quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Palavra do Anjo Nocturno: Portugal está morto

Arte de Rua, Cidade-Estado do Porto
«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonha, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalépsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.» (Balanço Patriótico, Guerra Junqueiro

Durante algum tempo alimentei o projecto de pensar uma filosofia em língua portuguesa, de modo a avaliar os contributos do pensamento português para a Filosofia Universal. Porém, depressa compreendi que, com excepção da Escola do Porto, os portugueses odeiam visceralmente o pensamento filosófico e científico. A imbecilidade natural dos portugueses foi pensada por Guerra Junqueiro e Teixeira de Pascoaes, entre outros ilustres portuenses. A minha experiência de exílio interior levou-me a restringir o âmbito desse projecto filosófico destacando apenas o pensamento portuense. Ultimamente o projecto filosófico portuense converteu-se num projecto político: a auto-instituição da Cidade do Porto como Cidade-Estado. Operei assim uma ruptura com Portugal, cuja morte anuncio hoje.

1. Acordei a pensar que é necessário rever todas as nossas teorias filosóficas sobre o homem nas suas relações com o mundo. O homem não é nenhuma maravilha da natureza; é talvez o ser propenso à loucura e à violência desmesurada. As antropologias propostas com base na etologia apreenderam o diabo que habita cada um dos homens. A saturação social torna-nos inimigos mortais uns dos outros. E num tal ambiente de hostilidade cada sociedade define o Outro como alvo a abater. O clima é favorável à vinda triunfal do Anti-Cristo.

2. O sebastianismo pode ser criticado de modo a revelar a "essência" portuguesa: Um povo sem história digna de ser rememorada em termos mundiais sonha com o Quinto Império realizado sob a liderança de uma figura portuguesa. Ora, nós sabemos que os portugueses são desprezados por todos os europeus e por todos os povos da terra: Um povo medíocre e inferior - um povo sem metafísica - não pode ter sonhos mundiais. Portugal é um país medíocre habitado por gente atrasada e arcaica.

3. A figura messiânica de D. Sebastião deve converter-se - mediante mutação radical - na figura do Anjo Nocturno que anuncia o Fim de Portugal. Eis o anúncio terrível do Anjo Nocturno: "Portugal está morto". Convém aceitar este anúncio e assumir todas as consequências que resultam dele. A morte de Portugal é a única maneira de fazer justiça plena aos "portugueses" - em especial aos portuenses - que ousaram pensar neste asilo de alienados mentais que foi e é Portugal. Só à luz da morte de Portugal podemos alcançar alguma redenção e serenidade. É com alegria que anuncio a morte de Portugal.

4. Não há pensamentos portugueses. Todo o pensamento genuíno afirma-se contra Portugal. Ou melhor: Todo o pensamento é, na sua essência, anti-português. Pensar contra a existência de Portugal é pensar por antecipação um mundo liberto da imbecilidade e da corrupção, esse mal dos povos latinos e atrasados.

5. A História de Portugal é uma tremenda mentira para consumo interno, porque, na verdade, um povo sem metafísica não tem história. Os pensadores que pensaram a imbecilidade do povo português sabiam que ele era incapaz de fazer história. Aliás, os portugueses não merecem a designação de "povo": "rebanho" é o termo adequado para designar uma população animal que deve ser estudada pela Zoologia - e não pela Antropologia.

6. A Globalização em marcha reserva um destino para o rebanho português: a escravatura. As pessoas são tão burras que ainda não perceberam que o retrocesso civilizacional de que se fala é o regresso da escravatura.

7. A nossa missão filosófica e política é salvar a Cidade do Porto do naufrágio de Portugal. Quando falei da metamorfose portuense do sebastianismo nacional, procurei pensar aquilo que permaneceu impensado no pensamento portuense: a metamorfose implica - em última análise - uma ruptura política da Cidade do Porto com Portugal. A Filosofia Nocturna que se insinua nas entrelinhas do pensamento portuense anuncia claramente a morte de Portugal. Porém, a noite eterna de Portugal significa um novo amanhecer para a Cidade do Porto: a morte de Portugal é o grande dia da libertação do Porto Cidade-Estado.

8. Os pensadores portuenses reagiram mal ao Ultimatum inglês e Guerra Junqueiro escreveu uma pequena obra de poesia intitulada Finis Patriae. Hoje a reacção ao eterno resgate (financeiro) de Portugal deve ser mais profunda e radical: a ruptura política da Cidade do Porto com Portugal. Mas, para consumar a grande ruptura. é necessário um novo homem, isto é, um novo portuense suficientemente corajoso para enterrar Portugal. 

9. Como é evidente, um povo apático e fatalista que se ajusta pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição - o povo português segundo Guerra Junqueiro, não pode protagonizar a ruptura com Portugal. Essa missão cabe a todos aqueles que já não conseguem olhar para os símbolos nacionais sem vomitar e sentir náusea. 

10. O fracasso da revolução republicana portuense levou Sampaio Bruno ao exílio. Quando regressou do seu exílio em França e na Holanda, Sampaio Bruno refugiou-se na sua terra natal - a Cidade do Porto, onde pensou o seu exílio interior. Lá no fundo da sua alma danificada ele sabia que, para salvar a Cidade do Porto do naufrágio de Portugal, era preciso romper com essa matriz nacional, cuja história é uma "série de biografias, num desfilar de personalidades, dominando épocas" (Guerra Junqueiro). Não basta sonhar a "quimera"; é preciso realizá-la. Ora, a "quimera" foi sempre para os ilustres portuenses a auto-instituição da sociedade portuense como Cidade-Estado.

Apocalipse de Portugal, o Cumprimento da Profecia:

1. A pobreza começa a instalar-se na chamada classe média e as pessoas são tão burras que não sabem o que fazer. Por este caminho, Portugal vai recuar até aos tempos do fascismo. As pessoas já vivem no modo de sobrevivência: não há futuro.

2. A classe dos idosos portugueses passa fome e não tem dinheiro para os comprimidos. Aliás, acho que os portugueses passam fome para pagar as contas e os empréstimos: Asseguram o abrigo e passam fome. Os funcionários públicos - apesar dos cortes - ainda resistem à crise.

3. Portugal já está pobre mas no próximo ano passará a ser um país do Terceiro Mundo, portanto um país miserável. A sociedade portuguesa já entrou em colapso e nunca mais sairá da miséria. Portugal é a lixeira da Europa. A mão-de-obra escrava será recrutada entre portugueses.

4. A maldição abateu-se sobre Portugal: o povo que sonhou o Quinto Império será escravizado no futuro próximo. A verdade é que não há lugar para os portugueses na sociedade do futuro. A existência de portugueses é uma crueldade. De facto, o extermínio desta raça maldita é a salvação do mundo.

5. Portugal não está na agenda nem do Anti-Cristo nem de Cristo: os portugueses nasceram sem salvação possível. O seu lugar natural é o inferno.

J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Projecto Porto Cidade-Estado (6)

Cidade do Porto
Hoje partilho alguns comentários sobre o jogo FCPorto-Sporting:

1. Porto Cidade-Estado deve rever a sua toponímia e eliminar selectivamente todas as designações estranhas à Cidade Invicta, tal como sucedeu com o Passeio dos Clérigos. A sua designação anterior - Praça de Lisboa - era um atentado contra o espírito portuense.

2. A história de Portugal é uma sucessão contínua de fracassos. Os "portugueses" que não se identificam com a imbecilidade nacional deviam criar uma página - ODEIO PORTUGAL.

3. Portugal afundou-se de vez e já nunca mais conseguirá recuperar. O melhor é negar a nacionalidade portuguesa e abrir novos caminhos, tais como Porto Cidade-Estado, de preferência governada por nórdicos.

4. Presidente da FIFA goza Cristiano Ronaldo em Oxford e prefere Messi. A caricatura que fez de CRonaldo merece um prémio: Perfeita! O mundo goza claramente Portugal e, de facto, devemos rir porque os portugueses merecem ser gozados.

5. Uma geografia da distribuição da loucura portuguesa pode seguir um critério clubístico: zona azul indica saúde mental, zona encarnada e zona verde indicam um espectro complexo e difuso de perturbações mentais. Basta ver o "Dia Seguinte" para sermos confrontados com cérebros patológicos.

6. Não podemos mudar aquilo que desconhecemos. Para mudar o mundo, é preciso conhecê-lo. A célebre tese de Marx sobre a transformação do mundo foi mal-interpretada: a filosofia de Marx nunca abdicou da teoria a favor da praxis. Nós conhecemos relativamente bem a dinâmica do capitalismo, mas este conhecimento não é suficiente para transformar o mundo: os agentes sociais da mudança já não são os mesmos do século XIX. O capitalismo introduziu mudanças significativas no mundo da vida quotidiana e no mundo da cultura e da personalidade. Conhecer os novos agentes sociais e os seus mundos fantásticos e saturados é uma prioridade da teoria crítica. Este conhecimento implica mudanças estruturais na agenda política da esquerda atenta ao mundo.

