na cidade que ajudou a edificar e a imortalizar, a cidade que hoje nos dá abrigo. A cidade do Porto atesta a imortalidade de Nasoni. 

J Francisco Saraiva de Sousa

7 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Como já sabem, quando me canso, precipito a conclusão! Está concluído! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bah, não sei se a Casa Barroso-Pereira ainda existe ou se foi demolida. Acho que ficava perto da Praça dos Leões e, nas imediações, há de facto um belo palacete que tem uma história trágica. Um dos membros dessa família foi para o Brasil!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Os brasões do Porto dispersaram-se... muito difícil reconstituir toda a sua história. Portanto, não me perguntem sobre famílias nobres do Porto.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Bah, sim é provável que alguns membros dessas famílias tenham ido para o Brasil, mas para todos os efeitos esses títulos já estão fora de prazo. Agora vou dedicar-me à minha genealogia nórdica, da qual me orgulho!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ah, agora estava com uns documentos nas mãos e fiquei surpreendido com um pagamento feito a um arquitecto portuense ligado a Nasoni: 400$000 reis era muito dinheiro a pagar pela obra realizada. Suspeito que houve má-fé nos últimos anos de vida de Nasoni: malditos portuenses que desgraçaram a vida do homem! Não acredito nesta malta malfeitora! Nunca silencio a verdade, doa a quem doer.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E como seria de esperar quando há negócio ilícito e má-fé, os documentos escasseiam... :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Odeio português arcaico: há palavras que ofuscam a minha mente ortográfica. :)

Bem, seria necessário fazer uma antologia dos papéis relativos a Nasoni em português de hoje.