terça-feira, 20 de maio de 2008

Prós e Contras: Quem trava o aumento dos combustíveis?

Seguido de um EXCURSO sobre o PENSAMENTO CALCULISTA
«Para poder vencer no seu terreno o Espírito misantropo e descarnado, o materialismo deve mortificar a sua carne e fazer-se asceta. Ele apresenta-se como um ser de razão, mas desenvolve também as consequências inevitáveis do entendimento...» (Karl Marx)
"Prós e Contras" de hoje (19 de Maio de 2008) foi dedicado à discussão dos preços elevados do petróleo. Os impostos estão a pesar cerca de sessenta por cento no preço das gasolinas e, por isso, o consumo e a circulação já estão a diminuir, e muitos portugueses, empresários ou não, preferem abastecer-se em Espanha, onde os preços são muito mais baixos e acessíveis. Estes aumentos atribuídos, embora de forma dissimulada, à cartelização das companhias petrolíferas, arrastam outros sectores da economia portuguesa, alguns dos quais dizem não suportar por mais tempo estes preços descomunais do petróleo.
A questão colocada pela Fátima Campos foi a seguinte: Como vamos pagar os combustíveis? A viagem do Primeiro Ministro José Sócrates à Venezuela foi elogiada pelos empresários que o acompanharam e parece ter sido um êxito, já que os combustíveis comprados à Venezuela poderão ser pagos com produtos portugueses. Outra solução discutida para tentar travar a médio prazo os preços descomunais do petróleo é o investimento nos biocombustíveis que dentro de pouco tempo poderão compor cerca de 10% do diesel comercializado, tal como já sucede com a energia eólica incorporada na rede nacional de electricidade.
Infelizmente, não pude assistir a todo o programa e, por isso, prefiro não mencionar os nomes dos participantes. Mas a outra pergunta lançada: quem trava a escalada dos combustíveis?, e que deu o nome ao programa, parece ter ficado sem resposta, uma vez que ninguém parece ter poder para controlar a subida dos preços do petróleo, ora atribuída à especulação das companhias petrolíferas, ora atribuída aos países produtores, ora ainda atribuída às regras impostas pela União Europeia.
EXCURSO SOBRE MARX E HEIDEGGER: Como o tema de fundo deste programa de "Prós e Contras" está na linha do post anterior dedicado a "Heidegger e a Questão da Técnica", vamos reproduzir aqui os seus dois últimos comentários. Nesse post anterior dedicado à questão da técnica, o André LF fez este comentário a propósito de Heidegger:
"Francisco, a perda da capacidade de contemplar o numinoso que se manifesta em tudo que existe, leva o homem contemporâneo a um desenraizamento que o distancia de tudo, tornando-o um estrangeiro em terra própria. A respeito desta atitude do homem contemporâneo, o funcionário da técnica, como dizia Heidegger, diante do sagrado, afirma Umberto Galimberti que vivemos: "Um hoje que é tempo de pobreza extrema porque, como diz Hölderlin," não mais existem os deuses que fugiram, e ainda não existem os que devem vir". O lugar que o sagrado deixou vazio é hoje ocupado por palavras religiosas que, fechadas no cálculo dos valores, limitam-se a circunscrever o recinto do agir. Assim a essência do homem empobrece quando, à sombra de religiões cuja única preocupação parece ser a dimensão ética, procura dar sentido à dor, educar para o amor, preparar-se para a morte, esquecendo o apelo de Rilke: As dores são desconhecidas, o amor não se aprende, a injunção que nos chama a entrar na morte permanece obscura. Somente o canto sobre a terra consagra e celebra".
Em resposta, escrevi-lhe este comentário:
"André, o programa "Prós e Contras" de hoje dedicado aos combustíveis mostrou que todos são funcionários do sistema de ordenamento técnico que é comandado pela economia capitalista e as suas grandes empresas, neste caso pelas companhias petrolíferas e a sua especulação.
"Este é um dos aspectos que Heidegger desprezou nos autores que o inspiraram e que não nomeou, a começar por Lukács: a tecnologia está ao serviço do capitalismo e é esse facto que a torna perigosa. Negligenciar o capitalismo na questão da técnica é submeter-se aos imperativos do sistema de mobilização total: tudo é funcionalizado, incluindo o próprio homem. Aliás, o homem é substituído pela técnica e entregue ao sistema capitalista do consumo. Está a surgir um novo proletariado, os empregados das grandes áreas comerciais. Eles são hoje aquilo a que Marx chamava o "lumpen-proletariado".