7. Eu sou muito objectivo e lúcido nas análises que faço: Basta assistir aos programas de TV para constatar que reina em Portugal uma conspiração contra o Porto e o FCPorto. Vejamos de perto um caso: "O Dia Seguinte" da SicNotícias. O comentador encarnado possui um cérebro saudável? O comentador verde foi objectivo na análise que fez do jogo Porto-Sporting e dos confrontos prévios ao jogo? Quem atiçou o ódio da claque terrorista do Sporting? Ora, a estratégia do FCPorto foi o silêncio.

8. Perante a evidência empírica não há argumentos e muito menos argumentos produzidos por cérebros alucinados: O FCPorto afirmou-se como vencedor depois do 25 de Abril. O ódio ao Porto vem do tempo do fascismo que tinha os seus clubes de regime: Benfica e Sporting. Estes clubes de regime nunca se adaptaram à cultura democrática do mérito: Eles não sabem vencer a não ser pressionando os árbitros, caluniando o adversário ou recorrendo às secretarias dos tribunais ou da imprensa. A chamada imprensa portuguesa é frontalmente contra o Porto e o FCPorto. Sabemos isso e devemos agir em conformidade: Exigir a autonomia radical do Porto Cidade-Estado porque não queremos ser invadidos por vândalos.

9. Como adepto do FCPorto, o que me interessa Cristiano Ronaldo, a Selecção Nacional ou o Estádio do Jamor? Absolutamente nada! Quando ouço os jornalistas da SIC a dizer que nos recebem na sua "sala de visitas" ou que a Selecção Nacional é o retrato da cópula encarnado-verde, sinto-me distante dessas realidades saturadas de provincianismo saloio. Eu sou portista e nada mais.

10. O que é o jornalismo desportivo em Portugal? Falar-conspirar durante horas seguidas sobre as frustrações desportivas do Benfica e do Sporting, lançando calúnias contra o FCPorto. O país está dividido e não adianta falar de coesão nacional porque esta mais não é do que uma falsa-unidade contra o Porto: Benfica e Sporting estão unidos na calúnia contra o FCPorto e a Cidade do Porto. Ora, como portuenses e portistas, somos excluídos dessa falsa-coesão imposta pelo regime fascista. Daí desejarmos ser um território independente e autónomo.

11. Mais outro exemplo do defeito cerebral dos comentadores encarnado-verdes: a corrupção da semântica que leva à mentira desportiva. Um jogador encarnado ou verde agride um jogador do FCPorto e eles falam de "virilidade". Um jogador encarnado ou verde lança-se à relva e eles acusam o jogador do FCPorto de ter cometido uma falta sem ter sido penalizado pelo árbitro. Pois, os cérebros defeituosos subverteram a "virilidade" fazendo dela uma mentira desportiva. O motivo secreto desta subversão é pressionar os árbitros a fazer o seu jogo de secretaria, deixando-os sozinhos no campo sem equipa adversária.

12. O FCPorto venceu o Sporting por 3-1. No último programa do "Dia Seguinte", o comentador verde diz para o comentador azul: "sorte de jogo". O comentador azul responde-lhe: "a sorte paga-se" (com esforço, disciplina e inteligência desportivas). E o comentador encarnado coloca a frase descontextualizada na sua página do Facebook para caluniar o FCPorto. O que podemos dizer sobre um cérebro que distorce as imagens dos lances dos jogos? Quando se perde o bom-senso, perde-se o mundo, como já dizia Hannah Arendt. Só nos resta o sorriso psiquiátrico!


A lição a sacar destas considerações futebolísticas é simples: as pessoas que possuem um "self" débil precisam desse sentimento de pertença que lhes empreste uma identidade colectiva. Ora, como o meu self é forte, o facto de ser adepto do FCPorto não me ofusca a mente: a minha identidade pessoal não sofre "mossa" quando o FCPorto perde ou joga menos bem. Deixa de ser fanático e liberta a tua mente para o caminho da verdade, do bem e da beleza! O fanatismo clubístico é uma perturbação mental: somar os fracassos desportivos do teu clube aos teus próprios fracassos pessoais arruína a tua vida mental, levando-te à violência desportiva.  

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Dossier Filosofia Médica (2)

Contém uma exposição da Medicina Primitiva.
Mais ideias para o Dossier Filosofia Médica:

1. Ao repensar a Filosofia Médica, descobri que preciso pensar uma Filosofia da Medicina e uma Filosofia na Medicina. O surgimento da medicina-ciência - a biomedicina - implica uma nova epistemologia médica. Ora, a classificação das ciências médicas é uma tarefa complicada. Além disso, existem epistemologias regionais, tais como a epistemologia da genética e da imunologia.

2. O campo da Biomedicina tal como o conhecemos hoje é tão complexo que dificulta a tarefa de elaborar uma nova Filosofia Médica. Uma via interessante a seguir é a das doenças infecciosas: o seu estudo biológico ajuda a compreender a articulação de ciências-chave da biomedicina. A perspectiva médica das doenças infecciosas é antropológica, ao passo que a perspectiva biológica respeita tanto os homens como os parasitas. Porém, não sei se esta distinção deve ser mantida na nova filosofia médica.

3. Infelizmente, a antropologia filosófica não deu atenção ao homem-doente. O meu interesse pelo Hospital leva-me a propor uma Filosofia da Hospitalização capaz de reintroduzir o homem-doente no seio da antropologia filosófica. O comportamento perante a doença e perante a hospitalização revela estruturas antropológicas universais, tais como a visão reduzida do mundo ou a retirada do mundo hospitalar.

4. A passagem de uma concepção negativa para uma concepção positiva da saúde aproxima o campo da medicina do campo da filosofia: a medicina é algo mais do que o estudo, a prevenção e a cura da doença; ela interessa-se pelo fomento dos elementos que contribuem para a "boa vida" e estimulam a população a viver de modo saudável. A Filosofia da Saúde deve articular a Vida Saudável e a Vida Justa. É nesta articulação que podemos definir uma política da saúde.

5. A SIDA matou Michel Foucault que escreveu abundantemente sobre o nascimento da clínica e do hospital, embora o seu alvo predilecto tenha sido a loucura. A leitura da sua obra deixa-nos com uma visão negativa da medicina, cujos cuidados ele procurava quando entrava em depressão. Susan Sontag denuncia o predomínio da metáfora belicista no reino da imunologia, mas também ela precisou dos cuidados médicos para liquidar o seu cancro. Foucault e Sontag escreveram sobre medicina como se fossem utentes de um serviço de medicina primitiva, onde predomina a etiologia social em detrimento da etiologia científica. Eles falaram sobre as doenças sem conhecer o funcionamento do organismo.

6. Iatrofilosofia é a designação dada à Filosofia da Medicina. A Iatrofilosofia - ou simplesmente a Filosofia Médica - estuda os pressupostos filosóficos das ideias e das práticas médicas e investiga os problemas filosóficos surgidos na pesquisa e na prática médicas. A Filosofia Médica enfrenta dois grandes problemas que dificultam o seu crescimento: o primeiro problema iatrofilosófico é a caracterização da própria medicina, e o segundo problema iatrofilosófico é distinguir os seus próprios ramos e identificar as questões características e urgentes de cada um deles. Sem pretender ser exaustivo, posso destacar os seguintes ramos da Filosofia Médica: a Iatrologia, estudo dos problemas lógicos da medicina; a Iatrossemântica, estudo dos problemas semânticos da medicina; a Iatro-epistemologia, estudo dos problemas do conhecimento médico; a Iatrometodologia, estudo dos problemas metodológicos da pesquisa e da prática médicas; a Iatro-ontologia, estudo dos conceitos ou hipóteses ontológicos inerentes às teorias e práticas médicas; a Iatro-axiologia, estudo dos valores médicos, a começar desde logo pela saúde; a Iatro-ética, estudo dos problemas morais suscitados pela pesquisa e prática médicas; e a Iatropraxeologia, estudo dos problemas gerais colocados pela prática médica individual e pela gestão da saúde pública. A distinção destes ramos da Iatrofilosofia tem sido levada a cabo a partir da Epistemologia, a ciência das ciências. Uma Filosofia Médica sistematizada pode implicar outras articulações teóricas. Em vez das designações usadas, poderíamos ter usado outras, tais como Lógica Médica, Semântica Médica, Epistemologia Médica, Metodologia Médica, Ontologia Médica, Axiologia Médica, Ética Médica e Política Médica.

7. Como já vimos, as ideias de saúde, doença e terapia dependem criticamente da concepção de Homem adoptada pelos filósofos e médicos. A antropologia filosófica deverá integrar o homem-doente no seu corpo teórico. A abordagem biológica deve ser adoptada pela antropologia filosófica porque só ela permite elaborar um conceito geral de doença.

8. A Filosofia Médica articula-se com a BioFilosofia ou Filosofia Biológica. A prioridade da Filosofia Médica é pensar a problemática da BioMedicina e ajudá-la a clarificar os seus conceitos, teorias e práticas. Outra conexão a pensar é a que existe entre medicina e tecnologia: a Filosofia Médica também se articula com a Filosofia da Tecnologia

9. Ivan Illich acusou a medicina de ser mais uma religião e um comércio do que uma ciência e um apostolado: a medicalização da vida tem efeitos nocivos. Os médicos enquanto grupo profissional ignoraram as acusações de Illich, em vez de aproveitar a oportunidade para investigar o problema e realizar uma auto-crítica honesta, reconhecendo os elementos que reduzem a saúde a um negócio lucrativo e investigando a sua influência na formação universitária dos médicos e na estrutura da sociedade. Sem a ajuda da Filosofia, a Medicina não consegue clarificar os seus próprios problemas. A iatrogénese clínica, a iatrogénese social e a iatrogénese estrutural não são meras invenções de Illich; são realidades em andamento na sociedade capitalista.

10. A Filosofia Médica não é mera espectadora da actividade médica, mas exerce efectivamente um papel activo sobre a medicina. As Faculdades de Medicina devem incentivar os estudos iatrofilosóficos, de modo a propiciar a formação de médicos com competência filosófica e de filósofos com competência médica.

11. A Filosofia Médica está a ocupar cada vez mais "espaço" no meu cérebro-mente: Em Filosofia, precisamos de ideias-fundadoras capazes de iluminar a teoria que queremos elaborar. Ora, no caso da Iatrofilosofia, o homem deve ser definido de modo a incluir os estados de doença na sua essência enquanto ser condenado à morte. A finitude implica estados de doença no decurso do ciclo vital do ser humano: a abertura ao mundo é um risco; o organismo está permanentemente sujeito a ser agredido pelo ambiente.

12. Não podemos mudar aquilo que desconhecemos. Para mudar o mundo, é preciso conhecê-lo. A célebre tese de Marx sobre a transformação do mundo foi mal-interpretada: a filosofia de Marx nunca abdicou da teoria a favor da praxis. Nós conhecemos relativamente bem a dinâmica do capitalismo, mas este conhecimento não é suficiente para transformar o mundo: os agentes sociais da mudança já não são os mesmos do século XIX. O capitalismo introduziu mudanças significativas no mundo da vida quotidiana e no mundo da cultura e da personalidade. Conhecer os novos agentes sociais e os seus mundos fantásticos e saturados é uma prioridade da teoria crítica. Este conhecimento implica mudanças estruturais na agenda política da esquerda atenta ao mundo.

J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Dossier Filosofia Médica (1)

Uma mala moçambicana
«Procura-se a medicina, em geral, ignorando-se totalmente as teorias médicas, mas não sem ideias preconcebidas sobre os conceitos médicos». (G. Canguilhem).

Hoje partilho algumas ideias do Dossier Filosofia Médica:

1. A relação médico-doente deve ser revisitada pela filosofia médica: Um doente inteligente é aquele que sabe desafiar o médico, quebrando o ritual médico. O doente que se entrega à sabedoria médica sem a desafiar é tratado como uma coisa: a responsabilidade da reificação médica deve ser atribuída ao doente ignorante e passivo.

2. Hoje, ao contactar com alguns exemplares da população idosa masculina, conclui que há dois tipos de idosos masculinos: um simpático embora burrinho e outro detestável. Ainda não temos uma teoria das masculinidades portuguesas. O meu palpite é simples: Há um défice de masculinidade em Portugal.

3. O que é a imbecilidade? É julgar que todos os "sinais do mundo" se dirigem a si próprio. Ora, o mundo não gira em torno de ninguém: o imbecil que se coloca no centro do mundo atribui uma carga mágica àquilo que interpreta como "sinais do mundo" dirigidos à sua própria pessoa. O mundo da imbecilidade merece estudo.

4. Com o advento das neurociências, a psicologia tornou-se uma ciência sem objecto, e, como não há ciência sem objecto - isto é, ciência que tenha o nada como objecto, a psicologia desaparece do universo das ciências. A abertura do Dossier Filosofia Médica visa precisamente desalojar a psicologia médica que não pode resolver os problemas que herda da filosofia: o problema do normal e do patológico não é um problema científico mas sim um problema filosófico. A noção de homem total é filosófica e não psicológica. Desconstruir as ilusões de sabedoria da psicologia médica - produzida por psiquiatras - é desde logo lançar as bases de uma nova filosofia médica.

5. Os manuais de psicologia médica que reflectem a ambição-orientadora da psiquiatria no seio da medicina tratam invariavelmente de três tópicos: o doente e sua doença, o médico e sua medicina e a relação médico-paciente. A função apostólica atribuída-imputada por M. Balint aos médicos deve ser repensada, de modo a evitar as ratoeiras da linguagem psiquiátrica: a conversão médica do doente pode ser uma ilusão.

6. Numa aula, quando procurei articular a medicina psicológica e a medicina social com a medicina biológica, um aluno disse-me que estava a privilegiar o modelo médico. De certo modo, tinha razão porque uma reconfiguração destes três modelos que dê prioridade à medicina biológica implica o poder dos médicos. Porém, esse poder tem os seus limites: Sou contra a medicalização da vida.

7. Os psiquiatras que escrevem manuais de psicologia médica adoram apresentar uma série de casos que geram dificuldades na medicina biológica, de modo a justificar a sua intervenção psicológica. E, mais recentemente, usam o argumento dos custos desses casos para o serviço nacional de saúde. Ora, sem negar a existência desse tipo de doentes, podemos devolver aos psiquiatras a função apostólica que eles atribuem aos médicos: a sua presença é onerosa.

8. Repare-se que não estou a excluir a psiquiatria da medicina: o que estou a dizer é que os discursos psiquiátricos reforçam a medicalização da vida. Ora, uma das tarefas da filosofia médica é desmedicalizar a vida, dando uma certa autonomia ao doente. Aliás, são as indústrias farmacêuticas que estão interessadas na medicalização da vida, fazendo das pessoas eternos doentes.

9. Agora vou directo ao que interessa: A Esquerda não sabe defender o Serviço Nacional de Saúde. Em Portugal, o Estado financia a medicina privada através da ADSE. Ora, a Esquerda já devia ter abolido esse privilégio se fosse defensora do SNS. Todos conhecemos casos em que os beneficiários da ADSE dizem ser "ricos" porque recorrem à medicina privada. Tantas ilusões, tantas manias de grandeza!

10. Ao meditar as temáticas da Filosofia Médica, topei com a morte vodu, morte mágica ou morte por feitiço. Curiosamente, ainda não sabemos explicar a morte mágica a não ser mediante o recurso aos aspectos culturais do stress. Outra noção curiosa é a de que a inveja pode matar pelo olhar: o Mau-Olhado causa diversos tipos de problemas de saúde. Seria interessante fazer uma geografia cultural do mau-olhado: Portugal - país de invejosos - encabeça a geografia do mau-olhado.

11. Eis como a antropologia médica caracteriza a perspectiva do médico sobre a doença: racionalidade científica (1), ênfase sobre a mensuração objectiva e numérica (2), ênfase em dados bioquímicos (3), dualismo mente-corpo (4), visão das doenças como entidades (5) e ênfase sobre o paciente individual, não na família ou na comunidade (6). Há a tendência para criticar a mudança do método subjectivo de diagnóstico - os sintomas subjectivos do paciente, a interpretação subjectiva dos sinais físicos por parte do clínico - para o método objectivo que utiliza a tecnologia de diagnóstico para a colecta e a mensuração de dados clínicos. Ora, esta caracterização é simplista: a filosofia médica deve esclarecer a problemática da biomedicina.

12. A relativização do modelo médico é perigosa: a temática das metáforas das doenças associa-se, na imaginação das pessoas, a crenças tradicionais sobre a natureza moral e religiosa da saúde, da doença e do sofrimento humano, prejudicando a explicação e o controle das próprias doenças. Vê-se aqui a necessidade de elaborar uma filosofia para a biomedicina capaz de romper com as "doenças populares". Colocar a biomedicina ao lado das curas espirituais e da homeopatia é um disparate.

13. É muito complicado elaborar uma Filosofia da Doença. A normalidade é definida através da referência a determinados parâmetros físicos e bioquímicos. Para cada medida existe uma faixa numérica - um valor normal - na qual o indivíduo é considerado saudável. Valores superiores ou inferiores a esta faixa são anormais e indicam a presença de doença - entendida como desvio da normalidade. Assim, por exemplo, um valor inferior ao normal para a hormona da tiróide no sangue indica hipotiroidismo; um valor superior indica hipertiroidismo; e, se o valor for intermédio, indica que a tiróide esta a funcionar normalmente. Esta noção de doença como desvio da normalidade deve ser trabalhada.