"A noção de valor elaborada por Marx ajuda a clarificar as transformações que o André referiu. Afinal, os valores são, de certo modo, criações burguesas, dado subjectivarem o ente em mero objecto no horizonte da modernidade. Mas temos actualmente outro inimigo: os Direitos (adquiridos). E onde ficam as responsabilidades ou as obrigações? Neste programa, um empresário disse que tem direito ao carro; paga para o ter e não se interessa em gastar dinheiro para se deslocar para onde quiser. Portanto, não ao transporte público como solução para fazer face à crise dos preços elevados dos combustíveis e minorar os efeitos da crise ecológica, porque ter carro é um direito. Eles pensam a partir do seu umbigo e estão a marimbar-se para a crise ecológica: o que desejam é o seu conforto e o seu luxo; o planeta que se lixe depois de morrerem após uma vida confortável e de terem endividado as gerações futuras para manter os seus luxos. Este é um dos aspectos que mostra o predomínio do pensamento calculista em detrimento do pensamento do sentido."
Falei da omissão dos autores marxistas nas obras de Heidegger, embora a "Carta sobre o Humanismo" refira elogiosamente Marx: «Pelo facto de Marx, enquanto experimenta a alienação, atingir uma dimensão essencial da história (a alienação do homem vista como a apatridade do homem moderno), a visão marxista da História é superior a qualquer outro tipo de historiografia.» Este reconhecimento parece anunciar um «possível diálogo produtivo com o marxismo» que Heidegger nunca levou a cabo, pelo menos explicitamente. Contudo, nesse mesmo texto, Heidegger aprisiona o marxismo na determinação metafísica que o seu pensamento pretende superar: «A essência do materialismo não consiste na afirmação de que tudo apenas é matéria; ela consiste, ao contrário, numa determinação metafísica, segundo a qual todo o ente aparece como matéria de um trabalho», de resto já antecipada por Hegel. Heidegger pode assim ligar a essência do materialismo à essência da técnica, descartando-se do marxismo visto como o culminar da metafísica: «A essência do materialismo esconde-se na essência da técnica; sobre esta, não há dúvida, muito se escreve, mas pouco se pensa. A técnica é, na sua essência, um destino ontológico-historial da verdade do ser, que reside no esquecimento. (...) Enquanto uma forma da verdade, a técnica funda-se na história da Metafísica».
Porém, como demonstraram Herbert Marcuse, Ernst Bloch, Alfred Schmidt, Henri Lefebvre ou Kostas Axelos, as noções marxianas de natureza, história, cultura e técnica são muito mais complexas e ainda não foram devidamente compreendidas. Embora a leitura ética não tenha sido escolhida ou rejeitada por Marx, ele parece recorrer à estética para apresentar a Terra como uma obra. Neste caso, a filosofia da natureza de Heidegger está prefigurada em Marx, de um modo muito mais interessante e produtivo. E, se for assim, a crítica que Heidegger dirige às axiologias tem pertinência e pode ser recuperada e aprofundada através de uma nova leitura de Marx que, procurando intensificar e alargar a vida, rejeita definitivamente a ideia perigosa de um fim da alienação a partir de um acto absoluto, filosófico (Hegel) ou sócio-político (Marx). Como escreve Heidegger: «O valorar não deixa o ente ser, mas todo o valorar deixa apenas valer o ente como objecto do seu operar. O esdrúxulo empenho em demonstrar a objectividade dos valores, não sabe o que faz. Quando proclama «Deus» como «o valor supremo», isto significa uma degradação da essência de Deus. O pensar através dos valores é, aqui, e em qualquer outra situação, a maior blasfémia que se pode pensar em face do ser. Pensar contra os valores não significa, portanto, propagar que o ente é destituído de valor e que é sem importância; mas isto significa levar para diante do pensar a clareira da verdade do ser contra a subjectivação do ente em simples objecto».
J Francisco Saraiva de Sousa