14. Em Moçambique, discute-se muito o regresso dos curandeiros e dos feiticeiros. Porém, a sua explicação é simples: Quando o Estado não constrói uma rede hospitalar para fazer face aos problemas de saúde, a população que adoece recorre às "medicinas alternativas". As crenças tradicionais combatem-se através da educação e, sobretudo, de um serviço nacional de saúde.

J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Pensamentos nos limites da Ciência

Atlântida
Como estou cansado de discutir a situação política portuguesa, resolvi mudar de assunto. Eis alguns pensamentos nos limites da ciência partilhados no Facebook:

1. A Teoria do Astronauta Ancestral explora as dificuldades da ciência oficial e reduz a história da humanidade a um contacto civilizacional com extraterrestres provenientes de Oríon ou de Sírio. Porém, não consegue explicar a tecnologia extraterrestre que supera a velocidade da luz - uma impossibilidade à luz da nossa física - e o tipo de agenda civilizacional trazida aos humanos pelos extraterrestres. As civilizações desaparecidas referidas pelos seus adeptos legaram-nos grandes construções, dignas de admiração, mas a sua cultura religiosa, intelectual e política não é admirável e está muito aquém da nossa própria cultura. Não podemos admirar incondicionalmente civilizações que exibiam barbárie.

2. A arqueologia não pode pretender ser "a" ciência do Homem: as culturas andinas pré-colombianas colocam desafios que a arqueologia não sabe resolver, deixando assim a porta aberta aos invasores da teoria do astronauta ancestral. Exemplos de culturas que superam a imaginação arqueológica: Cultura de Caral-Supe, Cultura Nazca, Cultura de Tiahuanaco e Cultura Puma Punku. Sem documentos escritos ou tradição oral disponível, a arqueologia pouco pode fazer: o enigma permanece.

3. O recurso aos portais por parte da Teoria do Astronauta Ancestral para explicar um vestígio material - uma construção, por exemplo - por um enigma não é uma explicação científica: a teoria pressupõe um acontecimento estranho que, face à ciência disponível, é uma miragem. Podemos defender certas hipóteses de trabalho adiando a sua "solução", mas não devemos recorrer a uma quimera para explicar determinados acontecimentos ou construções das culturas desaparecidas.

4. Será necessário criar uma teoria antropológica para explicar o interesse da humanidade pela existência de extraterrestres? A NASA disponibilizou uma página onde se podem ver OVNI'S a circular nas proximidades dos satélites ou de naves de estudo: as "luzes" circulam. Ainda ninguém conseguiu explicar esse fenómeno. A humanidade parece temer estar sozinha no universo: Será este medo suficiente para explicar a crença em extraterrestres que nos visitam desde o passado distante? O fenómeno da religião não pode ser reduzido a um único enunciado: os deuses adorados pelos homens são extraterrestres que visitaram no passado distante a humanidade.

5. A Ciência não pode continuar a ignorar as hipóteses elaboradas pelos adeptos da teoria do astronauta ancestral e da ovnilogia. A verdade é que não sabemos explicar a função das Pistas de Nazca ou a monumentalidade de Puma Punku que, em língua Aymar, significa "A Porta do Puma". Como é que construíram os seus templos, palácios e túmulos homens que, tanto quanto sabemos, só conheciam um metal - o ouro? A cerâmica analisada pela arqueologia é, por vezes, tosca.

6. Os portugueses nunca foram bons etnógrafos. As únicas culturas desenvolvidas com as quais entraram em contacto foram a indiana, a chinesa e a japonesa. De resto, contactaram com as culturas da Amazónia e as culturas africanas, uma mais desenvolvidas do que outras. Ora, os documentos que nos legaram desses contactos interculturais são escassos e pouco objectivos. O português é uma raça de horizontes cognitivos estreitos. Por onde passam os portugueses fica o esquecimento.

7. A obra de poesia e a vida de Florbela Espanca são o testemunho derradeiro da alma desalmada dos portugueses: Ela temia depois de morta - a primeira morte - ser morta segunda vez pelos seus intérpretes ou estudiosos. Os portugueses com os seus estudos toscos e medíocres matam os poucos que ousaram pensar neste ermo mental que é Portugal. O testemunho derradeiro de Florbela Espanca que condena os portugueses: «Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo - uma alma - se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que eu fui ou o que julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer-me». Florbela deseja ser resgatada por uma alma que a compreenda porque, em vida, foi isolada pelos seres sem alma - zombies - que a rodeavam. Ora, esses seres sem alma foram - e são - homens portugueses que nunca lhe deram amor e compreensão: Eles adormeciam ao seu lado, usando-a como um manto que encobria dos outros a sua "sexualidade". Porém, noutros monólogos descosidos, Florbela teme que seja morta segunda vez quando esses mesmos homens tentarem compreender a sua vida e obra. Ora, todos nós sabemos que os estudos portugueses matam a obra dos grandes vultos do pensamento português, privando-os da publicidade merecida. Os portugueses são homicidas intelectuais: Eles matam a obra que tocam com a sua perversidade.

8. Hoje vou tratar da origem atlante da Cidade do Porto há 10 500 e 10 000 anos A.C.. O mapa da Península Ibérica não era o mesmo de hoje: abrangia apenas a Galécia dos mapas já partilhados no Facebook. O Porto foi fundado pelos sobreviventes da Atlântida após o dilúvio. Uma civilização desenvolvida estabeleceu-se nas margens do Rio Douro: os sobreviventes da Atlântida submergida pelas águas do dilúvio. Algures a uma grande profundidade dos subsolos do Porto há vestígios ocultos da fundação do Porto por uma humanidade anterior à nossa.

9. A História oficial não consegue explicar os grandes enigmas da Humanidade. Chegou a hora de encarar de frente essa dificuldade da história oficial e de elaborar novas hipóteses de trabalho. No que se refere à origem atlante do Porto, Platão, a Bíblia e talvez Homero fornecem as ideias fundamentais: o Porto foi fundado depois do dilúvio pelos sobreviventes da civilização da Atlântida. Ora, se eles foram iluminados pela inteligência de extraterrestres vindos das estrelas, então o Porto esteve e está na rota das estrelas nocturnas.

10. A Hipótese da Origem Atlante do Porto - o porto que acolheu os sobreviventes da destruição da Atlântida - tem um precursor: o antiquário António Cerqueira Pinto que, no Proémio à edição de 1742 do Catálogo dos Bispos do Porto de D. Rodrigo da Cunha, defende que o Porto foi fundado por Noé. Segundo Cerqueira Pinto, Noé entrou aqui no Douro com as suas galés. O dilúvio - tal como Tróia - não é um mito, mas um acontecimento catastrófico - provocado pelo choque de um asteróide com a Terra - que destruiu a Atlântida: alguns sobreviventes desta grande civilização entraram no Rio Douro e fundaram o Porto. A Cidade Invicta merece o nome que tem porque foi o porto-de-abrigo dos habitantes da Atlântida que sobreviveram à destruição da sua civilização. Os portuenses devem orgulhar-se de serem os descendentes remotos dessa humanidade desaparecida. O símbolo do Porto deve ser uma Pirâmide, a porta de contacto com o seres que vieram das estrelas.


11. A Hipótese da Origem Atlante do Porto pode parecer demasiado fantástica e encantadora, mas é uma hipótese que procura esclarecer elos perdidos, em especial o elo que liga a actual humanidade à uma humanidade anterior desaparecida, no nosso caso à humanidade que construiu a civilização da Atlântida. Os mitos da Idade do Ouro têm um fundo de verdade: a História é uma sucessão catastrófica de Humanidades. Quando a civilização de uma delas é destruída por uma catástrofe, os sobreviventes ajudam uma nova humanidade a descobrir a civilização. O Norte da Península Ibérica foi, algures no passado, uma zona civilizacional desenvolvida sob o impulso dos sobreviventes da Atlântida. Quem sabe se os genes arcaicos detectados nas suas populações não são genes dessa humanidade desaparecida! Há portanto uma Idade do Ouro do Porto a descobrir! O Imaginário Atlante do Porto está presente nas suas grandes construções: os portuenses não têm consciência de que as esculturas colossais que suportam o edifico da CMP são Atlantes. Podemos recorrer aos arquétipos de Jung para explicar esta sobrevivência da Atlântida no imaginário portuense.

12. Todas as figuras aladas do Porto são figurações de extraterrestres. A Arquitectura Urbana do Porto vista do céu corresponde a uma determinada constelação de estrelas: é necessário criar uma arquitectura astronómica para compreender o passado longínquo do Porto e a sua origem atlante. Nós não sabemos construir as Pirâmides do Egipto (10 mil anos A.C.) que provavelmente não foram construídas pelos egípcios, mas também não estamos a usar todas as técnicas fornecidas pela ciência para compreender as nossas origens. As origens remotas do Porto perdem-se nalguma constelação de estrelas que iluminam a nossa noite.

13. A Origem Atlante e, portanto, estelar do Porto faz dela uma Cidade-Estado, cujo destino não pode depender do capricho de uma humanidade inferior sediada em Lisboa. Os portuenses são descendentes da humanidade superior da Atlântica e, como tais, são filhos das estrelas. O Porto é o campo que liga a Terra ao Céu e aos seus viajantes estelares.

14. A minha imaginação poética paralisa o teu cérebro diminuto? Pois, fica a saber que nem todos os portugueses são idiotas como tu. O céu das estrelas destinou o Porto para uma grande missão e, para a cumprir, é necessário reinstituir a sociedade portuense como Cidade-Estado que escuta a voz oracular de uma constelação estelar longínqua.

15. O fundo existencial obscuro do Porto fala-nos através de pequenos vestígios que urge decifrar para iluminar a sua origem atlante. Utilizei aqui uma expressão conceptual forjada por Ernst Bloch para justificar a permanência do nosso núcleo existencial depois da morte. O encanto que o Porto exerce sobre os humanos prende-se com a força desse fundo existencial obscuro que persiste apesar da voracidade de cronos.

16. Platão descreveu a Atlântida. Este mapa (em cima) situa-a no oceano Atlântico: a Pirâmide dos Açores pode ajudar a apurar a verdade desta localização. O mapa a que tive acesso apresenta outra configuração geológica da Península Ibérica. O que interessa destacar aqui é que os atlantes sobreviventes estabeleceram-se no Porto.

17. Nos contos de Platão, Atlântida era uma potência naval localizada "na frente das Colunas de Hércules", que conquistou muitas partes da Europa Ocidental e África 9.000 anos antes da era de Solon, ou seja, aproximadamente 9600 a.C.. Após uma tentativa fracassada de invadir Atenas, Atlântida afundou-se no oceano "em um único dia e noite de infortúnio".

18. Os portuenses deviam ler a "Nova Atlântida" de Francis Bacon. A descrição da Atlântida de Platão recua atrás no tempo para descobrir a Idade do Ouro; Bacon retoma o tema mas projecta-o algures no futuro: trata-se de uma utopia técnica que projecta luz sobre o destino do Porto Cidade-Estado. Ou melhor, as utopias renascentistas são regressivas no sentido de retomarem um modelo de cidade ideal do passado; porém, Bacon elenca uma série de descobertas técnicas que lançam luz sobre o futuro.

19. A Hipótese da Origem Atlante do Porto implica uma conversão dos portuenses: uma mudança radical de perspectiva e de concepção do mundo. Os portuenses são convidados a romper com o imaginário efectivo e a criar novas significações para o seu mundo social, de modo a instituir o Porto como Cidade-Estado e a gerar novas instituições sociais.

20. Um arqueólogo português diz ter descoberto algures nas profundezas oceânicas construções e esculturas da Atlântida. Deixa ver as fotografias mas mantém tudo em segredo. A Pirâmide dos Açores é fundamental para a localização atlântica da Atlântida. A necessidade de pensar o passado do Porto leva-me a abandonar a teoria de J. V. Luce. O oceano Atlântico banha o Porto e o Rio Douro desagua nele. A vertigem apodera-se do pensamento: Olhar para o passado remoto é tentar ver numa tela escura.

J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 20 de outubro de 2013

Projecto Porto Cidade-Estado (5)

Porto Cidade-Estado
Hoje partilho um conjunto de pequenos textos que visam esclarecer a Filosofia Portuense:

1. A mente poética de Teixeira de Pascoaes produziu, em estado prático, uma grande Filosofia da Poesia Portuguesa que urge sistematizar. Destaco uma frase da sua autoria: «D. Quixote é. D. Sebastião há-de ser». A alma lusitana distingue-se assim da alma castelhana: a primeira deseja o futuro, abre-se ao futuro desejado; a segunda fecha-se no passado, actualiza-o. O sebastianismo transfigurado dos pensadores portuenses é uma filosofia da História de Portugal. Não temos outra.

2. Conheço a biblioteca privada de alguns dos pensadores portuenses: os títulos incluem poucas obras de vulto naquele tempo. Ora, o que é inusitado é o facto deles terem redescoberto conceitos filosóficos nucleares e terem feito distinções conceptuais de primeira ordem: a distinção entre "é" e "há-de ser" é brilhante. A alma portuense descobriu uma afinidade que partilha com a alma russa. Mas há outra afinidade e, desta vez, com a alma alemã. O romantismo portuense é brilhante e digno de figurar na grande literatura mundial.

3. As pessoas não compreendem a minha indiferença em relação a Fernando Pessoa e a minha preferência pela poesia e prosa de Teixeira de Pascoaes. Direi apenas que na obra de Pascoaes sinto-me em casa, enquanto na obra de Pessoa sou um estranho: Uma poesia que não se presta ao pensamento não me atrai.

4. Como qualquer um dos grandes pensadores portuenses do passado, eu tento libertar o pensamento filosófico em língua portuguesa da prisão da intriga e da bisbilhotice. E, nessa tarefa de devolver o pensamento à sua matriz conceptual, fui mais longe do que os pensadores ancestrais: Faço Filosofia e, quando confrontado com a Mitologia Nocturna do Povo, converto-a em Filosofia Nocturna. Surgem luzes na escuridão da funda meia-noite.

5. No meu período juvenil, rejeitei o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes: a Saudade era-me completamente estranha. Mas, com o decorrer do tempo e à medida que aprofundava a Filosofia Portuense, descobri aquele processo de mutação intelectual a que chamo transfiguração portuense do sebastianismo: a saudade portuense deixou de ser uma noção vaga para passar a ser um conceito político. Vou mais longe: os pensadores portuenses nunca alinharam filosófica e politicamente com a Geração 70: o "há-de ser" é mais do que uma categoria ontológica; é, antes de tudo, um projecto político, e a saudade portuense mais não é do que a saudade do futuro reservado à Cidade do Porto. Eu sou o filósofo portuense da Grande Ruptura: os meus sonhos diurnos antecipam em pensamento o futuro do Porto como Cidade-Estado. Ora, a minha alma portuense não me impede de pensar outras figuras portuguesas, como por exemplo Gil Vicente.

6. Ao falar da transfiguração portuense do sebastianismo, estou a introduzir uma ruptura no seio do sebastianismo português. Rejeito a mitologia sebastianista pensada por sulistas, como por exemplo António Quadros, e aceito o desafio de levar mais longe a problemática filosófica portuense, fazendo do Encoberto-Desejado uma figura da Filosofia. Os heterónimos de Fernando Pessoa tornam-se ridículos perante a figura portuense do Encoberto-Desejado, a figura que anuncia a Filosofia Nocturna e promete a Filosofia Diurna.

7. Há pessoas que se apropriam dos tesouros cognitivos disponibilizados pela Internet como se fossem seus e, quando atacam os outros, pressupõem que eles fazem o mesmo. Ora, nem todos os utentes da Internet são "ladrões cognitivos". É complicado tentar testar a inteligência do outro, sobretudo quando esse outro está a fundar uma nova problemática filosófica, para além das problemáticas da Filosofia da Consciência e da Filosofia da Linguagem: a problemática da Filosofia do Conceito que, de certo modo, reclama a herança de Espinoza. Tontos são aqueles que se limitam a dizer vulgaridades, vampirizando a obra de Vieira, por exemplo.

8. A falência da Editora Livros do Brasil está a privar-nos das obras brasileiras. Uma obra que desapareceu das livrarias portuguesas são os "Sertões" de Euclydes da Cunha. Os portugueses desconhecem o sebastianismo brasileiro, ou melhor, o tremendo impacto de António Vieira sobre o sebastianismo nordestino: o brasileiro é-nos apresentado como um "ser saudoso" (Oliveira Torres) porque descendente detrês raças tristes: o português desterrado da sua pátria, o negro banzado de África, e o índio desesperado por ter sido arrancado às selvas. Dado esta região brasileira ter sido colonizada por gente proveniente do Norte de Portugal, a saudade brasileira - que dizem ser saudade do Paraíso Perdido - é herdeira da saudade galaico-portuense ancestral. Estou cada vez mais convencido de que a Filosofia do Sebastianismo deve ser um empreendimento luso-brasileiro.

9. Abel Salazar duvidava do equilíbrio mental de António Sérgio, cuja mente destrambelhada teve repercussões nefastas sobre o pensamento português e portuense. Os maiores cérebros portugueses seus contemporâneos - Jaime Cortesão e Abel Salazar, por exemplo - não tinham boa imagem de António Sérgio e detestavam o seu "polemismo caceteiro" que mergulhou o cultura portuguesa nas trevas da merda. Convém reanalisar criticamente todas estas polémicas travadas por Sérgio contra a filosofia portuense. Os (pseudo-)intelectuais portugueses herdaram esse espírito caceteiro que se limita a demolir sem construir.