68 comentários:

E. A. disse...

Os valores são criações burguesas? Gostaria que mo justificasse. Porque n posso mesmo concordar com tal premissa... os valores são, antes, criações fabulosas, advindas da Necessidade. O direito comprova-se ser mais instintivo do que produto criativo. Por sermos zoon logoi, ou seja, animal do discurso, da linguagem, da razão, somos com os outros, é a nossa forma original de ser e, como tal, o direito não é uma criação mas uma necessidade. Daí se seguem, como formas de ser evolutivas, os preceitos morais e as normas jurídicas, que, evidentemente, podem ser contestáveis e superáveis, ainda que em limite, seja sempre reservado o entendimento que na linguagem moral "bom" significa sempre "bom para todos". E este "bom para todos" deve ser estendido às gerações futuras.
É dado que os valores morais podem ser perversos, tal como denunciaram Marx, Nietzsche e Freud, e por ora, vemo-nos já com outro tipo de problemas, como o q enunciou: vale mais o meu direito a passear de carro ou os direitos dos meus sucessores em herdarem uma Terra habitável? O problema do antropocentrismo "neoliberal" é este.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Acrescentei um excurso sobre os temas debatidos no último post.
As suas questões e perspectivas colocam novos problemas que urge pensar. Começamos a estabelecer diálogos produtivos. Sobre os valores retomei a perspectiva de Heidegger e reforçei a perspectiva estética, ou melhor, poética da filosofia da natureza de Marx.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Repare que não rejeito a ética e, para mim, ela diz respeito aos costumes e, no quadro desta crise ecológica e económica, exige uma mudança de atitude ou de paradigma. Aquilo que não foi debatido no programa, devido ao facto de todos os participantes estarem prisioneiros do pensamento unidimensional (Marcuse) que nada vê para além da eficiência e da mera adaptação.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Mais: Já tenho falado sobre as "ambiguidades produtivas" do pensamento de Marx que têm o mérito de nos deixar o terreno livre para a exegese dos seus textos e a sua actualização face aos novos desafios.

Em O Capital, Marx parece reduzir a relação Homem/Natureza a uma troca metabólica. Paradoxalmente, essa troca pode ser lida como uma relação pacífica com a natureza. Porém, subjacente a esta concepção está outra: a luta e a dominação da natureza que possibilita satisfazer as nossas necessidades humanas, de modo a criarmos uma natureza apropriada de modo "humano". Se, como diz nos Manuscritos ou na Sagrada Família, o homem é um ser necessitado, portanto, um ser natural, então a história só pode surgir dessa luta com a natureza. Continuar no estado de necessidade é a miséria humana. Há aqui uma dialéctica natureza/antinatureza que deve resultar na "apropriação humana", a qual liberta o homem e a natureza para a sua dimensão estética: a produção não é devastação da natureza, externa e interna, mas relação de apropriação vivida sob o signo do prazer e da alegria. A técnica não é, por si mesma, o lado mau da história, mas a nossa maneira de ser na natureza: a indústria pode ser vista à luz da "redenção" do mundo, da terra e da natureza.

Manuel Rocha disse...

O ultimo comentário da Papiloska sobre a questão da técnica no penúltimo post, vai a servir-me para uma arenga das minhas;)

A questão é que aparentemente damos por adquirido que o progresso só podia ter seguido por "aqui".