10. Quem é o Encoberto para Sampaio Bruno, o pai do chamado pensamento português, isto é, do pensamento portuense? Eis a sua resposta: «Dissipe-se a nuvem que encobre o herói. O herói não é um príncipe predestinado. Não é mesmo um povo. É o Homem». A transfiguração portuense do sebastianismo está realizada nestas palavras de Sampaio Bruno. A figura do Encoberto - isto é, do Homem Escondido - é a figura de uma antropologia filosófica portuense que ainda não foi pensada nos seus próprios termos. No entanto, o carácter universal da filosofia portuense está estabelecido.

11. Como sabem, não estou de acordo com todos os portuenses ilustres. Dalila Pereira da Costa opera uma mitologização do sebastianismo que rejeito. Porém, há elementos produtivos em "A Nau e o Graal": «Para as duas almas constituintes desta pátria, a céltica e a judaica, a história será encarnação do mito ou o mito em vias de se fazer». Aceito a primeira ideia e rejeito a segunda. Por vezes, diante de obras profundas, temos de realizar uma leitura sintomal, dando destaque aos elementos construtivos de modo a resgatar o pensamento pensado.

12. Em 1904, Sampaio Bruno publicou a sua obra "O Encoberto", cujo índice é o seguinte: I A Fé e o Império; II O Desejado; III O Encoberto; IV O Restaurado; V Mito; VI Realidade; e VII Decadência e Progresso. Reparem que pela estrutura da obra se adivinha o seu programa de desmitologição do sebastianismo. Além disso, aparecem três figuras: o Desejado, o Encoberto e o Restaurado, além da crítica subjacente à teoria da decadência de Portugal de Oliveira Martins e de Antero de Quental. O homem do Porto indicou os caminhos adequados a percorrer.

J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Projecto Porto Cidade-Estado (4)

Porto Cidade-Estado
Hoje as ideias partilhadas no Facebook seguiram um novo rumo: a temática do sebastianismo e as metamorfoses da espera. Têm relevância para o Porto Cidade-Estado:

1. A Alma Portuguesa só pode ser pensada à luz da fragmentação. A Imagem do Porto-Trabalho deve ceder à imagem do Porto-Pensador. Uma das clivagens da alma portuguesa pode ser enunciada assim: o Porto pensa enquanto Lisboa desconstrói e destrói o pensamento pensado pelo e no Porto. Todas as Histórias da Literatura Portuguesa são falsificações que secam os vestígios geniais da alma portuense. O Romantismo em Portugal é uma criação portuense: os sulistas sabem isso quando dizem ser anti-românticos, isto é, anti-portuenses. As obras de Teixeira de Pascoaes tematizaram o romantismo, dando-lhe uma filosofia sistemática. Há portanto uma Filosofia do Romantismo Portuense. Porém, convém exorcizar uma concepção prévia do romantismo: o culto do passado que encontramos em Alexandre Herculano converte-se em ânsia de futuro em Teixeira de Pascoaes, o que quer dizer que o romantismo não é necessariamente retrógrado e reaccionário. A filosofia de Teixeira de Pascoaes é sombria no sentido de ser uma filosofia nocturna que aguarda por um novo amanhecer.

2. O sebastianismo foi mal pensado filosoficamente: o sebastianismo do Padre António de Vieira que, de certo modo, revive na "Mensagem" de Fernando Pessoa foi completamente transfigurado pelos filósofos e poetas portuenses. A transfiguração portuense do sebastianismo é, desde logo, uma transfiguração filosófica e política. A figura do Encoberto é, na filosofia portuense, uma figura tão importante como o Zaratustra na filosofia de Nietzsche. Com efeito, ela é uma figura da filosofia nocturna. (Ocorreu aqui uma polémica que ditou a sequência seguinte:)

3. A Universidade de Coimbra foi sempre inimiga do pensamento portuense, como o demonstra a "questão académica". A Faculdade de Letras do Porto foi fundada em Agosto de 1919 por Leonardo Coimbra e, depois da polémica com Coimbra, foi suprimida por decreto em 1928. Esta supressão fascista deslocou algumas figuras do pensamento portuense para a Universidade de Coimbra: o exílio coimbrão não conseguiu ofuscar o génio portuense. A Universidade de Coimbra foi sempre o túmulo do pensamento filosófico e científico. A Aliança Porto-Lisboa quebrou esse feitiço de Coimbra.

4. Eis como Teixeira de Pascoaes lamenta a imbecilidade dos portugueses: «O grande poder emotivo da Raça contrário ao pensamento intelectualizado, opunha-se à criação de uma verdadeira Filosofia. O sentimento inundante afoga em lágrimas e nuvens o pensamento lúcido e sereno. Também o viço excessivo de uma planta não a deixa frutificar». Considera que o Criacionismo de Leonardo Coimbra é «a primeira Filosofia com todo o ritual e espiritual, escrita em língua portuguesa».

5. O messianismo pode ser definido - em termos gerais - como "esperança histórica". E o sebastianismo como sua versão portuguesa nasce da dor e nutre-se da esperança (Lúcio de Azevedo). Apesar de terem sido publicadas muitas obras sobre o sebastianismo, ainda não temos uma História do Sebastianismo (Lusófono) e muito menos uma Filosofia do Sebastianismo. A tese que proponho é uma inversão de marcha: Pensar o Encoberto como o Desejado. A Filosofia Portuense realizou de certo modo essa inversão que rompe com a Profecia: a transfiguração portuense do sebastianismo é assim secularização da crença bíblica na vinda de um Deus ou de um Enviado de Deus, que salvará o seu povo oprimido. (Aqui o meu amigo Wanderson Lima deu a seguinte bibliografia brasileira: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete e oito.)

6. É preciso ser filósofo profissional para compreender a "História do Futuro" do Padre António Vieira. Eis aqui uma afirmação a reter: «A ciência dos futuros - disse Platão - é a que distingue os deuses dos homens e daqui lhes veio, sem dúvida, aos homens, aquele antiquíssimo apetite de serem como deuses». O Capítulo Primeiro da História do Futuro tem muita filosofia que urge compreender.

7. Na "História do Futuro", António Vieira fala "com todo o mundo" no primeiro capítulo, e "só com Portugal" no segundo capítulo. Ora, um filósofo hermeneuta sabe que há aqui algo a decifrar, porque logo a seguir Vieira diz: «nem todos os futuros são para desejar, porque há futuros para temer». A não é suficiente para deslindar a lucidez histórica e política de Vieira.

8. Sugiro o tema de um novo livro sobre o Padre António Vieira que namora o título de uma obra de Isaac Deutscher: António Vieira, Profeta Armado, Profeta Desarmado e Profeta Vencido: Uma trilogia.

9. Em 1634, nos arrabaldes do Salvador, António Vieira pregou o seu Sermão de S. Sebastião. O seu sebastianismo evoluiu do sebastianismo estático, preso à esperança do regresso do rei morto em Alcácer Quibir, para o sebastianismo do Quinto Império. O sebastianismo conheceu diversas peripécias sem mudar de matriz. Ora, quem sonha o Quinto Império? Fernando Pessoa que se filia ao último Vieira.

10. Lamento a miopia política do governo português no caso da parceria estratégica com Angola: A Inglaterra livrou-se disso ao criar colónias ocidentais; nós portugueses sabemos que ainda há preconceitos nas relações com as ex-colónias, em especial Angola e Moçambique. Com excepção do Brasil, o património lusófono não é assumido por esses países africanos. É preciso ter paciência na construção da comunidade lusófona.

11. António Vieira realizou uma síntese messiânica que combina o joaquimismo, o messianismo nacional português - bandarrismo - e o messianismo judaico. Desta combinação resulta uma figura que não vou aqui delinear, limitando-me a dizer que o reino messiânico sobre a terra foi formalmente anunciado pelos profetas (1); que haverá três estados da Igreja, da Sinagoga à Igreja actual e desta à Igreja do futuro (2); e que o início da era messiânica será marcado pelo esmagamento dos turcos pelos exércitos cristãos comandados pelo rei de Portugal (3). Como é evidente, a profecia de Vieira falhou: os judeus foram conduzidos a Israel no decurso da Segunda Guerra Mundial sem a orientação de um Messias. Mas o sebastianismo é mais do que isto, e o que tenho defendido é a necessidade de pensar a sua filosofia: a sua concepção da História e da Política.

12. No trabalho intelectual, há divisão de trabalho: uns recolhem o material sem lhe acrescentar mais-valia; outros processam esse material adicionando-lhe erudição; e, finalmente, há os criadores que jogam entre os trabalhadores e os eruditos, criando tempestades inovadoras no seio das ciências e da filosofia. Sem cérebros criativos não haveria mudança de problemáticas e o mundo seria chato e monótono. Só de falar disso dá-me sono! Desperta e acorda para a ciência revolucionária!