Logo, é natural o que o tal senhor que comentou: ao defender o seu direito de andar de carro ele limita-se a verbalizar aquilo que todos pensam sobre o acesso aos ultimos gritos da tecnologia mas poucos verbalizam. Neste ponto do percurso o progresso não se consegue definir fora do contexto. "Progresso" é "isto". De tal modo que até a questão da "sustentabilidade" se define como a possibilidade de outros virem tb a fruir "mais disto", e não uma interacção qualquer substancialmente diferente.

A discussão em torno dos combustiveis é disso reveladora. Não se pensa sequer noutras vias para a tecnologia e para o progresso. Criou-se essa "necessidade" e os valores instituidos limitam-se a operacionaliza-la. Não se trata de mudar a vida, mas de vida.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Marx define a "indústria" como revelação "exotérica" e, ao mesmo tempo, como revelação "esotérica": a via estética (Marcuse) ou poética" (Heidegger) foi vislumbrada por Marx. A tarefa hoje é reconstituir esse "projecto marxista inicial e fundamental". E trata-se, não de mudar a vida, mas, como diz o Manuel, de "mudar de vida". E Marx acrescenta:

"É a história, ela mesma, uma parte real da história natural, da evolução da natureza para o homem".

Uma noção que implica um novo conceito de ambiente e um novo sentido para as políticas do ambiente, porque

"a natureza que nasce na história humana, no acto gerador da sociedade humana, é a natureza real do homem".

André LF disse...

Olá, amigos!
Francisco, seu comentário no post clarificou as minhas concepções sobre a temática da técnica a seriço do capitalismo.
Nos fragmentos póstumos de Nietzsche (Sabedoria para depois de amanhã, editora Martins Fontes), encontrei uma interessante definição de “homem coletivo”— que nos remete ao “animal metabolicamente reduzido”:
“Obviamente, a maioria dos homens encontra-se no mundo por acaso: neles não se mostra nenhuma necessidade de tipo superior. Eles se dedicam a uma coisa e outra, seu talento é medíocre. Que estranho! O modo como vivem mostra que não se têm em boa conta; abandonam-se, entregando-se a patifarias (sejam estas mesquinhas paixões ou insignificâncias da profissão). Nas chamas ‘vocações’, que todo mundo deve escolher, há uma comovente modéstia dos homens: com ela, dizem que somos chamados para sermos úteis e para servir os nossos semelhante, e que o mesmo deve se passar com o vizinho e com o vizinho deste. Assim, todos estão a serviço dos outros, ninguém é destinado a existir por si mesmo, mas sempre pelos outros. Desse modo, temos uma tartaruga que descansa sobre outra e assim por diante. Se cada um tem a sua meta no outro, então ninguém te uma meta em si para existir; e esse ‘existir para os outros’ é a mais cômica das comédias.”
É muito pertinente a imagem da tartaruga, como um símbolo da letargia que toma conta dos animais metabolicamente reduzidos. Nietzsche só deixou de afirmar que a tartaruga da metáfora está muito bem alimentada...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Embora não conheça esse livro de Nietzsche, pelo menos com esse título, penso que essa figura do "homem colectivo" está associada àquilo a que ele chama o "pensamento rebanho", idolátrico e heterónomo, o qual ele atribui à moral cristã, a negadora da vida. (Estou a fazer um estudos sobre as "modalidades" do pensamento em Nietzsche.)

Essa imagem

"É muito pertinente a imagem da tartaruga, como um símbolo da letargia que toma conta dos animais metabolicamente reduzidos. Nietzsche só deixou de afirmar que a tartaruga da metáfora está muito bem alimentada..."

é deslumbrante e deveras pertinente.

Papillon

Não compreendo estas duas frases suas:

"Os valores são, antes, criações fabulosas, advindas da Necessidade." E a moralidade da moral de Nietzsche?

E: "O direito não é uma criação mas uma necessidade." E a crítica do Direito de Marx?