13. Fiquei desiludido com esta discussão em torno do Padre António Vieira: Aspectos biográficos foram ventilados sem entrar na sua matriz de pensamento, precisamente o que me interessa enquanto filósofo. Para contornar uma má biografia de Vieira, sugeri um título: António Vieira, Profeta Armado, Desarmado e Vencido. E, para abordar o seu pensamento messiânico, outro título: António Vieira, História e Política. Mas parece que andei a pregar para os peixes.

14. Eu só reconheço a autoridade de uma pessoa em matéria de estudos vieiristas quando ela souber elucidar a concepção de tempo nas obras de Vieira. Eu não procuro uma biografia; procuro - isso sim - uma filosofia sistematicamente pensada.

15. Por que amo o Barroco Alemão? Porque o drama alemão mergulha inteiramente na desolação da condição terrena, afastando-se da escatologia e fugindo para uma natureza desprovida de graça. Ora, meus amigos, o Barroco Português não está longe do Barroco Alemão: Falta-lhe apenas estudiosos disciplinados pelo rigor da filosofia.

16. Amigo CM: Deixo-lhe aqui quatro notas críticas:

16.1. António Vieira é um escritor português muito estudado não só por portugueses mas também por estrangeiros. O facto de ter dedicado 12 anos ao estudo de Vieira não lhe dá o direito de desprezar os trabalhos pioneiros e brilhantes de Lúcio de Azevedo, Hernâni Cidade e António José Saraiva. A melhor biografia de Vieira continua a ser a "História de António Vieira" de Lúcio de Azevedo. Como é evidente, o maior conhecimento da obra e da vida de Vieira permite elaborar novas biografias, escritas à luz de novas problemáticas teóricas. A investigação nunca está concluída e ninguém pode afirmar deter a última palavra sobre um assunto.

16.2. Ontem negou a filiação de António Vieira à problemática luso-brasileira do sebastianismo. Tentei uma definição concisa do sebastianismo apresentando-o como uma versão portuguesa do messianismo. António Vieira realizou a passagem do sebastianismo estático ao sebastianismo do Quinto Império. As peripécias do sebastianismo não podem eclipsar a sua matriz teórica e política que permanece constante ao longo do tempo: as metamorfoses da espera não alteram significativamente a problemática do sebastianismo, sendo adaptações à conjuntura política.

16.3. Ontem estabeleceu um paralelo entre António Vieira e Sabetai Zevi, como se se tratasse de uma descoberta original. Ora, estudos anteriores - em especial os de António José Saraiva - já tinham identificado esse paralelo, mostrando que o ano de 1666 era messiânico para os dois autores. Aquilo que diz ser uma descoberta original sua não é, de facto, original. Os encontros de Vieira com rabinos portugueses na Holanda estão bem estudados. Há uma figura que esqueceu: Menasseh ben Israel, cujas obras têm afinidades com as obras messiânicas inacabadas de Vieira. A Política de Vieira não pode ser dissociada da questão da escravatura e dos índios brasileiros: as Dez Tribos perdidas de Israel são importantes para compreender a Igreja do Futuro mas não eclipsam a questão da escravatura e dos engenhos.


16.4. (O CM) escreveu algures o seguinte: «São três os Sermões do Rosário que falam dos escravos. O único estudo que existe destes trintário é meu, se conhece outro prove-o. Chama-se "Um sermonário mariano de Vieira, Maria Rosa Mística", foi publicado pela Universidade Católica, deveria ser uma treta como o senhor faz querer. Apresente teses, tenha universidades que lhas publiquem, e depois venha discutir sobre aquilo que ainda tem muito que aprender. Seja mais humilde e não pretenda ser enciclopédia, pois as asneiras saem-lhe em catadupa».

Deixando de lado a tontice da sua retórica muito lusitana e agressiva, devo dizer que a questão dos escravos foi abundantemente analisada por diversos estudiosos portugueses, brasileiros e estrangeiros. O segundo volume da "História de António Vieira" de Lúcio de Azevedo aborda esses Sermões no Sexto Período - O Vencido, em especial na secção VI: A tarefa dos sermões. Hernâni Cidade e António José Saraiva também não foram indiferentes à questão dos escravos, para já não falar dos estudiosos brasileiros - ainda ontem foram referidos alguns mediante links - e estrangeiros. É certo que os sermões podem ser analisados em função de chaves de leitura diferentes, mas o seu conteúdo político - esse sim foi estudado.

Tinha outras coisas para dizer sobre a adjectivação que me foi atribuída, mas prefiro omiti-las porque não são relevantes para a elucidação do pensamento de Vieira.


17. O Problema António Vieira consiste em articular a História e a Política, e esta articulação é a sua Filosofia. Ora, a articulação História-Política já deriva de uma problemática de fundo que não foi descoberta por Vieira: Os seus compromissos políticos assumem a forma de teses filosóficas sobre a história e a política do seu tempo. É nesse sentido que o sebastianismo do Quinto Império ainda não foi pensado.

18. Descobri um paradoxo na concepção da "História do Futuro" de António Vieira, nas duas edições que disponho dessa obra. Vieira é enfático quando distingue a sua História do Futuro da História do Passado escrita por autores clássicos. Porém, para a fundamentar, apresenta as suas quatro "utilidades". Ora, a terceira utilidade da História do Futuro - «as promessas e as disposições divinas, antecedentemente conhecidas na previsão do futuro, tudo facilitam e a tudo animam» - reduz a História à Política de realização das promessas. A concepção de tempo de António Vieira aproxima-se e, ao mesmo tempo, distancia-se da concepção de tempo de Santo Agostinho. Para Vieira, o tempo tem dois hemisférios - o passado e o futuro - e um horizonte de tempo presente em que termina o passado e começa o futuro. É esta concepção de tempo que está na raiz dos cinco impérios: o Quinto Império mundial será realizado à escala mundial por Portugal e pelos portugueses sob a liderança de um rei português. Ora, a quarta utilidade da História do Futuro é advertir os inimigos -holandeses e espanhóis e outros - de que não vale a pena lutar contra Portugal, cujo destino foi traçado por Deus. Dado ser um império mundial temporal no mundo, o Quinto Império - a ideia - rompe com a escatologia, outra dificuldade a pensar em Vieira.

19. A burocratização do ensino queimou os neurónios dos auto-intitulados professores que assumem o cargo burocrático dispensando a tarefa de ensinar e educar. Munidos das palermices das pedagogias administrativas, pretendem ser avaliadores por decreto celestial. Porém, como podem avaliar o que não sabem ou o que não ensinaram? O ensino em Portugal e no mundo é uma mentira. Uma maneira tipicamente portuguesa de evitar o confronto da avaliação é dizer que não aceitam ser avaliados e testados. Sim, são múmias mas múmias que querem avaliar sem ser avaliadas.

20. O que me irrita nos chamados escritores portugueses? A bisbilhotice, a atracção exclusiva por pormenores da vida privada dos autores que dizem analisar, o golpe-baixo no diálogo, enfim a incapacidade de pensar o pensamento pensado e de criar novos pensamentos. Nunca se avança; patina-se na mesma merda. Daqui a pouco estávamos a discutir a virgindade de Vieira! Odeio gente burra!

21. Como exemplificar a estupidez dos livros produzidos por portugueses medíocres? Em primeiro lugar, denunciando a falta de qualidade científica e linguística da maior parte das teses de mestrado e de doutoramento. Um avaliador externo que as lesse ficaria chocado: as universidades andam a produzir burros diplomados em série. Em segundo lugar, poderia referir muitas obras editadas pelo centro de Braga da Universidade Católica: as obras filosóficas tratam de tudo menos de Filosofia. Mas posso dar outro exemplo, desta vez portuense: a Fundação Spes tentou aprofundar os estudos da vida e da obra do Bispo D. António Ferreira Gomes e uma dessas iniciativas foi a publicação de uma série de livros volumosos e vazios de pensamento. Enfim, o Bispo do Porto morreu uma segunda vez.

22. Olho em redor e vejo coisas. É certo que a linguagem me permite classificá-las, dando-me o esqueleto de uma concepção do mundo. Porém, preciso de muito trabalho de pensamento para elaborar o conhecimento do fragmento de mundo que vejo. Mas nunca estou na estaca zero porque possuo conhecimentos prévios do mundo. A teoria - o conhecimento concreto do mundo concreto - é sempre o resultado de um trabalho teórico: uma matriz teórica e instrumental permite-me converter a matéria-prima do conhecimento - um conhecimento prévio - em conhecimento científico ou filosófico.

J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Projecto Porto Cidade-Estado (3)

Cidade-Estado do PORTO
Novas ideias para pensar a Filosofia da Autonomia Radical do Porto:

1. A Cidade do Porto merece uma nova história geral e diversas histórias regionais: a História Social do Porto deve ser completada pelas Histórias da Cultura e Literatura Portuenses, da Filosofia Portuense, da Arte Portuense e do Pensamento Político Portuense. Há muito trabalho teórico a realizar e este trabalho não pode ser realizado por amadores. Há muitos livros sobre o Porto, mas a maior parte deles são escritos num estilo apaixonado e distante da disciplina do rigor teórico. Ora, sem teoria não há obra séria.

2. A sociedade portuguesa é uma sociedade de classes peculiar: a classe dominante portuguesa não sabe lidar com as classes dominantes de outros países, como o demonstra o caso de Angola. Se olharmos para a elite do poder português, ficamos chocados com a sua imbecilidade, a sua emotividade histérica, a sua subserviência em relação às instituições estrangeiras e a sua corrupção. As pessoas que protagonizam a política externa portuguesa em Lisboa são criaturas delirantes: o espírito lisboeta é doentio.

3. O complexo nacional de inferioridade revela-se nas universidades: Quando se realiza um congresso internacional, os investigadores portugueses são subservientes em relação aos convidados estrangeiros, sobretudo os europeus, desvalorizando o trabalho uns dos outros nas conversas privadas com os convidados estrangeiros. Ora, quem conheça bem a alma portuguesa, sabe que os portugueses se comportam assim para dar graxa aos estrangeiros, julgando obter algum benefício. Porém, o que obtêm é um atestado de incompetência e de falta de credibilidade pessoal e científica. São os portugueses que afundam Portugal.

4. Nas situações referidas anteriormente, eu tenho muita vergonha em assumir a nacionalidade portuguesa: Utilizo o meu fenótipo e a minha inteligência para me demarcar dos portugueses, tanto em território nacional como em território estrangeiro, porque não quero fazer parte do gueto português ou latino. Os portugueses não são boa-companhia e, se não quiseres ser um "Dr Merdinhas", demarca-te dos portugueses e nega seres português.

5. Ser português é um estigma social e este estigma foi inventado pelos próprios portugueses. A Cidade do Porto só tem um caminho a seguir para se libertar desse estigma: auto-instituir-se como Cidade-Estado.

6. "O Porto é o berço da Renascença" portuguesa: A prosa de Teixeira de Pascoaes é infinitamente superior à de Fernando Pessoa: Teixeira de Pascoaes foi um poeta-pensador que produziu uma filosofia a que chamou Saudosismo. O erro de Teixeira de Pascoaes não reside no seu "nacionalismo", mas no facto de não ter compreendido as fissuras que existem na alma portuguesa. Com efeito, a alma portuguesa não é unitária e as polémicas que o poeta travou com António Sérgio demonstraram isso. Se interpretarmos o saudosismo como uma filosofia da esperança, então podemos corrigir o erro de Teixeira de Pascoaes, traduzindo "alma portuguesa" por alma portuense. É preciso usar violência hermenêutica para recuperar os pensadores da Escola do Porto e trazê-los para as proximidades do projecto filosófico e político do Porto Cidade-Estado.

7. Teixeira de Pascoaes elaborou uma teoria da mentira, articulando-a com a antipatia da vida moderna: «A mentira reina sobre o mundo. Quase todos os homens são súbditos desta omnipotente Majestade». O texto onde o poeta-pensador desenvolve as suas ideias é demasiado breve: a sua fenomenologia da antipatia implica uma fenomenologia da simpatia que quase supera a de Scheler. A ideia central é a de que a antipatia é estranha à Natureza, onde tudo se liga e atrai. Temos aqui uma dinâmica de forças que foi tematizada de diversas maneiras pelos pensadores da Escola do Porto. A sua fidelidade a Bergson reflecte-se no abuso de metáforas que caducam rapidamente o pensamento profundo que elaboraram.

8. «Assim um indivíduo (e as nações são como os indivíduos) educado contra as tendências naturais do seu espírito, jamais será alguém»: Pensamento brilhante de Teixeira de Pascoaes que ele utiliza para justificar o fracasso do constitucionalismo. Porém, ao lado brilhante deste pensamento, devemos associar o seu lado sombrio: a nacionalidade portuguesa não se casa com o constitucionalismo porque este é estrangeiro. Compreendo o desejo de criar uma Religião Lusitana: vejo-o como a tentativa de realizar tardiamente a Reforma em Portugal. Mas não consigo pensar o isolamento da alma portuguesa. A alma portuense deve abrir-se ao mundo. Ser alguém em vez de ninguém exige abertura ao mundo.

9. O pensamento portuense - produzido por portuenses para portuenses - encontra-se na mesma situação dos Edifícios do centro histórico: precisa de ser reabilitado através de uma hermenêutica subtilmente violenta que o confronte com as grandes tendências da Filosofia Moderna.

10. O que penso da filosofia de Leonardo Coimbra? Leonardo Coimbra foi provavelmente o primeiro filósofo portuense - e português - a produzir filosofia enquanto filosofia. Os poetas-pensadores que foram seus contemporâneos viram no seu criacionismo o culminar filosófico do seu próprio pensamento. De facto, há uma unidade de pensamento na Escola do Porto, a qual foi pensada por Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro e Teixeira de Pascoaes. Porém, o desenvolvimento filosófico de Leonardo Coimbra ainda não foi pensado: a sua filosofia experimental e a sua atracção pelo cálculo diferencial e integral ainda não foram seriamente estudadas.

11. Chegou o momento de criticar alguns portuenses, aqueles que escrevem textos que parecem ser um amontoado de lombrigas. Há na Cidade do Porto homens e mulheres que deviam ser expulsos da cidade devido à sua estupidez disfarçada de "bairrismo": os seus textos, os seus comportamentos mancham a dignidade da Cidade do Porto. Tenho muito nojo desses tristes e grosseiros portuenses!

12. Os auto-intitulados "filósofos lisboetas" - supostamente racionalistas - condenam o "nacionalismo" inerente à Filosofia Portuense, dedicando o seu tempo a discutir o carácter nacional ou universal da filosofia. Ora, estes idiotas nunca devem ter lido uma obra de filosofia e, diga-se de passagem, desconhecem a filosofia do romantismo alemão e do idealismo alemão. Ser patriota não é um crime: os portuenses são patriotas e amam a sua cidade. Crime é vender o país aos estrangeiros, como fazem os governantes em Lisboa.

13. E eis que Teixeira de Pascoaes sonha a origem atlante do Porto: «A Saudade é deusa atlântica, não mediterrânica. Os Iberos são atlânticos, esses refugiados do Cataclismo que submergiu o célebre Continente». Descobri agora mesmo esta bela intuição histórica do poeta do Norte!

14. O abismo separa o pensamento vivo de Teixeira de Pascoaes do pensamento morto de Fernando Pessoa: O poeta do Porto usa a sua experiência para se apropriar da história da filosofia. A sua apropriação da filosofia revela um profundo conhecimento da mesma: Vejam como ele na frase anterior se apropria de Platão emprestando-lhe o Desejo.

15. É fundamental elaborar a Filosofia do Romantismo Portuense - quase tão brilhante quanto a Filosofia do Romantismo Alemão - e colocar o seu poder subversivo ao serviço da causa nobre que é a instituição do Porto como Cidade-Estado. O génio portuense surpreende-me: Como é que homens que viveram nesse ermo chamado Portugal conseguiram elevar-se às alturas do pensamento filosófico criativo? Porém, quando olho para Fernando Pessoa, vejo um homem sombrio incapaz de pensar um único conceito filosófico. O abismo do pensamento afasta o Porto de Lisboa.

16. Sempre que Teixeira de Pascoaes fala do Encoberto e do Enevoado sabemos que está a falar da missão histórica do Porto. Mas, para quem conheça a sua obra, o Enevoado é a funda meia-noite que abriga e esconde uma Nova Filosofia. Tal como Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoases atribui ao Encoberto a missão de pensar a filosofia da história da Cidade do Porto. Como eles foram profundamente hegelianos e românticos!

17. Quem nasceu na Cidade do Porto sabe que os dias e as noites de nevoeiro cerrado convidam ao recolhimento espiritual: O Porto pensa enquanto Lisboa festeja nas ruas. Este pensamento essencial foi descoberto por Sampaio Bruno; eu limito-me a dar-lhe um outro alcance filosófico dizendo: Quebrar o exílio interior é romper com Lisboa e instituir o Porto como Cidade-Estado.

18. E agora chegou a hora de dizer o que os ilustres portuenses pensavam dos portugueses: a sua experiência de exílio interior levou-os a pensar a maldade do povo português. Em Portugal, ou ficamos calados e somos cúmplices do mal existente ou ousamos pensar e somos perseguidos, empobrecidos e afastados. Como dizia o poeta: nacionalidade portuguesa e democracia (constitucionalismo) não casam, bastando pensar nas chantagens deste governo e nos ataques que dirige contra o Tribunal Constitucional. A máfia que preside aos destinos de Portugal é criminosa.

J Francisco Saraiva de Sousa