Sou demasiado hegeliano-marxista para aceitá-las, a menos que interprete a "necessidade" como a "necessidade" das classes dominantes" garantirem o seu domínio, ora através da Moral (violência não-física que visa o assentimento supostamente "livre"), ora attravés do Direito (incorporado nos aparelhos repressivos de Estado).

E. A. disse...

A moralidade da moral, ou a moralidadade dos costumes, é a interpretação dos costumes, incorporada atematicamente e que foi revestida de absolutismo; é esta que segundo Nietzsche deve ser algo de investigação. Mas Nietzsche nunca fala, ao contrário de alguns comentadores, de uma imoralidade, apesar do seu projecto ser insuficiente e acabar no niilismo que refuta.

Desconheço a Crítica ao Direito de Marx.
Quando digo que o direito é uma necessidade, é porque é no acordo e na aliança que o homem se fez homem, como ser determinado para linguagem. O direito n é um produto cultural, mas um instinto como outro qualquer, uma especificidade, uma predisposição, sob a qual, de resto, pôde edificar as suas expressões mais elevadas.

E. A. disse...

Manuel,

De facto, a sociedade ocidental, pressupõe um ponto de vista progressista: chegámos à democracia, à paz entre os países ocidentais, acordámos, inclusive, alianças económicas, etc.
Podemos pôr em causa, certamente, se a democracia e os princípios subjacentes são razoáveis, podemos pôr em causa se a paz é razoável – como o Francisco tem vindo aqui e ali a questionar. O princípio cristão de que somos todos iguais não existe de facto, mas foi imposto por direito e é, por isso, questionável.
É claro que se admitimos isto como bom, pressupomos ser bom para as gerações vindouras: esta dedução acontece desde sempre na Humanidade.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Manuel

Henri Lefebvre criticou na sua obra "Introdução à Modernidade", certas novas visões ecológicas da natureza:

"Os abusos do romantismo ecológico desacreditaram a noção de Natureza, embora a filosofia sistematizada tenha renunciado à filosofia (ontologia) da natureza (retomada por Chardin ou os epígonos de Engels). O naturalismo e o naturismo puerilizam esta noção de Natureza... A Natureza foi capturada pelo jornalismo, pela literatura e pelos mass media, ao mesmo tempo que pela ontologia decadente".

Contudo, acrescenta:

"Temos diante de nós, actualmente, um Todo, ao mesmo tempo condição de produção e produto da acção, lugar do homem e objecto de gozo: a Terra".

Não podemos esquecer a brilhante crítica da vida quotidiana e da vida urbana feita por Lefebvre.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Concordo com a sua visão do Direito desde que vista à luz de "A Dignidade do Homem e os Direitos Naturais" de Ernst Bloch, mas não vista à luz do Direito Positivo ou instituído.

(Faltou um "embora não tenha" na citação de Lefebvre, porque a Filosofia nunca desprezou a Natureza!

E. A. disse...

Naturalmente que a minha perspectiva não pode ser coerente com o Positivismo Jurídico, pois afirmei acima que do direito como instinto se seguem as normas jurídicas e os preceitos morais. Ora, como sabe o P. J. nega a relação entre direito e moral e despreza esta última, por ser de carácter mutável.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ok Papillon

Então, estamos necessitados da reforma estrutural e substancial do sistema judicial e da sua "cultura", reforma digna de estar à altura de uma democracia genuína e participativa, real e não meramente formal, a qual exige uma relação pacífica com a natureza, externa e interna. A noção de pátria comum a Bloch e Heidegger!

E. A. disse...

Há aí uma coisa que me é estrangeira: "pacificar a minha relação com a natureza" ou, também, pacificar a minha relação com o meu corpo... não lhe parece um objectivo utópico ou mesmo paradoxal? E é por isto que não concordo com as teorias holísticas ecológicas.
O Francisco sabe, como cientista que é, que mesmo algumas espécies animais destroem outras espécies, ou mesmo ecossistemas, sem industrialização. As cidades destroem algumas espécies de animais e vegetais, mas são benéficas para outras espécies, como os ratos.
Os animais não querem saber da "pátria" para nada e muito menos o Universo quer saber da nossa industrialização desmedida e destruidora. Isso é efabulação, tanto ou mais como a valorização!
A minha pátria é a dignidade humana (Mirandola), porque sou produto da magnífica e grandiosa História Ocidental, mesmo que isso signifique a minha destruição. Como diz Nietzsche mais vale morrer com orgulho do que sem ele: for the present, the “proud sufferer” is still the highest type of man.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Papillon

Concordo até porque sou muito hegeliano-marxista e blocheano: todo virado para a frente sem fazer concessões para trás. Para mim, a pátria é eternamente algo que procuramos sem nunca o pretender "possuir" ou "realizar". A minha dialéctica é avessa à colonização do futuro ou à captura do tempo: implica atenção e diz não à violência totalitária ou gratuita.

Quem não deve concordar é o Manuel.

(Fui cortar o cabelo!)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Repare que tenho criticado a ecologia profunda ou qualquer versão de ambientalismo radical ou moderado. Devemos zelar pela natureza de modo a garantir a sua habitalidade. Por isso, não critico o antropocentrismo, mas apenas certo tipo de humanismo.

E. A. disse...

Sim o humanismo interpretado pelo Génesis:
«Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos animais que se movem na terra» 1:28

E mais à frente: «E dela [da árvore proibida] só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho, em todos os dias da tua vida. Produzir-te-á espinhos e abrolhos, e comerás a erva dos campos. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque és pó e em pó te hás-de tornar» 3:17-9

São realmente impressivas estas passagens justapostas uma à outra: num momento, o homem é designado como senhor todo-poderoso da terra; noutro momento é-lhe recordada a sua natureza prosaica, a terra, a sua origem e o seu fim. Metade divino (Imago Dei); metade bicho.

«Não te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses na forma que tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até aos seres que são as bestas, poderás regenerar-te até às realidades superiores que são divinas, por decisão do teu ânimo.»
Mirandola

Quando não sei respostas, recolho ao Livro dos Livros! Por isso partilhei a minha breve incursão.
Sublinho, por fim, a "decisão" de que fala Pico della Mirandola. Podemos ainda decidir, o futuro é incerto, e a decisão pode ser libertadora: é livre e de boa fé aquele que, decidindo, tem em conta a humanidade (Sartre).

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É os judeus não conceberam a imortalidade da alma; essa é uma ideia grega!

Se gosta de recorrer ao Livro dos Livros, já leu a "Teologia do Antigo Testamento" de Walther Eichrodt ou a de von Rad? Vale a pena ler "Antropologia do Antigo Testamento" de Hans Walter Wolff: muito interessante e analisa esses textos.

E. A. disse...

Não, nunca li e muito obrigada pela recomendação. Gosto do Antigo Testamento, mas prefiro o Novo. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Tem a Teologia do Novo Testamento de Rudolf Bultmann, pupilo de Heidegger. :))

E. A. disse...

Está bem. Tb n li. Aliás nunca li interpretações da Bíblia, sempre a li sozinha, além da Catequese.

André LF disse...

Francisco, o livro do qual extrai aquele trecho de Nietzsche intitula-se "Sabedoria Para Depois de Amanhã" (Weisheit für übermorgen). Trata-se de uma seleção de fragmentos póstumos de Nietzsche feita por Heinz Friedrich. A tradução não me parece das melhores :(

Papillon, sempre que leio o Antigo Testamento fico assustado com Javé. O livro de Jó me desconcerta.

André LF disse...

Um dos meus textos preferidos é o Eclesiastes.

André LF disse...

Em momentos de angústia, recorro a Jacob Boehme, Angelus Silesius, Mestre Eckhart, Montaigne e Sêneca. Eles são grandes terapeutas :)
São leituras que nutrem o espírito.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

André

Essas são boas leituras: alimentam o espírito. Eu acabei de chegar de outro tipo de alimentação mais material.
Fico revoltado quando vejo os livros mal classificados nas livrarias, mas já é hábito: os empregados são muito ignorantes.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Eu gosto de um Javé duro e justo como o do Antigo Testamento: o livro de Job tem sido objecto de estudos filosóficos, em especial o de Ricoeur sobre o mal. O livro que prefere é mais moralista. Os Salmos dão boas imagens de Deus nas alturas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Papillon vai encontrar-se amanhã com a Denise!

E. A. disse...

André,

O livro de Job é muito interessante! Job assaltado pelo mal, deseja o Nada, o não-ser, pois com o ser e a consciência vêm o conflito e a angústia. Job reconhece a sua condição humana, como ser exposto e vulnerável.
A maior parte do livro é um contínuo diálogo com os seus amigos que tentam por variadas razões acalmar a ira de Job, até ao último amigo que diz que Deus acomete males aos "inocentes" por razões que escapam ao entendimento... Deus intervém por fim e faz-lhe ver que ele é o ser sumamente poderoso e que tudo governa por princípios por ele criados, alheios aos humanos. E, nós leitores, sabemos que ele lançou males a Job, só porque Satanás o tentou a fazê-lo, alegando que assim provaria que Job só lhe era fiel enquanto fosse feliz... Um Deus muito caprichoso, vaidoso, prepotente, que no final devolve-lhe as riquezas e a saúde! Até Gil Vicente percebeu esta "incoerência" e no seu "Breve Sumário da História de Deus" o episódio de Job acaba com a sua morte antes dos bens devolvidos...

E. A. disse...

Francisco,

Não, não me vou encontrar com a Denise amanhã. Se for é na 5ª feira.

André LF disse...

Bela leitura de Job, Papillon!

Francisco, isto ocorre porque estes empregados são meros técnicos. Não são amantes da cultura :(

Quando quiserem vir ao Brasil (SP) me avisem :)

André LF disse...

Pensei que Papillon e Denise fossem vizinhas.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ui a Papillon é muito dada a leituras biblícas. Uma suma de Job!
Não sabia o dia; apenas li o blog da Denise. Gil Vicente foi reeditado em português "arcaico".

André LF disse...

Javé é um Deus humano demasiado humano.
Como diz Goethe:
"O homem jamais compreende quão antropomórfico é”.

E. A. disse...

André, adoraria ir ao Brasil! Mas preferia conhecer o Rio de Janeiro! :)))
Eu iria lá com um amigo meu, mas ele resolveu-se casar, CASAR. Os amigos n se deveriam casar, porque depois parece mal passearem com amigas... Fico com ciúmes, porque depois as amizades n voltam a ser como dantes! Devíamos morar todos em comunidade e sermos todos uns dos outros, como irmãos. :)

Francisco, no blog da Denise tem escrito 5ª feira. Mas por acaso nem posso de manhã.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estamos em locais diferentes: eu a Norte (Porto), a Papillon a meio (Lisboa) e a Denise no Sul (algures). O André em São Paulo (Brasil). O Fernando Dias mais a Norte (Braga) e o Manuel é vizinho da Denise.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É, o casamento é uma seca "necessária", mas nós somos uma comunidade de irmãos de espírito.

E. A. disse...

É, hoje a Borboleta está muito bíblica e doutrinária, por isso, deixo-vos com o ensinamento de que Satanás não foi aquele que decidiu pelo mal, mas foi aquele que não se decidiu... :)

André LF disse...

Franscisco, não compreendi a expressão: "seca 'necessária'"
Necessária a que?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Estou encantado com o "abrigo" de Heidegger na Floresta Negra! 6 por 7 metros, naquela altitude das montanhas, onde teve um encontro com Hannah Arendt. Aliás, Heidegger não ligava à mulher, porque tinha cozinha integrada e por lá ficava a meditar, sendo visitado por uma velha camponesa.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sei lá, André, para quem deseje casar!

André LF disse...

Papillon, normalmente, os cariocas e os paulistanos não se dão bem. Quando fui ao Rio, convidado por uma amiga, senti uma animosidade contra mim. Eles falam muito mal dos paulistanos e nós também falamos deles

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

É como nós aqui: portuenses contra lisboetas!

E. A. disse...

É tipo Porto-Lisboa! :)

André LF disse...

Francisco, vc viu o documentário sobre Heidegger, no YouTube?

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Vi num documentário na Tv e suponho que era uma realização francesa em vários episódios. Tive a ler alguns escritos camponeses de Heidegger, onde fala de si e da Floresta Negra.

André LF disse...

Os cariocas dizem que nós somos estressados, neuróticos e não sabemos aproveitar a vida.
Nós dizemos que eles são malandros, vagabundos e adoram vir a São paulo para tirar os empregos dos paulistanos :)

E. A. disse...

Lisboa está para o Rio, como S. Paulo está para o Porto. :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Também vou arranjar um auto-abrigo algures. Wittgenstein também tinha a sua cabana! :)

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

a Papillon esqueceu que a capital é Brasília e não o Rio de Janeiro! Puf

André LF disse...

Sim, era uma realização francesa. Fiquei com muita vontade de passar uma temporada na cabana de Heidegger.
Há no You Tube uma entrevista muito interessante da Hannah Arendt. Vale a pena assistir ao programa.

André LF disse...

Wittgenstein foi muito sábio.

E. A. disse...

ah ah ah...
O cavernoso do Francisco vai arranjar uma cabana! E aonde vai ser? Em cima duma árvore no parque do museu Serralves? Avise-nos que depois levo-lhe uma merendinha, deixo cá em abaixo e depois durante a noite, desce e vem buscá-la.

E. A. disse...

Coitadinho! Além de querer ser bicho-do-mato, ainda tem pretensões de sábio! Eu sei que a Brasília é a capital do Brasil. Fiz a comparação nos termos em que o André a descreveu!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Ontem estive em Serralves. Se não fosse quinta e museu de arte moderna, era um excelente lugar no meio da cidade do Porto. Tem lá boas cavernas!

André LF disse...

Papillon, como dizemos por aqui, vc pegou pesado com o Francisco. "Cavernoso" é fogo...

André LF disse...

Brasília é o templo da corrupção :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A Papillon pega pesado mesmo, mas como não sei o que significa cavernoso (só conheço os meus corpos cavernosos) não ligo e passo para diante...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Tal como Lisboa, a eterna corrupta, isto é, a Babilónia dos tugas...

E. A. disse...

André,
Eu sou serpente serpentina, bicéfala, bifurcada e dançarina! :)

E. A. disse...

Oh! N me diga que fica chateado! Cavernoso vem de caverna. N faz apologia ao isolamento?

Quer um abraço? Apertadinho?

André LF disse...

Papillon é uma serpente dionisíaca!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Troquei umas coisas e tomei dose colossal de serenal. Abraços...

E. A. disse...

André,

Eu provoco o Francisco, porque ele é provocável, e dá-me gozo, eu sei que sou um pouquinho irritante e cruel e vou-me penintenciar por isso já hoje antes da oraçao da noite... (pedia ao Francisco para me penintenciar ele mesmo, mas n está aqui).

André LF disse...

Boa noite a todos!

Denise disse...

Papillon: ida a Lisboa cancelada. Haverá outros dias, não?
Franciscoe André: moro no sul, no Algarve, na cidade de Portimão.
Abrir-vos-ia as portas da minha casa, mas de ontem para hoje deixei de a ter ...

E. A. disse...

Bom dia Denise! Sim, seremos "cheios de dias"!
Espero que se resolva o problema de habitação o mais breve possível e da maneira mais harmoniosa... n gosto da discórdia. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Olá Denise

Espero que recomece a habitar a sua casa!